Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.32 – Protágoras e a Democracia.
Diz-nos Guthrie:
“Protágoras tem posição difícil de defender, e fá-lo com surpreendente habilidade. Se admitisse que virtude (para usar a tradução comum para arete) é dote natural de todo o gênero humano, antes que algo adquirido por treinamento, teria argumentado que estaria fora de sua tarefa, pois treinamento na virtude é o que acabara de dizer que era sua ocupação. De outro lado, esforçou-se para justificar o princípio subjacente à democracia ateniense, de que questões de política pública não são de nenhum modo técnicas, de sorte que o conselho de um “ferreiro ou sapateiro” pode ser tão bom como qualquer dos outros, que parece implicar que as virtudes necessárias são inatas em todo homem antes ministradas por instrução. Ambas as posições são mantidas no mito e na explicação que lhe segue.
Sagacidade técnica (entechnos sophia) é inata ao homem desde o começo, pois no mito ela é concedida por Prometeu no momento em que os primeiros homens vêm a luz.
Participariam dele tanto no sentido de que a razão era o dom de Prometeu, um ser divino, e de que a posse da razão se pensava como marca de parentesco com os deuses.
(...)
O decreto de Zeus está pelo que, nas antropologias não-míticas (e na mente de Protágoras) era o trabalho do tempo, da experiência amarga e da necessidade [Ao escrever o que isso, percebi que esta observação, que agora escapa até à maioria dos estudiosos, foi feita bastante tempo atrás por Kaerst em Zeitschr. f Pol. 1909, 513, n. 1: "Der Umstand, dass im Mythos des Protagoras erst durch Hermes die dike und aidos an die Menschen verteilt werden, so11 natürlich nur die unbedingte Notwendigkeit der Allgemeinheit der Rechts — und Schamgefühle für das Bestehen des Staates veranschaulichen".] A estória ensina duas coisas sobre as "virtudes políticas": (a) o mundo civilizado todos as possuem até certo grau (amos ge pos, 323c), b) mas não são inatas ao homem desde o começo. Na explicação que segue ao mito, ele retoma estes dois pontos. O primeiro justifica que os atenienses exijam perícia nas artes técnicas, porém não na arte política, para a qual os primeiros requisitos são justiça e moderação. Todos acreditam, com efeito, que estas virtudes são partilhadas por todos. Um homem inteiramente desprovido de dom artístico — por exemplo, música — é lugar-comum, mas um homem inteiramente sem qualidades morais não poderia levar vida humana, e todo aquele cujo caso fosse este, pensar-se-ia que era louco (322a-c). Se Sócrates encontrasse alguém deste tipo — que ex hypothesi vivesse isolado, sem educação, tribunais de justiça, leis ou qualquer outra das restrições da vida civilizada — consideraria os mais empedernidos criminosos de Atenas como virtuosos em comparação com eles. Em segundo lugar, porém, embora os atenienses como quaisquer outros acreditem que todos têm certa participação nas virtudes políticas, não pensam que são inatas ou automáticas, mas adquiridas por ensino e esforço (323c: estes correspondem, portanto, ao decreto de Zeus no mito). A educação começa na infância com a mãe, a babá e o pai, e continua pelo empenho dos mestres-escola, e na vida adulta pelo Estado, que provê em (p. 67) suas leis padrão segundo o qual viver. De mais a mais, os cidadãos a lembram uns aos outros, pois é de nosso interesse que nossos próximos entendam as normas da vida social organizada (327a-b). Neste processo contínuo é difícil destacar uma classe de mestres de virtude, mas isto não é mais prova de que não pode ser ensinada do que a falta de instrutores em nossa língua nativa provaria o mesmo sobre a fala.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 66 e 67).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.31 – Protágoras e a astronomia.
Informa-nos Guthrie:
“Hípias (…) astronomia (de que Protágoras zombava como inútil para a vida prática).
No Protágoras de Platão (318e, uma fonte melhor), Protágoras descarta interesse por todos estes estudos não-práticos.
Hippias Major (285b) Sócrates fala-lhe das "estrelas e outros fenômenos celestes, nos quais é perito"; [Osório diz: mas não se diz que Sócrates não se interessava por tais assuntos? Então como é que ele sabe discuti-los?]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 48).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.30 – Protágoras e o logos.
“Aidós é o "respeito da opinião pública", o "sentimento de respeito humano", logo de forma alguma um sentimento de obrigação moral cuja transgressão provocaria um problema de consciência, mas o sentimento do olhar e da espera do outro. Da mesma forma, díke, de deíknymi, "eu mostro", antes de ser a disposição própria do justo, diz a regra, o uso, a norma pública da conduta. Aidós é assim apenas a motivação para respeitar díke, e a díké só tem força na medida em que cada um experimenta do aidós: "respeito" e "justiça", depois "justiça e controle de si" (dikaiosyns, sóphrosýné, 323a), adquirem sentido na concepção sofística apenas quando mediatizados pelo olhar do outro. É por isso que Protágoras proclama ao concluir o mito que "em matéria de justiça e de virtude política em geral, mesmo quando sabemos que um homem é injusto, se ele diz publicamente a verdade sobre si mesmo (talethê légéi), o que acreditávamos sabedoria há pouco (dizer a verdade) é aqui loucura", e "diz-se que todos devem dizer" que eles são justos (kaï phasin pántas deln phánaï), quer o sejam ou não, e que "aquele que não finge a justiça (prospoioúmenon) é um louco" (323bc). O princípio de publicidade é necessariamente princípio de hipocrisia, como para Ântifon, que define o bom uso da justiça pela observância das prescrições das leis quando se está em presença de testemunhas e pela observância das prescrições da natureza quando se está na solidão do privado (87 B44, f r. A, col. 1).
É bem isso que desenvolve o lógos de Protágoras, que se segue ao mito: a virtude é como o lógos, é um aprendizado da convenção. A cidade inteira ensina o "valor", areté, ao mesmo tempo em que ensina a falar. O aprendizado começa desde que a criança "presta atenção" ou "compreende o que lhe é dito" (syníei tà legómena, 325c 7), desde que efetua a "convenção" que são as palavras. Ele prossegue através do estudo das formas mais e mais refinadas do lógos, até esta instância eminente que é sua prestação de contas no fim da magistratura (326e). É por isso que não existem mais mestres de virtude do que mestres de grego (328a): o poder da justiça, a virtude política, se confunde com o do lógos. Mas é também por isso que Protágoras se considera um dos melhores professores.
Observaremos, para concluir, que o que ressalta do lógos após o mito, a saber que o_próprio lógos constitui a virtude política por excelência…” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 82-83).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.29 – Protágoras era filósofo (pergunta sem sentido)?
“… o significado do Conjunto da filosofia de Protágoras. [Osório diz: Dherbey tem Protágoras, não poderia deixar de ser, como filósofo, na mesma linha, segue Guthrie, embora de forma acanhada. Essa pergunta, muito repetida até hoje, não faz sentido, caso se observe e aceite que “filósofo é o amante da sabedoria e, Protágoras, parece ter sido um dos maiores. Por fim, temos a defesa de Hegel defendo a filosofia de Protágoras! Você acha que Hegel não é qualificado para tanto?]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 30).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.28 – Protágoras e Parmênides.
“O pensamento protagórico da antilogia também se explica pelo fato de se desenvolver em terreno heraclitiano. Da mesma maneira que Heráclito, Protágoras é um Jônio; ora, a visão de um real contraditório e afirmação da imanência recíproca dos contrários constituem o centro do pensamento de Heráclito muito mais seguramente que o da mobilidade, que frequentemente é reduzido. É por isso que, para ele, o próprio âmago do universo é conflito. “O combate é o pai de todas as coisas, de todas é rei.” A relação das doutrinas de Heráclito e de Protágoras foi sublinhada tanto por Platão, no Teeteto, como por Aristóteles, no livro IV da Metafísica. Mas subsiste uma diferença entre eles ao nível do modo de expressão: quando Heráclito, pela supressão do verbo ser, mostra na própria enunciação a contradição interna de toda a realidade, a retórica de Protágoras, renunciando a fornecer a imediatez da contradição, divide-a numa antilogia [Osório diz: conceito de antilogia], isto é, em dois discursos, cada qual coerente em si mesmo, mas incompatíveis entre si. Todo o real, quando se diz corta necessariamente em dois todo o discurso e atinge a própria linguagem com uma insuperável oposição de teses contrárias. Esta cisão da linguagem não cobre por completo a cisão parmenidiana entre a linguagem da oposição e a linguagem da verdade; uma semelhante distinção, dando à verdade a passagem para a opinião, suprime efetivamente toda a cisão da palavra pensante. Protágoras não se pode contentar com a ontologia parmenidiana porque esta, sacrificando o múltiplo, cai na infelicidade da generalidade; o discurso da ontologia torna-se discurso vazio, também Protágoras recusa toda a distinção entre a opinião e a verdade; reabilita a doxa, cujos perpétuos desmentidos constituem a própria lei da vida, e as formas de uma realidade resplandecente. Platão refere-se a esta demonstração de Protágoras a propósito do problema do Bem e fá-lo declarar que “o Bem é qualquer coisa de variegado” [Osório diz: Que apresenta cores ou matizes variados ou diversos.]. Protágoras introduziu, pois, a contradição no Ser de Parménides e, por este motivo, mereceu a admiração de Hegel.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 19-20).
Ensina Kerferd:
“As consequências dessa maneira de ver as palavras são, contudo, paradoxais, e os paradoxos assim gerados fornecem matéria para uma considerável parte da história da filosofia grega em ambos os períodos, arcaico e clássico. Primeiro, priva de sentido toda declaração manifestamente negativa, visto que o que não é não pode ser nomeado, e isso leva à doutrina que não se pode contradizer — ouk estin antilegein — discutida abaixo (pp. 151ss) [Osório diz: em algum canto eu, Osório, disse que Parmênides leva a Protágoras quanto a tal doutrina]. Segundo, há uma dificuldade mais ou menos crucial que tem de ser enfrentada no caso de todas as expressões que envolvem qualquer grau de negação. Sentimo-nos obrigados a dizer que muitas declarações incluindo vários tipos de negação são, de fato, verdadeiras. Mas, nesse caso, o que é que eles querem dizer com a sua concepção do significado resumida acima? Heráclito estava pronto a rejeitar muito do que as pessoas sem conhecimento ordinariamente declaram ser fato. Mas ele mantinha que seu próprio logos, ou explicação, também era uma explicação correta da estrutura da realidade. Mas essa explicação correta era, para ele, uma explicação de estados de coisas que são contraditórias — o mundo aparente ao qual se refere a linguagem se acha cheio de contradições objetivas. [Osório diz: por que é impossível a contradição! A melhor explicação que encontrei!].
Para Parmênides, contudo, essa visão não era aceitável. Pois um mundo que está cheio de contradições objetivas está cheio de negações e, portanto, de não-mundos. Semelhante concepção não pode ser nem pensada nem falada. Por conseguinte, um mundo assim descrito não pode, absolutamente, ser real. Foi isso que levou Parmênides a separar o mundo das aparências do mundo do ser, ao tratar o primeiro dos dois como nada mais do que uma peça de ficção. "Pois nada é ou será, além daquilo que é, visto que o Destino o restringiu a ser inteiro e isento de mudança. Por isso, tudo o que os mortais postularam na crença de que era verdadeiro será nome apenas, vindo a ser e perecendo, ser e não ser, mudança de lugar e intercâmbio de luminosa cor" (DK28B8.36-41). [Osório diz: as razões de Parmênides!]
O contraste entre a posição de Heráclito e a de Parmênides foi claramente estabelecido por volta da metade do século V a.C. e forneceu o ponto de partida para discussões sofistas da teoria linguística. O próprio Parmênides, contudo, não teve seguidores, entre os sofistas, quando quis negar a realidade do mundo fenomenal. Para eles, o ponto de partida era o próprio mundo fenomenal, regularmente visto como constituindo a realidade toda e, conseqüentemente, como sendo o único objeto possível de cognição. Às vezes era considerado sujeito a contínua mudança. Esse era sabidamente ocaso do Crátilo Heracliteano (cf. DK 65.3). Segundo Sexto Empírico (DK 80A14), Protágoras tinha realmente descrito o mundo físico como em estado de fluxo, com emissões continuamente substituídas por acréscimos que recuperavam o que era perdido. Platão equiparava Protágoras a Eutidemo e considerava que ambos defendiam teorias que excluem a possibilidade de que as coisas tenham algum ser fixo próprio; em vez disso, pretendem que as coisas sejam arrastadas "para cima e para baixo" ao aparecer para nós (Crat. 386c-e, não em DK) [Osório diz: isso não é o fenômeno de Kant e Hurssel?]. Em Teeteto ele atribui a Protágoras uma doutrina "secreta" de percepção com implicações semelhantes. Embora o atributo "secreto" provavelmente signifique que essa doutrina nunca foi expressa por escrito pelo Protágoras histórico, a doutrina pode, contudo, representar bem o que Platão considerava a implicação natural das conhecidas concepções de Protágoras. Górgias andou um pouco na mesma direção, explicando a percepção dos objetos físicos da mesma maneira que Empédocles, a saber, postulando contínuas emanações de objetos que entram ou deixam de entrar nos vários poros do corpo (DK82B4). Platão, no Fédon, como já vimos, atribuiu aos antilogikoi e aos sofistas em geral a concepção de que todas as coisas que existem movem-se para cirna e para baixo, como se estivessem no Euripos, e nunca permanecem em repouso, em lugar nenhum, por qualquer período de tempo [90c4-6). [Osório diz: por que os sofistas não viam possibilidade de fazer ciência].
Mais importantes, contudo, eram as consequências do relativismo sofista (discutido abaixo, no capítulo 9), que era, na maioria das vezes, associado a uma forma de fenomenismo segundo a qual todas as aparências são igualmente verdadeiras (ou pelo menos igualmente válidas como cognições). Vendo desse modo o mundo real, embora permanecendo, ao mesmo tempo, totalmente comprometidos com a concepção de que as palavras devem nomear exatamente as coisas às quais se referem, senão não têm significação, os sofistas adotaram dois expedientes. A linguagem, como um todo, deve prover fórmulas para exibir a realidade, e a estrutura da linguagem deve exibir a estrutura das coisas. Mas o mundo da experiência é caracterizado pelo fato de que todas as coisas nele, ou a maioria delas, ao mesmo tempo são e não são. Portanto, a linguagem também deve exibir a mesma estrutura. Isso ela deve fazer dando expressão a dois logoi opostos concernentes a todas as coisas. Mas isso, por si mesmo, não é suficiente. Ficamos com o problema da negação que corre o grave perigo de se tornar algo totalmente sem sentido, a menos que se encontre algum objeto que lhe possa servir de referência [Osório diz: por que da necessidade dos duplos discursos].
Esse problema foi atacado de duas maneiras diferentes, vistas como alternativas mutuamente excludentes, ou usadas para suplementar uma à outra. A primeira era corrigir a linguagem renunciando às sentenças negativas. Daí as famosas afirmações vinculadas: que não é possível contradizer, e que é impossível dizer o que é o falso. Isso restringiria a linguagem a afirmações positivas verdadeiras a respeito do mundo fenomenal. Mas sustentar que todas as afirmações são de igual valor não seria muito satisfatório, no mínimo porque privaria o sofista de sua reivindicação de maior sabedoria. De modo que se considerou um segundo artifício segundo o qual, entre logoi opostos, um logos na estrutura das coisas era superior, mais correto do que o outro, e esse constituía o orthos logos. Essa situação havia de ser repetida no discurso e na argumentação em que, de novo, um logos ou era, ou teria de se fazer ver como mais correto e mais forte do que o outro. [Osório diz: explicação da necessidade do argumento forte e argumento fraco!].
A arte de fazer um logos superior a outro estava especialmente associada a Protágoras, ao passo que a busca do onomatôn orthotôs, ou correção dos nomes, estava acima de tudo associada a Pródicos. Constituía uma segunda maneira pela qual a linguagem haveria de ser corrigida para ser posta de acordo com a estrutura da realidade percebida. A importância dessa tentativa na história da filosofia é considerável — representa o primeiro passo na busca daquilo que, nos tempos modernos, tende a se denominar linguagem única, a chamada linguagem filosófica, a linguagem primordial ou atômica, a linguagem "corrigida" do lógico, o ideal que inspirou, entre outros, o primeiro Wittgenstein nas suas tentativas de restringir e delimitar o uso da linguagem significativa à que descreve o mundo, e a qual, na sua própria estrutura, refletirá a estrutura da realidade. Mas as tentativas modernas visam principalmente a reformar a estrutura da linguagem em relação à suposta estrutura (lógica) da realidade. O pensamento, no século V a.C., não estava interessado, em primeiro lugar, na estrutura lógica, mas em buscar uma relação uma-a-uma entre coisas e nomes, tendo por base que o sentido de qualquer nome deve ser sempre a coisa ou coisas a que se refere. [Osório diz: cada coisa um nome? Vide parágrafo seguinte].
Contudo, mesmo assim a correção envolvida poderia ser extremamente radical e o Crátilo, de Platão, se abre com a notável afirmação atribuída a Crátilo, segundo a qual (383a-b) "Cada coisa tem um nome correto próprio seu, que vem por natureza; e um nome não é o que quer que as pessoas chamem uma coisa por convenção, meramente algo de sua própria voz aplicada à coisa, mas há, nos nomes, uma espécie de correção estabelecida, que é igual para todos os homens, tanto gregos como bárbaros". Isso nos introduz ao ideal de uma única língua natural e, acima de tudo, universal que, idealmente, poderia substituir todas as línguas existentes.
O método de procedimento de Pródicos não estava limitado a ele — segundo Platão (DK 84A17), ele o obteve de Damon e dele partilhavam também outros sofistas. O método consistia em Diaeresis ou Divisão dos nomes e assim é regularmente rotulado por Platão e, depois dele, por Aristóteles. Podemos dizer que seu método normal consistia, como argumentou Classen, em pôr dois nomes um contra o outro a fim de abstrair deles o sentido básico que partilham e descobrir as sutilezas de sentido em que diferem. Mas as palavras não são definidas individualmente — ele não está perguntando "o que é x?", mas "em que aspecto x é diferente de y?" Isso serve para distinguir a sua abordagem da de Sócrates, do qual, no entanto, ele continua sendo o precursor em todos os pontos essenciais. Sócrates pergunta simplesmente “o que é x?”. Mas não há por que tentar descobrir uma outra diferença, sugerindo que Pródicos está interessado no sentido próprio das palavras, ao passo que Sócrates está interessado na coisa real. Como vimos, para ambos, o significado de uma palavra consiste naquilo a que ela se refere, e a visão correta foi expressa por Classen, quando diz que ao descrever qualquer objeto, ou uma dada situação, Pródicos observará: essa palavra é apropriada, ao passo que aquela, embora quase equivalente e idêntica quanto ao sentido, não é. Sócrates vai pelo mesmo caminho, exceto que, quando indaga o que é x, o onoma ou nome que está investigando não é usualmente uma única palavra, mas antes uma fórmula consistindo em uma série de palavras, um logos ou uma definição.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 124-130).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.27 – Protágoras e Péricles – razões para suas discussões durante um dia.
“A política e o direito constituem um campo privilegiado para a visão antilógica das coisas. A ambiguidade reina no domínio antropológico e é nesta seção das Antilogias que devia ter lugar a discussão sobre a morte de Epitímio de Farsália evocada por Plutarco: “Com efeito, em virtude de alguém, no pentatlo, ter atingido, sem querer, com um dardo, Epitímio de Farsália e o ter morto, Péricles consagrou um dia inteiro a interrogar-se se era, de acordo com a argumentação mais correta, o dardo, ou antes aquele que o lançara, ou os organismos dos Jogos, que haveria que considerar como causas do drama.” [Osório diz: A antilogia no Direito e na Política]
Esta discussão não visava instaurar uma hierarquia nos níveis da responsabilidade (fez-se saber que, para o direito arcaico, um objeto pode ser declarado culpável), mas segundo interpretação de G. Rensi, devia mostrar a impossibilidade em que se estava para a determinar, a não ser arbitrariamente. Três causas da morte de Epitímio podem ser invocadas, e igualmente legítimas segundo o ponto de vista adotado: para o médico, foi o dardo que causou a morte; para o juiz, foi quem o lançou; para a autoridade política, foi o organizador dos Jogos. A lição deste fragmento é, portanto, a de um perspectivismo que tende a provar que não existe um perfeito absoluto e em si, permitindo discernir ao vivo e certeiramente, nos casos jurídicos concretos. [Osório diz: por que Péricles passou um dia discutindo com Protágoras]
D) Se há uma disciplina que não se adapta ao perspectivismo é a matemática, que, aos olhos de Protágoras, é uma arte (techné). Também procura demonstrar que é igualmente antilógica e, como as outras artes, se contradiz. Com efeito, a geometria ensina-nos que a reta tangente ao círculo toca este círculo em um ponto, mas se traçamos o círculo e a reta perceptíveis, apercebemo-nos de que a reta toca sempre o círculo em vários pontos e que nunca poderemos obter uma figura conforme com as definições matemáticas. Ora, a geometria não pode, para raciocinar, dispensar a consideração das figuras, cujo traçado desmente o discurso que o matemático elabora a seu respeito: “Com efeito, o círculo toca a tangente não apenas num ponto, mas como disse Protágoras na sua refutação dos geómetras.” Se a matemática é antilógica, a fortiori também o serão as outras artes. No final das Antilogias põe-se, portanto, de maneira premente, o problema da verdade.” [Osório diz: os matemáticos serem mais uns “inimigos” do Sofista). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 21-22).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.26 – Protágoras e Heráclito.
“O pensamento protagórico da antilogia também se explica pelo fato de se desenvolver em terreno heraclitiano. Da mesma maneira que Heráclito, Protágoras é um Jônio; ora, a visão de um real contraditório e afirmação da imanência recíproca dos contrários constituem o centro do pensamento de Heráclito muito mais seguramente que o da mobilidade, que frequentemente é reduzido. É por isso que, para ele, o próprio âmago do universo é conflito. “O combate é o pai de todas as coisas, de todas é rei.” A relação das doutrinas de Heráclito e de Protágoras foi sublinhada tanto por Platão, no Teeteto, como por Aristóteles, no livro IV da Metafísica. Mas subsiste uma diferença entre eles ao nível do modo de expressão: quando Heráclito, pela supressão do verbo ser, mostra na própria enunciação a contradição interna de toda a realidade, a retórica de Protágoras, renunciando a fornecer a imediatez da contradição, divide-a numa antilogia [Osório diz: conceito de antilogia], isto é, em dois discursos, cada qual coerente em si mesmo, mas incompatíveis entre si. Todo o real, quando se diz corta necessariamente em dois todo o discurso e atinge a própria linguagem com uma insuperável oposição de teses contrárias. Esta cisão da linguagem não cobre por completo a cisão parmenidiana entre a linguagem da oposição e a linguagem da verdade; uma semelhante distinção, dando à verdade a passagem para a opinião, suprime efetivamente toda a cisão da palavra pensante. Protágoras não se pode contentar com a ontologia parmenidiana porque esta, sacrificando o múltiplo, cai na infelicidade da generalidade; o discurso da ontologia torna-se discurso vazio, também Protágoras recusa toda a distinção entre a opinião e a verdade; reabilita a doxa, cujos perpétuos desmentidos constituem a própria lei da vida, e as formas de uma realidade resplandecente. Platão refere-se a esta demonstração de Protágoras a propósito do problema do Bem e fá-lo declarar que “o Bem é qualquer coisa de variegado” [Osório diz: Que apresenta cores ou matizes variados ou diversos.]. Protágoras introduziu, pois, a contradição no Ser de Parménides e, por este motivo, mereceu a admiração de Hegel. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 19-20).
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(uma biografia do conhecimento)
45.25 – Protágoras e a “natureza da verdade”, por Nietzsche.
“INTERPRETAÇÃO NIETZSCHEANA – O pragmatismo vital tal como Nietzsche o apresenta parece encontrar a sua fonte no pensamento de Protágoras. A obra do homem superior é criar o que Nietzsche chama o valor, o que não existe como um dado natural; ora, o homem vive num mundo de valores, o homem superior é, portanto, o autor do mundo tal como o homem o vive. Assim, Nietzsche poderia ter escrito que “o super-homem é a medida de todas as coisas” sem sair do pensamento de Protágoras. Já que para o último mais sábio é quem sabe elaborar o discurso forte que os homens partilharão. Da mesma maneira, o super-homem, isto é, para Nietzsche, o homem contemplativo, lega à humanidade o mundo dos valores, de que ele é o poeta: [Osório diz: o que é o super-homem de Nietzsche].
“Nós que pensamos e sentimos, somos nós que fazemos e não cessamos realmente de fazer o que não existia antes: este mundo eternamente a crescer de avaliações, de cores, de pesos, de perspectivas, de escalas, de afirmações e de negações (...). Nada que tenha muito ou pouco valor no mundo presente possui este valor; este valor foi-lhe dado, é um presente que lhe foi feito, e os que o fizeram fomos nós. Somos nós que criamos o mundo que diz respeito ao homem.” [Osório diz: nada de um deusinho todo poderoso!]
Ora, a verdade é do número destes valores que o super-homem cria para o resto da humanidade. E esta criação não é arbitrária: ela proclama “verdadeiro” o que serve aos interesses e necessidades do homem, o que é exigido pela sua necessidade vital. Encontramo-nos em presença do que Jean Granier chama a verdade útil, e que não é outra coisa senão a expressão da vida. Mas vimos que este tema do útil é central no pensamento de Protágoras; útil é o critério que hierarquiza as diferentes manifestações e faz com que um seja preferível a outra [Osório diz: e não a dita e querida verdade platônica]. A aproximação entre Nietzsche e Protágoras não é arbitrária, pois parece que é o próprio Nietzsche a sugeri-la; determina, efetivamente, o pensamento como fixação dos valores e o valor como expressão do útil, e ao mesmo tempo caracteriza o homem como o ser que, por excelência, mede: “sabe-se que a palavra ‘homem’ significa aquele que mede; quis chamar-se de acordo com a sua maior descoberta.” [Osório diz: Nietizsche protagórico... obviamente!]
Dito isto, uma diferença importante entre Nietzsche e Protágoras; com efeito, Nietzsche interpreta esta verdade-útil como erro-útil e opõe-lhe uma verdade verdadeira, ao passo que Protágoras parece antes ter chamado Verdade à avaliação segundo a utilidade dada pelo homem. Os dois temas da verdade e da utilidade só são incompatíveis se concebermos a verdade como sendo necessariamente absoluta [Osório diz: a possível diferença entre verdade e utilidade]. Protágoras não nega a verdade, nega a verdade absoluta; concebe um verdadeiro não absoluto, ou então um verdadeiro cujo absoluto é como que um horizonte inacessível [Osório diz: a verdade para Protágoras]. A teoria do discurso forte lembra-nos, com efeito, que o universal não é dado, e que há que fazê-lo e fazê-lo pelo homem. Só se poderia esperar uma verdade absoluta se um discurso universal humano tivesse sido efetivamente estabelecido; ainda seria necessário que este discurso se mantivesse no tempo, possibilidade que o tema do útil, acompanhado do de kairós, torna duvidoso [Osório diz: as necessidades para o estabelecimento de uma verdade]. A verdade não absoluta de Protágoras poder-se-ia chamar verdade crítica [Osório diz: adjetivando a verdade!]. Com efeito, interpreta, como vimos, o verdadeiro como valor; ora, a questão crítica por excelência é a questão do valor. De fato, não se pode pôr o valor sem logo pôr em questão o próprio fundamento desta posição, sem perguntar: qual é o valor do Valor? O valor não se legitima pelo simples fato de se pôr; pelo contrário, pelo fato de se pôr é que se põe em questão e imediatamente se interroga sobre a legitimidade do seu território.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 32-33).
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45.24 – Protágoras e a “natureza da verdade”, por Hegel.
“INTERPRETAÇÃO HEGELIANA – Que a verdade das coisas se encontra no homem mais que nas coisas, é uma afirmação que caracteriza, aos olhos de Hegel, a descoberta do poder da subjetividade. Grande é, pois, a modernidade de Protágoras que, com o homem-medida, operará “esta conversão deveras notável, a saber, que todo o conteúdo, todo o elemento objetivo, só existe relativamente à consciência, visto que o pensar é enunciado como momento essencial para todo o verdadeiro; o absoluto adquire assim a forma da subjetividade pensante” [Osório diz: Protágoras e a criação da subjetividade]. O princípio fundamental da filosofia de Protágoras é, portanto, a afirmação de que o ser do objeto é fenomenalidade, e que todo o fenômeno é determinado pela consciência que o percepciona e pensa [Osório diz: o que é o objeto]. O ser não está, pois, em si, mas existe pela apreensão do pensamento só por meio do qual algo aparece, e aparece tal. O ser pensante, isto é, o homem, confere a sua medida às coisas porque o seu ser consiste em um aparecer e porque o sujeito humano é a fonte deste aparecer. É por isso que a alma se define, para Protágoras, por aquilo que, no pensamento pré-socrático, designa todo o poder de aparecer ao homem: o sentir, ou antes, o perceber: “a Alma não é nada, dizia ele, exceto percepções.” [Osório diz: não existe o tal fato, mas a versão dos fatos] Esta movimento, que conduz a verdade para o lado da subjetividade e da consciência, caracteriza, segundo Hegel, o idealismo ou, pelo menos, corrige Hegel, “o mau idealismo dos tempos modernos”, de que Protágoras seria, assim, o precursor [Osório diz: Protágoras como precursor do idealismo]. A crítica de Protágoras, para Platão e Aristóteles, significaria então a rejeição por estes dois pensadores do idealismo subjetivo, a diversos níveis, já que Platão recusa o princípio subjetivo, ao passo que Aristóteles recusa o próprio idealismo [Osório diz: diferença entre Protágoras, Platão e Aristóteles].
Apesar de tudo, há um tema no pensamento de Protágoras que a interpretação hegeliana não toma em consideração, é o do valor mais ou menos grande, do aparecer, segundo o seu grau de utilidade. Ora, o Teeteto mostra que este tema é essencial para Protágoras: assim como o médico pelos seus remédios substitui os sintomas da doença pelos da saúde e assim o agricultor com os seus adubos possibilita às plantas desenvolverem-se em vez de ficarem enfezadas, assim o sábio saberá, com os seus discursos (lógoi), substituir um aparecer sem valor e sem utilidade por outro melhor (béltion), isto é, que presta serviços e que se pode utilizar (chrestós). Esta utilidade mais ou menos ampla define então o grau mais ou menos grande da verdade do aparecer.” [Osório diz: o valor da verdade do aparecer/fenômeno]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 30-31).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.23 – Protágoras e a “natureza da verdade”.
“INTERPRETAÇÃO HEGELIANA – Que a verdade das coisas se encontra no homem mais que nas coisas, é uma afirmação que caracteriza, aos olhos de Hegel, a descoberta do poder da subjetividade. Grande é, pois, a modernidade de Protágoras que, com o homem-medida, operará “esta conversão deveras notável, a saber, que todo o conteúdo, todo o elemento objetivo, só existe relativamente à consciência, visto que o pensar é enunciado como momento essencial para todo o verdadeiro; o absoluto adquire assim a forma da subjetividade pensante” [Osório diz: Protágoras e a criação da subjetividade]. O princípio fundamental da filosofia de Protágoras é, portanto, a afirmação de que o ser do objeto é fenomenalidade, e que todo o fenômeno é determinado pela consciência que o percepciona e pensa [Osório diz: o que é o objeto]. O ser não está, pois, em si, mas existe pela apreensão do pensamento só por meio do qual algo aparece, e aparece tal. O ser pensante, isto é, o homem, confere a sua medida às coisas porque o seu ser consiste em um aparecer e porque o sujeito humano é a fonte deste aparecer. É por isso que a alma se define, para Protágoras, por aquilo que, no pensamento pré-socrático, designa todo o poder de aparecer ao homem: o sentir, ou antes, o perceber: “a Alma não é nada, dizia ele, exceto percepções.” [Osório diz: não existe o tal fato, mas a versão dos fatos] Esta movimento, que conduz a verdade para o lado da subjetividade e da consciência, caracteriza, segundo Hegel, o idealismo ou, pelo menos, corrige Hegel, “o mau idealismo dos tempos modernos”, de que Protágoras seria, assim, o precursor [Osório diz: Protágoras como precursor do idealismo]. A crítica de Protágoras, para Platão e Aristóteles, significaria então a rejeição por estes dois pensadores do idealismo subjetivo, a diversos níveis, já que Platão recusa o princípio subjetivo, ao passo que Aristóteles recusa o próprio idealismo [Osório diz: diferença entre Protágoras, Platão e Aristóteles].
Apesar de tudo, há um tema no pensamento de Protágoras que a interpretação hegeliana não toma em consideração, é o do valor mais ou menos grande, do aparecer, segundo o seu grau de utilidade. Ora, o Teeteto mostra que este tema é essencial para Protágoras: assim como o médico pelos seus remédios substitui os sintomas da doença pelos da saúde e assim o agricultor com os seus adubos possibilita às plantas desenvolverem-se em vez de ficarem enfezadas, assim o sábio saberá, com os seus discursos (lógoi), substituir um aparecer sem valor e sem utilidade por outro melhor (béltion), isto é, que presta serviços e que se pode utilizar (chrestós). Esta utilidade mais ou menos ampla define então o grau mais ou menos grande da verdade do aparecer. [Osório diz: o valor da verdade do aparecer/fenômeno]
INTERPRETAÇÃO NIETZSCHEANA – O pragmatismo vital tal como Nietzsche o apresenta parece encontrar a sua fonte no pensamento de Protágoras. A obra do homem superior é criar o que Nietzsche chama o valor, o que não existe como um dado natural; ora, o homem vive num mundo de valores, o homem superior é, portanto, o autor do mundo tal como o homem o vive. Assim, Nietzsche poderia ter escrito que “o super-homem é a medida de todas as coisas” sem sair do pensamento de Protágoras. Já que para o último mais sábio é quem sabe elaborar o discurso forte que os homens partilharão. Da mesma maneira, o super-homem, isto é, para Nietzsche, o homem contemplativo, lega à humanidade o mundo dos valores, de que ele é o poeta: [Osório diz: o que é o super-homem de Nietzsche].
“Nós que pensamos e sentimos, somos nós que fazemos e não cessamos realmente de fazer o que não existia antes: este mundo eternamente a crescer de avaliações, de cores, de pesos, de perspectivas, de escalas, de afirmações e de negações (...). Nada que tenha muito ou pouco valor no mundo presente possui este valor; este valor foi-lhe dado, é um presente que lhe foi feito, e os que o fizeram fomos nós. Somos nós que criamos o mundo que diz respeito ao homem.” [Osório diz: nada de um deusinho todo poderoso!]
Ora, a verdade é do número destes valores que o super-homem cria para o resto da humanidade. E esta criação não é arbitrária: ela proclama “verdadeiro” o que serve aos interesses e necessidades do homem, o que é exigido pela sua necessidade vital. Encontramo-nos em presença do que Jean Granier chama a verdade útil, e que não é outra coisa senão a expressão da vida. Mas vimos que este tema do útil é central no pensamento de Protágoras; útil é o critério que hierarquiza as diferentes manifestações e faz com que um seja preferível a outra [Osório diz: e não a dita e querida verdade platônica]. A aproximação entre Nietzsche e Protágoras não é arbitrária, pois parece que é o próprio Nietzsche a sugeri-la; determina, efetivamente, o pensamento como fixação dos valores e o valor como expressão do útil, e ao mesmo tempo caracteriza o homem como o ser que, por excelência, mede: “sabe-se que a palavra ‘homem’ significa aquele que mede; quis chamar-se de acordo com a sua maior descoberta.” [Osório diz: Nietizsche protagórico... obviamente!]
Dito isto, uma diferença importante entre Nietzsche e Protágoras; com efeito, Nietzsche interpreta esta verdade-útil como erro-útil e opõe-lhe uma verdade verdadeira, ao passo que Protágoras parece antes ter chamado Verdade à avaliação segundo a utilidade dada pelo homem. Os dois temas da verdade e da utilidade só são incompatíveis se concebermos a verdade como sendo necessariamente absoluta [Osório diz: a possível diferença entre verdade e utilidade]. Protágoras não nega a verdade, nega a verdade absoluta; concebe um verdadeiro não absoluto, ou então um verdadeiro cujo absoluto é como que um horizonte inacessível [Osório diz: a verdade para Protágoras]. A teoria do discurso forte lembra-nos, com efeito, que o universal não é dado, e que há que fazê-lo e fazê-lo pelo homem. Só se poderia esperar uma verdade absoluta se um discurso universal humano tivesse sido efetivamente estabelecido; ainda seria necessário que este discurso se mantivesse no tempo, possibilidade que o tema do útil, acompanhado do de kairós, torna duvidoso [Osório diz: as necessidades para o estabelecimento de uma verdade]. A verdade não absoluta de Protágoras poder-se-ia chamar verdade crítica [Osório diz: adjetivando a verdade!]. Com efeito, interpreta, como vimos, o verdadeiro como valor; ora, a questão crítica por excelência é a questão do valor. De fato, não se pode pôr o valor sem logo pôr em questão o próprio fundamento desta posição, sem perguntar: qual é o valor do Valor? O valor não se legitima pelo simples fato de se pôr; pelo contrário, pelo fato de se pôr é que se põe em questão e imediatamente se interroga sobre a legitimidade do seu território.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 30-33).