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Capa História do ateísmo

Amigxs,

Li a obra abaixo e estou cada vez mais encantado com o autor (Geroges Minois), de quem já li também “História do riso e do escárnio” (ver mais em: https://www.youtube.com/watch?v=niC0yB3xi-4), “ A idade de ouro” e estão na fila “História do futuro”, “História do suicídio”, “História da solidão e dos solitários” (estes publicados no Brasil pela UNESP) e “As origens do mal” (publicado em Portugal).

Creio que você também vai gostar, então prove o aperitivo abaixo no qual fiz algumas anotações.

Inté,

Osório Barbosa

Eis:

História do ateísmo

Georges Minois

(Fonte: Georges Minois, História do ateísmo, tradução: Flávia Nascimento Falleiros, UNESP, 2014, p. )

INTRODUÇÃO

Uma história da descrença [incroyance] e do ateísmo, numa época em que se proclama por toda a parte a "volta da religião", a "revanche de Deus" e o "reencantamento do mundo", seria uma provocação, um ato de inconsciência, um arcaísmo ou um delírio? Nada disso, evidentemente. [Osório diz: o autor difere descrença de ateísmo. Ou seja, são coisas diversas!]

Diga-se antes de tudo que, pelo fato de todos esses pseudorretornos serem bastante suspeitos, se olharmos a realidade mais de perto, veremos que está longe de corresponder a uma renovação do fato religioso. E claro, as estantes das livrarias estão abarrotadas de volumes sobre a história da Igreja, as religiões, o protestantismo, o cristianismo, a fé, os crentes, a espiritualidade, e de guias, enciclopédias e dicionários do mundo religioso. A religião não atrai mais tanto assim as pessoas às igrejas, no entanto, vende muito bem [Osório diz: belo paradoxo!]. O padre Decloux, que em 1995 lamentava o fato de os autores se comprazerem "em retomar incessantemente a questão do ateísmo, multiplicando os livros sobre o assunto", sem dúvida não havia comparado com atenção as seções "ateísmo" e "religião" das bibliotecas [Osório diz: o padre citado, assim como muitos, não querem que as pessoas tenham acesso aos pensamentos que divergem dos seus!]. Eu mesmo escrevi diversas obras de história religiosa e participei de trabalhos coletivos sobre o assunto.[1] E foi precisamente esse dilúvio de livros sobre a fé que suscitou meu interesse pelo campo da descrença [Osório diz: engraçado! Aqui o autor fala apenas do campo da descrença e não nela e do ateísmo! Seria o ateísmo uma forma de descrença? Afinal, o livro trata do ateísmo], que continua sendo muito pouco estudado numa perspectiva histórica.

Desde o raríssimo livro de Spitzel, Scrutinium atheismi historico-aetiologicum [Investigação histórico-etiológica do ateísmo], publicado há quase três séculos e meio, em 1663, as histórias do ateísmo são extremamente escassas a mais completa, até o momento, é a de F. Mautner, Der Atheismus und seine [1] Geschichte im Abendlande [O ateísmo e sua história no Ocidente], publicada em quatro volumes entre 1920 e 1923.

O ateísmo foi objeto de inúmeros estudos filosóficos, sociológicos, psicológicos e psicanalíticos; diferentes momentos, bem como seu surgimento em certas regiões limitadas, também foram estudados, entretanto a únicas verdadeiras sínteses completas continuam sendo os trabalhos soviéticos, muitas vezes tendenciosos. [Osório diz: será que apenas os trabalhos dos soviéticos são tendenciosos? Aliás, existem vários revisionistas, de coisas de seus países, na França, na Alemanha, na Itália, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Apontar apenas os soviéticos, sem dizer, “neste tema” é muito tendencioso.].

Há, portanto, um relativo vazio historiográfico. Essa lacuna merece ser preenchida, pois o ateísmo [Osório diz: aqui já é ateísmo e não descrença!] tem sua história própria, que não é um simples negativo da história das crenças religiosas [Osório diz: ser ateu não significa negar a história das crenças!]. Se há poucas histórias sobre o assunto, é precisamente em razão da conotação negativa que se atribui à descrença. Todos os termos utilizados para designá-la são formados com um prefixo privativo ou negativo: a-teísmo, des-crença, a-gnosticismo, indiferença. Pode-se ler em L’État des religions [O estado das religiões]:

Isso é o testemunho de uma história, de uma luta para subtrair o ser humano ao universo divino, bem como de uma dificuldade se não em viver, pelo menos em exprimir de maneira positiva - sem nostalgia, sem referência a um universo do qual se deseja a libertação - uma existência livre, autônoma, responsável. Como se houvesse um mal-estar ou um resquício de provocação em existir sem deus nem diabo, simplesmente em meio aos homens.[2] [Osório diz: “O homem é a medida de todas as coisas”! A famosa e fundamental frase de Protágoras e o que diz o autor, demonstra que o homem tem medo de assumir por si suas responsabilidades no mundo! De construí-lo do melhor modo e ao seu jeito! Entretanto, quando ele entrega a um deus ausente tal missão, na verdade põe no colo de outros homens tudo que eles querem: mandar, serem obedecidos e escravizarem seus depositários de confiança!].

O termo "ateu" conserva uma vaga conotação pejorativa, e sempre causa certo medo: herança de muitos séculos de perseguição, de desprezo e ódio por todos aqueles que negavam a existência de Deus e se viam, assim, irremediavelmente amaldiçoados. Inconscientemente, a ideia da maldição ainda vigora: "Graças a Deus, Deus não existe. Mas, que Deus nos livre, e se Deus ainda assim, existisse de fato?", diz um provérbio russo. Nesse domínio, a certeza pode ser absoluta? A aposta não é por demais arriscada? Muitos descrentes convictos ainda hesitam em se proclamar ateus [Osório diz: aqui o autor iguala descrente e ateu? Seria nossa observação inicial um problema de tradução? Em vez do conectivo “e” não seria o alternativo “ou”?]. O termo não é neutro, e dele ainda exala um vago odor de fogueira. Quanto ao vocábulo "materialista", que frequentemente lhe é associado, ele também mantém uma nuance de desprezo: ligado a uma doutrina "grosseira", "baixa", "primária", foi por muito tempo utilizado como acusação ou injúria. [Osório diz: ateísmo e materialismo! O ateísmo, por ser materialista, se fixa na matéria, no que se pode conhecer, pois está aí, no mundo! Nada de transcendência, crença em algo que não se pode ver, contar, pesar, medir].

Há, portanto, uma pesada herança passional em torno do ateísmo, noção impregnada de agressividade, por parte tanto de seus partidários [2] quanto de seus adversários, pois se trata da negação por excelência: a negação de Deus. Como escrever a história de uma atitude negativa? Na maioria das vezes, é o campo adversário que se encarrega da história "dos que se opõem a...", tratando-a com todos os preconceitos costumeiros. A descrença aparece com mais frequência na história das religiões do que em obras que lhe sejam propriamente consagradas, [Osório diz: assim como aconteceu com os Sofistas, quem os preservou foram os seus adversários! Lá como cá, teriam feito “melhor”, para eles, se nada tivessem escrito! “O tiro saiu pela culatra”, uma vez que os adversários não conseguem derrotá-los!] e o perigo da história da descrença é justamente acabar sendo uma história da fé pelo avesso. [Osório diz: a fé não consegue demonstrar seu valor, sua presteza, sua necessidade em si, por isso tem se valido de ataque aos seus adversários. Não pode ignorá-los por não ter o que dizer de si!] Durante muito tempo, os únicos testemunhos relativos à descrença vinham das autoridades religiosas que a reprimiam, especialmente nos séculos XVI e XVII. Até mesmo no século XX, um espírito tão aberto quanto o de Gabriel Le Bras não hesitou em anexar, ainda que com um olhar cheio de simpatia, a história da irreligião à sociologia religiosa: "O ateísmo dos meios modernos nos obriga a investigar todos os quadros sociais e toda a vida do espírito, pois a sociologia da irreligião constitui um dos principais capítulos, o mais emocionante de toda a sociologia religiosa".[3] A dificuldade não é menor na época contemporânea: com exceção dos movimentos ateus militantes, muito minoritários, como escrever a história de uma atitude que não parece ter nenhum conteúdo positivo? [Osório diz: parece não ter, mas tem! O fundamental é se livrar do medo e daqueles que o distribuem] Alguém pensaria, por exemplo, em escrever a história daqueles que não acreditam em óvnis?

Outro problema: o do vocabulário, que exprime uma profusão de nuances. Do ateu materialista puro-sangue ao crente integrista, há lugar para o agnóstico, o cético, o indiferente, o panteísta, o deísta: aos olhos dos fiéis todos são mais ou menos ateus. Todavia, as diferenças entre eles são consideráveis. Aliás, é preciso dizer também que nem sequer os termos "ateu" e "descrente" são sinônimos perfeitos. [Osório diz: Hum rum! Aqui, neste ponto, nossa dúvida e nossa suspeita, aparentemente, chegam ao fim] Então, cabe perguntar: história do ateísmo ou história da descrença? São essas questões metodológicas que devemos abordar desde o início.

A atitude descrente é um componente fundamental, original, necessário e, portanto, inevitável em qualquer sociedade. [Osório diz: faz-se um favor à sociedade ao se ser descrente] Por isso tem obrigatoriamente um conteúdo positivo, e não se reduz unicamente à não crença. É uma afirmação: a afirmação da solidão do homem no universo, geradora de orgulho e angústia [Osório diz: o homem medida]; sozinho diante de seu enigma, o homem ateu nega a existência de um ser sobrenatural que intervenha em sua vida, mas seu comportamento não se apoia em tal negação; ele a assume, seja como um dado fundamental (ateísmo teórico), seja inconscientemente (ateísmo prático). [Osório diz: assume o enigma e parte para tentar solucioná-lo. Não espera que caia do “céu”, como a chuva, uma resposta!] [3]

Essa solidão, que faz a grandeza e a miséria do homem ateu, encontra-se na origem de condutas diversas: ela engendra uma moral e uma ética fundada sobre o único valor discernível no universo: o homem. [Osório diz: afinal, o homem é a medida de tudo! O ateu é um homem de ação! Não fica parado esperando] Não crer em Deus não é uma atitude negativa. É uma posição que acarreta escolhas práticas e especulativas autônomas, que tem portanto sua especificidade e sua história, diferente esta da história dos crentes. Tal como as religiões, o ateísmo é plural: ele evoluiu, assumiu formas diferentes, sucessivas e simultâneas, e por vezes antagônicas. [Osório diz: tudo isso está dito na frase de Protágoras, o sofista maior!]

É claro, a história do ateísmo foi moldada durante muito tempo por suas relações com as religiões, que o perseguiram, antes que ele mesmo se tornasse perseguidor em certas culturas não crentes do século XX. O ateísmo é tão antigo quanto as religiões. Pois nesse campo há sempre lugar para a dúvida especulativa, bem como para a conduta rebelde. [Osório diz: aqui podemos encontrar outro Sofista, Górgias, com suas três teses, em especial a inicial, o seu “Nada é”!] No que diz respeito ao cristianismo em particular, que gosta de se gabar de seus 2 mil anos de existência, o ateísmo goza de uma anterioridade que deveria lhe valer respeitabilidade [Osório diz: se idade/velhice, servisse para algo, o ateísmo dá um banho no cristianismo!]. Dois mil e quinhentos anos antes de Cristo, sábios indianos já haviam proclamado que o céu é vazio. Para nos restringir unicamente à civilização ocidental, é preciso dizer que, desde o século VI de nossa era, [Osório diz: creio que é antes da nossa era, basta ver os filósofos citados!] Parmênides [Osório diz: Parmênides, por exemplo, viveu por volta de 500 a.C.], Heráclito e Xenófanes de Cólofon já professavam a eternidade da matéria, e que, pouco tempo depois, Teodoro, o Ateu, anunciava a morte de Deus. Como lembra Georges Hourdin:

O ateísmo é historicamente muito mais antigo do que a civilização cristã. Ele tem autonomia. Alguns filósofos da Antiguidade, como Epicteto e Epicuro, eram ateus [Osório diz: alguns bem antes deles já o eram, como mostra o parágrafo anterior]. Por outro lado, o ateísmo é mais amplamente difundido em termos geográficos do que o conhecimento do Evangelho. O que se costuma chamar por exemplo, de religiões do Extremo Oriente – budismo, confucionismo – é muitas vezes e simplesmente sabedoria e racionalismo. Cristo, Filho de Deus encarnou portanto num momento em que já havia ateus. As Igrejas que lhe deram continuidade não deram cabo do ateísmo.[4] 4 [Osório diz: o ateísmo é fundado na sabedoria e na racionalidade, já as religiões, na fé, na crença, naquilo que acreditam estar além do homem, do mundo, da natureza, que na verdade são um só].

O ateísmo, independente das religiões, pode ser concebido como a grandiosa tentativa do homem de criar um sentido para si mesmo, de justificar para si mesmo sua presença no universo material, de nele construir um lugar inexpugnável.  [Osório diz: seguindo o dito protagórico] O mito religioso da Torre de Babel pode encontrar [4] aqui uma interpretação inesperada e bem diferente daquela que lhe dá a exegese religiosa.

Aliás, esse estranho episódio foi deformado por essa exegese, que o apresentou como uma manifestação do orgulho humano devidamente castigado por Deus: os homens, para evitar ser mais uma vez tragados por um dilúvio, decidiram construir uma torre gigantesca que os protegesse das águas, desafiando assim o poder divino; Deus, para puni-los, teria então introduzido a diversidade das línguas, tornando impossível a compreensão entre os homens, e semeando a desunião entre eles, o que levou ao fim da construção. O texto bíblico, na verdade, não diz nada disso. [Osório diz: mas, mesmo que o dissesse, o tal divino falhou, pois os homens aprendem as línguas uns dos outros! Fiquemos no exemplo dos embaixadores!] Eis o relato do Gênesis:

Todo o mundo se servia da mesma língua e das mesmas palavras. Como os homens emigrassem para o Oriente, encontraram um vale na terra de Senaar e aí se estabeleceram. Disseram um ao outro: "Vinde! Façamos tijolos cozamo-los ao fogo!". O tijolo lhes serviu de pedra e o betume de argamassa. Disseram: "Vinde! Construamos uma cidade e uma torre cujo ápice penetre os céus! Façamo-nos um nome e não sejamos dispersos sobre toda a terra"

Ora Iahweh  [Senhor] desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído. E Iahweh disse: "Eis que todos constituem um só povo e falam uma só língua. Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles. Vinde! Desçamos! Confundamos a sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros" [Osório diz: esse projeto do tal Iahweh não deu certo. Melhor para o homem. Ou, melhor, vitória do homem sobre o tal]. Iahweh os dispersou daí por toda a face da terra, e eles cessaram de construir a cidade. Deu-se-lhe por isso o nome de Babel, pios foi aí que Iahweh confundiu a linguagem de todos os habitantes da terra e foi aí que ele os dispersou por toda a face da terra.[5] 5

Traduzamos: sem Deus, os homens são unidos, solidários, e decidem construir uma humanidade forte, independente, que domine o mundo e Ihe dê um sentido: "Conquistemos para nós um nome!". Esses homens não pensam em Deus, constroem o próprio futuro com orgulho, na união; eles podem representar a humanidade ateia, organizando-se sozinha. Ora, Deus sente ciúme desse entendimento que os fortalece; ele confunde as línguas e introduz a divisão. Deus quer uma humanidade fraca, humilde, submissa; não pode suportar que os homens se organizem a sua revelia, que confraternizem sem levar em conta sua existência. Prefere que os homens [5] se desentendam, briguem, o que lhe dá de volta o papel de árbitro supremo. A fé, portanto as religiões, fator de divisão, é fator de solidariedade humana diante da descrença: não seria a Torre de Babel o símbolo de uma humanidade ateia em busca de se dar um sentido – o "nome" e cujos esforços são aniquilados pela intervenção do sagrado, do divino, do sobrenatural, do absoluto, que divide e assola toda e qualquer esperança de união natural? [Osório diz: bom! Deus estraga tudo! Divide, contrapõe para tentar poder governar!]

Essa interpretação, evidentemente, tem poucas chances de ser aceita. E, no entanto, a julgar estritamente pelo texto, parece uma leitura possível. O episódio, em todo caso, pode ilustrar a hostilidade fundamental das religiões para com a descrença. Até meados do século XX, crentes e descrentes constituíam no Ocidente dois mundoS antagônicos, dispostos a chegar às vias de fato. Apenas em época bastante recente, tal oposição parece finalmente superada. Por que esse ódio ou, no mínimo, essa suspeição? Que importância tem, para aqueles que creem, que outros não creiam e vice-versa? [Osório diz: isso parece com aquele “incômodo” que alguns sentem da homossexualidade alheia!] Essa intolerância nada tem a ver com o problema da verdade: ninguém persegue os que não creem no teorema de Pitágoras, ou os que negam que dois e dois são quatro; contentam-se em tratá-los de loucos. [Osório diz: é que ninguém quer a verdade, mas sim a verdade na qual acredita!] Se durante muito tempo a vontade de eliminar o ateísmo prevaleceu, é porque a ausência de fé era supostamente capaz de acarretar uma diferença de comportamento individual e social. O homem sem Deus, até a época de Bayle, e mesmo depois, é um homem sem moral, portanto um perigo para a sociedade. A história do ateísmo é também a dos que lutam por uma moral puramente humana. [Osório diz: o homem tem que construir sua moral assumindo que ela é dele, que é ele quem a cria, não sendo ele o ser passivo que a recebe sabe-se lá de quem! Sabe-se sim de que: do esperto que quer escravizar os demais!].

A história do ateísmo não é simplesmente a história de uma ideia, mas é também uma história do comportamento. Por isso recorrerei, na medida do possível, às pesquisas sociológicas, inclusive as religiosas. Trata-se de compreender por que e como uma fração da sociedade europeia, desde as suas origens, viveu sem referência a um deus qualquer. Isso permite lembrar para nossa época, em pleno desarranjo cultural, como os homens conseguiram viver outrora, inventando para sua existência um sentido totalmente independente da fé religiosa. [Osório diz: que é o que lhe cabe fazer].

De cada cinco homens, hoje, mais de um é ateu; e dos quatro quintos restantes, quantos são indiferentes, céticos, agnósticos? A história do ateísmo não é a história de um punhado de indivíduos. Ela diz respeito a centenas de milhões de pessoas que não conseguem acreditar em Deus. A fé não pode ser decretada, não pode ser demonstrada, nem pode ser imposta. [Osório diz: mas é o que tentam fazer os perseguidores religiosos e suas inquisições. Para que diabos os religiosos vão se meter no meio de povos que vivam como quaisquer outros seres humanos antes dessa maldita chegada?] O que, sem dúvida, deveria interpelar os que creem: como é possível que eles creiam e tantos outros não? [Osório diz: mas as religiões organizadas costumam protestar contra quando se tenta escorraçar seus religiosos, embora não tenham o menor pudor de fazer o mesmo quando alguém que não é do seu meio “invade” dita religião. Aliás, fazem pior, pois tentam impor, pela força, sem serem convidados, as religiões que professam] A história dos descrentes deveria alimentar a reflexão dos crentes. [Osório diz: mas eles são fanáticos demais para isso!] [6]

Quanto ao autor, normalmente os leitores gostam de saber sua opinião pessoal quando trata de assuntos como este, nem que seja apenas para espreitá-lo e pegá-lo em contradição, num ou noutro sentido. Limito-me a dizer que não há neste livro nenhuma intenção apologética a favor do ateísmo ou contra ele, a favor da fé ou contra ela. A principal motivação, aqui é uma busca de sentido, que não rejeita a priori nenhuma atitude. Embarcamos todos numa estranha aventura. Nascemos sem pedir, vivemos sem saber por quê, morremos sem receber desculpas, somos todos submetidos à mesma trajetória sem ter direito à menor explicação. Muitos nem sequer se preocupam com isso. [Osório diz: e quando tentamos, quase sempre somos tolhidos, inclusive pela violência] São, provavelmente, os mais felizes. [Osório diz: não acredito que os ignorantes são felizes, são enganados, tanto assim que costumam mudar quando se esclarecem] Outros têm respostas prontas, lisas, indiscutíveis, que herdaram ou elaboraram; acreditam nelas e sem dúvida têm razão de se fiar nelas – ao menos sabem qual conduta devem adotar. [Osório diz: estes são manadas a seguir seus líderes] Enfim, há os que não compreendem nada, os inquietos, os angustiados, todos aqueles que, desde as origens, considerando este mundo grotesco e grandioso, e não se satisfazendo com nenhuma resposta, perguntam-se: por quê? [Osório diz: bom!] O historiador tem o dever de explorar o passado dessas três atitudes, com compreensão e compaixão, sabendo que ele mesmo está imerso numa dessas três correntes mais fortes do que ele. Pertencendo ao terceiro grupo, invejo tanto os que nada se perguntam quanto os que apenas têm respostas; eu, que só tenho perguntas, sem respostas. [Osório diz: como todo sábio!]

Este livro fala da história dos descrentes, designando com esse vocábulo todos os que não reconhecem a existência de um deus pessoal que intervenha em sua vida: ateus, panteístas, céticos, agnósticos, mas também deístas, sendo infinitas as nuances entre tais categorias. [Osório diz: eis a resposta para minha dúvida inicial: o ateu é só mais um descrente entre muitos!] Todos eles, juntos, constituem sem dúvida a maioria da humanidade. Esta é, na verdade, a história dos homens que creem apenas na existência dos homens. [Osório diz: como deve ser, até para que assumamos nossas responsabilidades, não as transferindo para o imaginário].

[7]

[8, 9 e 10] em branco


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NO INÍCIO: FÉ OU DESCRENÇA?

O homem primitivo era ateu ou religioso? O problema das origens é ao mesmo tempo capital e insolúvel. Capital porque permitiria determinar o caráter natural do ateísmo ou da atitude religiosa, o que daria a uma ou a outra dessas realidades uma justificação fundamental. Insolúvel porque a mentalidade primitiva dos povos pré-históricos está para sempre fora do alcance de um estudo científico. [Osório diz: embora concordemos com o autor, torcemos para que a ficção se torne realidade com a invenção da “máquina do tempo”, para que possamos perscrutar o nosso passado] Estamos, pois, reduzidos neste domínio a nos contentarmos com reles indícios cuja interpretação depende amplamente dos pressupostos dos pesquisadores. No entanto, há pelo menos um século e meio sociólogos, etnólogos, psicólogos e historiadores têm debatido exaustivamente essa questão.

O PROBLEMA DO ATEÍSMO PRIMITIVO

Posta no contexto dos conflitos entre fé e ciência que marcaram o século XIX, a questão, evidentemente, não é neutra. [Osório diz: neutralidade é um mito! Nunca existiu, mas sempre esteve aí] Os dois campos reivindicam uma anterioridade que faria do adversário um derivado artificial e [11] sem o valor de uma atitude original, natural, autêntica e sã. Até uma época recente, os pesquisadores, crentes ou ateus, trabalharam antes de tudo para defender uma causa, ideológica ou religiosa.

Em 1936, por exemplo, Henri de Lubac via na afirmação marxista de uma fase primitiva arreligiosa da humanidade a vontade partidarista de mostrar que a religião não é uma necessidade essencial do homem, e que corresponde unicamente a um estado transitório da sociedade.1 Ele criticava também os pressupostos sociológicos de Émile Durkheim e etnológicos de Lucien Lévy-Bruhl que, prolongando o esquema de Auguste Comte, fariam do estágio religioso uma fase provisória na história do espírito humano. O trabalho das ciências se insere hoje num espírito menos polêmico, mas nem por isso a interferência de nossos pressupostos contemporâneos estaria menos presente. [Osório diz: “nossos pressupostos” são os nossos “pré-conceitos” que tornam impossível a neutralidade] No entanto, é indispensável prestar conta dessas pesquisas.

O primeiro estudo sério consagrado ao assunto data de 1870: The Origin of Civilization and the Primitive Condition of Man [A origem da civilização e a condição primitiva do homem]. John Lubbock (1834-1913), que estudou povos primitivos da Austrália e da Terra do Fogo, afirma nessa obra que a humanidade, em suas origens, é ateia, isto é, não tem a mínima ideia de um mundo divino qualquer. Colocando-se numa perspectiva evolucionista, ele retraça as etapas da elaboração progressiva da religião, passando sucessivamente pelas fases fetichista, totemista, xamanista, idólatra antropomórfica. Declara ao mesmo tempo que existem povos completamente ateus: os cafres, os melanésios, os yagans da Terra do Fogo e os aruntas da Austrália.

Já no ano seguinte, Edward Tylor (1832-1917) reage a essa proposição e mostra que a pretensa ausência de ideias sobre Deus nesses povos provém da inadequação dos conceitos que descrevem o sistema de crenças dos primitivos. Esses povos, explica ele, ignoram nossa concepção de Deus, mas isso não quer dizer que não tenham uma concepção de Deus. Já se esboçava assim uma ambiguidade fundamental que encontraremos com frequência: a tendência a utilizar o termo "ateu" para qualificar todos aqueles que têm uma concepção diferente da divindade. [Osório diz: “quem não concorda comigo é ateu”, dirá o crente] Assim, pagãos politeístas e cristãos monoteístas poderão se tratar mutuamente de ateus.

Segundo Taylor, o homem primitivo é levado a conceber uma realidade sobre-humana ou extra-humana a partir de sua experiência do sono, do sonho, das visões, do êxtase, do delírio, da morte. [Osório diz: ou seja, de causas naturais, materiais. Nada de sobrenatural] Daí teria saído a noção de alma, atribuída a todos os objetos, vivos ou inertes, depois reservada ao [12] homem e dotada de imortalidade; [Osório diz: penso que a alma tem a mesma duração da lembrança que os vivos têm de seus mortos, como dizem os mexicanos. “A pessoa só morre depois de totalmente esquecida pelo último sobrevivente que dela lembrava!] progressivamente, o homem chegaria ao monoteísmo. Quatro anos mais tarde, Herbert Spencer (1820-1903) situando-se também numa perspectiva evolucionista, afirma que a religião original repousa sobre o culto dos ancestrais.2 2 [Osório diz: exatamente o que dizem os mexicanos. E por que os ancestrais? Justamente por serem aqueles que se foram e os que mais nos lembramos pela questão da afetividade].

Outros pesquisadores do fim do século XIX acreditaram reconhecer nos povos primitivos não somente um sentimento religioso, mas um monoteísmo original. Como Howitt, que em 1884 se interessou pelas tribos do Sudeste australiano, e, pouco depois, Andrew Land, para quem o deus do céu é o ancestral primitivo da tribo.3 3 [Osório diz: qual a diferença com o que diz Spencer logo acima?] O principal defensor dessa tese extrema é o padre Wilhelm Schmidt (1868-1954): numa extensa obra sobre os pigmeus,4 4 ele mostra que o Ser supremo desse povo, todo-poderoso, mestre da vida e da morte, criador, justiceiro, é o típico deus único. [Osório diz: certamente que o fato de ser padre não o permitiria ter uma opinião diferente, pois, aí, não seria padre] Desde então, outros acreditaram descobrir os mesmos vestígios de monoteísmo primitivo no Tira-Wa do povo pawnee, no Nzambi dos bantus, no Vatauineuva (o "Velhíssimo") dos yagans, no Kalunga dos ovambos, acrescentando que muitas vezes esse deus supremo não é objeto de culto porque está fora de alcance e não se ocupa dos homens. [Osório diz: todos os deuses são assim: estão fora do alcance dos homens e não se ocupam deles, senão não seriam deuses].

Essas concepções, em geral concebidas com um pano de fundo apologético, [Osório diz: isso! Fazer apologia buscando arrebatar fiéis para suas crenças!] foram muito criticadas, especialmente por Raffaele Pettazzoni (1883-1959), para quem a noção de monoteísmo é empregada de modo abusivo por esses sociólogos e etnólogos. Outros autores sustentaram a tese contrária, ou seja, a da ausência de sentimentos religiosos nos povos estudados.5 5 Mas sua argumentação também é frágil, pois repousa sobre uma definição muito estreita e ocidental da religião.

Em 1912, Emile Durkheim retoma o debate em As formas elementares da vida religiosa, estudando o meio dos aborígenes australianos, considerados os mais próximos da condição primitiva da humanidade. Sua abordagem, exclusivamente sociológica, pode alimentar tanto os argumentos ateus quanto os religiosos. Se a religião depende do substrato econômico e social que lhe dá origem, ela supera este último, porque tem um valor objetivo que não é menor que a experiência científica; ela é mais que um epifenômeno assim como o pensamento é mais que o cérebro: [12]

Portanto, longe de ignorar a sociedade real e dela fazer abstração, a religião é a sua imagem; reflete todos os seus aspectos, mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes. [Osório diz: não fosse assim não existiriam tantos deuses!] Mas se é verdade que, através das mitologias e das ideologias transparece claramente a realidade, também é certo que nelas a realidade se vê engrandecida, transformada, idealizada.6 6 [Osório diz: mas, aqui, temos a criação artística mais desenvolvida de alguns homens, capazes de criar universos inteiros. Talvez tenha existido um Dom Quixote, mas sem a pena de Cervantes ele sequer teria sido!].

Para Durkheim, as formas elementares da vida religiosa se ordenam em torno da noção de totem, que é ao mesmo tempo o nome e emblema do clã a partir do qual se elaboram as classificações religiosas, os ritos e os tabus. Todas as categorias fundamentais do pensamento, e portanto também a ciência, são de origem religiosa: "Se a religião engendrou tudo o que há de essencial na sociedade, é porque a ideia da sociedade é a alma da religião".7 [Osório diz: para aceitarmos tal afirmação, temos que admitir que “o homem sempre foi crente” e, como se disse anteriormente, o homem primitivo está fora do nosso alcance de estudo! O que se tem, aí, é uma suposição do sociólogo, tão descabida quanto qualquer outra, pois ele afirma isso a partir do que ele acha que foi].

A ideia fundamental de Durkheim, no que diz respeito a nossos propósitos neste trabalho, é que nos povos mais primitivos, e implicitamente, portanto, na origem da humanidade, [Osório diz: esse passo nem ele nem ninguém poderia dar] encontram-se todos os elementos constitutivos da atitude religiosa, mesmo a mais avançada, a saber:

distinção das coisas em sagradas e profanas, noções de alma, de espírito, de personalidade mítica, de divindade nacional e até mesmo internacional, culto negativo com as práticas ascéticas que são suas formas exacerbadas, ritos de oblação e comunhão, ritos imitativos, ritos expiatórios, nada de essencial lhes faltando.8 8 [Osório diz: até onde ele pode ver, só que sua visão é curta, como todas as demais].

Desde o início, [Osório diz: qual início?] o culto desempenha um papel fundamental na coesão social: "É que a sociedade só pode fazer que sua influência seja sentida se for um ato, e ela só é um ato se os indivíduos que a compõem forem assembleias e agirem em comum".9 9 [Osório diz: essa afirmativa cabe muito bem para uma sociedade de bestas, não para uma de homens racionais. Embora a racionalidade seja um bem escasso, a despeito de todos os homens, teoricamente, a possuírem] As forças religiosas, enraizadas na sociedade, são interiorizadas pelos indivíduos, que as associam a sua vida íntima. [Osório diz: com esse “inferno” que é a massividade da pregação, inclusive com a tentativa de inculcar pela violência, além de já se nascer e crescer sob uma determinada religião, como poderia ser diferente? “Reze ao dormir, reze ao acordar” é o que é ensinado às crianças desde a mais tenra idade. Como fugir desse inferno? Geralmente tomamos conhecimento das besteiras religiosas em uma fase já bem adulta da vida e, isso, muitas vezes, já é quase tarde, pois nosso pensamento, nosso vocabulário e atos estão impregnados por crenças que não nos foram ensinadas, mas impostas] Além do mais, sendo as sociedades mais ou menos engajadas nas relações com outras sociedades as ideias religiosas podem adquirir rapidamente um caráter universalista. [Osório diz: nem precisam ser engajadas, alguns, pela força, vão impor suas religiões a quem delas não precisa!] Durkheim não deixa, portanto, nenhuma possibilidade para um ateísmo original. Quanto a isso, ele está de acordo com a maioria dos etnólogos e sociólogos de sua época, que pensavam que não havia povos primitivos sem religião. [Osório diz: já partiam de uma certeza, não de uma hipótese de trabalho. Isso não é ciência, pois nesta deve imperar a dúvida!]

Nem por isso o problema está resolvido. Em primeiro lugar, porque afirmar que a universalidade do sentimento religioso nos povos primitivos [14] tende a provar uma revelação original é evidentemente um raciocínio abusivo – essa hipótese, aliás, é totalmente ausente em Durkheim. Em segundo lugar, porque a assimilação do pensamento dos povos primitivos do século XX ao da humanidade pré-histórica é outro salto contestável. E, por último, porque a noção de "religioso" está sempre cercada de incertezas e pode dar lugar a muitas contestações: o que é qualificado de "religioso" neste ou naquele povo primitivo não estaria mais próximo de um animismo naturalista do que de uma verdadeira crença religiosa? O limite entre teísmo e ateísmo não é claro nem mesmo em nossa época. Parece ainda mais vago, e até mesmo inexistente, na mentalidade primitiva.

[Osório diz: Teísmo é uma crença na existência de deuses, seja um ou mais de um, no caso de mais de um, pode existir um supremo. O teísmo não é religião, pois não se trata de um sistema de costumes, rituais e não possui sacerdotes ou uma instituição. Teísmo é apenas o nome para classificar a opinião segundo a qual existe ou existem deuses. Algumas religiões ou posturas filosóficas são teístas, outras são deístas, panteístas, etc.

E,

Deísmo é uma posição filosófica naturalista que acredita na criação do universo por uma inteligência superior (que pode ser Deus, ou não), através da razão, do livre pensamento e da experiência pessoal, em vez dos elementos comuns das religiões teístas como a revelação direta, ou tradição.

Fonte: Wikipedia.].

A MENTALIDADE PRIMITIVA: O MANA

Desde 1900, etnólogos e filósofos têm se orientado a uma noção mais apta a qualificar as relações entre o homem pré-histórico e seu ambiente natural: a noção de "mana", isto é, uma força imaterial e ativa, difusa em todos os objetos. Em 1891, Codrington já a tinha estudado entre os melanésios,10 10 mas foi em 1915 que o alemão Lehmann lhe consagrou um amplo estudo.11 11 Uma mesma realidade é então identificada, com nomes diferentes, entre os malgaxes (hasina), os hurons (orenda), os tlingits (yok) os omahas (wakenda), os barongas (tilo) etc.

É difícil conceber e, sobretudo, definir o mana. Codrington via nele um “poder ou uma influência sobrenatural que entra em cena para efetuar tudo o que está além do poder ordinário do homem, fora do processo comum da natureza". Essa definição, que parece introduzir uma diferença entre natureza e sobrenatureza, foi depois corrigida. Como precisará Georges Gusdorf, a mentalidade primitiva é monista: ela não distingue entre o natural e o sobrenatural, entre a física e a metafísica. O homem e seu ambiente formam algo uno, e a ontologia não é pensada, mas vivida. O primitivo não separa o profano do sagrado; ele está imerso no meio com o qual é uno. Vive no vivo, como parte integrante de um todo uno: [Osório diz: muito bom o que diz Gusdorf, entretanto ele recorre à “mentalidade primitiva”, que ninguém conhece! Penso que para salvar o que ele diz, não precisa retroceder aos primitivos, basta o homem olhar o mundo ao seu redor e perceber que na época quem eu ele escreveu e agora, século XXI, o homem permanece conectado ao mundo do qual ele faz parte e não pode ser diferente. Suas ações sobre o mundo sofrem reações. As mudanças climáticas, por exemplo, acelerada pela poluição causada pelo homem. O homem, na sua vaidade de “animal superior” tenta se desconectar dos outros vermes do qual ele é irmão! Sendo que ambos são importantes para o mundo do qual eles são meras partes. Podemos até imaginar que o mundo{natureza} sobreviva sem o homem, mas este não vive sem ela].

O primitivo tem uma visão única, e a palavra "mana" designa essa atitude unitária do homem diante do universo, ou melhor, no universo. [...] O mana é imanente à existência em sua espontaneidade, mas pode se encontrar tanto [15] junto do sujeito quanto junto do objeto. Mais exatamente, o mana corresponde a certo enfrentamento do homem e da realidade ambiente, dado inicialmente como um ser no mundo característico da vida primitiva. A intenção "mana" não designa especialmente uma situação propriamente "religiosa": ela indica certa polarização da existência em seu conjunto, fora de qualquer referência a "deuses", ou mesmo a "espíritos", por mais imprecisos que sejam.12 12 [Osório diz: com esse “mais preciosos que sejam” o autor tenta ser aceito no meio religioso! Creio que a atitude de Aristóteles, em tudo dividir e compartimentar contribuiu, e muito, para essa tentativa do homem de se desconectar dos outros elementos que formam o mundo!]

De fato, o mana não é uma realidade em si, mas antes uma estrutura da consciência que nos faz agir intuitivamente, como se os objetos que nos rodeiam estivessem carregados de intenções a nosso respeito. [Osório diz: aqui, e apenas para este fim, podemos objetar dizendo que não existe mundo sem homem, sem consciência, pois é o homem, na sua relação com os demais, que cria o mundo da cultura, que pode ser entendido como o dar o nome às coisas tirando-as do caos, tentando explicar seu funcionamento, suas relações, transformando a matéria “bruta”] Trata-se, portanto, de um dado bruto, imediato, que nada tem a ver com um sentimento do divino ou do sagrado. Mas esse modo de consciência preanimista pode engendrar dois tipos de atitude: a magia e a religião. Para Lehmann, a noção confusa de mana é uma espécie de objetivação do sentimento de temor para com o objeto: se o poder é atribuído ao próprio objeto, tende-se à magia; e se é atribuído a um espírito que dirige o objeto, tende-se ao teísmo e, portanto, à religião.

[Osório diz: Animismo "é a ideia de que todas as coisas, incluindo pessoas, animais, características geográficas, fenômenos naturais e objetos inanimados, possuem um espírito que os conecta uns aos outros." Fonte: www.significados.com.br].

[Osório diz: o que dissemos acima, sobre tudo está conectado com tudo no mundo exclui qualquer coisa relacionada com espírito! Tem a ver com o que disse Empédocles de Agrigento e que depois é repetido por Lavoisier na famosa frase: “na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”!]

Magia e religião têm portanto a mesma origem. Ora, essas duas atitudes caracterizam respectivamente as visões ateia e deísta do mundo. O que conduziria a excluir toda e qualquer anterioridade de uma em relação outra. A célebre obra de Henri Bergson sobre As duas fontes da moral e da religião parece reforçar essa hipótese. Publicada em 1932, ela se apoia em inúmeros estudos etnológicos da época e conclui pelo caráter simultâneo e indissociável da magia e da religião: "Não se pode pretender que a religião derive da magia: elas são contemporâneas". Em sua fase preanimista, escreve Bergson, "a humanidade teria imaginado uma força impessoal tal como o mana polinésio, difundida no todo, desigualmente distribuída entre as partes; só mais tarde ela teria chegado aos espíritos".1313 A magia é a prolongação da ação humana sobre o mundo; é portanto "inata ao homem, sendo apenas a exteriorização de um desejo do qual o coração está repleto". [Osório diz: a religião não o é, pois vai para “outro” mundo! Como se esse outro existisse].

Na origem, portanto, não haveria nenhuma concepção abstrata ou teórica de um sobrenatural qualquer: "Não é uma força impessoal, não são espíritos já individualizados que teriam sido concebidos a princípio; simplesmente teriam sido atribuídas intenções às coisas e aos acontecimentos como se em toda a parte a natureza tivesse olhos fitando os homens".14 14 [Osório diz: e tem, pois na relação homem-natureza tudo tem consequências] [16] Desse fundo comum teriam saído, para baixo, a magia, que utiliza as forças impessoais da natureza, e, para o alto, a religião, que personaliza tais forças. [Osório diz: o uso do para baixo e para o alto pode parecer pejorativo para a magia, melhor seria: para o mundo material e para a metafísica, para a suposição] A religião popular conservou esses dois aspectos, e as grandes religiões tradicionais terão a maior dificuldade para separá-los.

[Osório diz: a luta do homem tem sido buscar dominar as forças da natureza para que estas “trabalhem a seu favor”, melhor, de seus interesses. Penso que isso não deixa de ser uma magia em alto grau].

No entanto, Bergson amplia abusivamente o termo "religião" à situação comum anterior a essa distinção quando escreve: "A verdade é que a religião, sendo coextensiva à nossa espécie, deve resultar de nossa estrutura". [Osório diz: abusa quando afirma ser coextensiva à nossa espécie, pois não tem dados para tal afirmação, como já se viu acima] Se nos basearmos em seu raciocínio precedente, o que é extensivo à nossa espécie é o estágio do mana, que é ao mesmo tempo pré-religioso e pré-mágico, isto é, pré-ateu. Aliás, o próprio filósofo confirma o caráter derivado da religião quando nega todo elo fundamental entre esta última e a moral, a qual é apenas expressão de necessidades sociais:

Quando dizemos que uma das funções da religião, tal como desejada pela natureza, [Osório diz: natureza não deseja por si! Creio que isso somente ocorre com alguns dos elementos que integram seu conjunto] é manter a vida social, não pretendemos dizer com isso que haja solidariedade entre a religião e a moral. [Osório diz: Protágoras, como se viu, não vê necessidade de religião. É o homem que deve tomar as rédeas do seu destino]  A história dá testemunhos do contrário. Pecar sempre foi ofender a divindade, mas nem sempre a divindade se sentiu ofendida pela imoralidade ou pelo crime: aconteceu até mesmo de ela os prescrever.15 15 [Osório diz: sim, há divindades que mandam matar! Na bíblia, por exemplo].

O caráter simultâneo e indissociável da magia e da religião também é afirmado, de outra forma, por Claude Lévi-Strauss, que escreve em O pensamento selvagem:

O antropomorfismo da natureza (em que consiste a religião) e o fisiomorfismo do homem (pelo que definimos a magia) formam dois componentes sempre dados, e dos quais apenas a dosagem varia.[...] Não há religião sem magia, do mesmo modo que não há magia que não contenha pelo menos uma pitada de religião. A noção de uma sobrenatureza só existe para uma humanidade que atribui a si mesma poderes sobrenaturais e que, por outro lado, atribui à natureza os poderes de sua sobre-humanidade.16 16

O etnólogo mostra como a religião corresponde a uma humanização das leis naturais, por atribuição a um Ser superior das forças da natureza e como a magia corresponde a uma naturalização das ações humanas, por atribuição à natureza de intenções e poderes de tipo humano. [Osório diz: mas os poderes humanos são poderes da natureza! O homem é a natureza agindo, podemos dizer. Já o tal ser superior...] Se subsiste [17] certa mistura entre as duas atitudes, a natureza de ambas é fundamentalmente diferente, embora ambas provenham de um fundo comum. [Osório diz: sim, o que muda é o modo de ver a natureza e de enfrentá-la. Uns buscam em si as forças para o embate, outros esperam...]

Ora, insistamos, a atitude mágica é fundamentalmente ateia e conduzirá, pela evolução natural, ao ateísmo prático. Quando tropeço numa cadeira, caso eu viva no estágio do mana, dou-lhe um pontapé; caso seja um pouco mais evoluído, [Osório diz: como assim, mais evoluído? Vejo nisso um atraso, embora sem o pontapé!] atribuo o tropeção à vontade divina e sou um espírito religioso; ou então acuso a cadeira de má intenção para comigo, e dou mostra de um estado de espírito mágico, que não faz referência a um ser sobrenatural - e mais cedo ou mais tarde hei de chegar à indiferença para com a cadeira, e então considerarei que sou o único responsável por minha falta de cuidado. [Osório diz: contudo, o autor caminha para a racionalidade: mana – religião – razão].

NA ORIGEM, NEM FÉ NEM DESCRENÇA: A CONSCIÊNCIA MÍTICA

Na origem, [Osório diz: esse “na origem”, não é bem na origem, como vimos acima, mas apenas a partir do que temos registrado em pedra, osso, barro queimado, pergaminho. Mesmo que o autor se refira à origem do mito] o mito é um modo de ser no mundo, a maneira do homem de viver sua inserção em dado meio ambiente, que age sobre ele e sobre o qual ele age. [Osório diz: sendo o homem uma parte do todo, ele exerce função e sobre ele funções são exercidas pelos demais elementos do todo] Para satisfazer suas necessidades fundamentais, ele estabelece com o mundo um tecido de relações afetivas vitais, baseadas no par atração-repulsão. [Osório diz: “atração-repulsão” é o que dá/gera o movimento, e a vida é movimento] Atribuindo [Osório diz: ele atribui ou ele vê/constata? Constata, por exemplo, que as árvores precisam do sol para a fotossíntese!] às coisas intenções que ele explora para sua própria satisfação, ele vive no mito, do qual não se dissocia pelo pensamento. [Osório diz: e quando ele se dissocia, também começa a se perder, ao tentar se desligar do que lhe dá vida] Nesse estágio, o mito não é nem uma teoria, nem uma lenda, nem uma alegoria nem um símbolo; é um gênero de vida, um modo de ser, no qual o acesso ao sentido é imediato, sem dissociação. [Osório diz: Aqui está Parmênides! Aqui “o ser é, o não-ser não é”! Depois essa constatação será teorizada, para pior, pois dará a criação de mundo(s) paralelo(s)]

O homem primitivo está imerso na realidade mítica. [Osório diz: era o caso de Parmênides!] Como escreve Georges Gusdorf. "É por isso que ele não conhece a instabilidade do homem moderno, que perdeu seu lugar ontológico e está sempre em busca dele. [Osório diz: ontologia (ontos = ser; logoi = ciência) é a “ciência que estuda o ser”. Só que, com a metafísica (aquilo que estuda o que está além da física, do que é físico, concreto) o homem se perde em um mundo de suposições. Justamente por não encontrar respostas para suas inquietações no mundo concreto, palpável, ele cria um mundo com seu pensamento onde julga poder encontrar respostas para essas suas inquietações. É justo que o faça – a busca pelo conhecimento é sempre válida – o que não pode é se perder nisso tomando essa sua invencionice como suporte para aquilo que chamamos, grosseiramente, de “verdade”. Mas tem algo pior, que é querer convencer quem desse mundo de fantasia discorda até pela violência. Se o pensador não se transformar ou for transformado em pregador fanático, tudo bem]  Ele se sente em seu lugar, no centro da realidade, não suficientemente consciente de si mesmo para se desejar outro em relação ao que ele é".1717 [Osório diz: essa consciência de si mesmo é importante, mas funciona como um remédio, que dependendo da dose pode se transformar em veneno! E é isso a que a metafísica pode levar] Seria inútil qualificar esse estado inicial de religioso ou ateu. Ele é um e outro a um só tempo, e portanto, ao mesmo tempo, a negação mútua disso. No estado mítico, o ser é unitário; não há distinção entre divino e profano natural e sobrenatural. [Osório diz: tal distinção é obra da invenção do homem, aparentemente nessa sua tentativa de se  desinserir do seu meio] O primitivo vive no sagrado, mas um sagrado vivido, não conceptualizado. [Osório diz: é na teorização do sagrada que o homem vai buscar se dissociar do que é] O mito é a realidade última, que compreende tudo e seu contrário, perigoso e amistoso, atraente e repugnante. Mircea Elia sublinhou essa ambivalência do sagrado original, que não passa, de fato, [18] de uma reação diante de um mundo cheio de boas e más intenções, capaz de produzir o bom e o mau, o agradável e o doloroso: [Osório diz: a criação do divino parece uma tentativa do homem de querer apenas o bom, o agradável. Entretanto, nesse mesmo divino ele, o homem, impõe uma contrapartida para quem desagradar aquele que ele, homem, imagina que pode dar, proporcionar o bom, o agradável, e que, justamente, as “chicotadas” com o mau, o doloroso. Ou seja, o homem não é livre das “boas e más intenções”, ele apenas tenta organizar, sob a responsabilidade de outro, não dele próprio, a forma de atuar das bondades e maldades].

A atitude ambivalente do homem diante de um sagrado ao mesmo tempo atraente e repugnante, benéfico e perigoso, encontra sua explicação não somente na estrutura ambivalente do próprio sagrado, mas também nas reações naturais que o homem manifesta diante dessa realidade transcendente que o atrai e o amedronta com igual violência. [Osório diz: se é transcendente não é realidade! Ou é apenas “realidade virtual”!]  A resistência se afirma com mais nitidez quando o homem se vê diante de uma solicitação total do sagrado, quando é chamado a tomar a decisão suprema: aderir, completamente e sem voltar atrás, aos valores sagrados, ou então manter-se, quanto a eles, numa atitude equívoca.18 18 [Osório diz: que ele acha, ou sente que é chamado! Tem gente que “vê” visagem!]

A partir desse estágio, o homem pode reagir negativamente ao sagrado pela repulsa, pela rejeição, pelo ódio, pelo sarcasmo ou pela indiferença. Essas atitudes serão verificadas em relação às religiões constituídas. Mas no estágio mítico o homem não é nem religioso nem ateu. Para ser crente ou ateu, é preciso se distanciar, pelo pensamento, do mundo divino, que é aceito ou rejeitado. [Osório diz: eu só tiraria do parágrafo o “mundo divino”, pois, nesse estágio, o pensamento ainda não forjou a divindade].

O problema deve colocar-se portanto em termos ontológicos: o que existe, o que é real e o que não existe - e não em termos de pessoal-impessoal, corporal-incorporal, conceitos que não têm, na consciência dos primitivos, a precisão que adquiriram nas culturas históricas. [Osório diz: que é o que disse Parmênides, depois deturpado, pois ele era um homem que vivia no misticismo] O que é provido de mana existe no plano ontológico e, por conseguinte, é eficaz, fecundo, fértil. Portanto, não seria possível afirmar a "impersonalidade" do mana, já que essa noção não tem sentido algum no horizonte mental arcaico. Aliás, não se encontra em nenhum lugar o mana hipostasiado, destacado dos objetos, dos acontecimentos cósmicos, dos seres e dos homens.19 19 [Osório diz: tudo é um!]

Assim, no ponto de partida, haveria uma humanidade cuja consciência imersa em seu meio ambiente, viveria no mito. Depois dessa fase arreligiosa, o momento decisivo é aquele em que emergem a razão e a consciência de si, aquele em que intervém a inteligência. Pois a inteligência distingue, separa, dissocia, classifica o que até então era uno. Assim começam a se opor o eu e o mundo, o profano e o sagrado, o mito pensado e o mito vivido. Aí é que se situa a verdadeira passagem entre a pré-história e a história. O pensamento mítico dá lugar a duas atitudes opostas, mas complementares [19] e ainda frequentemente entrelaçadas: a atitude religiosa e a atitude mágico-supersticiosa, ambas potencialmente cheias de crença e ateísmo. [Osório diz: perfeito este parágrafo. O que o homem tem que entender é que o mundo que ele cria com sua inteligência não é real, mas ficção! Daí não poder impor consequências até violentas para quem dele discorda. Aliás, mesmo as invenções da tecnologia, para existirem, depois de pensadas têm que ser concretizadas. Os celulares – vistos há muito tempo como “caixinhas” que falavam, só se tornaram reais quando concretizados fisicamente. É o caso da “máquina do tempo”, que só existirá se for posta no mundo de forma material].

A atitude religiosa corresponde à conceitualização do mito, que não é mais vivido, mas representado, atuado e pensado. Ele se torna uma realidade autônoma, estruturada pelo espírito e no qual se crê. [Osório diz: se “crê” é diferente do “se conhece”! E é por não conhecer que o homem crê. Eu cria que a terra era o centro do universo, mas apareceu um “maluco” que me mostrou que não!] E a partir daí um objeto simbólico, objeto de um discurso, organizado numa literatura sagrada. [Osório diz: é a força da palavra] É claro que o mito, que a partir daí faz referência a uma realidade exterior, perdeu sua força: [Osório diz: se é exterior não é realidade] "A retomada do mito pela inteligência, sua transcrição refletida deixa escapar o essencial, na medida em que ela destaca o mito da situação, conferindo-lhe assim uma autonomia em pensamento que o desnatura".20 20 [Osório diz: perfeito!] Mesmo assim ele continua indispensável. Pois a desagregação do estado mítico é, para o homem, uma fonte irremediável de inquietude e angústia existencial. [Osório diz: foi criada para “satanizar” o bom de viver! Para dar preocupação! Para tirar a paz!] Na interioridade de sua consciência, ele se coloca em relação ao mundo e, tendo perdido a harmonia inicial, encontra-se em perpétua defasagem em relação ao meio em que vive. Nessa situação, tudo o que quer é reencontrar a segurança e a unidade perdidas, pela religião, pela filosofia, pela magia, pela técnica, pela política. [Osório diz: não sei se por esses caminhos, pois eles são os principais incentivadores da angústia existencial, especialmente a religião com seus infernos].

Assim nasce a atitude religiosa: nela, o sagrado primitivo mítico é organizado pela inteligência num logos, um discurso coerente que tende a explicar o mundo por um relato que isole o sagrado do profano e ao mesmo tempo os una por elos eficazes: sacramentos, símbolos, ritos. O mundo divino se torna autônomo e adquire transcendência. Georges Gusdorf retraçou o surgimento da religião: [Osório diz: o discurso religioso pode ser tudo, menos coerente!]

A consciência refletida, ao elaborar a experiência primitiva do sagrado, faz nascer a religião. O que parece se produzir de início é uma espécie de organização da matéria plástica e difusa do sagrado. [Osório diz: mas o tal “sagrado” já é matéria, criação da consciência refletida] [...] Ao estágio ritual das observações imanentes sucede assim um estágio teológico em que o sagrado, ao invés de ser objeto de uma apreensão direta, é posto em perspectiva de acordo com a exigência de um discurso coerente. [Osório diz: é o discurso que qualifica, adjetiva o mundo, ou partes dele, de sagrado. O mundo todo é sagrado ou nada nele é sagrado! Quando a mente fatia e diz que apenas pedaços do mundo são sagrados, ela exclui, ela partidariza, ela cria facções, classes e isso é ruim, pois tenta colocar quem está fora da classificação como o mau!]

A primeira etapa é sem dúvida aquela que permite opor nitidamente o sagrado e o profano, separando o lugar dos deuses do lugar dos homens. [...] O homem se afirma doravante diante de seu Deus, e essa relação de exterioridade corresponde aqui à afirmação de uma transcendência do divino. O sobrenatural se desenlaça da natureza, que adquire assim uma certa autonomia.21 21[Osório diz: o que é um absurdo do pensamento. Aliás, o pensamento cria um ser para tornar-se seu escravo!]. [20]

Essa distinção entre profano e sagrado, que é o fundamento por excelência da atitude religiosa, opera-se segundo uma linha que Roger Caillois define da seguinte maneira:

O domínio do profano se apresenta como o do uso comum, o dos gestos que não necessitam de nenhuma precaução e que se mantêm nas margens, geralmente estreitas, deixadas ao homem para que ele exerça sem impedimentos sua atividade. O mundo do sagrado, ao contrário, aparece como o do perigoso ou proibido: o indivíduo não pode se aproximar dele sem desencadear forças sobre as quais ele não tem o domínio e diante das quais sua fraqueza se sente desarmada.22 22 [Osório diz: o que não existe na materialidade da vida! Aliás, nela existe apenas o que o autor chama de profano].

DO MITO VIVIDO AO MITO CONCEITUALIZADO: A RELIGIÃO E SEUS DERIVADOS

Com a atitude religiosa, o mito é conceitualizado na linguagem teológica, pela razão. [Osório diz: por UMA das muitas razões! Inclusive, a razão pode criar “des-razões”! É o caso!] A partir daí, a evolução sociocultural trabalha irreversivelmente o dado mítico revelado. A partir do momento em que intervém a inteligência, a contestação é possível: o que a razão organiza, ela pode também criticar. [Osório diz: exatamente. E como tudo é contestável, vivemos em um mundo a incerteza e de insegurança, as quais são, contudo, o combustível para que se prossiga tentando, vai que...] Desde que o mito não é mais vivido, mas sim pensado, ele se torna objeto de fé e pode igualmente ser rejeitado: de agora em diante a descrença pode se opor à crença. [Osório diz: todo veneno traz seu antídoto]

O discurso teológico, para organizar o dado mítico, recorrerá à razão, e esta tenderá inelutavelmente, sob a pressão da evolução natural, a reduzir o lugar do revelado, a absorvê-lo do interior. [Osório diz: a razão “se vinga” dela mesma! Ela é também o seu contrário! “Para tudo tem um duplo discurso”!] Essa racionalização progressiva da fé pela razão conquistadora, [Osório diz: não razão convencedora!] que digere o mito explicando-o, pode levar ao ateísmo, quando a razão [Osório diz: quando a outra razão. Aquela que trabalha o contrário, o outro discurso] substitui o revelado como única norma da verdade. O movimento é conhecido. É aquele que, do Iluminismo ao cientificismo, procederá à desmitificação da fé, dissolvendo os mitos ao explicá-los, do mesmo modo que Édipo fez desaparecer a Esfinge ao resolver seu enigma.

Pouco importa aqui o valor dos argumentos da desmitificação. O fato de Fontenelle, Bayle ou Voltaire terem cometido excessos na apreciação dos mitos religiosos não prejudica em nada a aparente marcha triunfal da razão – que Léon Brunschvicg desejava ver levada ao extremo.23 23 O último ponto da teologia racional seria então a divinização da razão: [21]

A teologia racional aparece no fim das contas como uma promoção teológica da razão. [Osório diz: “o feitiço virou contra o feiticeiro”. “Apagou fogo com gasolina”, são sabedorias populares que podem ser aplicadas] O Deus que não podia ter nome próprio recebe um pela transformação da inicial da palavra "razão" em letra maiúscula. Essa majoração eleva a razão a uma potência superior.24 24

O sagrado mítico organizado pelas religiões também é ameaçado pela interiorização e personificação da fé. Esse movimento, que também parece inelutável, conduz ao esfacelamento do sagrado, que se torna assim puro sentimento interior, até o momento em que, como escreve Roger Caillois,

alguns subordinam tudo à conservação de sua vida e de seus bens, e parecem assim considerar tudo profano, tomando com relação a tudo, na medida de seu alcance, uma grande liberdade. Naturalmente, o interesse os governa, quando não o prazer efêmero. Apenas para eles está claro que o sagrado não existe em forma alguma.25 25 [Osório diz: chegamos ao capitalismo?]

O egoísmo sagrado é, portanto, o resultado lógico da interiorização de sagrado, e da espiritualização crescente da religião, que elimina o sagrado dos objetos exteriores. [Osório diz: o legal, o bom, o salutar era que essa interiorização não se exteriorizasse! Cada qual ficasse com o seu deus em seu coração, que não saíssem pelas ruas aos berros querendo vender seu deus a quem não o quer comprar. Nem receber de presente, pois já tem no que acreditar. Ou já tem a sua indiferença ou a sua não crença. Se é tão bom, tenha a diretriz do capitalista, fique só para você, não queira dividir com os demais]. 

A lógica da racionalização parece conduzir à dissolução do Deus das grandes religiões. Ora, ele resiste até hoje, e até mais do que previsto. Ele perdeu muito terreno no decorrer do século XX, mas conta ainda com centenas de milhões de fiéis, muito mais do que previram em 1900 os profetas de sua morte. Isso se dá porque as grandes religiões continuam a satisfazer parcialmente a necessidade de uma apreensão mítica do real. Permitindo que o real conserve uma parte de mistério, de certo modo elas mantêm uma parte do mito primitivo e, portanto, permitem que o indivíduo crente reencontre em parte a unidade original perdida. [Osório diz: o que é uma contradição, pois ela fatiou o mito]. Nisso reside a força real das religiões, e é o que explica o fato de se manterem, bem ou mal, no centro de um mundo desencantado e racionalizado. Pela religião, o homem tenta curar a inquietude existencial, recuperando a segurança do mito vivido. [Osório diz: outra contradição, pois a religião é o motor da inquietude existencial].

Lucien Lévy-Bruhl mostrou muito bem que a mentalidade mítica recalcada [Osório diz: "Recalque, também conhecido como recalcamento, é o ato ou efeito de recalcar, de dominar, de concentrar, de reprimir aspirações, desejos, instintos." Fonte: www.significados.com.br.] no homem moderno, tende incessantemente a ressurgir, porque é uma estrutura inalienável [Osório diz: em Direito o inalienável é o que não se pode vender, mas aqui, creio, que está usado como inseparável] do espírito humano:[22]

Nela encontra-se a razão profunda do encanto que atrai para os contos folclóricos e a sedução de sua linguagem [Osório diz: uso da razão, portanto]. Basta que os escutemos para essa vigilância ser suspensa, essa violência dar trégua. Num instante, num único impulso, as tendências recalcadas recuperam o terreno perdido. Quando escutamos um conto, abandonamos com volúpia a atitude racional, e não nos submetemos mais a suas exigências.26 26 [Osório diz: um filme! O que leva a Górgias quando pergunta o que é mais fácil, enganar um sábio ou um bruto?].

Numa carta a Jacques Maritain, ele afirma que "a mentalidade primitiva é um estado da mentalidade humana", corresponde à situação original apaziguante de harmonia, ou antes, de fusão com o meio natural. A quebra dessa unidade entre o homem e o mundo está na origem da angústia existencial. [Osório diz: e quem a quebra? A metafísica. Aliás, ela está presente antes de ser denominada. Algo como Édipo com complexo de Édipo, como diz o escritor Freud. Que, aliás, é um escritor genial, mas que nada deixou de bom no campo da medicina (psicanálise), vejo] A religião é uma tentativa de preencher o fosso cavado, de recuperar – graças ao sagrado – a idade de ouro, o paraíso terreno. [Osório diz: tudo criação humana, uma vez que tal idade jamais existiu, como o próprio Monin expõe em outra obra, “A idade de ouro”, mas tudo isso virou um círculo a escravizar o homem, uma espécie de tentativa do cachorro em morder o próprio rabo] Pelo mito religioso e teológico, estabelece-se um elo com o sagrado: [Osório diz: se tem fé que se estabelece. Nada comprova que a parte contrária responda a isso] um modelo exemplar é fornecido a todas as ações humanas significativas, permitindo que se conformem ao divino.2727 [Osório diz: onde está o divino com o qual se conforma?] O mito oferece um arquétipo cuja repetição pelo ritual religioso anula o tempo e a quebra original: "A repetição", escreve Mircea Eliade, "acarreta a abolição do tempo profano e a projeção do homem num tempo mágico-religioso que nada tem a ver com a duração propriamente dita, mas constitui esse eterno presente do tempo mítico."28 28 [Osório diz: mas a religião não quer, justamente, se afastar do mito?]

A importância dessa função religiosa levou certos autores a concluir abusivamente que a dimensão religiosa era uma estrutura fundamental do espírito humano. Ora, a religião, mito conceitualizado, é apenas um meio entre outros – meio longamente privilegiado, é verdade – a para satisfazer o desejo utópico de volta à consciência mítica vivida. Esta última, sim, é uma necessidade fundamental, e não a religião. A necessidade religiosa só apareceu depois. [Osório diz: ou seja, o homem a criou. Difere da fome, que não é o homem que a cria]. Convém reafirmar, com Georges Gusdorf:

É preciso, pois, renunciar a toda e qualquer ambiguidade, reconhecendo na consciência mítica uma estrutura inalienável do ser humano. Ela traz em si o sentido primeiro da existência e suas orientações originais. A função lógica do pensamento se desenvolve somente depois. [...] O descrédito em que caiu a consciência mítica, e depois sua total evicção [Osório diz: evicção = perda], representa sem dúvida o pecado original do intelectualismo.29 29 [Osório diz: caberia aqui o “eu era feliz na minha ignorância”? Mas nada que o intelecto não possa consertar]. [23]

O estágio religioso evolui sob o efeito das condições socioculturais. Segundo um grau mais ou menos elevado de racionalização, ele pode levar a quatro tipos de atitudes, da fé religiosa tradicional à descrença racionalista. Quando o dado revelado ou mitológico vence o aspecto racional, entramos no domínio das grandes religiões tradicionais, que são codificadas, ordenadas em torno de um certo número de dogmas, dirigidas por um clero, e afirmam a existência de um ou vários deuses que intervêm nos negócios humanos e impõem uma moral. Se, ao contrário, o elemento revelado é negado em proveito da simples afirmação de uma divindade transcendente, mas sem providência, estamos diante do deísmo. Se, por sua vez, a transcendência é negada em proveito de um Grande Todo, de um princípio organizador não pessoal, entramos na esfera do panteísmo, que pode ser naturalista ou espiritualista. Enfim, se toda noção de divindade, finalidade, transcendência, alma imortal é negada, caímos no ateísmo teórico ou dogmático, que pode ele próprio assumir diversas formas.

DO MITO VIVIDO À MAGIA, A ATITUDE SUPERSTICIOSA E SEUS DERIVADOS

Há, no entanto, outra série de atitudes possíveis. Com efeito, o pensamento mítico original dá lugar a duas posições míticas derivadas: a primeira é a religião, isto é, o mito conceitualizado; a segunda é a superstição de tipo mágico, isto é, o mito em ação. A atitude supersticiosa, realizando por sua vez a separação entre profano e sagrado, divino e humano, vê manifestações do sagrado em todo o profano e tenta utilizar ou manipular essas forças sobrenaturais para restabelecer o estado original supostamente harmonioso entre o homem e o mundo. Nesse caso, o que predomina é o aspecto prático e não o aspecto especulativo, como na religião. [Osório diz: e foi por especular que a religião entrou em um beco sem saída, felizmente. Seu único recurso, quando o argumento racional não lhe socorre é remeter a causa para o além, para Deus, que ninguém, até sabem, provou que existe. E quem tem que provar que ele existe são aqueles que nele creem, pois, no discurso, o ônus da prova cabe a quem defende a afirmação] O sagrado encarna numa enorme variedade de objetos e, ao encarnar, individualiza-se, limita-se e fragmenta-se ao infinito. Os objetos assim habitados pelo sagrado – pedras, árvores, fontes, montanhas etc. – exercem um poder; contudo, uma vez identificado, esse poder pode ser magicamente circundado, desviado, utilizado pelo espírito humano, que se tornou consciente e, portanto, agora é mestre das forças que agem no mundo. [Osório diz: como tudo é energia e tudo contém tudo e tudo está integrado, eu acredito, por exemplo, nas energias que vêm das pedras. O complicado, que vejo, é reconhecer essa energia e aplicá-la a um fim ao qual ela seja adequada].

É claro que religião, superstição e magia não são categorias hermeticamente fechadas umas às outras. Toda religião comporta uma parte de superstição e magia, e toda superstição possui uma dimensão religiosa. [Osório diz: o incoerente das religiões é que elas negam isso, tornando-se hipócritas] Daí inúmeras ambiguidades quando a Igreja Católica, a partir da reforma [24] iniciou a caça às superstições: se o divino encarnou num homem, se materializa no pão e no vinho, conferindo-lhes poderes miraculosos, por que não poderia se manifestar em outros seres? Será difícil fazer os fiéis compreenderem isso. [Osório diz: dirão, no entanto, que só existiu um! Argumentinho menor, raso! Imagem e semelhança de...]

Apesar de tudo, é possível distinguir a atitude religiosa da supersticiosa: a primeira representa o mito conceitualizado, e a segunda, o mito vivo e atuante em sua forma mágica. Versão especulativa no primeiro caso e ativa no segundo. [Osório diz: uma é ação (a magia) a outra contemplação (religião). Contemplação conceitualizadora é filosofia] Conforme o grau de importância que a ação adquire no decorrer da evolução sociocultural, a atitude mágico-supersticiosa pode desembocar em quatro situações diferentes.

Em primeiro lugar, a luta das autoridades religiosas contra as superstições e a magia – combate de fôlego [Osório diz: e de fogo!], que se estenderá por muitos séculos de cristianismo – pode contribuir para a integração, no interior das grandes religiões tradicionais, de um certo número de espíritos supersticiosos satisfeitos com a dose de magia contida em todos os grandes cultos. [Osório diz: lembrei que quero beber o vinho da missa não por ser “sangue”, mas pelo efeito do álcool! Rs.] Assim, nos séculos XVII e XIX, o cristianismo aceitará a incorporação de certos elementos populares, estabelecendo um compromisso com as práticas supersticiosas. [Osório diz: que depois condena na parte que não aceitou!].

Um segundo grupo, que se recusa a aceitar os dogmas fundamentais das grandes religiões, mas para o qual a fé é um dado revelado por um profeta ou um homem inspirado, evolui no sentido de uma mentalidade de seita. O movimento sectário, que é também alimentado por dissidências das religiões tradicionais, apoia-se numa fé eficaz e salvadora, assegurando a salvação eterna a um pequeno número de eleitos. [Osório diz: eu sou o bom, os outros são os maus].

Um terceiro grupo derivado da mentalidade supersticiosa e mágica cai no esoterismo e no ocultismo. A crença, nesse caso, é orientada para a ação terrena, por meio de uma captação das forças invisíveis, naturais e sobrenaturais. O aspecto prático da existência torna-se mais importante que o aspecto especulativo. [Osório diz: como tudo é energia e tudo contém tudo e tudo está integrado, eu acredito, por exemplo, nas energias que vêm das pedras. O complicado, que vejo, é reconhecer essa energia e aplicá-la a um fim ao qual ela seja adequada. Aqui tem muito espaço para o charlatão!].

Enfim, quando o aspecto prático exerce um domínio exclusivo, depois de perder qualquer referência ao sobrenatural, a atitude supersticiosa, totalmente secularizada, laicizada e materializada, leva a um ateísmo prático. [Osório diz: que é o que faz o médico, por exemplo?] Esse é um modo de existência que consiste, para homens imersos nas ações cotidianas, em viver sem se interrogar sobre uma eventual divindade, no postulado de um materialismo implícito. Atitude especialmente importante no mundo contemporâneo.

Chegamos assim a sete atitudes fundamentais que se desenvolvem entre os dois polos que são a primazia dada à racionalização e a primazia dada à ação, isto é, o ateísmo teórico e o ateísmo prático; as posições [25] intermediárias são o panteísmo, o deísmo, o pertencimento a uma grande religião tradicional, o fenômeno sectário, o esoterismo e o ocultismo (ver o esquema da p. 26).

[27 – em branco ou quase]

DO ATEÍSMO TEÓRICO AO ATEÍSMO PRÁTICO: UMA HIPÓTESE DE TRABALHO

Essa visão das coisas é certamente esquemática e, portanto, redutora mas parece constituir uma hipótese de trabalho fecunda, que nos servirá de base ao longo deste trabalho. Ela exige algumas observações prévias. [Osório diz: as teorias sempre são passíveis de críticas porque são redutoras do mundo, mesmo do aspecto que querem abarcar. O objeto é sempre mais complexo do que aquele discurso que se faz sobre ele. Uso, constantemente, o exemplo dos médicos. Faz algum tempo o clínico geral atendia o homem em sua integralidade. Vieram as especializações e hoje cada órgão do corpo humano tem o seu especialista. Órgãos que são duplos, como os olhos, chegará o dia em que terá o especialista em olho esquerdo e outro especialista para o olho direito! Isso é bom? Talvez sim, especialmente para quem pode pagar por isso, o que não é o caso do povo em geral, mas isso fica para depois, como sempre!]. 

Em primeiro lugar, lembramos que as separações assim estabelecidas não são de modo algum estanques. Na mentalidade, assim como na experiência vivida dos homens, os limites entre as diferentes atitudes são sempre vagos. [Osório diz:  fiquei espantado quando descobri que o Iluminismo começou na Idade Média! Depois descobri que uma geração não sucede a outra de imediato, elas se misturam antes (nova e antiga, até que a nova fique antiga para a geração que chega] Entre o puro ateu teórico e o puro panteísta, por exemplo, quantas possibilidades de fusão, acordo, ambiguidade e passagem não há! Do mesmo modo, onde se situa a fronteira exata entre o ateísmo prático e a atitude esotérica, entre o deísmo e o panteísmo? [Osório diz: a fronteira exata é uma linha imaginária!]

Em segundo lugar, convém evitar uma leitura histórica excessivamente estrita do esquema. Discernimos três etapas, mas os elos entre elas são tanto lógicos como cronológicos. Apenas o pensamento mítico pode ser considerado anterior. Quanto ao resto, se é verdade que o tempo tem seu papel – em grande parte é sob o efeito do progresso da razão teórica, das ciências exatas e, por fim, das ciências humanas que as diferentes atitudes se distinguem a partir dos mitos degradados, em conceitos e superstições –, não é apenas progresso temporal que deve ser considerado, pois (e insistimos nisso) essas diferentes atitudes são encontradas em todas as civilizações. São simultâneas, portanto. Desde a Antiguidade, como veremos, há espíritos religiosos, deístas, panteístas, sectários, esotéricos, ateus práticos e teóricos.

Um dos objetivos deste trabalho será demonstrar isso. Rejeitamos de antemão a ideia clássica de uma evolução em sentido único, que parte de um estado religioso e chega, ao término de um crescente processo de laicização, a uma racionalização integral da visão do universo, de tipo materialista. [Osório diz: se tivesse partido de um estado religioso não teria necessidade de chegar nele mesmo, embora com outro discurso] É evidente que o mundo atual é mais ateu do que era há cinco mil anos, [Osório diz: o autor fala de cinco mil anos, e os outros milhares de anos que ficaram para trás. A agricultura, dizem, tem dez mil anos! Ou seja, o dobro da idade citada por Minois] mas também é inegável que os elementos religiosos e irracionais [Osório diz: por não serem passíveis de uma explicação pela razão] são ainda bem mais importantes do que se imaginava há um século ou dois. Na verdade, mais do que se suceder, as diferentes atitudes, do ateísmo à crença, são simultâneas: cada cultura, cada civilização tem seus ateus e seus crentes, até mesmo a Europa "cristã" da Idade Média. A importância das [27] diferentes atitudes depende da organização dos valores socioculturais, econômicos e políticos de cada civilização. A atitude com relação ao sagrado sua aceitação ou rejeição integral, é apenas um dos elementos do conjunto cultural, cujo equilíbrio geral favorece ora tal tipo de crença, ora tal tipo de ateísmo. Uma das debilidades da historiografia das religiões, que no mais das vezes é obra de crentes, é privilegiar em excesso a dimensão religiosa do homem, quando esta não passa de um elemento entre muitos outros. Não é raro que a história religiosa conserve, mesmo em nossos dias, um fim apologético inconsciente, partindo de um a priori segundo o qual a religião em questão é "verdadeira" e, por conseguinte, indestrutível.

Em terceiro lugar, o esquema que acabamos de elaborar não passa de uma hipótese de trabalho, que nos parece mais fecunda que a visão linear tradicional. Como toda hipótese, tem de ser submetida à prova, pode sofrer adaptações ou até ser questionada mais profundamente, caso encontremos elementos contraditórios determinantes. [Osório diz: esse alerta é que Yuval Noah Harari, não faz em seu "Sapiens - Uma Breve História da Humanidade", e que me fez abandonar a sua leitura na primeira página. Veja o que digo em: https://www.youtube.com/watch?v=bQeKuv1YyZk&t=6s] Ora, no domínio da mentalidade mais do que em qualquer outro, a interpretação dos testemunhos pesa tanto quanto os próprios fatos, sobretudo quando estamos no terreno movediço das crenças e da descrença. A história do ateísmo não é somente a do epicurismo, do ceticismo libertino, do materialismo iluminista, do marxismo do niilismo e de algumas outras teorias intelectuais. É também a história de milhões de seres humildes, imersos em suas tarefas cotidianas, preocupados demais com a simples necessidade de sobreviver, a ponto de nem sequer poder questionar os deuses. [Osório diz: os religiosos, que tinham tempo para perder com isso, pois tinham quem os sustentasse, ficavam anos e anos nos mosteiros estudando e compondo suas teorias] O ateísmo prático, em geral negligenciado, é a fachada existencial da descrença, tão fundamental quanto sua fachada nobre, teórica. Os dois polos do ateísmo são os dois extremos da atitude para com o divino; como todos os extremos, opõem-se, completam-se e ligam-se; eles balizam as diferentes nuances do sentimento religioso, absorvendo por cima e por baixo os refratários ao divino, os inimigos dos deuses, os militantes do pensamento livre, assim como os decepcionados e os indiferentes às religiões. Essas duas franjas extremas sempre existiram, ocupando um espaço maior ou menor, conforme as circunstâncias, os valores dominantes e a atitude das próprias religiões.

Mas o ateísmo não é somente uma atitude de recusa, rejeição ou indiferença, que só poderia ser definido em relação às religiões. Ele é também uma atitude positiva, construtiva e autônoma. Como de costume, contrariamente aos pressupostos da historiografia religiosa, o ateu não é aquele que não crê.  O ateu crê também – não em Deus, mas no homem, na matéria, na razão. [Osório diz: em que crê o ateu? Essa resposta é a proposta de Protágoras para o homem: crê em ti!] Em cada civilização, o ateísmo contribui com algo. [28]

ATEÍSMO ENTRE OS POVOS PRIMITIVOS E ANTIGOS

Os vestígios do ateísmo são tão antigos quanto os da religião. No entanto, apenas estes últimos se prestam a um estudo específico, o que levou à postulação do caráter exclusivo da atitude religiosa nas sociedades antigas. Templos, baixos-relevos, pinturas, textos cultuais constituem o essencial dos materiais legados pelas civilizações antigas. Mas será que isso significaria que, para todos os camponeses, artesãos, homens de guerra, o mundo divino era evidente? [Osório diz: Se fosse evidente, não precisavam das religiões de seus sacerdotes para tentar inculcar isso!]

Já há algum tempo, historiadores anglo-saxões começaram a chamar a atenção para o fenômeno do ceticismo nas sociedades antigas. Desde 1966, C. Geertz tem lembrado que "se o estudo antropológico [Osório diz: Antropologia: "do grego, anthropos, "homem"; logos, "estudo") é a ciência que tem como objeto o estudo sobre o ser humano e a humanidade de maneira totalizante, ou seja, abrangendo todas as suas dimensões.". Fonte: Wikipedia, levemente mudada] das implicações religiosas continua insuficientemente desenvolvido, o estudo antropológico da indiferença religiosa é inexistente".30 30 [Osório diz: estudar a indiferença seria como estudar o silêncio?] E em sua grande obra clássica, Religião e o declínio da magia, Keith Thomas afirma que as sociedades antigas também conheceram o questionamento das crenças religiosas:

Ninguém ainda levou em conta a importância da apatia, da heterodoxia e do agnosticismo que existiam antes do início da industrialização. Até as sociedades mais primitivas têm seus céticos em matéria de religião. É possível que as mudanças sociais tenham aumentado a importância do ceticismo na Inglaterra dos séculos XVI e XVII. Mas é evidente que o domínio da religião organizada sobre o povo nunca foi tão completo a ponto de sufocar outros sistemas de crença.31 31 [Osório diz: e de não crença, claro].

Criticando a concepção durkheimiana, que faz do ritual religioso o fator da unidade coletiva, através da imagem de uma Idade Média idealizada, Keith Thomas mostra que tal unanimidade jamais existiu.

De modo inverso, a existência de povos inteiros refratários à religião totalmente ateus, é coisa igualmente lendária. Essa ideia, muito polêmica foi desenvolvida a partir do século XVIII por certos filósofos a propósito dos chineses. Depois de combatê-la, os apologistas cristãos do século XIX se apropriaram dela, dentro de um espírito racista e antibudista. "Os povos budistas podem ser vistos, sem nenhuma injustiça, como povos ateus" escreve, por exemplo, Barthélemy de Saint-Hilaire. Isso não quer dizer que os chineses professem o ateísmo e se vangloriem de tal descrença com essa [29] jactância da qual poderíamos citar mais de um exemplo entre nós; quer dizer somente que esses povos não conseguiram se erguer, em suas mais elevadas meditações, até a noção de Deus.32 32 [Osório diz: Que baita contradição! Ao mesmo tempo que defende, ataca! Ou defende atacando. Que segurança mentirosa ao dizer que as “mais elevadas meditações” levam “até uma noção de deus”!] Tais afirmações, hoje descartadas,3333 nos lembram de imediato quão carregado de polêmicas multisseculares é o termo "ateu".

Nem por isso é menos verdade que as velhas civilizações tiveram sua parte de ateísmo. O próprio Dictionnaire de théologie catholique [Dicionário de teologia católica] confessa que "é pela Índia que deve começar a história do ateísmo"; já o norueguês Finngeir Hiorth escreve: "Há documentos que demonstram a existência de ateus na Índia cerca de 2.000 anos antes que na Grécia", isto é, pelo menos 2.500 anos antes de Jesus Cristo.3434 Sem recuar a tempos tão longínquos, uma tradição ateia se estabeleceu firmemente desde de pelo menos o século IV antes da nossa era, nas filosofias hindus Vaisheshika-Nyaya e Sankhya.35 35 Esta última, que dá grande importância aos números, perpetuou-se; encontram-se vestígios dela num punhado de intelectuais indianos que reivindicam abertamente o ateísmo.36 36

A China oferece um primeiro exemplo da diversidade de atitudes que ilustram nosso esquema inicial. Enquanto o taoismo tardio e o misticismo de Lao-Tsé representam tendências esotéricas e sectárias, e o budismo constitui a religião tradicional central, as nuances do confucionismo, mais ou menos tingidas de ateísmo, constituem os aspectos deísta, panteísta e ateu teórico do pensamento chinês. Aliás, Mo-Tsé criticava os "sem-deus" de sua época. O próprio ateísmo prático está presente na obra de Yang-Xu, e o materialismo cético, na de Wang Chaung.3737 Sozinho, o confucionismo é um verdadeiro caleidoscópio ateu-religioso, e representa, por suas diferentes facetas, uma espécie de religião sem deus, de tipo panteísta:

Essa religião [Osório diz: isto é, o panteísmo] é extremamente naturalista, racionalista e humanista. Não deixa lugar a nenhum mito nem a nenhuma divindade sobrenatural ou milagre irracional. Como sua consequência última é a unidade do homem com o céu [30] e ela tem isso em comum com o confucionismo, o taoismo e o budismo, ela é uma verdadeira religião sincrética.38 38

Uma forma de ateísmo também está presente na Pérsia Antiga, com o zervanismo, uma especulação sobre o "tempo infinito", o Zervan, princípio supremo impessoal. Essa corrente, considerada ímpia pelo zoroastrismo, será por ele perseguida. [Osório diz: que depois será perseguido pelo islamismo?] O Egito e a Babilônia não deixaram vestígios de ateísmo teórico, o que não exclui a existência nessas civilizações de um ateísmo prático, tal como o que encontramos, numa época mais tardia, nas sociedades germânicas e escandinavas, com as confissões dos vikings.39 39 Evidentemente, a expressão explícita do ateísmo é rara fora das grandes correntes filosóficas. Sem culto, sem ritos, sem templos, sem textos litúrgicos ou dogmáticos, que vestígios o ateu comum poderia deixar de sua ausência de fé religiosa? Com frequência, sua existência é atestada apenas por seus adversários, os crentes, que o amaldiçoam. [Osório diz: e, felizmente, com isso, os preservaram!].

O mesmo acontece entre os hebreus. No entanto, que tenham existido ateus no povo da Bíblia parece algo tão escandaloso aos crentes que os exegetas tendem a deformar, relativizar, enfraquecer o sentido dos testemunhos mais claros. Diversas vezes os Salmos criticam os ímpios que negam a existência de Deus: "O ímpio é soberbo, jamais investiga: - 'Deus não existe' - é tudo o que pensa" (10,4); "Diz o insensato em seu coração: "Deus não existe!" (14,1). Jeremias, por sua vez, declara: "Eles renegaram Iahwelh e disseram: 'Ele não existe! Nenhum mal nos atingirá" (5,12). O Sirácida, o Livro de Jó, o Coélet [Osório diz:  "É uma adaptação para o grego da palavra hebraica Qohélet (ou Cohelet), passando a significar “Pregador” ou também se pode dizer “Presidente da assembleia”. No hebraico possui a terminação feminina que designa um ofício exercido no templo de Jerusalém. Este ofício exercido pelo Qohélet era de convocar as assembleias para se reunirem. Devido a este tipo de trabalho, passou a ter o significado de “Pregador”, “Anunciador”, ou mesmo sendo chamado de mestre. O Qohélet é considerado o que escreveu, o livro pertencente à literatura sapiencial do Antigo Testamento o “Eclesiastes”. O livro leva o nome da função de seu autor, e ele mesmo na abertura do livro se auto apresenta, como sendo o protagonista, conselheiro, mestre e rei (conforme Ecl 1,2.12;7,27; 12,8-10).

Exemplo de uma citação: Ecl 1,2:

“Vaidade das vaidades, diz Coélet - ; vaidade das vaidades, tudo é vaidade.” (Eclesiastes 1,2) Bíblia de Jerusalém.

Consulta:

DOUGLAS, J. D., O Novo Dicionário da Bíblia, vol. I, edições vida nova, 1986, São Paulo, págs. 449-451". Fonte: https://www.abiblia.org/ver.php?id=7317.] contêm passagens cujo tom é extremamente cético e nas quais a imortalidade da alma é igualmente questionada. O padre Meslier as retoma para elaborar sua demonstração do ateísmo no século XVIII: "Nossos adoradores de Cristo não têm por que invectivar nem se insurgir contra esse sentimento, já que é expressamente o sentimento mesmo de um de seus sábios, as palavras com que sonharam como palavras divinas".40 40 [Osório diz: e no fim tudo é um sonho!].

Interpretação errônea, afirma a maioria dos exegetas: na Bíblia, "Deus não existe" não quer dizer que não haja Deus, mas simplesmente que Deus é indiferente ou impotente para castigar os culpados. [Osório diz: isso é que dizem os Sofistas. Ou sou seja, ele é um zero à esquerda, pois serve para quê?] Por isso o Dictionnaire du judaïsme [Dicionário do judaísmo] afirma que o ateísmo é um "conceito desconhecido da língua hebraica, pois a antiga Israel pertencia a um mundo em que ninguém duvidava da existência das forças sobrenaturais". [Osório diz: como “toda unanimidade é burra”, podemos pressupor, até pela acumulação de cultura entre os judeus, que dentre eles já havia os que usavam a razão, caso contrário não teriam dominado o mundo da cultura] Do [31] mesmo modo, os textos dos rabinos sobre "aquele que nega o princípio fundamental" fazem referência aos que negam a justiça de Deus. É apenas no século II que o erudito Eliseu ben Avouyah (70-140), negando categoricamente a providência divina, a ideia de recompensa e castigo, aproxima-se de uma atitude ateia. [Osório diz: jogavam os ateus para debaixo do tapete].

No entanto, a presença atestada, em Israel, de elementos que declaram não temer Deus e até ignorá-lo, é bastante perturbadora e tenderia a revelar a existência de um certo ateísmo prático. Devemos acrescentar que os saduceus, [Osório diz: “Os saduceus (em hebraico: "zadoquitas" ou "sadoquitas"; em grego: Saddoukaios) eram uma seita ou um grupo de judeus presente na Judeia durante o período do Segundo Templo, desde o século II a.C. até a destruição do Templo em 70 d.C. A seita foi identificada por Flávio Josefo com o alto escalão social e econômico da sociedade na Judeia. O grupo cumpria variadas funções políticas, sociais e religiosas, dentre as quais se pode mencionar a função de manutenção do Templo.” Fonte:Wikipedia] que negam a ressurreição dos corpos, a imortalidade pessoal, as recompensas na vida futura, a existência dos anjos e dos demônios, parecem muito próximos das posições deístas.

Ernst Bloch, em Atheismus im Christentum [O ateísmo no cristianismo] pôs em evidência os elementos de revolta que os escritos bíblicos contém contra as injustiças sociais. Ele vê nessa atitude uma profunda similitude com a revolta que anima o comunismo, e não hesita em escrever: "Apenas um verdadeiro cristão pode ser um bom ateu, apenas um verdadeiro ateu pode ser um bom cristão".4141 Por trás desse aparente paradoxo, ele descobre na raiz da contestação bíblica e comunista, o mesmo sentimento de revolta potencialmente ateu, puramente humano, que leva o indivíduo a questionar uma ordem socioeconômica injusta, em nome de uma solidariedade puramente terrena. [Osório diz: Que bacana! Desconhecia esse autor! Não tem tradução no Brasil dessa obra]

Seja como for, a sociedade hebraica pré-cristã é marcada por uma grande diversidade de atitudes com relação ao mundo divino. As fontes, apesar de exclusivamente religiosas, mencionam uma forte corrente cética nas obras de sabedoria que formam os últimos livros da Bíblia, sob influência da filosofia grega. [Osório diz: como a Bíblia foi montada] O tom desiludido do Coélet se aproxima de um vago deísmo: um Deus distante que não intervém na vida dos homens, que deixa prosperar a injustiça; uma igualdade perfeita na morte, que parece definitiva e não é acompanhada de nenhum julgamento; um apelo para que aproveitemos nossa curta existência terrena: [Osório diz: o sofista grego Trasímaco já disse isto: “Os deuses não veem os assuntos humanos; do contrário, não esqueceriam o maior dos bens humanos, a justiça; vemos, certamente, que os homens não a praticam”. Fonte: Os grandes sofistas da Atenas de Péricles, Jacqueline de Romilly, tradução de Osório Barbosa, Octavo, São Paulo: 2017, p. 175].

Vai, come teu pão com alegria e bebe teu vinho com satisfação [...] Desfruta a vida com a mulher amada em todos os dias da vida de vaidade que Deus te concebe debaixo do sol [...] tudo o que te vem à mão para fazer, faze-o conforme tua capacidade, pois, no Xeol [reino dos mortos] para onde vais, não existe obra, nem reflexão, nem conhecimento e nem sabedoria.4242 [32]

Epicuro não dirá coisa diferente! A existência de Deus pode não ser negada, mas parece bem formal, e esse apelo para aproveitar a vida se assemelha e quase se confunde com uma forma de ateísmo prático.

Entre os judeus da diáspora, como os da Palestina sob a ocupação helenística, o epicurismo e o estoicismo – que se difundem sorrateiramente – exercem uma sedução inegável, e os exegetas tentam minimizá-la para salvaguardar o aspecto apriorístico de uma originalidade radical do povo de Israel. Por que esse povo diminuto, ocupado, deportado, dispersado, escapou das leis comuns das influências culturais? Essa atitude dos comentadores, rabinos e clérigos cristãos, que perdura até hoje, encontra-se na origem desse mito judeu, tão nocivo para todos, inclusive para os próprios judeus: o mito de um povo à parte, fora da humanidade comum, povo eleito para uns, maléfico para outros. Desses preconceitos irracionais nasceram tanto os pogroms [Osório diz: “O termo pogrom (em iídiche, פּאָגראָם, do russo погром) tem múltiplos significados, mais frequentemente atribuída à perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso, aprovado ou tolerado pelas autoridades locais, sendo um ataque violento massivo, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos em massa de violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa, porém é aplicável a outros casos, a envolver países e povos do mundo inteiro.” Fonte: Wikipedia] quanto a arrogância dos extremistas religiosos de Israel. O povo judeu não escapa das questões ordinárias da humanidade. [Osório diz:  curiosa e merecedora de atenção essa explicação] Os últimos livros do Antigo Testamento deixam ao menos que se entreveja uma tentação deísta ou panteísta que parece estar de acordo com as correntes filosóficas céticas que naquele momento agitavam o mundo helenístico, [Osório diz: quando a Bíblia foi composta] no qual o povo de Israel se encontrava profundamente imerso. Embora a literatura religiosa bíblica, resultado de uma seleção efetuada pelo clero, [Osório diz: como a Bíblia foi montada] não seja a mais adequada para esclarecer esses aspectos, o estudo do ateísmo antigo se baseia em fontes infinitamente mais explícitas com os escritos profanos greco-romanos. [33]

[34 – em branco]


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OS ATEÍSMOS GRECO-ROMANOS

O mundo grego ilustra, em toda a sua diversidade, o fenômeno do ateísmo. Fontes abundantes, bem como uma relativa liberdade de expressão, permitem estudar sua gênese, suas manifestações e suas implicações no âmbito de uma civilização impregnada de religião. Mas a complexidade e as múltiplas nuances entre correntes filosóficas e religiosas mostram quão vagos são os limites que separam a crença da descrença. Uma extrema prudência se impõe no que diz respeito à utilização dos termos, a começar pelo vocábulo atheos, que designa o adversário dos deuses tradicionais, mas pode muito bem referir-se a um fiel de outra religião, ou simplesmente a um espírito supersticioso.

[Osório diz: A (partícula negativa), Theos (deuses). Sem deus! Etimologia da palavra]

ATÉ O SECULO V: ACEITAÇÃO DE UM PANTEÍSMO MATERIALISTA

Num longo período, da época arcaica até o período pré-socrático, [Osório diz: justamente a época em que viveu Parmênides! O que reforça o que dissemos mais acima, e que tem a ver com o refinamento que a modernidade quer dar e dá à sua teoria. E é justo que dê, só não é justo que tenhamos que a ela nos curvar, pois ela não fecha a questão.] é difícil estabelecer a distinção entre ateísmo e crença religiosa em virtude do caráter particular da religião e das correntes filosóficas. Todas são [35] manifestamente hostis à ideia de transcendência. [Osório diz: pois cabe ao homem medida construir o seu destino, não esperando que alguém faça isso por ele] A realidade última é a natureza, incriada e eterna, da qual o homem faz parte. [Osório diz: e da qual, o próprio homem, em sua vaidade de “animal superior”, quer se separar dos outros elementos aos quais ele se soma para formar a dita natureza] Os próprios deuses se encontram no mundo; eternos, possuidores de forma corporal, eles intervêm continuamente nos assuntos humanos, fixam destinos, revelam suas vontades por meios dos oráculos e seus desejos podem ser alterados por meio de práticas mágicas. A religião grega tradicional movimentou-se fortemente na direção de um panteísmo fundado nos mitos,1 1 que não são mais evidentemente vividos, e sim conceitualizados, formatados e, amiúde rebaixados a lendas pelos poetas. No nível popular, essa religião é saturada de superstições incontáveis e práticas mágicas ocultas. Tanto no nível superior quanto no inferior, trata-se portanto de uma religião cindida, que se avizinha, de um lado, do ateísmo teórico por uma tendência à explicação simbólica dos mitos e, por outro, de um ateísmo prático em razão da assimilação dos mitos na vida cotidiana. O aspecto frequentemente trivial da mitologia grega levou os historiadores a se perguntar se os fiéis acreditavam de fato naquelas histórias. Como demonstrou Paul Veyne, a questão não se coloca nesses termos.2 2 A verdade é um fenômeno cultural, [Osório diz: excelente definição de verdade! A verdade é verdade enquanto a sociedade diz que ele o é! Quando uma verdade faz água, vira mentira, outra verdade é burilada para tomar o lugar da destronada. Algo assim como a montagem de um quebra-cabeça: as vezes parece que uma peça se encaixa, mas, em seguida, vemos que tem outra que se encaixa melhor naquele local, mas o quebra-cabeça ainda não está terminado, pois, nesse quesito, parece que ele não tem fim] e os mitos gregos são elementos de uma cultura que não pode ser avaliada em termo de verdadeiro ou falso. [Osório diz: estaria mais para um: funciona ou não funciona?]

As correntes filosóficas pré-socráticas, que abordam a realidade de um ponto de vista racional, misturam tanto a natureza quanto a divindade privilegiando a tal ponto o primeiro termo que seu panteísmo intrínseco se aproxima muito do ateísmo. Não é necessário muito para que a doutrina dessas correntes se transforme em materialismo naturalista. [Osório diz: Parmênides, não esqueçamos, está dentre eles].

A ideia essencial dessas correntes é que existe uma realidade substancial, sem começo nem fim, uma "matéria" (hylé), da qual todos os seres são mera modificação: a água para Tales, o ar para Anaxímenes, o fogo para Heráclito, a terra para outros. Essa matéria-prima de tudo é ao mesmo tempo divina; é animada por um sopro, uma espécie de espírito organizador, que faz dela uma matéria viva. Essa concepção hilozoísta (de hylé, "matéria” e zoé, "vida") é considerada em geral a origem do materialismo – tal ideia já era sustentada por Karl Marx em sua tese de 18413 3 [Osório diz: até nisso esse barbudo genial estava metido?! Sim!] e logo depois será retomada por Lange: "O materialismo é tão antigo quanto a filosofia, porém não mais antigo do que ela".4 4

Um breve exame das doutrinas pré-socráticas confirma a propensão muito nítida destas ao ateísmo. Assim, Teofrasto conta que o antiquíssimo filósofo Anaximandro de Mileto (ca. 610 a.C.- ca. 547 a.C.) dizia:

a causa material e o elemento primeiro de todas as coisas era o apeiron (o indeterminado, o caos original), e ele foi o primeiro a dar esse nome à causa material. Ele declara que não se trata nem da água, nem de qualquer outro dos elementos, mas de uma substância diferente destes, que é indeterminada, e da qual procedem todos os céus e os mundos que estes contêm.5 5 [Osório diz: indeterminada até quando?]

O apeiron, substância incriada, produz por si mesmo todos os seres que existem. No século VI antes de nossa era, Xenófanes de Cólofon afirma que o ser absoluto e eterno é o mundo. Sem dúvida, esse mundo é deus, mas um deus imanente, que em nada se distingue da matéria. [Osório diz: é nesse contexto que se deve entender a proposição de Parmênides] Xenófanes sente apenas desprezo pelo antropomorfismo da religião popular e condena todas as especulações sobre os deuses: "Nenhum homem sabe nem jamais saberá nada de certo a respeito dos deuses". [Osório diz: isso será atualizado por Protágoras ao dar as razões para tanto, especialmente a brevidade da vida humana].

Para Heráclito, "o mundo não foi feito nem pelos deuses, nem por algum homem; ele sempre foi, é e será; é o fogo sempre vivaz, que se inflama e se apaga regularmente". Concepção cíclica de um universo autônomo, que pela eternidade se inflama e se apaga. Por volta da mesma época, Parmênides de Eleia também identifica o ser absoluto ao mundo, eterno e incriado, "o Todo, o Único, o Imóvel, o Indestrutível, o Universal uno e contínuo". Parmênides é o pai do materialismo e dos materialistas, pois professa que o mundo físico é o ser absoluto",6 6 observa Claude Tresmontant. Que esse mundo seja chamado de divino ou não, pouco importa: ele permanece a única realidade. [Osório diz: tenho insistido em Parmênides pois, no meu modo de ver, ele será deturpado por Platão, que é o pai do novo “caos” que é interessante para ser mantido pelas religiões. Platão transformará Parmênides (seu pensar) de “materialista” em metafísico, em crença, em superstição!]

No século V antes de Cristo, o siciliano Empédocles de Agrigento reafirma a eternidade do mundo incriado, no qual nada se perde, nada se cria e tudo se transforma:

Quero dizer-te outra coisa: não existe criação nem gênese para nada do que é perecível, tampouco desaparição na funesta morte; há somente uma mistura e uma modificação daquilo que foi misturado; mas criação, gênese a respeito disso, não passa de uma apelação forjada pelos homens. [...] Loucos – pois não têm um pensamento profundo – daqueles que imaginam que o que não era [37] antes possa vir a existir, ou que alguma coisa possa perecer e ser inteiramente destruída. Pois não é possível que algo possa nascer daquilo que não existe de modo algum, exatamente como é impossível e inusitado que aquilo que é deva perecer, pois o que é para sempre será, seja lá o lugar em que for colocado.7 7

[Osório diz: até esta leitura, agosto de 2019, pensava eu que Lavoisier era o pai da ideia!]

Para Empédocles, Zeus, Hera, Nestis [Osório diz: “En el texto del periodo clásico adscrito a Empédocles, c. 490-430 a.C., describiendo una correspondencia entre cuatro deidades y los elementos clásicos, el nombre Nestis para el agua se refiere aparentemente a Perséfone: "Ahora escucha las raíces cuádruples de todo: avivadora Hera, Hades, brillante Zeus. Y Nestis, humedeciendo manantiales mortales con lágrimas".

De las cuatro deidades de los elementos de Empédocles, el nombre de Perséfone es el único que es tabú - Nestis es un título de culto eufemístico para la terrible reina de los muertos, cuyo nombre no era seguro pronunciar, que era eufenísticamente llamada simplemente como Kore o "la dama", un vestigio de su función arcaica como deidad gobernante del inframundo.” Fonte: https://mitologia.fandom.com] e Edoneu [Osório diz: Hades] não passam de personificações míticas dos quatro elementos: fogo, terra, água e ar. Já Anaxímenes crê num elemento original, o ar, e Anaxágoras situa a origem de todas as coisas no caos incriado. [Osório diz: o poeta Hesíodo usará a ideia de caos como a fonte da qual tudo se originou. Mas, segundo o filósofo, todas as coisas são tiradas do caos a partir do momento em que recebem um nome. É o discurso, portanto, que põe fim ao caos. Ou seja: os homens se comunicando].

Leucipo, que nasceu por volta do ano 500 a.C., e seu discípulo Demócrito, nascido por volta de 460 a.C., propõem uma doutrina nitidamente mais elaborada, mas ainda mais claramente materialista. Para eles, a realidade última é o átomo, partícula ínfima, material, plena, indivisível, animada desde sempre de movimento. Esses átomos, de tamanhos e formas diversos combinam-se ao sabor de seus movimentos para originar todas as formas do universo, inertes e vivas, e isso sem finalidade alguma, sem nenhum princípio de organização preestabelecido. O acaso e a necessidade dos encontros são as únicas coisas que governam o desfile de seres que se criam e se desmancham desde a eternidade. Nada escapa a esse processo, nem mesmo o homem, cujo corpo é apenas o fruto de uma organização mais complexa, cuja alma é composta de átomos esféricos sutis que têm o temperamento do fogo e cujos pensamentos e sentimentos são resultado das impressões causadas no corpo e na alma pelas emanações atômicas externas. Afora os átomos não há nada, isto é, o vazio.

Os próprios deuses são atômicos, sem papel particular. Os fenômenos que a religião lhes atribui não passam de simulacros, de impressões produzidas no espírito humano pelos fenômenos naturais. Daí provém a crença na intervenção divina. Demócrito vai, pois, muito mais longe do que os outros filósofos no sentido do materialismo mecanicista, porque ensaia uma explicação psicológica para o fenômeno da crença religiosa e, por isso mesmo, nega qualquer valor a esta última. Explicar é desmitificar. [Osório diz: [Heidegger dirá que o óbvio só é óbvio quando desvelado].

O materialismo de Demócrito encontra uma acolhida favorável entre os intelectuais gregos e é transmitido por uma corrente de pensamento que chega no século III a Epicuro. Mas, nesse ínterim, mudanças culturais e políticas mudam as atitudes religiosas e as relações entre crentes e descrentes. Até por volta do fim do século V antes de nossa era, parece reinar uma relativa liberdade de concepções religiosas na Grécia. [Osório diz: o chamado “Século de Péricles”] As relações parecem muito [38] tranquilas entre a mitologia popular com nuances de magia, o culto oficial comandado pelo clero dos templos e a filosofia fortemente panteísta – para não dizer ateia – que dilui os deuses na matéria. Ninguém era incomodado por suas opiniões religiosas ou por sua descrença, nem mesmo Demócrito. Tales, para quem "o mundo é cheio de deuses", dedica-se com tranquilidade ao estudo científico deste mundo, dando explicações naturais tanto para os terremotos quanto para os movimentos dos astros. [Osório diz: nada desses movimentos naturais serem vistos como castigos de um deus! Como regredimos ou não apendemos!] Ao contrário de uma ideia preconcebida, o estudo científico da natureza não teve de esperar que o cristianismo dessacralizasse o mundo material. [Osório diz: o cristianismo, na verdade, foi um retrocesso nisso! E talvez ainda seja!].

Até o século V, portanto, as atitudes dos gregos no domínio das crenças parece nitidamente mais orientado para a parte superior de nosso esquema (ver p. 26). Parece existir uma espécie de consenso entre os filósofos com relação ao panteísmo, do qual certos aspectos poderiam até ser qualificados de ateus, tanto os deuses haviam se tornado insignificantes.

432 A.C.: O DECRETO DE DIOPITES, INÍCIO DOS PROCESSOS POR ATEÍSMO E IMPIEDADE

Ora, bruscamente, as oposições endureceram. O ateísmo latente é percebido de súbito como um perigo, uma ameaça que deve ser eliminada. Em Atenas, as expressões do ateísmo ou do simples ceticismo não são mais toleradas.

O caso de Protágoras simboliza o novo estado de espírito. O sofista que ensina a arte do raciocínio, é conhecido por suas posições de extremo relativismo. "Ele foi o primeiro a declarar que sobre qualquer coisa era possível fazer dois discursos exatamente contrários, e usou esse método", escreveu Diógenes Laércio.8 8 Por volta do ano 415 a.С., ele compôs um tratado Sobre os deuses do qual apenas a primeira frase chegou até nós: “A propósito dos deuses, não posso saber se existem ou não, nem qual forma têm; os elementos que me impedem de sabê-lo são numerosos, como o caráter obscuro da questão e a brevidade da vida humana". Essa afirmação de ceticismo religioso, que não teria perturbado ninguém alguns anos antes, deu origem ao primeiro auto de fé de que se tem notícia na história ocidental. "Foi por causa do início desse discurso", relata Diógenes Laércio, "que [39] ele foi expulso de Atenas e seus livros foram queimados em praça pública, depois que o arauto os confiscou de todos que os tinham comprado".9 [Osório diz: na verdade, como o autor disse mais abaixo, aqui temos a imbricação, o amalgama, a mistura, entre religião e política. Protágoras era conselheiro e homem de confiança de Péricles. Quando o processo contra Protágoras teve início Péricles já estava morto e as forças reacionárias chegavam ao poder pela mão dos aristocratas, dentre os quais a família e o próprio Platão].

Protágoras, professor de ceticismo, não tinha reputação de ímpio [Osório diz: aquele que não tem fé, que despreza a religião] até então. Além disso, a obra acusada, que ele lia publicamente, não passava de uma constatação de agnosticismo: o espírito humano, limitado, não pode chegar ao conhecimento dos deuses, o que difere de uma negação da sua existência. Mas os tempos não eram mais propícios a tais distinções: "Ele dizia não saber se os deuses existem, o que é o mesmo que dizer que eles não existem", declara Diógenes de Oinoanda. [Osório diz: deturpando, obviamente. Pois ele diz não saber, mas é possível que outros saibam. E, também, “não saber” nunca foi o mesmo que “não existem”. Eu não sei como funciona a fricção nuclear, mas alguém sabe e os japoneses mais ainda que ela funciona] Epifânio é ainda mais categórico: "Protágoras dizia que os deuses, nem mesmo um único deus sequer, existiam". [Osório diz: de onde ele tirou isso ninguém sabe e nem se dá ao trabalho de saber. O bom, para as religiões é espalhar essa “fake news” milenar] É por ateísmo, portanto, que ele é condenado, e a severidade da pena é exemplar: exílio, segundo Diógenes Laércio, condenação à morte, segundo outros.

Por que tamanho endurecimento contra o ateísmo e a impiedade? O caso aconteceu em 416-415 a.C., em plena Guerra do Peloponeso, e o acusador é um rico aristocrata, Pitodoro, ao passo que Protágoras é democrata. É exatamente no elo entre religião e política que devemos buscar as causas da série de processos por impiedade que começa então e cuja história é relatada por Eudore Derenne.10 10 [Osório diz: o elo entre religião e política] Mas por trás dessa acusação há outras motivações mais prosaicas.

A origem dessa caça às bruxas é o decreto adotado em 432 a.C. [Osório diz: checar esta data, especialmente com a citação de Péricles no parágrafo quarto da página seguinte] a pedido de Diopites, que prevê a execução de perseguições contra todos os que não creem nos deuses reconhecidos pelo Estado. Diopites é adivinho e se preocupa com a importância que as especulações filosóficas haviam adquirido em Atenas. Sua manobra é antes de tudo um ato de defesa a favor de uma corporação ameaçada. Dando explicações naturais a fenômenos atribuídos até então à ação das divindades, os intelectuais desacreditam as práticas divinatórias. [Osório diz: o que se chama atualmente de “legislação em causa própria”!] A primeira vítima do decreto, Anaxágoras de Clazomena, morador de Atenas desde 462 a.C., mestre de Péricles, havia se consagrado ao estudo dos fenômenos meteorológicos, geológicos e astronômicos. [Osório diz: na verdade, era uma perseguição aos democratas e aos conselheiros de Péricles, já que, dos que se sabe, eram todos intelectuais, racionalistas, portanto] Diógenes Laércio faz uma longa enumeração dos fenômenos naturais para os quais Anaxágoras havia dado uma "explicação":

Ele disse que o Sol era uma massa incandescente maior que o Peloponeso, que na Lua havia moradas, colinas e vales, [...] que os cometas eram a reunião de astros errantes que emitiam chamas, e que as estrelas cadentes eram projetadas [40] pelo vento como faíscas; que os ventos nasciam de uma rarefação do ar pelo Sol, que o trovão vinha do choque das nuvens, e os relâmpagos da fricção entre elas, que o terremoto resultava do vento que se embrenha na terra... 1111

Essas "explicações", ainda limitadas a um círculo bastante restrito, minavam a credibilidade dos adivinhos, que atribuíam os fenômenos aos deuses. Comenta Plutarco:

Anaxágoras não era um autor antigo; suas teorias, longe de ser vulgarizadas, ainda eram mantidas em segredo, e eram difundidas apenas entre poucas pessoas, que só falavam delas com precaução e desconfiança. [...] Elas arruinavam a divindade, reduzindo-a a causas sem inteligência, a potências cegas a fenômenos necessários.12 12

Anaxágoras é acusado de impiedade por ter tentado compreender os mistérios divinos. A condenação é pronunciada, mas sua natureza exata não é conhecida: a morte ou o ostracismo, segundo Olimpiodoro, a prisão, segundo outros. Péricles teria intervindo a favor do condenado. Entre os próximos do célebre estratego, há outras personagens suspeitas de impiedade: sua mulher, Aspásia, e o escultor Fídias.

A acusação de impiedade contra os "físicos" se torna comum. A tradição religiosa grega, que ignora a transcendência e afirma a unidade da natureza e do divino, poderia evoluir para um quase ateísmo, no caso do materialismo mecanicista dos filósofos, ou, como vimos, para um conjunto mágico-supersticioso. O cientista que trabalha num espírito positivista é acusado de querer desvendar o segredo dos deuses, dissecar o sagrado, por uma espécie de "deossecção". E exatamente este, como testemunha Plutarco, o sentido do decreto de Diopites, "em virtude do qual serão perseguidos por crime contra a cidade-Estado todos aqueles que não creem nos deuses e ensinam doutrinas relativas aos fenômenos celestes". O que se reprova em Anaxágoras é o fato de ele ensinar "a expulsar de si mesmo e a esmagar qualquer temor supersticioso dos sinais celestes, e impressões que se formam no ar e produzem grande terror em todos os que ignoram suas causas e em todos que temem os deuses com um pavor desvairado, porque não têm um conhecimento seguro, que a verdadeira filosofia natural dá".13 13 [41]

Explicação mágica contra explicação científica: o confronto se transforma rapidamente num clássico. Já nessa época ele deriva para uma acusação de ateísmo contra os filósofos físicos. Mas por que o ateísmo já começa a ser considerado um delito? Por que tal batalha em torno de uma simples crença? Por que não acreditar nos deuses é mais grave do que não acreditar na forma redonda da Terra, por exemplo? Por que aqueles que são acusados de ateísmo contestam tal acusação? A conotação pejorativa que o termo "ateu" adquire, e que dura praticamente até hoje, pode parecer enigmática, sobretudo quando se pensa na atitude aparentemente mais liberal que prevalecia na época grega arcaica. Apenas a reação corporativista dos adivinhos não explica um julgamento de valor que privilegia a crença em detrimento da descrença: outros elementos devem ser levados em conta, como revela o processo de Sócrates.

DE SÓCRATES, O AGNÓSTICO, A DIÁGORAS E TEODORO, O ATEU

Foi também uma acusação de impiedade e ateísmo que condenou à morte esse ilustre personagem, considerado um dos pais do pensamento europeu. O texto da acusação, apresentado em 399 a.C. por Lícon, Anito e Meleto, é conhecido:

Eis a queixa que redigiu e confirmou por juramento contraditório Meleto filho de Meletos de Pitos, contra Sócrates, filho de Sofronisco de Alopeke: Sócrates é culpado de não acreditar nos deuses reconhecidos pelo Estado e introduzir novas divindades; além disso, é culpado de corromper os jovens. Pena: a morte.14 14

As "novas divindades" seriam uma alusão às palavras de Sócrates sobre seu "demônio".

As ideias de Sócrates a respeito dos deuses continuam tão controvertidas quanto em sua época.15 15 Para Aristófanes, ele é um ateu completo, e coloca-o em cena em As nuvens, fazendo-o dizer: "Os deuses? Por eles é que jurarás? Em primeiro lugar, os deuses são uma moeda que não tem mais valor entre nós"; "Quem? Zeus? Isso não passa de asneira; Zeus nem [42] sequer existe"; "Então queres reconhecer apenas os nossos deuses? Saiba então que eles são o Vazio que aqui está, e as Nuvens, e a Língua, apenas esses três".1616 Na mesma peça, Sócrates dá uma verdadeira aula de ateísmo a Estrepsíades para lhe provar que os deuses não existem. [Osório diz: engraçado o que a dupla religião-política faz com os textos. O valor ou desprezo que lhes dão, conforme a conveniência. O caso de Aristófanes é muito claro quanto a isso. Os políticos/religiosos negam que o que diz o comediante seja “verdade” quanto a Sócrates. Entretanto, esses mesmos deturpadores dizem que tudo que Platão diz  sobre o mesmo Sócrates é a mais “cristalina verdade”! Um fato que não costuma ser observado, pelos vassalos das religiões, é que a peça foi encenada cerca de vinte e cinco (25, 423-399) anos antes da morte de Sócrates! Um quarto de século de acusação atual! Um quarto de século não foi suficiente para que “o homem mais sábio que existia” fosse capaz de desfazer esse “bem” entendido!].

A imagem que Xenofonte oferece é totalmente diferente: um Sócrates religioso, que demonstra a existência dos deuses pela finalidade do universo (deuses que tudo veem e enviam sinais aos homens), um Sócrates pio e inclinado à oração. Platão, mais cauteloso, vê em Sócrates um místico e, sobretudo, um cético, segundo seus diálogos. O lado agnóstico é nitidamente privilegiado. Na Apologia, ele diz ignorar o que é o inferno e o que há após a morte. No Crátilo, afirma nada saber dos deuses e recomenda que sejam seguidos os costumes e a religião oficial. No Eutifron, rejeita os mitos e no Fedro, declara que, não tendo tempo nem capacidade suficientes para conhecer sequer a si mesmo, seria ridículo que se pronunciasse sobre os mitos e os deuses: [Osório diz: o que ele diz no Crátilo e no Fedro é uma repetição de Protágoras, em outras palavras para o plágio não ficar evidente].

Se, tendo dúvidas a seu respeito, reduzimos cada um desses seres ao que há neles de verossímil, recorrendo a sabe-se lá que grosseiro bom senso, necessitaremos de muito tempo livre! Ora, quanto a mim, não tenho tempo para ocupações dessa espécie, e eis, meu caro, a razão: ainda não sou capaz, como pede a inscrição délfica, de conhecer a mim mesmo! Assim, enquanto me faltar tal conhecimento, vejo quão ridículo é tentar sondar coisas que me são estranhas. Por conseguinte, renuncio a tais histórias e, a respeito delas fio-me na tradição; não são elas, como eu dizia há pouco, que busco sondar, mas a mim mesmo.17 17

Encontramos mais uma vez essa bela confissão de agnosticismo nos libertinos franceses do século XVII: sendo nosso espírito incapaz de compreender tais questões metafísicas, basta que nos conformemos às práticas em vigor, sem aderir interiormente a elas: "Honra aos deuses, segundo os costumes do teu país". Posição relativista e indiferentista, que choca a opinião pública, ainda mais que surgia então a necessidade de se identificar com um culto cívico. Os elos entre o Estado e a religião são reforçados na época da Guerra do Peloponeso, que foi um choque cultural de primeira grandeza. O Estado, em conflito permanente durante cerca de trinta anos e depois vencido, humilhado e ameaçado, apega-se a tudo o que possa [43] encarnar sua identidade e sua unidade. Os deuses e o culto local não são mais simplesmente crenças, mas símbolos de comunhão cívica. A religião dos filósofos, excessivamente espiritual, intelectual, individualista e universal, com seu princípio divino único, é inapta a desempenhar o papel de cimento social e patriótico. Pôr em dúvida os deuses da cidade é ser ímpio e traidor, é pôr em perigo o civismo dos jovens. A religião é parte integrante do patrimônio da cidade-Estado, no âmbito de um contrato implícito entre os deuses e o Estado, cujos magistrados são ao mesmo tempo sacerdotes. É nesse elo entre religião e política que reside, em parte, a causa da repressão ao ateísmo. Mas isso não é tudo. [Osório diz: o elo entre religião e política!].

Sócrates foi discípulo de Arquelau, e acusam-no de utilizar as ciências naturais para sondar os segredos da natureza. Seus defensores, de maneira reveladora, negam que ele "especule sobre os fenômenos celestes", que "busque o que se passa sob a terra";18 18 é falso, afirmam eles, dizer que Sócrates "discutia, como os outros, sobre a natureza do universo; ele não investigava como nasceu o que os filósofos chamam de mundo, nem por que leis necessárias se produz cada um dos fenômenos celestes".19 19 [Osório diz: defensores e acusadores que buscam argumentos apoiadores ou contraditores apenas para satisfazer suas posições não me servem. O ideal é uma análise, na medida do “impossível”, isenta, mostrando as razões pelas quais se apoia ou não, mas com fundamentos que sejam capazes de sustentar a posição assumida pelo texto que se interpreta. Só gostar, admirar, desgostar ou detestar não basta].

Os processos por impiedade revelam também outras causas de ateísmo e outros motivos de acusação. O exemplo de Diágoras, condenado no mesmo ano que Protágoras, em 415 a.C., [Osório diz: já que Sócrates foi morto em 399, 15 (quinze) anos depois das condenações de Diágoras e Protágoras, poderia ele, pois teve tempo para isso, ter mostrado a todos o que apenas Xenofonte viu, por exemplo] é interessante por mais de uma razão. Antes de tudo, porque é o primeiro personagem conhecido a seguir uma trajetória intelectual que vai da fé à descrença. Nascido em Melos por volta do ano 475 a.C., esse poeta lírico escreveu obras profundamente religiosas e depois se tornou ateu. Os autores antigos não estão de acordo sobre as razões por que ele teria perdido a fé, mas as explicações que dão têm um caráter espantosamente moderno. Explicação de ordem intelectual, por um lado: segundo Suidas [Osório diz: dicionarista grego do século X], Diágoras teria sido discípulo de Demócrito, convencido por sua teoria da origem das crenças religiosas como consequência do pavor humano diante dos fenômenos naturais. Explicação moral por outro lado: segundo uma obra anônima atribuída a Diágoras, ele teria perdido a fé depois de constatar que um discípulo que lhe havia roubado um peã, e que em seguida havia negado o fato com um falso juramento, viveu uma vida feliz; a seu ver, isso era prova de que não existia justiça divina, nem providência, nem deuses. Razão científica e problema do mal: tais serão, durante séculos, os dois obstáculos contra os quais se estilhaçarão as crenças religiosas de muitos fiéis. Que isso corresponda historicamente [44] ou não ao caso de Diágoras, pouco importa; que tais histórias tenham sido contadas desde o século V mostra que a questão já se colocava.

Uma anedota contada por Cícero confirma o debate sobre o problema do mal entre aqueles que se baseiam no bem para provar a existência de Deus e aqueles para os quais a existência do mal é um sinal evidente da ausência de providência. Em Samotrácia, enquanto Diágoras observava os ex-votos oferecidos pelos marinheiros que haviam escapado de naufrágios um amigo lhe perguntou:

- Tu, que pensas que os deuses não se ocupam dos assuntos humanos não vês, graças a todas essas pinturas, como são numerosos aqueles que aças a seus pedidos, conseguiram escapar da ira da tempestade, chegando depois ao porto sãos e salvos?

- Não respondeu ele –, pois em nenhum lugar foram pintados todos aqueles que naufragaram ou pereceram no mar.

Diágoras ficou com fama de ateu pleno desde a época grega. É violentamente criticado por certos conservadores, como Aristófanes, e outros autores declaram que ele os horroriza tanto que preferem calar-se a seu respeito. No século IX, Aristóxenes de Tarento escreve que atribuem a Diágoras um livro em prosa que ridiculariza os deuses; e Filodemo, em seu Tratado sobre a piedade, toma-o como a principal referência em matéria de ateísmo. Contam que ele teria divulgado os segredos de Elêusis e tentado dissuadir aqueles que desejavam ser iniciados. Também teria ridicularizado publicamente Dioniso. Essas provocações teriam lhe valido uma condenação à morte, e sua cabeça teria sido posta a prêmio; depois de fugir, teria terminado seus dias em Acaia. [Osório diz: pequena biografia de Diágoras. Ele é sempre citado de modo muito breve].

Foram conservados vestígios de inúmeros outros processos por impiedade e ateísmo.2020 Diógenes de Apolônio, contemporâneo de Anaxágoras e discípulo de Anaxímenes, físico renomado, escapa por pouco. Ele dava uma explicação puramente física do universo, em que "nada nasce do nada e nada a ele retorna". Para ele, religiões e mitos são pura alegoria [Osório diz: linguagem figurada], e sua reputação de ateu lhe vale inimizades ferrenhas. O filósofo Estilpo, nascido em Mégare, discípulo de Diógenes e amigo de Teodoro, o Ateu, também conseguiu evitar as perseguições abordando a questão relativa aos deuses apenas em ambientes privados, como conta Diógenes Laércio: "Crates Ihe perguntara se os deuses se regozijavam com as genuflexões e as orações ao que ele respondeu: 'Não me pergunta isso em plena via pública, animal! [44] Espera que estejamos sós!". Essa foi também a resposta de Bion a alguém que lhe perguntava se os deuses existiam: "Afasta-te primeiro da multidão velho infeliz!".2121 Estilpo zomba do antropomorfismo dos deuses tradicionais com grande desenvoltura.2222

Seu amigo Teodoro, nascido em Cirena, torna-se no século IV o típico descrente, a ponto de receber o apelido de o Ateu. Esse aristocrata, expulso de sua cidade natal por motivos políticos, instala-se em Atenas, sua liberdade de espírito e costumes causa escândalo. Julgando que o sábio está acima da moral comum e não tem necessidade nem de amigos, nem de pátria, nem de deuses, estima que pode se permitir tudo. "Ele arruinava com opiniões variadas as opiniões que os gregos tinham dos deuses", e parece que, não se contentando em negar os deuses tradicionais, bem mereceu o apelido. É o que pensa Cícero, e é o que se pode deduzir do seguinte trecho de Plutarco:

Talvez se possam encontrar nações bárbaras ou selvagens que não conhecem a noção de divindade; mas jamais existiu homem que, conhecendo tal noção conceba-a como perecível, e não eterna. Assim, aqueles que foram denominados ateus, os Teodoros... não ousaram dizer que a divindade era algo perecível mas não acreditavam que existisse algo imperecível. Atacavam a existência do imperecível, mas conservavam a noção comum de divindade.23 23

A fama de Teodoro, o Ateu, alcançará em seguida os cristãos, que, paradoxalmente, louvam sua descrença. Clemente de Alexandria estima que o pagão crente é duplamente ateu: porque não conhece o verdadeiro Deus e porque adora falsos deuses. Antes a atitude de Teodoro, que pelo menos rejeita os falsos deuses. Essa não é, evidentemente, a opinião dos atenienses. Sob Demétrio de Falero (317 а.С.-307 a.C.), Teodoro, o Ateu foi julgado pelo Areópago e, provavelmente, banido.

Na época da conquista macedônica, Dêmades foi multado por ter defendido a divinização de Alexandre, prova de impiedade, porque subentende que os deuses são criações humanas – posição que é retomada na mesma época por Evêmero. Quanto a Teofrasto, o processo movido contra ele a pedido do democrata Hagnónides tem motivação puramente política: ele é acusado de ter sido favorável aos macedônios. Que a razão política tenha [46] com frequência levado a melhor sobre a motivação religiosa no desenrolar desses processos é confirmado pelo fato de os ateus notórios jamais terem sido importunados: como Hipon de Régio, filósofo do fim do século V que ensinava que nada existe fora da matéria, e Aristodemo, o Pequeno, admirador de Sócrates, que zombava dos crentes. [Osório diz: a religião usa a política, que também, criou, para combater seus adversários].

PLATÃO, PAI DA INTOLERÂNCIA E DA REPRESSÃO AO ATEÍSMO

[Osório diz: Platão é o casamento mais que perfeito entre religião e política].

Já na primeira metade do século IV antes de nossa era, o número de ateus na Grécia é considerável, em todas as categorias sociais, o que é motivo de preocupação. O testemunho de Platão quanto a isso é essencial. No Livro X das Leis, o filósofo faz pela primeira vez na história um apanhado do problema. [Osório diz: para quem quer conhecer melhor a obra de Platão, é sempre bom observar que ele é um homem do século IV e não do século V antes da era atual. Isso é interessante, pois torna impossível ele ter sido o “gravador” que ouviu e transcreveu as discussões de Protágoras, por exemplo!] Atestando a presença maciça de ateus, busca as causas de tanta descrença, a seus olhos perigosa, e preconiza medidas severas contra os ateus. Em muitos sentidos, pode-se considerar que Platão está na origem da opinião pejorativa que pesará sobre o ateísmo durante dois mil anos; estabelecendo um elo entre descrença e imoralidade, ele dá um passo decisivo para atingir os ateus, maculando-os de modo indelével. [Osório diz: ele faz o mesmo que Aristófanes fez quando escreveu sobre “o discurso forte e o discurso frágil”, chamando o discurso forte de “injusto”, como se fossem sinônimos. Mais uma inspiração para Platão] A partir de então, o ateísmo, amplamente associado a adjetivos como "vulgar", "grosseiro", vai opor-se à atitude nobre dos idealistas, que se reportam ao mundo puro das ideias, do espírito. O ateísmo começava a ser malvisto porque contrariava as atividades dos adivinhos e do clero, e porque era considerado uma atitude anticívica. Nos processos, os motivos políticos subjacentes eram, como já dissemos, essenciais. O delito de descrença estava ligado, portanto, a uma conjuntura passageira. Platão vai enraizá-lo numa concepção metafísica e ética fundamental que o transformará em verdadeiro crime. [Osório diz: são as belas “descontribuições” de Platão para a humanidade! Misógino, aristocrata, antidemocrata, escravagista, ciumento, traidor e outras coisitas mais!].

O filósofo começa por uma constatação: o ateísmo está por toda a parte difundido; tais doutrinas foram, "por assim dizer, semeadas entre todos os homens". [Osório diz: foram semeadas por aqueles que pregavam o seu contrário, a religião, pois tal pregação traz em si sua negação] Os descrentes se distinguem em três categorias: os que não creem absolutamente na existência dos deuses [Osório diz: deuses não existem!]; os que julgam que os deuses são totalmente indiferentes aos assuntos humanos; [Osório diz: deuses existem, mas não servem para nada, logo, é como se não existissem!] e os que acreditam que eles podem ser seduzidos e mudar de ideia por meio de orações e sacrifícios. [Osório diz: deuses, caso existam, podem ser corrompidos!] [Osório diz: isso tudo se assemelha muito às três teses de Górgias] Platão atribui a esses ateus o seguinte discurso:

Estrangeiro ateniense, cidadãos de Lacedemônia e Cnossos, dizeis a verdade! Entre nós, há de fato alguns que não admitem que os deuses existem, e outros que os caracterizam exatamente como acabais de dizer. Assim reivindicamos exatamente o que exigistes quanto a vossas leis: que não sejamos [47] duramente ameaçados antes que tenhais tentado nos convencer da existência dos deuses e nos tenhais ensinado, alegando provas suficientes, que a natureza deles é por demais excelente para que possam se deixar, contrariamente ao que é justo, desviar e seduzir.24 24

Ou seja, em vez de nos perseguir, deem-nos provas da existência dos deuses. Tarefa urgente, avalia Platão, pois o ateísmo é fonte de imoralidade e incivismo: [Osório diz: religião e política] "Jamais se viu alguém que atribui aos deuses uma existência em conformidade com o que decretam as leis cometer voluntariamente atos ímpios, nem dar livre curso a uma linguagem que esteja em oposição à lei". Por que os ateus não creem nos deuses? "Vou dizer-te mais claramente ainda", responde o ateniense, que exprime nas Leis a posição de Platão:

Fogo, água, terra, ar, tudo isso, dizem eles, existe em virtude da Natureza e do Acaso, e nada disso em virtude da Arte. Quanto a este corpo que, desta vez, e posteriormente às precedentes, se relaciona à Terra, ao Sol, à Lua ou aos astros, sua existência se deve a esses outros corpos, os quais são absolutamente desprovidos de alma. Mas, arrastados ao acaso, cada qual isoladamente, pela ação que constitui a propriedade de cada um separadamente; ajustando-se, conforme o encontro entre eles, de maneira apropriada, o que é quente com o que é frio, o que é seco contra o que é úmido, o que é mole contra o que é duro, em suma tudo o que pôde, em consequência de uma necessidade qualquer, combinar-se à aventura numa combinação de contrários, é dessa maneira, e segundo tais procedimentos, que isso engendrou assim o céu inteiro, com tudo o que há no céu, bem como, por sua vez, todo o conjunto dos animais e das plantas, posto que dessas causas resultaram todas as estações do ano; contudo não, afirmam eles, graças a uma inteligência, tampouco a uma divindade, muito menos a uma arte, mas, como dizemos, pelo duplo efeito da Natureza e do Acaso.25 25

Reconhecemos nesse discurso as teorias dos físicos e, em especial, o atomismo de Demócrito. O ateísmo tem portanto causas intelectuais: as teorias científicas de tipo materialista. Mas tem também causas morais: os ateus rejeitam os deuses em virtude de "sua incapacidade de dominar o gozo e as paixões". Querendo dar livre curso a seus apetites grosseiros, [Osório diz: é humano e é grosseiro? Acho que contra isso se baterá Nietzsche?] ensinam que tudo é permitido quando se obedece à natureza, e que esta vai no sentido da dominação dos mais fortes. [Osório diz: o sofistas Antifonte e o pseudio-sofista Cálicles de a República! De forma diferenciada entre eles, dizem isso] Platão já agita o espectro da seleção natural [48] e antecipa a célebre fórmula: "Se Deus não existe, tudo é permitido". A lei moral só pode ser forte se tiver raízes na lei divina transcendente, intocável, absoluta. [Osório diz: onde ela está? Como ter acesso a ela?] O ateísmo é o fermento da dissolução da sociedade, e os intelectuais ateus são os corruptores da juventude.26 26 [Osório diz: “intelectuais ateus são os corruptores da juventude”! Desde que li o livro “Sócrates, um filósofo bastardo”, de Fernando Cabral Pinto, comecei a desconfiar que Platão está mais para inimigo que apaixonado por Sócrates. Esta é uma das acusações de Meleto e os outros contra Sócrates].

Opor-se a essa doutrina que se baseia numa falsa ciência e numa imoralidade intrínseca é um dever, diz Platão. Primeiro, é necessário dedicar-se à tarefa pela persuasão, depois pela repressão. [Osório diz: Platão, diversamente dos Sofistas, que pregam o convencimento pela persuasão, criminosamente, vai além, pois propõe a violência! É uma contradição sem tamanho, pois a violência é talvez o maior desagregador social, mas é por seu intermédio que ele quer unir a sociedade] O filósofo a empreende com a repugnância mais extrema, tamanha sua indignação por ter de provar a e evidência: [Osório diz: Platão foge do ônus da prova, tentando ficar no “argumento de autoridade”, que, na época, ele nem tinha, pois seus fanáticos vieram depois].

Como falaríamos, sem ira, para provar a existência dos deuses? Forçosamente é com grande dificuldade que suportamos e odiamos toda essa gente que nos obrigou, que nos obriga ainda a falar disso, por falta de acrescentarem fé aos discursos que, desde sua mais tenra idade, quando ainda estavam pendurados às tetas, ouviram da boca de suas amas e de suas mães.27 27 [Osório diz: enrola, enrola e nada prova! As palavras das amas e as mães são a prova? E se elas fossem ateias?].

Temos a impressão de ouvir os sermões dos pregadores do século XIX! Os ateus não têm "uma única razão válida", o menor "traço de inteligência". Ter de lhes provar a existência dos deuses é algo indigno. "Mas é preciso fazê-lo! Não, de fato não devemos deixar que alguns de nossos semelhantes caiam na demência por voracidade de gozo, enquanto outros talvez fizessem o mesmo por ira contra esse tipo de gente."28 28 [Osório diz: E as provas? Eu quero as provas! Onde estão as provas?]

Eis Platão em luta contra essa terrível serpente contra a qual vão combater também os melhores espíritos da cultura ocidental até os nossos dias e, sem dúvida, ainda por algum tempo: provar a existência de Deus. Na falta de conclusões indiscutíveis depois de dois mil anos de esforços, essa interminável busca mostra ao menos que a existência de Deus não é uma evidência. [Osório diz: dois mil anos de blá, blá, blá. Mas não vamos usar a violência contra eles charlatões, deixemos que eles continuem em suas buscas por provas, só pedimos que pelo amor de não-deus, nos deixem em paz!, diria um afiado ateu].

Os melhores intelectuais crentes da história das religiões se dedicaram em vão a provar racionalmente a existência de Deus. [Osório diz: em vão!] Desde Pitágoras, ninguém nega seu teorema. Desde Platão, o ateísmo persiste. [Osório diz: bela comparação: matemática(geometria) versus teologia. Não esqueçamos, contudo, que ambas são criações humanas! Embora a matemática seja menos questionável que a teologia] Bernard Sève, que fez recentemente um balanço da questão filosófica da existência de Deus, pergunta-se: [48]

A questão da existência de Deus atinge o cerne da razão humana, ou será que, ao contrário, trai exatamente o que pode restar de irracionalidade na própria razão? Pretender estabelecer racionalmente a existência de Deus, refletir racionalmente sobre as implicações de tal existência, seria avançar até as possibilidades mais extremas da razão ou, ao contrário, regredir a formas de irracionalidade que a razão jamais consegue vencer de todo?29 29 [Osório diz: quem responde primeiro?].

A pergunta se aplica em primeiro lugar a Platão, segundo o qual basta usar contra os físicos o argumento da finalidade e da universalidade da crença, como acredita ingenuamente Clínias:

E fácil alegar primeiro a Terra, o Sol, assim como todo o conjunto dos astros; depois o arranjo tão maravilhosamente ordenado das estações, dividido pelo ano e pelo mês; enfim, o fato de todos os povos, tanto os gregos quanto os bárbaros, crerem na existência dos deuses.30 30

As maravilhas da natureza e o caráter universal da fé: esses argumentos serão inúmeras vezes repetidos. Platão já assinala sua insuficiência diante de cientistas que retorquirão que os astros "são somente terra e pedras, e são incapazes de se preocupar com os assuntos humanos”. [Osório diz: Platão pergunta e ele mesmo responde!]

A demonstração de Platão baseia-se numa concepção radicalmente dualista da realidade. Rompendo com as filosofias de tipo monista até então predominantes, ele postula a existência, fora do mundo material, de um mundo imutável das ideias, dos arquétipos, do divino, das almas. Partindo da noção de alma individual, anterior ao corpo, ele chega à alma do mundo que é o mundo divino; os deuses, bons e perfeitos, intervêm nos assuntos humanos e não podem ser influenciados. Pouco importa aqui o valor da demonstração. O essencial é a constatação de ruptura do ser, entre um mundo espiritual e divino e um mundo material e humano. [Osório diz: resumo muito bom do que é o platonismo, bem como da besteira que o é! Essa bobagem pode levar a criação de camadas de mundo! Toda vez que uma alma errar, é porque ela está em desconformidade com o mundo do qual ela é uma imagem e assim “ao infinito e além”!].

Essa concepção platônica agrava consideravelmente o caso dos ateus que desde então são acusados de negar a metade mais nobre da realidade para apegar-se ao mundo ilusório, efêmero, flutuante, das sombras da caverna. [Osório diz: quando ocorre o contrário! A realidade é a da natureza!] Espíritos "grosseiros" e "vulgares", que não se elevam na contemplação das ideias. [Osório diz: espíritos vis e baixos, que se elevam a ver o que não existe!] Até então, ser ateu podia, a rigor, passar por um erro ou uma prova de incivismo; agora não somente é uma marca de cegueira, mas também de má-fé e baixeza moral, um perigo para a vida social e política, [50] pois não permite o reconhecimento dos valores absolutos nas condutas pública e privada. [Osório diz: sempre tão pautadas por tudo que não presta! Roubo, traição etc.] As fontes da moral encontravam-se até então no mundo humano, que não era fundamentalmente diferente do divino. [Osório diz: o homem medida] Separando os dois e colocando os valores imutáveis do lado dos deuses, Platão transforma os ateus em seres imorais, sem normas absolutas de conduta, incapazes de obedecer a outra coisa senão a suas próprias paixões. Começa então a repressão ao ateísmo em nome da moral e da verdade. O dualismo do ser traz o maniqueísmo da ação: o bem e o verdadeiro contra o mal e o erro. [Osório diz: mas, convenhamos, embora Minois não diga, o tal Platão, nas mesmas Leis, confessa, desiludido: “A divindade poderia ser muito boa para nós, mais que tudo, medida de todas as coisas”. (716 c )].

Nessa ótica, Platão propõe que se ponha em prática uma legislação repressiva muito dura contra o ateísmo e a impiedade. [Osório diz: já que não se prova e conquista pela razão, pelo discurso, vamos pela violência!] Todos os ímpios deverão ser denunciados, e aquele que se calar será igualmente considerado ímpio. As sanções serão proporcionais à gravidade da impiedade; o caso mais grave é a "doença do ateísmo", na qual se distinguem dois graus: o ateu cuja conduta é correta, perigoso apenas por suas ideias, e o ateu depravado, que além do mais, é um mau exemplo:

[Osório diz: eis as razões pelas quais acho que Platão matou Sócrates e vem contribuindo, há muito tempo, para a morte de muitos outros].

Tal tipo pode encontrar-se de fato num estado de total incredulidade com relação à existência dos deuses e juntar a sua incredulidade um caráter naturalmente justo; ele toma ódio dos maus; a impaciência que sente com relação à injustiça faz que não se comprometa a agir de maneira semelhante, que fuja daqueles seus semelhantes que não são justos. Em tal outro, ao contrário, caso venha se juntar à convicção de que tudo é vazio de deuses a incontinência em relação aos prazeres e às penas; caso tenha a sua disposição uma memória vigorosa e uma viva aptidão para instruir-se, então sem dúvida a doença do ateísmo é comum às duas espécies, mas, enquanto em detrimento do resto dos homens a doença de um produzirá efeitos menores, a do outro produzirá outros bem mais consideráveis.31 31[Osório diz: o que tem a ver justiça com crença em deuses? De onde ele tira a noção do que é o justo, se em seus diálogos ninguém consegue explicar, definir? Ou justo é aquilo que aquele que pode usar a violência diz que é o justo?].

Para a primeira categoria, a dos ateus simples, Platão prevê inicialmente a prisão com isolamento total por pelo menos cinco anos na "Casa de Penitência". Durante esse período, fará cursos de reeducação: "Nenhum cidadão poderá se relacionar com eles, com exceção dos membros do Conselho Noturno, cujas relações terão como objetivo admoestá-los e, ao mesmo tempo, prover à salvação de suas almas". Ao fim desse período de lavagem cerebral, caso o detento pareça ter recuperado os bons sentimentos, será autorizado "a viver na sociedade das pessoas de bom senso", isto é, os [51] crentes. "Caso contrário, e caso seja condenado mais uma vez por acusação semelhante, a pena deverá ser a morte."32 32

Quanto à segunda categoria, a dos ateus depravados, eles serão trancafiados por toda a vida numa penitenciária situada num "lugar deserto, e o mais selvagem possível, cujo nome evoque a ideia de que se trata de um lugar castigo". Ali, no mais completo isolamento, "recebendo dos carcereiros apenas o alimento prescrito pelos Guardiões das Leis", o ateu viverá como um verdadeiro desgraçado. "Depois, quando morrer, seu cadáver deverá jogado, sem sepultura, fora das fronteiras. No caso de algum homem livre se interpor, querendo dar-lhe sepultura, que ele seja, da parte da autoridade competente, passível de perseguição por crime de impiedade."33 33 [Osório diz: o canalha do Platão plagia Sófocles na Antígona!]

O "divino" Platão, que inventa ao mesmo tempo a intolerância religiosa a inquisição e os campos de concentração, não limita a repressão aos ateus stricto sensu. [Osório diz: Platão, o pai da intolerância religiosa e dos campos de concentração. Que safado!] Os mágicos e os feiticeiros, os praticantes de sortilégios, que tentam manipular as forças ocultas e divinas, terão a mesma sorte. [Osório diz: E Diopites (p. 40) entra na roda de fogo de Platão! O feitiço consume o feiticeiro!] Haverá uma religião oficial de Estado, obrigatória: todo e qualquer culto privado, toda e qualquer prática supersticiosa, bem como a indiferença, serão punidos severamente, até a morte:

Enfim, é preciso estabelecer uma lei que se aplique a todos esses ímpios em geral, lei cujo efeito seja reduzir o número de faltas cometidas contra a divindade pela maioria deles, tanto por atos como por palavras, e, evidentemente, deter o avanço dessa aberração, não dando direito a ligar-se a nenhum culto, salvo àquele que esteja em conformidade com a lei. [Osório diz: creio que o cristianismo aumentou a lista do pecar até por pensamentos! Aqui lasca tudo, pois “o homem não pensa, é o pensamento quem pensa o homem”, demonstrará Nietzsche!]

[Osório diz: o forte faz a lei (e esta é outra apropriação e inversão por parte de Platão), ele começa dizendo que os “ateus” é que pregam que o forte é quem manda, quando se sabe que, o forte realmente é quem faz a lei, lei essa que ele diz que deve ser obedecida!].

[Osório diz: Platão não é um poço de contradição, ele é um poço de safadeza para sua classe e suas posições políticas, obviamente].

AS DESMITIFICAÇÕES: EVEMERO E O PANTEÍSMO ESTOICO

O tom está dado. Os projetos platônicos estão à altura dos temores do filósofo e à extensão do ateísmo na época. E a crise da religião vai se acentuar ainda mais na segunda metade do século IV. As agitações políticas, o fim da independência das cidades-Estado, com a constituição dos impérios helenístico e, depois, romano, arruínam a religião cívica em proveito da religião individual, do ceticismo, do ateísmo e do ocultismo. Sob o impacto das mudanças políticas, econômicas e sociais, os valores tradicionais [52] desaparecem. A religião clássica é a principal vítima dessas transformações, em benefício da descrença racional e da descrença irracional. [Osório diz: a pregação de Platão, para sua época, não serviu para nada, assim como suas idas para Siracusa para ajudar os tiranos de lá. Aliás, serviu sim: ele foi vendido como escravo!]

A evolução da cultura helenística nos séculos IV e III corresponde bem ao esquema que adotamos como hipótese de trabalho: o enfraquecimento do centro de gravidade religioso se traduz por um esfacelamento das atitudes tanto no sentido racional, com o progresso de um estoicismo panteísta e de um ateísmo teórico, quanto no sentido irracional, com a proliferação das seitas, dos cultos de mistérios, das práticas mágicas, da bruxaria, mas também do ateísmo prático. Pôde-se até mesmo estabelecer um paralelo com nossa época no estimulante livro de Maria Daraki Une Religiosité sans Dieu [Uma religiosidade sem Deus].

O recuo da religião clássica é inevitável. No século III, Calímaco, num epigrama funerário, rejeita as crenças tradicionais sobre o além. As inscrições com promessa de imortalidade desaparecem das lápides.34 34 Os deuses antropomorfos do Olimpo desaparecem do culto doméstico. Por toda a parte a dúvida e a indiferença avançam. Até mesmo as pessoas mais humildes se desinteressam do culto. Os deuses invisíveis são substituídos pelos soberanos divinizados, sinal revelador do ceticismo reinante. No ano 290 a.C., quando Demétrio e Lanassa, sua esposa, entram em Atenas como deuses epífanos [Osório diz: relativo a epifania, “festa litúrgica dos cristãos que comemora a apresentação de Jesus Cristo à humanidade.” Fonte: http://michaelis.uol.com.br] (Demétrio-Deméter), um concurso de peãs é organizado em sua honra, e Hermocles, que venceu o concurso, proclama:

Quanto a ele [Demétrio], ele aparece com um rosto cheio de benevolência como convém a um deus, e é belo e muito alegre. [...] Os outros deuses estão longe, ou não têm ouvidos, ou não existem, ou não nos dão a menor atenção mas tu, vemo-te diante de nós, e não talhado em pedra ou madeira, mas real e verdadeiro.35 35 [Osório diz: o tal Hermoceles é de um servilismo atroz, mas ganhou. Seu texto, no entanto, mostra as razões pelas quais se repulsa os deuses].

Toda evolução cultural tende a minar as bases da religião. [Osório diz: toda racionalidade...] Desde o século V, os poetas tomam liberdades com os mitos. Eurípedes deixa transparecer seu ceticismo por torneios como: "os deuses, sejam quais forem os deuses", ou: "Zeus, seja quem for Zeus". Aristófanes, tratando os deuses com insolência, contribui para que sejam desconsiderados.36 36 Os historiadores dão mostras de relativismo, como deve ser: embora seja difícil conhecer a opinião pessoal de Tucídides sobre a religião, todo o seu discurso exprime [53] um bom senso racional; Hecateu é o primeiro a dar uma interpretação racionalista dos mitos; Cinésias é um ateu confesso.

Os sofistas, evidentemente, não contribuem para reforçar a fé: para eles, o homem é a medida de todas as coisas. A maioria é cética ou agnóstica. Trasímaco nega a providência. Alguns tentam explicar como a ideia dos deuses conseguiu germinar no espírito humano, o que é a forma mais radical de aniquilar a crença. É o caso de Pródico de Ceos. Crítias põe na boca de Sísifo que os deuses foram inventados por um "homem extremamente hábil", a fim de garantir a virtude dos indivíduos pelo temor do castigo. Para muitos estoicos, os deuses são simplesmente homens célebres divinizados os primeiros benfeitores da humanidade: é a opinião de Perseu, discípulo de Zenão; já Crisipo declara que "transformaram homens em deuses". Perseu sugere também que os homens teriam adorado as coisas que lhes eram úteis, como o pão e o vinho, invocados sob os nomes de Deméter e Dioniso. Cícero põe na boca de Balbo que outrora era costume colocar no céu todos aqueles que haviam prestado serviços à sociedade, como Hércules, Castor Pólux, Esculápio, Baco.

É o sofista e mítógrafo Evêmero (340 a.C.-260 a.С.) [Osório diz: Minois é o primeiro autor que vejo dizer que Evêmero era sofista! Entretanto, mesmo que o fosse, não está entre os grandes primeiros sofistas] que, no Relato sagrado, leva mais longe a teoria, que hoje tem o seu nome, que diz que os deuses são antigos homens célebres, divinizados após a morte. Dessacralizando o Olimpo, acredita que Zeus era um soberano sábio e benfazejo que, depois de ter viajado pelo mundo inteiro, foi morrer em Creta; altares teriam então sido erguidos em sua honra, como se fazia nas monarquias helenísticas da época. Afrodite teria sido a primeira cortesã, e o rei de Chipre, enlouquecido por sua beleza, teria feito dela uma deusa; já Atena teria sido uma rainha belicosa e conquistadora. Diodoro resume assim a teoria: "Os deuses viveram na terra, e é por causa dos serviços que prestaram aos homens que as honras da imortalidade lhes foram dadas; Hércules, Dioniso, Aristeu são alguns exemplos".

Sexto Empírico dá uma versão ligeiramente diferente do evemerismo:

Evêmero, apelidado de o Ateu, diz o seguinte: quando os homens não eram ainda civilizados, aqueles que venciam os outros em força e inteligência para obrigar todos os outros a fazer o que ordenavam, desejando gozar de mais admiração e mais respeito, atribuíram-se falsamente um poder sobre-humano e divino, o que os fez serem considerados deuses pelas multidões.37 37 [Osório diz: Evêmero, citado por Sexto, pode levar a acreditar que ele era sofistas, mas, aqui, a citação é em uma outra obra que não daquela dedicada aos sofistas. Ver, contudo, esta da citação.][54]

A explicação de tipo evemerista será retomada com frequência por Nicanor de Chipre, Mnaseas de Patras, Dionísio Skytobrachion e Apolodoro, ao passo que Políbio afirmará que autores de invenções úteis foram divinizados. Os gregos não esperaram os cristãos para dessacralizar seus mitos e seus próprios deuses.

A crise dos séculos IV e III antes da nossa deu origem também à grande renovação do panteísmo materialista que é o estoicismo. Essa corrente se inscreve na tradição do monismo grego, em oposição total ao dualismo platônico. Como em todas as formas de panteísmo, é difícil determina se trata de um ateísmo ou de uma corrente religiosa. Maria Daraki o qualifica de "religiosidade sem deus"; poderíamos muito bem dizer também que é um "ateísmo religioso". A "divindade" é a natureza, sábia e boa, o Todo, o universo, inteiramente material, fora do qual nada existe. Esse universo é composto pelos quatro elementos, dos quais o principal é o fogo, que o penetra por todas as partes, lhe dá unidade e coesão, e o incendeia periodicamente. O universo é cíclico: é consumido pelo fogo divino antes de renascer pelo resfriamento, e isso por toda a eternidade. O homem, parte integrante desse todo universal, desse grande ser divino, é dotado – como todo animal – de uma alma, um sopro", que é igualmente material. [Osório diz: bom!]

A posição dos estoicos com relação aos deuses individuais é bastante vaga. Se nos referirmos às obras de Arato, discípulo de Zenão no século II, e às do aristotélico Dicearco, os deuses são alegorias, sinais do divino impessoal. Ao racionalizar os mitos hesiódicos, dando-lhes um conteúdo histórico", esses autores remontam à queda original, a partir da qual distinguem duas raças de homens: os sophoi, ou sábios, que vivem em concordância com a natureza, e os phauloi, a humanidade decaída e desnaturada, composta de ateus – "eles são ímpios para com os deuses", "eles ignoram os deuses", "eles se opõem aos deuses por seu modo de viver", "eles são inimigos deles", "eles são ateus, no sentido que opõem ateu a divino", "a alma dos phauloi sobrevive algum tempo após a morte, ou então se dissolve com o corpo",38 38 ao passo que a dos sábios reencarna até a conflagração universal. É a não conformidade do phaulos com a natureza que faz dele um ateu, pois há conformidade entre as leis da natureza e as leis divinas. [Osório diz: é bem interessante isso! Aquele que é excluído, mais adiante vai excluir também. Algo assim: o escravo, ao deixar de ser escravo busca ser senhor!] A natureza é sagrada, sem ser uma deusa. Ela é o Grande Todo cósmico que tende ao bem, mas só se torna consciência pessoal no sábio.[55]

Como mostra Maria Daraki, com o estoicismo passa-se do religioso mítico ao sagrado psicológico: enquanto o primeiro, na religião tradicional, objetiva o divino em personagens sobrenaturais, o segundo faz do homem a fonte e o centro do sagrado. O sábio estoico, tomando como sua a vontade da natureza, torna-se verdadeiramente divino. E isso que quer dizer Cleante em seu Hino a Zeus, quando escreve: "Que tua vontade seja feita". E é também o sentido da proclamação de Empédocles: "Sou deus".

Aqui, não há nenhuma transcendência, mas divinização do homem que vive em conformidade com a natureza. [Osório diz: sou divino por viver em conformidade com a natureza!] Esse sophos, esse sábio, é um homem divino; na verdade, esse é o super-homem, do qual ele tem a força e o orgulho. Essa concepção está certamente mais próxima daquilo que chamamos de ateísmo do que de uma forma religiosa qualquer. O sábio é ao mesmo tempo o deus e o crente. Uma tal divinização da humanidade está no extremo oposto da concepção religiosa tradicional, porque apaga a distinção entre o divino e o profano, entre o deus e o fiel. O cristianismo verá nela até mesmo uma forma perniciosa de ateísmo: o sábio cristão, isto é, o santo, não deve viver em conformidade com a natureza, mas dominá-la, domá-la.

Esse tipo de retorno a uma natureza primitiva divinizada é característico dos períodos de crise cultural profunda. Por isso Maria Daraki pôde estabelecer um paralelo com a situação atual do Ocidente, em que a confusão das certezas, a falência das ideologias, dos valores e das religiões, o protesto individualista e a rejeição de uma ciência determinista se combinam, como na época do estoicismo, para favorecer uma espécie de religiosidade difusa sem deus, que se fundamenta numa natureza ressacralizada pela ecologia e não distingue mais sagrado e profano – em suma, um retorno ao monismo original.39 39 [Osório diz: voltamos ao local de partida!]

O EPICURISMO: UM ATEÍSMO MORAL

Outro produto da crise cultural dos séculos IV e III: o epicurismo, muito mais nitidamente ateu que o estoicismo. Deformado por seus adversários será durante séculos o pesadelo do cristianismo, que o transformará numa doutrina quase diabólica, aliando ateísmo, materialismo integral e imoralidade. Todos os descrentes serão tratados como "os porcos de Epicuro", e o epicurismo constituirá uma lixeira cômoda na qual se pode jogar, sem [56] escrúpulo algum, todos os céticos e libertinos, enfarpelados do injurioso adjetivo de "epicurista”.

Que o epicurismo esteja no extremo oposto das religiões tradicionais é perfeitamente admissível. De fato, juntando um estilo de vida a uma especulação filosófica, ele é ao mesmo tempo um ateísmo teórico e um ateísmo prático. No entanto, Epicuro (341 a.С.-270 а.С.) afirma a existência dos deuses: "Os deuses existem, o conhecimento que temos deles é uma clara evidência". Eles são materiais, feitos de átomos sutis; são belos e felizes.40 40 A felicidade dos deuses deve servir de modelo à nossa: eles gozam da paz completa, da ataraxia, [Osório diz: “Ataraxia traduz-se por ‘ausência de inquietude/preocupação’, ‘tranquilidade de ânimo’”. Fonte: Wikipedia] porque não se ocupam de nada, nem mesmo dos assuntos humanos. Não adianta implorar aos deuses ou temê-los: eles são indiferentes à nossa sorte. [Osório diz: isto é, é como se eles não existissem, já que para nada servem aos homens] Esses deuses, que não criaram o mundo que quase nunca intervêm nele, que não prometem nem recompensa nem punição aos homens cuja vida é terrena e termina com a morte, sem a sobrevivência da alma, esses deuses têm apenas uma existência formal. Segundo Epicuro, celebrá-los já é participar um pouco de sua felicidade. A partir disso, muitos epicuristas podem prescindir deles, sem que os fundamentos da doutrina sejam alterados.

De fato, como mostrou J.-A. Festugière, parece que a origem do epicurismo é uma reação ao medo dos deuses, que envenena a vida humana. [Osório diz: o medo dos deuses envenena a vida humana] Esse é um aspecto pouco conhecido das religiões antigas, que também contribui para seu questionamento numa crise que, decididamente, apresenta várias similitudes com a que ocorreu no fim do século XIX. Habituados a associar a noção de temor religioso ao cristianismo, com diabo e inferno, ameaças de castigo eterno exploradas durante muito tempo pelo clero, temos tendência a esquecer que o medo estava presente nas religiões pagãs, e que ele contribuiu significativamente para o desenvolvimento do ceticismo e do ateísmo. O pagão tem medo de seus deuses, cujas reações são imprevisíveis. Deuses que moldam seu destino, de maneira arbitrária, como ilustra a história dos Átridas; [Osório diz: filhos de Atreu, Agamemnon e Menelau, comandantes gregos na guerra de Troia] deuses que provocam sem motivo cataclismos naturais ou conduzem o homem à morte, reservando-lhe um além incerto, sobre o qual circulam os mais sinistros rumores. A partir do momento em que o crente postula a existência de uma providência, de uma intervenção divina nos assuntos humanos, ele passa a ter tudo a temer desses seres sobrenaturais todo-poderosos, rancorosos, sempre prontos a se vingar. "Assim, o temor aos deuses, a sua ira contra os vivos, a sua vingança sobre os mortos, [57] desempenhou um papel importante na religião dos gregos. Talvez o próprio Epicuro o tenha sentido."41 41

Essa opinião pode ser corroborada pelo testemunho de Plutarco, espírito religioso tradicional que declara, em sua Deisidaimonia [Superstição] que de certo modo o ateísmo epicurista é preferível ao temor excessivo que muitos fiéis sentem pelos deuses, aterrorizados porque atribuem seus males a eles: chafurdam na lama confessando seus pecados e tremem diante da perspectiva de uma eternidade de suplícios. O ateu, ao contrário, escreve Plutarco, em caso de dificuldade busca em si mesmo a consolação; sereno sem temor, atribui suas infelicidades ao acaso ou à Fortuna, a Týkhe. [Osório diz: muito bom este parágrafo, o qual corrobora que é o homem quem deve guiar o seu destino por seu agir positivo, não quedar-se quieto esperando que alguém remova a pedra que está em seu caminho].

A rejeição dos deuses seria uma reação de revolta, a revolta do homem que quer assumir as rédeas de seu destino, que recusa os mitos divinos que o mantêm na escravidão e no medo. [Osório diz: seguindo o “homem medida”!] Essa reação é manifesta no mais célebre continuador de Epicuro, o romano Lucrécio (100 a.С.-50 a.С.). Em seu longo poema De natura rerum [Sobre a natureza das coisas], ele mostra, por meio de inúmeros exemplos mitológicos, que os deuses são criações humanas inspiradas pelo temor das forças naturais. Do mesmo modo, a religião torna o homem infeliz, fazendo-o acreditar que as catástrofes são deliberadamente provocadas pelos deuses. E se estes são capazes de lhe enviar tais cataclismos nesta vida, o que não lhe reservarão na próxima? A imaginação inventou todos esses suplícios, que mantêm o medo. [Osório diz: a imaginação inventou tudo de ruim que vai além do mundo material!] O homem deve rejeitar essas fábulas:

É preciso expulsar e derrotar esse temor do Aqueronte, [Osório diz: Aqueronte, na mitologia é “o rio do infortúnio”, nele devem ser deixados “todos os seus sonhos, desejos e deveres que não foram realizados em vida.” Fonte: Wikipedia] que, penetrando até as profundezas do homem, perturba sua vida, colore-a inteiramente com a negritude da morte.[..] Não há, como diz a fábula, um infeliz Tântalo, temeroso de um enorme rochedo suspenso sobre sua cabeça e paralisado por um terror sem objeto; é antes o vão temor dos deuses que atormenta a vida dos mortais e o medo dos golpes do destino que ameaçam cada um de nós. Tampouco existe um Tício jazendo no Aqueronte, dilacerado pelos pássaros; estes, aliás, não teriam em seu vasto peito de que se alimentar por toda a eternidade.42 42

Para Lucrécio, Epicuro salvou o homem da religião. E, vencendo-a, devolveu-lhe a dignidade: [58]

Enquanto, aos olhos de todos, a humanidade levava na terra uma vida abjeta esmagada pelo peso de uma religião cujo rosto, mostrando-se do alto das regiões celestes, ameaçava os mortais com seu aspecto horrível, um homem da Grécia, o primeiro, ousou erguer seus olhos mortais contra ela, e contra ela voltou-se. Longe de detê-lo, as fábulas divinas, o relâmpago, os estrondos ameaçadores do céu só fizeram excitar ainda mais o ardor de sua coragem e seu desejo de ser o primeiro a forçar as portas estritamente fechadas da natureza. [...] E assim a religião foi vencida e pisoteada, e nós, a vitória nos ergue aos céus.

Assim, segundo Lucrécio, o epicurismo é realmente um ateísmo. Negligenciando os deuses impassíveis e felizes que seu mestre ainda preservava, ele se atém a um puro materialismo mecanicista. "A matéria se compõe de átomos absolutamente plenos que se movem, indestrutíveis, pela eternidade. [...] O universo total, portanto, não tem limite algum"; infinito formado pelo vazio e pela matéria, em que tudo se faz e se desfaz sem nenhum plano de conjunto. Diferença com relação à concepção de Demócrito: os átomos têm uma trajetória ligeiramente oblíqua, e esse clinamen, essa inclinação, que torna possíveis as diversas combinações, permite também salvaguardar certa contingência e certo grau de liberdade humana, abrindo espaço para a moral.

O epicurismo é de fato a primeira grande tentativa de estabelecer uma moral ateia, uma moral que repousa sobre o único valor autêntico possível num mundo humano sem deus: a busca da felicidade individual terrena. Essa felicidade reside na ausência de sofrimento físico e perturbação moral nesse estado de sabedoria pleno de equilíbrio chamado ataraxia. Apenas a busca do prazer deve motivar o sábio, o que exclui uma vida de facilidades e devassidão, fonte de males, mais do que de prazeres. Na verdade, o prazer tal como Epicuro o compreende, assemelha-se mais ao ascetismo que ao divertimento. É resultado de uma sábia e delicada dosagem que, praticada por todos, levaria a uma sociedade perfeita, justa, equilibrada:

Posto que o prazer é o primeiro dos bens naturais, disso decorre que não aceitamos o primeiro prazer à mão; em certos casos, quando têm como consequência algum desgosto maior, chegamos até a desprezar certos prazeres. Por outro lado, há inúmeros sofrimentos que consideramos preferíveis aos prazeres, quando acarretam um grande prazer.

[...]

As iguarias mais simples proporcionam tanto prazer quanto a mesa mais ricamente servida, quando se encontra ausente o sofrimento que causa a [59] necessidade, e o pão e a água propiciam o mais vivo prazer quando ingeridos após uma longa privação. O hábito de uma vida simples e modesta é portanto um bom modo de cuidar da saúde, e torna o homem, ainda por cima, corajoso para suportar as tarefas que tem necessariamente de realizar em vida. Uma vida simples lhe permite ainda apreciar melhor uma vida opulenta, quando tem ocasião, e o previne contra as reviravoltas da fortuna. Por conseguinte, quando dizemos que o prazer é o bem soberano, não estamos falando dos prazeres dos devassos nem dos gozos sensuais, como pretendem certos ignorantes que nos combatem e deturpam nosso pensamento. Falamos da ausência de sofrimento físico e da ausência de perturbação moral.43 43 [Osório diz: este parágrafo deve ser lido com bastante atenção! Creio que ele diz que a felicidade não está em ter (“prazeres dos devassos nem dos gozos sensuais”), mas em não ter (“sofrimento físico e perturbação moral”)!].

Caluniada pelos estoicos desde o início, a doutrina epicurista servirá, paradoxalmente, de contraponto aos olhos dos crentes, e de prova de incompatibilidade entre ateísmo e moral. Esse mal-entendido é ainda mais surpreendente quando se pensa que estoicos e epicuristas pregavam, ambos, a indispensável conformidade com a natureza; mas, enquanto os primeiros viam a sabedoria numa assimilação voluntária do homem e do natural, os segundos recomendavam uma dosagem inteligente dos elementos naturais a fim de assegurar a maior paz possível à alma. Assim, os epicuristas salvam a dignidade e a especificidade humanas, ao passo que os estoicos a dissolvem na natureza, supostamente divina.

Outro paradoxo: os cristãos, que rejeitarão essas duas doutrinas por considerá-las ateias, admirarão a moral estoica, porque prega a aceitação voluntária do acaso, e desprezarão a moral epicurista, porque faz do indivíduo o único mestre de sua conduta. Ora, o autêntico sábio epicurista, dominando a natureza, está muito mais próximo do asceta cristão do que o sábio estoico, que obedece à natureza. Mas, aos olhos dos cristãos, o primeiro erra por reivindicar a busca do prazer como valor supremo, já que o cristianismo exalta o sofrimento e a dor, deliberadamente buscada como intuito de purificação.

O cristianismo também não poderá perdoar o epicurismo pela negação formal da mortalidade da alma. Para Epicuro, a morte do indivíduo é total e definitiva: ela não deve ser temida, portanto. "O nada será igual para aquele cuja vida cessou hoje ou para aquele que morreu há meses ou anos", escreve Lucrécio. Os átomos que compõem o indivíduo se recomporão para dar origem a outras formas. [60]

Acrescentamos que o epicurismo, em sua busca de prazeres equilibrados, não é de modo algum uma garantia de vida feliz, como ilustra Lucrécio, pai do mal-estar existencial: "Cada qual tenta evadir-se de si mesmo, sem no entanto poder fazê-lo, ficando assim atado a si mesmo e acabando por se odiar". Mesmo o amor é um suplício, uma loucura, um desejo exacerbado que jamais pode ser satisfeito. Para Lucrécio, o inferno é o eu e todos os seus temores, é a angústia existencial. Podemos nos libertar de alguns desses temores, por exemplo, do temor de deus e da morte, mas a infernal angústia fundamental, a de existir, só desaparece com o próprio homem.

O CETICISMO DO MUNDO GRECO-ROMANO NOS SÉCULOS II E I ANTES DE NOSSA ERA

Assim, apesar das advertências de Platão, a religião tradicional continua a perder terreno para as correntes heterodoxas, do ocultismo ao panteísmo, do ateísmo prático ao ateísmo teórico. [Osório diz: que bom, pois ele era um fanático!] Os séculos IV e III são um período de confusão de crenças e descrenças, em que os limites tradicionais entre elas se tornam vagos. É difícil saber, por exemplo, qual é a opinião dos cínicos sobre os deuses. Enquanto Antístenes sustenta a unidade da divindade, Diógenes tem fama de ateu, talvez injustificada, por sua falta de respeito para com os deuses antropomorfos:

Ele tinha raciocínios como: "Tudo pertence aos deuses, ora os sábios são amigos dos deuses e, entre amigos, tudo é partilhado, logo tudo pertence aos sábios". Certa vez, ao ver uma mulher prosternada diante dos deuses e que, por isso, deixava à mostra o traseiro, quis livrá-la da superstição. Aproximou-se dela e disse: "Ó, mulher, não temes que por acaso o deus esteja atrás de ti (já que tudo está repleto de sua presença) e que lhe mostres assim um espetáculo indecente?". Postou um gladiador perto do Asclepeion [Osório diz: tempo do deus Asclépio] com a missão todos aqueles que se prosternassem de boca no chão.44 44

A atitude provocadora de Diógenes, que zomba dos deuses, dos mistérios, da providência e das superstições, aproxima-o sem dúvida das concepções panteístas tradicionais. Nesse sentido é que Maria Daraki interpreta a anedota relatada por Diógenes Laércio: "Tendo Platão definido [61] o homem como um animal de dois pés sem plumas, e tendo o auditório aprovado a definição, Diógenes levou a sua escola um galo depenado e declarou: 'Eis o homem, segundo Platão".4545 Isso simbolizaria a oposição entre o platonismo, que, tendo separado o sagrado do profano, pode tomar o homem, dessacralizado, como objeto de estudo, e o panteísmo cínico considera um sacrilégio o estudo da natureza e, em especial, do homem que é a imagem dos deuses.

O desaparecimento dos processos por impiedade e ateísmo no fim do século IV, longe de significar o desaparecimento dessas atitudes, é uma prova de sua generalização. Tornam-se tão comuns que não chocam mais e, em Atenas, os filósofos pregam livremente o ateísmo: é o caso de Bion de Boristeno, discípulo de Teodoro, o Ateu, na primeira metade do século III, enquanto Carnéades demonstra a impossibilidade de provar a existência de Deus. Aristarco de Samos é interpelado, durante algum tempo, por causa de suas teorias astronômicas, mas ninguém ousa processá-lo por impiedade. A lei de Sófocles, filho de Anficleides, [Osório diz: não o tragediógrafo] que proibia aos filósofos de ensinar em Atenas, é revogada. No século I antes de nossa era, um tratado anônimo Sobre a política, atribuído a Hipodamos, ainda pede, inutilmente, a proibição de ensino dado por filósofos ateus.

Entre os novos pensamentoS em voga, o aristotelismo, ao mesmo tempo que afirmava a necessidade de um deus como motor primeiro do universo tem um forte tom materialista: um universo eterno, incriado, almas mortais, nenhuma vida no além. [Osório diz: essa história de “um deus como motor primeiro” ele inventou por não ter uma explicação materialista, para tapar buraco, para o movimento. É fácil jogar nas costas dos outros, mesmo que de “deus”, as responsabilidades que não são deles! Se existisse um deus ele teria dito: “Te vira, Aristóteles, não me mete nos teus becos sem saída!”].

É nesse clima de dispersão intelectual que os cultos aos deuses estrangeiros, teoricamente proibidos, estabelecem-se em grande número, vindo do Oriente e aproveitando a tolerância das autoridades romanas, que então governam Atenas. A mistura de elementos gregos, etrusco-romanos e orientais leva a uma deliquescência religiosa no decorrer dos séculos II e I antes de Cristo.

No momento em que Roma conquista a parte oriental do Mediterrâneo, há o recuo da religião tradicional, a alteração e o desprestígio dos 30 mil deuses latinos repertoriados por Varron. Mas, como observa Albert Grenier, "na verdade, não foram essas especulações novas que mataram as antigas crenças; estas morreram por si mesmas, porque não correspondiam mais ao estado intelectual e social do povo. Como não havia nada que substituir os romanos adotaram, quase por acaso, seja noções filosóficas, seja mitos e [62] cultos estrangeiros".4646 Como no mundo grego, o declínio do culto privado e público no decorrer dos séculos II e l é acompanhado de uma explosão de crenças, desde o sucesso dos cultos de mistérios até o ateísmo, diante das questões que foram deixadas sem resposta pela religião oficial.

Em 186 a.C., mais de 7 mil pessoas são envolvidas no enorme escândalo das bacanais – ao qual se seguiu um processo lento, de cinco anos, com inúmeras acusações de ateísmo.47 47 Com a conquista da Grécia vêm o estoicismo, o epicurismo e o ceticismo eclético, favorecendo o ateísmo nos círculos aristocráticos, como o de Cipião Emiliano, frequentado por Políbio, Terêncio e Lucílio, que não são nenhum modelo de fervor religioso. O homem e sua psicologia estão no centro das preocupações, e os deuses são esquecidos. O vazio é preenchido, entre os intelectuais, pelo ateísmo e, no povo, pelas superstições.

Em meados do século I antes de nossa era, Lucrécio, Bruto, Cássio e Cícero são ótimas testemunhas e protagonistas do ceticismo reinante. Já falamos do primeiro. "Nem Cássio nem outro contemporâneo dele está muito convencido da existência dos deuses, ou pelo menos essa convicção é vacilante demais para influenciar a ação", como observa Albert Grenier.48 48 Às vésperas da Batalha de Filipos, segundo relata Plutarco, Cássio exprime seu ceticismo a Bruto:

Mas, de resto, dizer que existam espíritos ou anjos, e ainda que tenham existido, que tenham forma de homens, ou voz, ou poder algum que chegue até nós, não parece coisa verossímil. Quanto a mim, gostaria que existissem, para que tivéssemos confiança, não somente em tão grande número de armas navios e naus, mas também no socorro dos deuses, posto que somos autores e defensores de belíssimos, santíssimos e virtuosíssimos atos.49 49

No que diz respeito a Cícero, o grande tratado que consagra à questão religiosa, Da natureza dos deuses, é um reflexo da grande quantidade de opiniões sobre o assunto e do ceticismo que resulta dele. "Quando se vir quanto os homens mais doutos se dividiram sobre essa questão, haverá, a menos que me engane, com que fazer duvidar até mesmo aqueles que creem ter [63] encontrado algo de certo".50 50 No tratado, escrito em forma de conversação, Cota assume o ponto de vista dos descrentes: "Tenho dificuldade de impedir certos pensamentos que de tempos em tempos me perturbam e me fazem quase incrédulo a esse respeito".51 51 [Osório diz: tal qual Édipo antecipou Freud no “complexo de Édipo”, Cota, personagem de Cícero, antecipa Nietzsche quanto “o homem não pensa, o pensamento é quem pensa o homem”!]  Epicuro, continua ele, teria dito que é difícil negar a existência dos deuses: "Sim, em público; mas em particular, como fazemos aqui, nada é mais fácil". [Osório diz: o medo faz confirmar a existência! Tortura dói!].

No entanto, a questão é ainda muita obscura, provavelmente além de nossa compreensão:

Se me perguntarem o que é Deus, farei com vocês como fez Simônides com o tirano Hieron, que lhe fez a mesma pergunta. Primeiro ele pediu um dia para pensar; no dia seguinte, mais dois dias; e como toda vez esquecia quantos dias tinha pedido, Hieron quis saber a causa. "Porque", respondeu ele, "quanto mais reflito, mais a coisa me parece obscura".52 52 [Osório diz: paradoxo da razão. Ela o criou, mas depois não sabe explicar sua criação, pois as explicações propostas fazem água, são refutáveis, são contraditórias].

Veleio, que defende o ponto de vista da fé, desenvolve outro argumento  clássico: todos os povos têm uma ideia de deus impressa em sua alma; "ora, todo julgamento da natureza, quando é universal, é necessariamente verdadeiro. E preciso reconhecer portanto que há deuses". Cota contesta esse universalismo: "Estou persuadido de que há muitos povos suficientemente brutos para não ter a mínima ideia dos deuses".53 53 Diágoras, Teodoro, o Ateu, os ímpios: não são todos prova de que a ideia de deus não é universal? E diante do grande número e da diversidade das crenças, como não seríamos céticos? "Muitos se espantam que um arúspice [Osório diz: “Arúspice era um antigo sacerdote romano que adivinhava o futuro mediante o exame das entranhas das vítimas.” Fonte: Wikipedia.] olhe para outro sem rir, mas o que mais me espanta é que vocês [os crentes] consigam conter o riso quando vários de sua seita se reúnem."54 54

O ATEÍSMO ANTIGO E SEUS LIMITES

É nesse clima de ceticismo generalizado que aparece o cristianismo percebido durante muito tempo como uma forma de ateísmo. Há dois mil anos, o limite entre crença e descrença era tão vago e impreciso quanto em [64] nossos dias. Entre o total ateísmo teórico de certos filósofos e a proliferação das superstições populares, centenas de seitas, religiões, escolas de pensamento espiritualistas e materialistas dividem entre si o mercado da crença. Mithra, ísis, Osíris, Serápis, Cibele, Júpiter e dezenas de outros convivem com as crenças astrológicas e mágicas, com o monoteísmo judeu, as doutrinas epicurista, estoica, platônica, neoplatônica, cínica e cética. Nessa cacofonia, a religião greco-romana oficial não passa de um quadro formal e cívico, cujos templos e cerimônias ainda marcam a paisagem, porém mais à maneira de um cenário do que propriamente como uma verdade reconhecida. Sacerdotes, áugures e vestais têm seu papel, mas ele é amplamente laicizado. Quanto à massa do povo, ela escuta os adivinhos e vive ao ritmo de suas incontáveis superstições, numa situação muito semelhante ao ateísmo prático, de tanto que o sentimento do divino havia se degradado.

O mundo mediterrânico parece ter chegado ao relativismo religioso e a uma total liberdade de crença. A religião oficial tradicional não tem mais condições de assegurar um mínimo de controle sobre a fé. A tolerância com as opiniões religiosas reina nessa Torre de Babel, em que nenhum valor universal é unanimemente reconhecido. Essa situação é muito semelhante à que vivemos hoje: explosão das crenças, relativismo, perda dos valores e dos referenciais nacionais e culturais, religião à la carte, [Osório diz: faça seu pedido olhando o nosso cardápio. Tem muitas opções. Fique à vontade] predominância da ação e da busca das satisfações individuais imediatas, religião tradicional (a do panteão greco-romano dois mil anos atrás, o cristianismo hoje) relegada a um estado de tradição formal, ou até mesmo de folclore, angariando ainda muitos fiéis, porém incapaz de orientar a cultura e influir nas escolhas da sociedade.

Como é que esse caos ético-religioso, fonte de ceticismo desencantado, não acarretou um naufrágio generalizado da religião, da crença em deus(es), e uma generalização do ateísmo? Por que a descrença não se impôs quando todas as condições culturais eram excepcionalmente favoráveis? Havia explicações ateias do mundo à disposição; Lucrécio havia acabado de expor uma visão racional – para a época – do universo. Por que, no fim das contas, seguir são Paulo e postergar dois mil anos a questão, à qual, hoje mais uma vez nos confrontamos? Deixemos de lado as explicações de tipo sobrenatural e providencialista, que só têm valor no sistema das crenças. Por que, da variedade de crenças propostas, os homens seguem na direção a solução aparentemente mais absurda, a de um deus todo-poderoso que se faz homem para morrer numa cruz e ressuscitar?

A acolhida reservada a São Paulo em Atenas, por volta do ano 50, quando ele vai para lá para pregar sua doutrina, é reveladora. O apóstolo desperta [65] curiosidade a princípio, sobretudo entre os filósofos estoicos e epicuristas, sempre abertos às novidades, mas um tanto entediados diante do afluxo de novas seitas orientais. Dão atenção a suas explicações até o momento em que saem daquilo que é racionalmente aceitável: a ressurreição dos mortos. O trecho dos Atos dos Apóstolos que relata o episódio é instrutivo. Paulo se dirige à multidão, na ágora:

Havia até filósofos epicuristas e estoicos que conversavam com ele. Alguns diziam: "O que quer dizer essa tagarelice?". E outros: "Deve ser um pregador de divindades estrangeiras". Com efeito, Paulo anunciava Jesus e a ressurreição. Eles o pegaram consigo e o conduziram até o Areópago. "Podemos saber" perguntaram eles, "que nova doutrina é essa que expões? Tu nos enches os ouvidos com palavras estranhas, e gostaríamos muito de saber o que querem dizer." É preciso que se diga que todos os habitantes de Atenas e todos os estrangeiros residindo na cidade passavam a maior parte do tempo contando ou escutando as últimas novidades. De pé, no meio do Areópago, Paulo tomou a palavra.55 55

Ele expõe as grandes linhas de sua doutrina e chega ao ponto crucial:

E eis que Deus, sem levar em conta esses tempos de ignorância, anuncia agora aos homens que todos, em todos os lugares, devem se converter. Com efeito, ele fixou um dia em que deve julgar o mundo com justiça, pelo homem que ele designou, como deu garantia a todos, ressuscitando-o dentre os mortos. Quando ouviram as palavras "ressurreição dos mortos", uns começaram a zombar, outros declararam: "Nós te ouviremos sobre isso em outra ocasião" Foi assim que Paulo os deixou.56 56

O paulinismo é rejeitado por causa da imagem indigna que oferece da divindade e também da contradição que existe entre esse deus e a razão humana. Esses filósofos aceitam a ideia de um deus, mas um deus que se rebaixa ao nível dos homens é indigno do absoluto divino e se, ainda por cima, contradiz as leis da natureza, torna-se inverossímil. Eis por que durante muito tempo, os cristãos foram considerados ateus no mundo pagão, sobretudo entre os intelectuais. O termo é empregado com frequência na época das perseguições, num amálgama que pode parecer surpreendente: [66] segundo Luciano, cristãos e epicuristas, confundidos sob o rótulo de ateus são vítimas de revoltas populares provocadas pelos oráculos, que os denunciam como responsáveis pela ira dos deuses. "Antes do édito de Décio", lembra Robin Lane Fox, "as cidades tomaram iniciativa de promulgar seus próprios decretos e acusações contra os cristãos: temiam, ou lhes era sugerido que temessem, aqueles 'ateus' que não participavam dos cultos que desviavam a ira dos deuses".57 57

O termo "ateu" é suscetível de interpretações diversas, correspondendo em particular às duas grandes categorias que distinguimos anteriormente. O ateísmo prático, no nível do comportamento, pode referir-se a todos aqueles cuja moral não é conforme às normas dominantes. Essa acepção predomina no povo. Porfirio foi seu porta-voz: "Toda vida leviana é cheia de servidão e irreligiosidade: ela é ateia, portanto, e desprovida de justiça, porque nela o espírito é impregnado de irreligiosidade e, por conseguinte, de injustiça".58 58

Para os filósofos, ao contrário, como ilustra o episódio de São Paulo em Atenas, é ateia toda doutrina que oferece uma concepção degradante da divindade. O deus dos filósofos tem exigências racionais que não correspondem ao deus da revelação. [Osório diz: razão e revelação não andam juntas! São incompatíveis] Para epicuristas e estoicos, os cristãos, com seu deus feito homem, são ateus. Cornelio Fabro escreveu:

Se, antes de mais nada, ateísmo significa negação direta de Deus, então ele consiste em primeiro lugar, e sobretudo, no fato de admitir uma noção de Deus que o anule enquanto Deus e o rebaixe diante de sua majestade. [Osório diz: esta aí um bom argumento para o “ser” e “não-ser” ao mesmo tempo! Entretanto, o cara tenta salvar o que não tem salvação! A pessoa não diz que existe para negar (“admite uma noção de Deus”) simplesmente diz que aquele discurso que diz que existe deus não é racional, logo, não existe, não pode ser admitido enquanto discurso. Sequer se entra na existência de deus! Na verdade o tal Corno quer “colar o nome à coisa”!] É exatamente esse o julgamento que os maiores filósofos gregos fazem das divindades da mitologia popular e do Estado; é exatamente essa também, pela lei dos contrários, a condenação que fazem do cristianismo.59 59

Além do mais, como expõe o cético grego Sexto Empírico em suas Hypotyposes pyrrhoniennes [Hipóteses pirronistas], acreditar na providência é uma verdadeira impiedade, em razão da existência do mal, pois é supor ou que esse deus permite voluntariamente que se faça o mal, e nesse caso ele é mau, ou que é incapaz de impedi-lo, e nesse caso não é deus. Daí o paradoxo segundo o qual os que afirmam a existência de deus são ímpios para não dizer ateus: [67] [Osório diz: a ideia de um deus na forma que é posta pelos cristãos, por exemplo, é contraditória!].

Aqueles que afirmam com segurança que deus existe caem necessariamente na impiedade. De fato, dizendo que deus é a providência de todas as coisas, são forçados a declarar que deus é a causa dos males; por outro lado, se dissessem que ele não é providência de coisa alguma, conviriam necessariamente que deus não é nem mau nem impotente, ao passo que o contrário disso constituiria uma impiedade evidente.60 60

Para voltar à nossa questão central – por que é que o ateísmo não saiu vencedor da confusão religiosa que se instalou no mundo romano durante o século I? –, devem os levar em conta justamente essa confusão, em que os termos "ateu" e "crente" perdem seu sentido estrito. O cristianismo, que vai se impor lentamente, é percebido na época como uma variante do ateísmo: ateísmo moral por causa da conduta estranha de seus fiéis, ateísmo teórico por sua concepção degradante de deus aos olhos dos filósofos.

É verdade que existiam então muitas outras formas de ateísmo, ainda que os historiadores das ideias variem em suas classificações. Segundo Cornelio Fabro:

Devemos considerar no mundo grego ao menos três formas de ateísmo. Em primeiro lugar, o ateísmo supersticioso e político, isto é, os deuses como forças do mundo e da história; em segundo lugar, o ateísmo do qual foram acusados os filósofos, ou mais exatamente aqueles poucos dentre os grandes filósofos que rejeitaram a religião como indigna em razão das forças da natureza ou dos interesses da política; ora, é evidente que estes não eram ateus por si mesmos, mas podiam ser deístas autênticos, como, por exemplo, Platão, Aristóteles e outros mais. Enfim, parece que ateus declarados radicais, segundo as listas que chegaram até nós, não faltaram.61 61

Anton Anwander, por sua vez, distingue sete formas de ateísmo antigo:

A descrença prática das pessoas incultas; [Osório diz: se for culta não é ateu? O inculto não pode crer?] a autoglorificação do Estado, que exigindo sacrifícios ao imperador, coloca o homem no lugar de Deus; a substituição da fé em Deus pela fé no destino com traços ora heroico-fatalistas, ora astrológico-mágicos; a destruição da fé em Deus pela razão, mas que prefere uma reinterpretação dos velhos mitos a uma negação radical de Deus; a dúvida e o desespero diante da necessidade da consciência num mundo em má situação; [68] a recusa tinhosa de toda e qualquer atitude independente com relação aos problemas mais elevados, estigmatizada como ateísmo e impiedade.62 62

Assim a Antiguidade conheceu, se não todas, pelo menos um grande número de formas possíveis de ateísmo; e, durante os séculos cristãos, foi para elas que se voltaram todos os contestadores antirreligiosos, todos os defensores do materialismo e do ateísmo. Portanto, se perguntarmos não por que o cristianismo venceu questão examinada inúmeras vezes pelos historiadores da religião –, mas sim por que o ateísmo, em uma de suas formas, não se impôs quando as condições pareciam tão favoráveis, parece que temos de levar em conta o caráter híbrido de todas essas formas de descrença. [Osório diz: o ateu não sai pelo mundo pregando sua descrença! Não saqueia, pede, aceita o roubo para promover sua descrença. Não faz inquisição para punir os crentes. Não cria escolas e hospitais para, disfarçadamente, pregar o seu “(des)credo”].

O verdadeiro ateísmo teórico puro é extremamente raro na época. A enumeração mostra bem: a cada forma de ateísmo está ligada certa forma de crença religiosa ou irracional, e bem poucos desses ateísmos se pensam como ateísmo. Ao contrário, estão prontos a acusar os outros de impiedade e de ateísmo. Longe de reivindicar o título, apresentam-se cada qual como a forma mais autêntica da piedade. Como vimos, até mesmo Sexto Empírico considera, por exemplo, que o ceticismo é a única forma aceitável da piedade, pois não restringe os deuses aos limites das definições e dos dogmas. Os deuses existem, diz ele em substância, mas não sabemos o que a palavra "deus" significa, e não podemos demonstrar a existência deles:

Posto que os dogmáticos dizem ora que deus é corpóreo, ora que é incorpóreo, que uns dizem que ele é feito à imagem do homem e outros não, que uns o situam no espaço e outros não, e que, entre os que o situam no espaço, alguns o situam dentro e outros fora do mundo, como é que podemos formar a ideia de deus, já que não há concordância nem quanto a sua essência, nem quanto a sua forma, nem quanto ao espaço que ele habita? Que os dogmáticos comecem entrando em acordo e tendo todos a mesma opinião sobre a essência de deus. [...] A existência de deus não é óbvia. Se ele fosse apreensível por nossos sentidos, os dogmáticos concordariam em dizer o que ele é, qual ele é e onde habita.63 63 [69] [Osório diz: camisa de força nos dogmáticos].

Falta conteúdo ao ateísmo antigo. Mesmo quando conserva certa noção de deus, como no caso do epicurismo, ele é sentido externamente como uma forma de impiedade entre outras; jogando ao mesmo tempo com a crença e a racionalidade, ele não é percebido como radicalmente diferente. O ateísmo integral, tal como o concebemos hoje, tem necessidade de um aparato científico e conceitual que a cultura da época não podia oferecer.

Como a religião, o ateísmo varia de acordo com o tipo de civilização do qual é uma das facetas. Do mesmo modo que não há religião universal e imutável, não existe ateísmo universal e imutável. O ateísmo antigo compartilha as concepções cosmológicas e filosóficas da Antiguidade, que ainda não lhe permitem apresentar uma explicação global crível de um universo sem deus. Ele só pode relegar os deuses a um papel totalmente passivo, ou transformá-los em alma do mundo, impessoal e material. Situando-se num terreno religioso, continua a ser sentido como uma contrarreligião. Até que rompa com essa lógica, o ateísmo conservará uma imagem   pejorativa ligada à impiedade.

Além do mais, a evolução do poder político romano, com a divinização do imperador, a criação do culto de Roma e de Augusto e a restauração da religião tradicional por este último, não caminha de modo algum para uma secularização da sociedade. O Império precisa de uma religião e da submissão ao poder. Ele encontrará isso no cristianismo, religião que, sublimando a submissão política na submissão a Deus, segundo a análise de Maria Daraki é perfeitamente adaptada às necessidades sociopolíticas do Baixo Império. [70]



[1] Decloux, Les athéismes et la théologie trinitaire. À propos d'un livre récent, Nouvelle Revue Théologique, v.117, n.1, jan./fev. 1995, p. 112.

[2] 2 Clévenot (org.), L'État religieux du monde, p. 495.

[3] 3 Le Bras, Lumen Vitae, p. 20.

[4] 4 Hourdin, Conversions du christianisme à l'athéisme. In: Girardi; Six (orgs.), ĽAthéisme dans la vie et la culture contemporaines, t.I, p.392.

[5] 5 Gênesis 11,1-9. [Trad. Bíblia de Jerusalém. 6.ed. são Paulo: Paulus, 2010. N. E.]

1 1 Lubac, Lorigine de la religion. In: Kologrivof (org.), Essai d'une somme catholique contre les sans-Dieu

2 2 Spencer, Principles of Sociology.

3 3 Lang, The Making of Religion

4 4 Schmidt, Ursprung der Gottesidee. Eine historisch-kritische und positive Studie

5 5. Spencer; Gillen, The Northern Tribes of Central Australia; Nieuwenhuis, De Mensch in de werkelijkheid; Volz, Im Dammer des Rimba; Tessmann, Preussische Jahrbücher.

6 6 Durkheim, Les Formes élémentaires de la vie religieuse, p.601

7 7 Ibid., p.599

8 8 Ibid., p.593

9 9 Ibid., p.598.

10 10 Codrington, The Melanesians.

11 11 Lehmann, Mana: eine begriffsgeschichtliche Untersuchung auf ethnologischer Grundlage.

12 12 Gusdorf, Mythe et métaphysique, p.89.

13 13 Bergson, Les Deux sources de la morale et de la religion, p.185.

14 14 Ibid.

15 15 Ibid., p.217

16 16 Cf. Lévi-Strauss, La Pensée sauvage, p. 265.

17 17 Gusdorf, op. cit., p.144.

18 18 Eliade, Traité d'histoire des religions, p.386.

19 19 Ibid., p.32-3.

20 20 Gusdorf, op. cit., p. 67.

21 21 Ibid., p. 222.

22 22 Caillois, L'Homme et le sacré, p.30.

23 23 Brunschvicg, Religion et philosophie, Revue de Métaphysique et de Morale, 1935

24 24 Gusdorf, op. cit., p.233.

25 25 Caillois, op. cit., p.177

26 26 Lévy-Bruhl, La Mythologie primitive, p.317,

27 27 Eliade, op. cit., p. 345.

28 28 Ibid., p. 360.

29 29 Gusdorf, op. cit., p.253

30 30 Geerts, em Banton (ed.), Anthropological Approaches in the Study of Religion, p. 43.

31 31 Thomas, Religion and the Decline of Magic, p. 206. E o que mostra também Radin, Primitive Man as Philosopher.

32 32 Apud Vacant; Mangenot, Athéisme et erreurs annexes. In: Vacant et al., Dictionnaire dethéologie catholique.

33 33 Peyrefitte, Les Chinois sont-ils a-religieux? In: Delumeau et al., Homo religiosus, autour de Jean Delumeau, p.695-703

34 34 Hiorth, Réflexions sur l'athéisme contemporain, Les Cahiers Rationalistes, n.504, p.21

35 35 Garbe, Die Samkhyaphilosophie, p.253 e ss

36 36 Gonda, Die Religionen Indiens.

37 37 Rosthorn, Die Urreligion der Chineses, em Die Religionen der Erde in Einzeldarstellungen.

38 38 Wingteit-Chan, Religiöses Leben im heutige China, p. 222.

39 39 Beetke, Die Religion der Germanen in Quellenzeugnissen.

40 40 Meslier, Ouvres de Jean Meslier, t.ll p. 300.

41 41 Bloch, Atheismus im Christentum.

42 42 Eclesiastes 9,7-10.

1 1 Lenoble, Histoire de l'idée de nature.

2 2 Veyne, Les Grecs ont-ils cru à leurs mythes?

3 3 Marx, Différence de la philosophie de la nature chez Démocrite et chez Epicure.

4 4 Lange, Histoire du matérialisme et critique de son importance à notre époque.

5 5 Eusébio de Cesareia, Praep. Evang., I, VIII, 1.

6 6 Tresmontant, Le Problème de l'athéisme, p. 23.

7 7 Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker, I, p.312 e 313

8 8 Diógenes Laércio, Vies, doctrines et sentences des philosophes illustres, II, p.185.

9 9 Ibid.

10 10 Derenne, Les Procès d'impiété intentés aux philosophes à Athènes aux Ve et IVe siècles avant J.-C.

11 11 Diógenes Laércio, op. cit., I, p.105

12 12 Plutarco, Nicias. In: ________, Vies parallèles, 23.

13 13 ld., Périclès. In: ______, Vies parallèles, II e IX

14 14 Diógenes Laércio, op. cit., I, p.116.

15 15 Derenne apresentou as interpretações dos historiadores alemães sobre ele em Derenne op. cit., p. 94, nota 1.

16 16 Aristófanes, Les Nuées, versos 246, 365 e 425.

17 17 Platão, Phèdre, 229, e.

18 18 Id., Apologie, 18, b

19 19 Xenofonte, Mémorables, I, 11-4

20 20 Cf. Derenne, op. cit.; Decharme, La Critique des traditions religieuses chez les grecs; Drachmanrn Atheism in Pagan Antiquity; Jacoby, Diagoras.

21 21 Diógenes Laércio, op. cit., I, p.146

22 22 Ibid

23 23 Plutarco, Decom. nat., XXXI, 3, 1075, a.

24 24 Platão, Les lois, X, 885.

25 25 Ibid., X, 889.

26 26 Ibid., X, 890.

27 27 Ibid., X, 887.

28 28 Ibid., X, 888.

29 29 Sève, La Question philosophique de l'existence de Dieu, p. 275.

30 30 Platão, op. cit., X, 886.

31 31 Ibid., X, 908.

32 32 Ibid., X, 909.

33 33 Ibid.

34 34 Festugière, Epicure et ses dieux.

35 35 Ibid., p.72.

36 36 Hild, Aristophanes impietatis reus.

37 37 Sexto Empírico, Contre l'enseignement des sciences, IX, 17.

38 38 Von Armin (ed.), Stoicorum veterum fragmenta, III 660, 604, 661, 606 e 809.

39 39 Daraki, Une Religiosité sans Dieu. Essai sur les stociens d'Athènes et saint Augustin, p. 215.

40 40 Festugière, op. cit.

41 41 lbid., p.82.

42 42 Lucrécio, De natura rerum, III, 978-1024.

43 43 Epicuro, Letre à Ménécée, apud Diógenes Laércio, op. cit, II, p.261-2.

44 44 Diógenes Laércio, op. cit., II, p. 20.

45 45 Ibid., p. 21.

46 46 Grenier, Le Génie romain dans la religion, la pensée et l'art, p. 186-7

47 47 Tito Lívio, 39, 8 e ss.

48 48 Grenier, op. cit., p.438.

49 49 Plutarco, Brutus. In: ______, Vies parallèles, II, p.1079

50 50 Cícero, De natura deorum, I, 6.

51 51 Ibid., I, 22.

52 52 Ibid.

53 53 lbid., I, 23.

54 54 Ibid., I, 25.

55 55 Atos dos Apóstolos 17,18-21

56 56 Atos dos Apóstolos 17,30-33.

57 57 Fox, Pagans and Christians, p. 551

58 58 Harnack, Der Vorwurf des Atheismus in den drei ersten Jahrhunderten, p. 50.

59 59 Fabro, Genèse historique de l'athéisme philosophique contemporain. In: Girardi; Six (orgs.), LAthéisme dans la philosophie contemporaine, p. 34.

60 60 Sexto Empírico, Hypotyposes pyrrhoniennes, III, 11-2.

61 61 Fabro, op. cit, p. 32.

62 62 Anwander, Le problème des peuples athées. In: Girard; Six (orgs.), L’Athéisme dans la vie et culture contemporaines, t.I, v.2, p.66-7.

63 63 Sexto Empírico, op. cit., III, 3, 6.

Os Trabalhadores do Mar

 

Victor Hugo

São Paulo: Editora Nova Cultural, 2002.

Publicado originalmente como Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo.Tradução de Machado de Assis.

Rio de Janeiro: Tipografia Perseverança, 1866.

 

Algumas pérolas de Victor Hugo semeadas em “Os trabalhadores do mar”:

 

Os Trabalhadores do Mar

Victor Hugo

(Tradução de Machado de Assis)

 

PRÓLOGO

 

A religião, a sociedade, a natureza: tais são as três lutas do homem. Estas três lutas são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa crer, daí o tempo;  precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí a charrua e o navio. Mas há três  guerras nestas três soluções. Sai de todas a misteriosa dificuldade da vida. O  homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma superstição, sob a forma  preconceito e sob a forma elemento. Tríplice ananke pesa sobre nós, o ananke dos  dogmas, o ananke das leis, o ananke das coisas. Na Notre-Dame de Paris, o autor denunciou o primeiro; nos Miseráveis, mostrou o segundo; neste livro indica o terceiro.

A estas três fatalidades que envolvem o homem, junta-se a fatalidade interior, o ananke supremo, o coração humano.

Hauteville-House, março de 1866.

 

PRIMEIRA PARTE

 

O SR. CLUBIN

 

LIVRO PRIMEIRO

ELEMENTOS DE UMA MÁ REPUTAÇÃO

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

PALAVRA ESCRITA EM UMA PÁGINA BRANCA

 

Caminhava com desembaraço e viveza; e pelo andar, que mostrava não lhe ter ainda pesado a vida, conhecia-se que era moça. Tinha aquela graça fugitiva que indica a mais delicada transição, a adolescência, a mistura dos dois crepúsculos, o  princípio de uma mulher e o fim de uma menina. [Osório diz: achei linda essa transição].

 

*

 

Gilliatt.

Era este o nome dele. [Osório diz: É o grande personagem do romance e, encantador e apaixonante no seu agir. Homem honrado e digno de louvor ... e pena!]

 

CAPÍTULO II

O TUTU DA RUA

 

O diabo possui delegados por todo o mundo. É certo que Belphégor é embaixador do inferno na França, Hutgin na Itália, Belial na Turquia, Thamuz na Espanha, Martinet na Suíça e Mammon na Inglaterra. Satanás é um imperador, como um outro qualquer. Satanás César. A casa dele é muito bem servida: Dagon é o saquetário; Succor Benoth, chefe dos eunucos; Asmodeu, banqueiro dos jogos; Kobal, diretor de teatro; Verdelet, grão-mestre de  cerimônias, e Nybbas, bobo. Wierus, homem de ciência, bom estrigólogo e demonógrafo distinto, chama Nybbaso grande parodista. [Osório diz: delegados do diabo pelo mundo e seus serviçais.]

 

*

 

Os diabos Raguhel, Oribel e Tobiel foram santos, até que em 745 o Papa Zacarias, tendo-lhes tomado o faro, deitou-os fora. Para fazer tais expulsões, que são muito úteis, é necessário ser muito conhecedor de diabos. [Osório diz: encantador esse humor irônico de Victor Hugo]

 

*

 

Afeiçoara-se aos católicos e procurava freqüentá-los, o que leva a crer que o diabo é antes católico que protestante. [Osório diz: curiosa essa descoberta]

 

*

 

Uma de suas mais insuportáveis liberdades era visitar a noite os leitos conjugais católicos, quando os maridos dormiam de todo, e as mulheres, a meio. Disto resultavam equívocos. [Osório diz: curiosa essa qualificação sonífera!]

 

*

 

Dar nascimento a um Voltaire não é coisa agradável.

 

*

 

Em geral esses culpados confessavam seus crimes: eram para isso ajudados pela tortura. [Osório diz: que bela ironia!]

 

*

 

A crônica diz: “Arrebentou-lhe o ventre”. Saiu desse ventre um menino vivo; o recém-nascido rolou na fogueira, um tal House apanhou-o. O bailio, Hélier Grosselin, bom católico, mandou atirar a criança ao fogo. [Osório diz: cena tétrica! A mãe do menino estava sendo queimada por ser bruxa!]

 

CAPÍTULO III

PARA TUA MULHER, QUANDO TE CASARES

 

Aquela mulher comprou-o, evidentemente tentada pelo diabo. Ou pela barateza. [Osório diz: pobreza e diabo são iguais!]

 

*

 

Não ir a parte alguma é coisa grave. [Osório diz: sim! É o ficar que aprisiona!]

 

*

 

Foi aquele Vesúvio, que fumega além, que os expeliu de si. Dão-se nomes a esses aerólitos, a esses indivíduos expulsos e perdidos, a esses eliminados da sorte: chamam-nos emigrados, refugiados, aventureiros. Se ficam, toleram-nos: alegram-se quando eles vão embora. Algumas vezes são entes absolutamente inofensivos, estranhos, as mulheres ao menos, aos acontecimentos que os proscreveram, não tendo rancores nem cólera, projéteis contra a vontade, espantadíssimos de o serem. Enraízam-se como podem. Não fazem mal a ninguém e não compreendem o que lhes acontece. Vi um dia uma pobre moita de ervas atirada aos ares pela explosão de uma mina. A Revolução Francesa, mais do que nenhuma explosão, fez desses jatos longínquos. [Osório diz: lá em Maraã, quando eu era menino, seu Ramiro Ferreira de Matos, geralmente jogando sinuca ou baralho, falava num “Devido aos ariólites”, que nunca explicava, e, agora, mais que nunca, morto, jamais explicará, me veio à mente com os aerólitos! Seria essa a origem dos ariólites?]

 

*

 

Envelheceu a mulher. Cresceu o menino. Viviam ambos sós; todos fugiam deles, mas eles bastavam-se a si próprios. Loba e filhote lambem-se mutuamente. [Osório diz: que bela imagem! Lembrei da música “Meu guri” do Chico Buarque!]

 

CAPÍTULO IV

IMPOPULARIDAD

 

... e o responsabilizassem pela solidão em que o deixavam.

 

*

 

Comprava todos os pássaros que lhe levavam, e soltava-os.

 

*

 

Mas são exatamente os livros que a gente não lê os que mais condenam. [Osório diz: “não li e não gostei”! Sei!]

 

*

 

“Pescador, quando há peixe”.

 

*

 

... há mulheres que estariam prontas a desposar o diabo rico ... [Osório diz: entre dois diabos, um rico e um pobre, não sei se condeno a mulher que opte pelo rico!]

 

*

 

Ouve-se cantar um galo invisível, coisa extremamente desagradável. Verificou-se que a pedra foi posta ali por uns fantasmas. [Osório diz: em Maraã tem uma localidade chamda de “Canta galo”, justamente porque alguns ouviam, quando passavam por lá à meia-noite, um galo cantar! História antiga...]

 

*

 

O judicioso e sábio Rei Jacques I mandava ferver ainda vivas as mulheres dessa espécie, provava o caldo e, pelo gosto, dizia: “É feiticeira”, ou: “Não é feiticeira”.

É para lamentar que os reis hoje não tenham daqueles talentos, que faziam compreender a utilidade da instituição.

[Osório diz: ironia fina nessa descrição macabra!]

 

*

 

rabote do marceneiro. [Osório diz: rebote é plaina]

 

*

 

Uma menina da vizinhança tinha muitos piolhos; Gilliatt foi a Saint-Pierre-Port, trouxe de lá um ungüento e o esfregou à cabeça da pequena; tirou-lhe os piolhos, o que prova que foi ele quem lhos deitou. [Osório diz: em Maraã uma meio-prima minha morreu de tantos piolhos! Fazer o bem pode custar caro! Mas não desistamos.]

 

*

 

Dizia-se que Gilliatt olhava para os poços, o que é perigoso quando é mau-olhado; e o caso é que um dia, nos Arculons, a água de um poço tornou-se doentia. A dona do poço disse a Gilliatt: “Veja esta água”. E apresentou-lhe um copo cheio. Gilliatt confessou: “A água está grossa”, disse ele; “é exato”. A boa mulher, que desconfiava, disse-lhe: “Pois cure-a”. Gilliatt perguntou-lhe se ela tinha algum curral, se o curral tinha esgoto, e se o rego do esgoto passava perto do poço. A boa mulher disse que sim. Gilliatt entrou no curral, desviou o rego do esgoto, e a água do poço ficou boa. Ora, pensava a gente da terra, nenhum poço fica insalubre, nem é curado depois, sem motivo; a doença do poço não é natural; é difícil não acreditar que Gilliatt tenha enguiçado a água. [Osório diz: pagando o bem com o mal! É tudo tão visivelmente simples!]

 

*

 

Nas aldeias, colhem-se os indícios, comparam-se: o total faz a reputação de um homem. [Osório diz: não interessando muito se tais indícios coincidem entre si! “Precisa-se de ‘convicção e certeza’, de provas, não”!]

 

*

 

Um dia um pobre homem batia num asno, que tinha empacado. Deu-lhe algumas tamancadas na barriga, o animal caiu. Gilliatt correu para levantá-lo, estava morto. Gilliatt esbofeteou o pobre homem. [Osório diz: que malvado esse Gilliatt!]

 

*

 

Noutra ocasião, vendo um rapaz descer de uma árvore com um ninho de passarinhos ainda implumes, Gilliatt tirou o ninho do rapaz, e levou a crueldade ao ponto de restituí-lo ao seu lugar na árvore.

Uns viandantes censuraram-no por isto: Gilliatt não fez mais do que apontar para o pai e a mãe dos passarinhos, que guinchavam por cima da árvore e voltavam para o ninho. Tinha queda pelos pássaros. É um sinal esse que faz conhecer geralmente os bruxos. [Osório diz: com atitudes como essa, realmente, só podia ser um bruxo. Se fosse hoje, então...]

 

*

 

Os rapazes gostam de tirar os ninhos de cotovias e goelanos no penedio das costas. Trazem consigo grande porção de ovos azuis, amarelos e verdes, para armar com eles a frente das lareiras. Como os penedos estão a pique, aconteceu-lhes às vezes escorregarem, caírem e morrerem. Nada mais lindo que uma varanda adornada com ovos de pássaros do mar. Gilliatt já não sabia que inventar para fazer mal aos rapazes. Trepava, com risco de vida, ao cimo das rochas marinhas, e pendurava aí molhos de feno, com chapéus velhos em cima e tudo quanto pudesse servir de espantalho, para arredar os pássaros e, por conseqüência, as crianças.

Por tudo isto Gilliatt ia sendo a pouco e pouco odiado por todos. Não precisava tanto para sê-lo. [Osório diz: claro!]

 

CAPÍTULO V

OUTROS PONTOS AMBÍGUOS DE GILLIATT

 

Quando uma mulher tem, do mesmo homem, sete filhos machos consecutivos, o sétimo é marcou. Mas, para isso, é necessário que nenhuma filha venha interromper a série dos rapazes.

O marcou tem uma flor-de-lis impressa em uma parte do corpo, donde resulta que aproveita tanto aos escrofulosos como aos reis da França. Na França há marcous em toda parte, especialmente na província de Orléans. Cada aldeia do Gâtinais  tem o seu marcou. Para curar os doentes basta que o marcou sopre nas chagas ou lhes faça tocar a flor-de-lis. O remédio é eficaz, principalmente quando aplicado na noite de Sexta-Feira Maior. Há uma dezena de anos, o marcou d'Ormes, no Gâtinais, apelidado o Formoso Marcou, e consultado por toda a Beauce, era um tanoeiro, chamado Foulon, que tinha cavalo e carruagem. Para pôr cobro aos seus milagres foi preciso intervir a polícia. Tinha ele a flor-de-lis embaixo do peito esquerdo. Outros marcous têm-na em lugar diverso.

marcous em Jersey, em Aurigny e em Guernesey. Parece que isto procede dos direitos que tem a França sobre o ducado da Normandia. A não ser assim, por que haveria ali a flor-de-lis?

Como há também nas ilhas da Mancha muitos escrofulosos, os marcous são necessários. [Osório diz: marcous...]

*

 

escrofulosos [Osório diz: “Que ou o que apresenta escrófulas. Escrófula: Doença crônica e hereditária das glândulas linfáticas em que se alteram os fluidos que contêm, formando tumores que se podem ulcerar”.]

parei aqui

*

 

Para curar os doentes

 

*

 

Gilliatt ria às vezes como os outros homens.

 

*

 

Os que se obstinavam em crê-lo filho do diabo (cambiou) enganavam-se, evidentemente. Deviam saber que só os há na Alemanha. Mas o Vale e Saint-Sampson eram há cinqüenta anos países ignorantes.

 

*

 

no campo, quanto mais suspeito é o médico, mais eficaz é o remédio que ele dá.

 

*

 

panarícios

 

*

 

Os menos benévolos convinham em que Gilliatt era excelente diabo para os doentes, quando se tratava de seus remédios ordinários; mas, como marcou, não queria ouvir nada: se algum escrofuloso pedia-lhe para tocar a flor-de-lis, a resposta de Gilliatt era fechar-lhe a porta na cara; recusava fazer milagres, coisa ridícula em um feiticeiro. Não sejas feiticeiro, mas, se o és, faze o teu oficio.

 

CAPÍTULO VI

A PANÇA

 

Tinha entre os olhos a soberba ruga vertical do homem audacioso e perseverante.

 

*

 

O riso era pueril e delicioso.

 

*

 

Entretanto, Gilliatt, tisnado pelo sol, era quase negro. Não se afronta impunemente o oceano, a tempestade e a noite; aos trinta anos, mostrava 45. Tinha a sombria máscara do vento e do mar.

 

*

 

Finório.

 

*

 

Diz uma fábula da Índia: “Um dia Brama perguntou à Força: ‘Quem é mais forte que tu?’ A Força respondeu: ‘É a Astúcia’” Diz um provérbio chinês: “Quanto não poderia o leão, se fosse macaco?”

 

*

 

A solidão faz homens de talento ou idiotas. Gilliatt tinha os dois aspectos. Às vezes mostrava o ar espantado, de que falamos, e dissera-se um bruto. Outras vezes mostrava uma certa profundidade no olhar. A antiga Caldéia teve homens assim: a certas horas, a opacidade do pastor tornava-se transparente e deixava ver o mago.

 

*

 

É provável que estivesse no limite que separa o sonhador do pensador.

 

*

 

À força de trepar aos rochedos, de escalar os declives, de navegar no arquipélago, qualquer que fosse o tempo, de manobrar a primeira embarcação que aparecesse, de arriscar-se dia e noite nos canais mais difíceis, tornou-se, sem tirar lucro disso, e só por fantasia e satisfação, um admirável homem do mar.

 

*

 

Pescava muito peixe, mas afirmava-se que o galho de nespereira estava sempre atado à chalupa. Ninguém o viu nunca, mas toda a gente acreditava.

Não vendia, dava o peixe que lhe sobrava.

Os pobres aceitavam o peixe, sem deixarem de lhe querer mal por causa do ramo embruxado. Não se deve trapacear com o mar. [Osório diz: Lula]

 

*

 

calafate,

 

 

CAPÍTULO VII

CASA EMBRUXADA, MORADOR VISIONÁRIO

 

Havia talvez nele a ligação do alucinado e do iluminado. A alucinação entra na cabeça de um campônio como Martin, do mesmo modo que na cabeça de um rei como Henrique IV. O Desconhecido faz surpresas ao espírito do homem. Rasga-se bruscamente a sombra, deixa ver o invisível; depois fecha-se. Tais visões são às vezes transfiguradoras; de um condutor de camelos faz Maomé, de uma cabreira faz Joana d'Arc. A solidão desprende uma certa quantidade de desvario sublime. É o fumo da sarça ardente. Resulta daí um misterioso estremecer de idéias: o doutor dilata-se até o vidente, o poeta até o profeta; resulta Horeb, Cédron, Ombos, a embriaguez do louro mastigado da Castália, as revelações do mês Busion; resulta Peléia em Dodona, Femônoe em Delfos, Trofônio em Lebadéia, Ezequiel no Kebar, Jerônimo na Tebaida. Na maior parte dos casos o estado visionário abate o homem, e o embrutece. O embrutecimento sagrado existe. O faquir carrega a sua visão, como o habitante alpino a sua papeira. Lutero falando aos diabos no celeiro de Wurtemberg, Pascal tapando o inferno com o biombo de seu gabinete, o obi negro, dialogando com o deus branco chamado Bossum, é o mesmo fenômeno diversamente produzido, segundo a força e a dimensão de cada cérebro. Lutero e Pascal são e ficam sendo grandes; o obi negro é imbecil.

 

*

 

transparências vivas.

 

*

 

A cisma, que é o pensamento no estado nebuloso

 

*

 

Nada sobrenatural; mas a continuação oculta da natureza infinita.

 

 

CAPÍTULO VIII

A CADEIRA GILD-HOLM 'UR

 

Era pérfida a tal cadeira. A gente ia insensivelmente arrastada até ali pela beleza da vista; parava por amor da perspectiva

 

*

 

o abismo tem destas atenções, desconfia sempre da sua cortesia

 

*

 

escuma

 

*

 

letargo do êxtase.

 

*

 

Em certos pontos, a certas horas, contemplar o mar é sorver um veneno. E o que acontece, às vezes, olhando para uma mulher.

 

LIVRO SEGUNDO

MESS LETHIERRY

CAPÍTULO PRIMEIRO

VIDA AGITADA E CONSCIÊNCIA TRANQÜILA

 

Demais, em assunto de amor ou namoro, tinha ele uma boa filosofia rústica, uma ciência de marinheiro: apanhado sempre, encadeado nunca.

 

*

 

Apóstrofe

 

*

 

ouçãos

 

CAPÍTULO III

A VELHA LÍNGUA DO MAR

 

CAPÍTULO IV

VULNERABILIDADE POR AMOR

 

LIVRO TERCEIRO

DURANDE E DÉRUCHETTE

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

GARRULICE E EFLÚVIOS

 

uma calhandra.

 

*

 

A tagarelice serve para descansar de falar.

 

*

 

Que desespero na floresta se não houvesse o colibri! Exalar alegrias, irradiar venturas, possuir no meio das coisas sombrias uma transudação de luz, ser o dourado do destino, a harmonia, a gentileza, a graça, é favorecer-te. A beleza basta ser bela para fazer bem. Há criatura que tem consigo a magia de fascinar tudo quanto a rodeia; às vezes nem ela mesmo o sabe, e é quando o prestígio é mais poderoso; a sua presença ilumina, o seu contato aquece; se ela passa, ficas contente; se pára, és feliz; contemplá-la é viver; é a aurora com figura humana; não faz nada, nada que não seja estar presente, e é quanto basta para edenizar o lar doméstico; de todos os poros sai-lhe um paraíso; é um êxtase que ela distribui aos outros, sem mais trabalho que o de respirar ao pé deles. Ter um sorriso que — ninguém sabe a razão — diminui o peso da cadeia enorme arrastada em comum por todos os viventes, que queres que te diga? é divino. Déruchette tinha esse sorriso. Mais ainda, era o próprio sorriso. Há alguma coisa mais parecida que o nosso rosto, é a nossa fisionomia; e outra mais parecida que a nossa fisionomia, é o nosso sorriso.

 

*

 

CAPÍTULO II

A ETERNA HISTÓRIA DA UTOPIA

 

Neste arquipélago puritano onde a rainha da Inglaterra foi censurada por violar a Bíblia[i] narcotizando-se para dar à luz, o navio a vapor teve como primeiro cumprimento o ser batizado com este nome: Devil-Boat Navio-Diabo.

 

*

 

A esses bons pescadores de então, outrora católicos, agora calvinistas, e sempre beatos, pareceu-lhes aquilo o inferno flutuante. Um pregador da terra tratou da questão: “Temos nós o direito de fazer trabalhar juntos o fogo e a água que Deus separou?[ii] Aquele animal de ferro e fogo não era a imagem de Leviatã? Não era isso refazer o homem, a seu modo, o primitivo caos? Não é a primeira vez que acontece qualificar a ascensão do progresso de retrogradação ao caos.

 

*

 

Idéia louca, erro grosseiro, absurdo”: tal foi o veredicto da Academia das Ciências consultada por Napoleão no começo deste século, acerca do vapor.

 

*

 

Os pescadores de Saint-Sampson têm desculpa de se acharem, em matéria científica, ao nível dos geômetras de Paris; e, em matéria religiosa, uma pequena ilha como Guernesey não tem obrigação de ser mais ilustrada que um grande continente como a América. Em 1807, quando o primeiro navio de Fulton, patrocinado por Livingston, provido da máquina de Watt mandada da Inglaterra, e tripulado, além da equipagem, por dois franceses, somente, André Michaux e outro, fez a sua primeira viagem de Nova York a Albany, deu-se o caso de acontecer isso no dia 17 de agosto. Esta coincidência deu origem a que o metodismo tomasse a palavra, e em todas as capelas os pregadores amaldiçoaram a máquina, declarando que o número dezessete era o total das dez antenas e das sete cabeças da besta do Apocalipse. Na América invocava-se contra o vapor a besta do Apocalipse; na Europa a besta do Gênesis. Nisto consistia toda a diferença.

 

[Osório diz: O vapor]

 

*

 

Só ele podia concebê-la na qualidade de livre pensador, e realizá-la na qualidade de marinheiro atrevido.

 

CAPÍTULO III

RANTAINE

 

Morava aí, com a mulher e o filho, uma espécie de burguês bandido, antigo escrevente de tabelião no Châtelet, e ao depois ladrão descarado.

 

*

 

Túmulos de São Denis, por Treneuil

 

*

 

Aos homens de boa têmpera arruína-se a fortuna, não a coragem. Começava-se então a falar do vapor. Lethierry teve a idéia de tentar a máquina de Fulton [Osório diz: Robert Fulton foi um engenheiro e inventor estadunidense que é amplamente creditado com o desenvolvimento do primeiro barco a vapor comercialmente bem sucedido. Em 1800, ele foi contratado por Napoleão Bonaparte para projetar o Nautilus, que foi o primeiro submarino prático na história.]

 

 

CAPÍTULO IV

CONTINUAÇÃO DA HISTÓRIA DA UTOPIA

 

maravilha disforme

 

CAPÍTULO V

O NAVIO-DIABO

 

 

CAPÍTULO VI

LETHIERRY ENTRA NA GLÓRIA

 

Em Guernesey não se pode ser gentleman da noite para o dia. Há uma escala entre o homem e o gentleman; o primeiro degrau é o nome simplesmente, Pedro, suponhamos; depois, vizinho Pedro; terceiro degrau, pai Pedro; quarto degrau, Senhor (Sieur) Pedro; quinto degrau, Mess Pedro; último degrau, gentleman (Monsieur) Pedro.

 

*

 

Esta escada, que sai da terra, interna-se pelo céu acima. Entra nela toda a hierarquia inglesa. Eis os degraus mais luminosos; acima de senhor (gentleman) há esq. (escudeiro), acima de esq., o cavalheiro (sir vitalício), depois o baronete (sir hereditário), depois o lorde (laird na Escócia), depois o barão, depois o visconde, depois o conde (earl na Inglaterra, jarl na Noruega), depois o marquês, depois o duque, depois o par da Inglaterra, depois o príncipe de sangue real, depois o rei. Esta escada sobe do povo à burguesia, da burguesia ao baronato, do baronato ao pariato, do pariato à realeza.

 

*

 

Novazinha

 

CAPÍTULO VII

O MESMO PADRINHO E A MESMA PADROEIRA

 

nome: Marianne.

— Lindo nome, realmente — disse Mess Lethierry —, mas composto de dois animais bem ruins, um mari (marido) e um âne (asno).

 

*

 

As rudezas amam as delicadezas.

 

CAPÍTULO VIII

A MELODIA BONNY DUNDEE

 

mogno,

 

*

 

Mas nós não temos nada com isto.

 

*

 

revocação do Edito de Nantes

 

CAPÍTULO IX

O HOMEM QUE ADIVINHOU QUEM ERA RANTAINE

 

Uma das coisas que mais recomendaram o Sr. Clubin a Mess Lethierry foi que, conhecendo ou penetrando Rantaine, assinalou a Mess Lethierry a improbidade daquele homem, e disse-lhe: Rantaine há de roubá-lo”.

 

CAPÍTULO X

NARRATIVAS DE VIAGENS DE LONGO CURSO

 

“Bom paizinho”, dizia ela, “está cheirando a alcatrão”.

 

*

 

No Chile viu uma bugia comover os caçadores apresentando-lhes o filho.

 

*

 

No Rio de Janeiro, viu as senhoras brasileiras colocarem nos cabelos pequenas bolas de gaze contendo cada uma delas um vaga-lume, o que lhes fazia uma coifa de estrelas.

[Osório diz: o uso de exemplos em livros. Como quero fazer em “Maraã: a esquina da verdade”]

 

*

 

No rio Arinos, afluente do Tocantins, nas matas virgens do norte de Diamantina, verificou a existência do terrível povo-morcego, os murcilagos, homens que nascem com os cabelos brancos e os olhos vermelhos, habitam os bosques sombrios, dormem de dia, acordam de noite e pescam e caçam nas trevas, vendo melhor do que quando há lua.

 

*

 

Estas histórias verdadeiras assemelhavam-se tanto a histórias da carochinha que divertiam Déruchette.

 

*

 

Era uma acha de lenha esforçando-se por ser moça bonita.

 

CAPÍTULO XI

LANCE DE OLHOS AOS MARIDOS EVENTUAIS

 

Queria de um lance prover as duas filhas. Queria que o companheiro de uma fosse o piloto da outra. Que é um marido? É o capitão de uma viagem. Por que motivo não dar um só capitão ao navio e à filha? O casal obedece às marés. Quem sabe guiar uma barca sabe guiar uma mulher. Ambas são sujeitas à lua e ao vento.

 

CAPÍTULO XII

EXCEÇÃO NO CARÁTER DE LETHIERRY

 

Mas a sua aversão pelos padres era idiossincrática. Para odiá-los não precisava ser odiado. Como ele próprio dizia, era o cão daqueles gatos. Era contra eles pela idéia, e, o que é mais irredutível, pelo instinto. Sentia as garras latentes dos padres, e mostrava-lhes os dentes. A torto e a direito, confessemo-lo, e nem sempre a propósito. É erro não distinguir. Não são bons os ódios absolutos. Nem mesmo o vigário saboiano mereceria as simpatias de Lethierry. Não é certo que para ele houvesse um bom padre. À força de filosofar, ia perdendo a circunspecção. Existe a intolerância dos tolerantes, como existe o furor dos moderados. Mas Lethierry era tão boa alma que não podia ser odiento. Antes repelia que atacava. Fugia dos homens da Igreja. Tinham-lhe feito mal, Lethierry limitava-se a não querer-lhes bem. A diferença entre o ódio dos outros e o dele é que o dos outros era animosidade, e o dele antipatia.

 

*

 

nem sempre ingênuos [Osório diz: há uma ligação com o “prenhe de...”, mais adiante].

 

*

 

Deitava água no vinho, locução prenhe de concessões latentes e às vezes inconfessáveis.

 

CAPÍTULO XIII

O DESLEIXO FAZ PARTE DA GRAÇA

 

Dita uma coisa, Mess Lethierry não a esquecia mais; dita uma coisa, Miss Déruchette esquecia-a logo. Esta era a diferença entre o tio e a sobrinha.

 

*

 

Há mais um perigo latente numa educação tomada muito a sério. Querer tornar felizes os filhos, antes do tempo, é talvez uma imprudência.

 

*

 

Na Inglaterra as crianças andam sós, as meninas são senhoras de si, a adolescência vai à rédea solta. Tais são os costumes. Mais tarde, as moças livres fazem-se mulheres escravas. Tomem à boa parte estas duas expressões: livres no crescimento, escravas no dever.

 

LIVRO QUARTO

O “BAGPIPE”

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

PRIMEIROS RUBORES DE AURORA OU DE INCÊNDIO

 

CAPÍTULO II

GILLIATT VAI ENTRANDO PASSO A PASSO NO DESCONHECIDO

 

É fácil acostumar-se ao  veneno.

 

*

 

Madressilva

 

CAPÍTULO III

A CANÇÃO “BONNY DUNDEE” ACHA UM ECO NA COLINA

 

CAPÍTULO IV

 

Já alguém escreveu algures: “Uma idéia fixa é uma verruma. Vai-se enterrando de ano para ano. Para extirpá-la no primeiro ano é preciso arrancar os cabelos; no segundo rasga-se a pele; no terceiro ano quebra o osso; no quarto saem os miolos”. Gilliatt estava no quarto ano.

 

*

 

A respeito dele havia circunstâncias que a benevolência e a malevolência comentavam em sentido inverso.

 

*

 

“A mulher é a carne do homem. A mulher deixará pai e mãe para acompanhar o marido”.

 

CAPÍTULO V

JUSTA VITÓRIA É SEMPRE MALQUISTA

 

Dizia-se que ele fizera uma loucura feliz.

 

As novidades têm contra si o ódio de todos; o menor erro compromete-as.

 

CAPÍTULO VI

FORTUNA DOS NÁUFRAGOS ENCONTRANDO A CHALUPA

 

Gulf Stream [Osório diz: A corrente do Golfo é uma corrente marítima potente, rápida e quente do oceano Atlântico que tem origem no Golfo do México, escapa pelo estreito da Flórida e segue a costa leste dos Estados Unidos e a sua extensão até a Europa torna os países do oeste deste continente mais quentes do que eles seriam sem essa corrente.]

 

CAPÍTULO VII

BOA FORTUNA DE APARECER A TEMPO

 

LIVRO QUINTO

O REVÓLVER

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

A PALESTRA NA POUSADA JOÃO

 

Para ele as nações só existiam por suas instituições marítimas; fazia sinônimos extravagantes.

 

*

 

O Capitão Zuela, de Copiapó, era chileno, um pouco colombiano; tinha feito com independência as guerras da independência, acompanhando ora Bolívar, ora Morillo, conforme os lucros a haver. Tinha-se enriquecido obsequiando a toda a gente. Não havia homem mais bourbônico, mais bonapartista, mais absolutista, mais liberal, mais ateu e mais católico. Ele pertencia a este grande partido que se pode chamar o Partido Lucrativo.

 

*

 

Durante os sete ou oito primeiros anos, depois da entrada dos Bourbons, espalhou-se o terror em tudo, nas finanças, na indústria, no comércio, que sentiam tremer a terra e viam multiplicar-se as falências. Havia um salve-se quem puder na política.

 

*

 

prebostais

 

*

 

Um gatuno fugitivo mostrava-se mais correto aos olhos da polícia do que um general. Imaginem a inocência constrangida a disfarçar-se, a virtude contrafazendo a voz, a glória mascarando o rosto.

 

CAPÍTULO II

CLUBIN DESCOBRE ALGUÉM

 

— Pode-se adquirir o bem pelo conhecimento do mal.

 

*

 

Era aprovado por não ter escrúpulos tolos.

 

*

 

O cristal querendo manchar-se não pode.

 

*

 

Ingênuo hábil é coisa que existe.

 

CAPÍTULO III

CLUBIN LEVA UNS OBJETOS E NÃO OS TRAZ

 

Negociante em público, contrabandista às escondidas, eis a história de muitas fortunas.

 

*

 

A primeira qualidade de um trapaceiro era a lealdade. Sem discrição não há contrabando. Havia o segredo da fraude como há o segredo da confissão.

 

*

 

Esse segredo era imperturbavelmente guardado. O contrabandista jurava não dizer nada e mantinha a sua palavra. Ninguém inspirava mais confiança que um contrabandista. O juiz alcaide de Oyarzun apanhou um dia um contrabandista e pôs-lhe a questão para obrigá-lo a declarar quem era o seu caixa de fundos. O contrabandista não confessou quem era o caixa de fundos. O caixa de fundos era o juiz alcaide. Dos dois cúmplices, juiz e contrabandista, o primeiro devia, para cumprir a lei aos olhos de todos, ordenar a tortura, à qual o segundo resistia para cumprir o juramento.

 

CAPÍTULO IV

PLAINMONT

 

O campo é cultivável, por que motivo está inculto? Não há dono.

 

*

 

caixilhos [Osório diz: Caixilho é:Parte da esquadria que sustenta e guarnece os vidros de portas e janelas.], nem postigos [Osório diz: Pequena porta que se abre em outra maior.] ?

 

*

 

Quando o medo cresce, os fatos perdem a verdadeira proporção.

 

*

 

o medo é mudo; os aterrorizados falam pouco; parece que o horror diz: silêncio!

 

*

 

“Faça-o Deus, mas não o desfaça Satanás”, era uma das orações de Carlos V.

 

*

 

Daí vêm as práticas religiosas voltadas para a imensa malícia obscura.

 

*

 

Os processos de magia provam-no em cada uma de suas páginas. Vai até esse ponto o sonho humano. Quando o homem começa a assustar-se, não pára mais. Sonha culpas imaginárias, sonha purificações imaginárias, e faz limpar a sua consciência com a vassoura das feiticeiras.

 

CAPÍTULO V

OS FURTA-NINHOS

 

A curiosidade de ter medo existe.

 

*

 

É sabido que os franceses não acreditam em coisa alguma.

 

*

 

Demais, quando são muitos, todos se tranqüilizam; o medo dividido por três dá animação.

 

*

 

ilusão de óptica do medo,

 

*

 

O sino brasileiro soa às 10 horas. [Osório diz: o que significa essa afirmativa?]

 

CAPÍTULO VI

A JACRESSARDE

 

A Jacressarde era a habitação daqueles que não têm habitação.

Em todas as cidades, e especialmente nos portos de mar, há, abaixo da população, um resíduo. Vagabundos, aventureiros, vivendo de expedientes, químicos de espécie larápio, pondo sempre a vida no alambique, todas as formas do andrajo e todas as maneiras de vesti-lo, os jubilados da improbidade, as existências em bancarrota, as consciências que já fizeram balanço, os que abortaram no assalto e no arrombamento de portas (porque os ladrões trabalham por baixo e por cima), os operários e as operárias do mal, os velhaquetes e as velhaquinhas, os escrúpulos rasgados e os cotovelos rotos, os tratantes chegados à indigência, os malévolos mal recompensados, os vencidos do duelo social, os famintos que foram devorados, os ganha-pouco do crime, os miseráveis, na dupla e lamentável acepção da palavra, tal é o pessoal. Ali é bestial a inteligência humana. É o montão de imundícies das almas. Ajunta-se tudo aquilo a um canto, onde passa de quando em quando a vassoura policial. Em Saint-Malo esse canto era a Jacressarde. [Osório diz: parece que ele descreve a Cracolândia em São Paulo!]

 

*

 

O que se encontra nessas espeluncas não são os grandes criminosos, os bandidos, os grandes produtos da ignorância e da indigência. Se o assassino é representado ali, é por algum bêbado brutal; ali o roubo não vai além da ratonice. É antes o escarro que o vômito da sociedade. O vagabundo sim, o salteador não. Todavia não há que fiar. Aquele último degrau dos boêmios pode ter extremidades malvadas. Um dia, lançando a rede no Epi-Scié, que era em Paris o que a Jacressarde é em Saint-Malo, a polícia apanhou Lacenaire.

 

Tudo entra naqueles albergues. A queda é um nivelamento. As vezes a honestidade esfarrapada escoa-se por ali. A virtude e a probidade têm aventuras. Não se deve, à primeira vista, estimar os Louvres nem condenar as galés. O respeito público e a reprovação universal devem ser descascados. Quantas surpresas não se dão! Um anjo no lupanar, uma pérola no monturo — não é impossível este sombrio e deslumbrante achado.

 

*

 

Quem eram aquelas criaturas? Os desconhecidos. Iam ali de noite e saíam de manhã. A ordem social anda misturada com aquelas larvas. Alguns esgueiravam-se ali de noite e não pagavam. A maior parte entrava em jejum. Todos os vícios, todas as abjeções, todas as suposições, todas as misérias, o mesmo sono de prostração no mesmo leito do lodo. Os sonhos de todas essas almas faziam boa vizinhança. Fúnebre entrevista em que se remexiam e se amalgamavam no mesmo miasma os cansaços, os desfalecimentos, as borracheiras incubadas, as marchas e contramarchas de um dia sem um pedaço de pão e sem um bom pensamento, as noites lívidas e sonolentas, remorsos, cobiças, cabelos imundos, rostos com o olhar da morte, beijos, talvez, das bocas da treva. A podridão humana fermentava naquela tina. Eram atiradas àquele albergue pela fatalidade, pela viagem, pelo navio chegado na véspera, por uma saída de prisão, pelo acaso, pela noite. O destino vazava ali, todos os dias, a sua alcofa. Entrava quem queria, dormia quem podia, falava quem ousava. Era próprio para cochichar. Todos se apressavam em misturar-se. Tratavam de esquecer-se no sono, visto que não podiam perder-se na sombra. Tiravam à morte aquilo que podiam. Fechavam os olhos naquela agonia confusa que todas as noites começava. Donde saíam? Da sociedade, porque eram a miséria; da vaga, porque eram a espuma.

 

*

 

Para não correr risco naquela casa era preciso ser da laia. Os estranhos eram malvistos.

 

*

 

Conheciam-se acaso entre si aquelas criaturas? Não; farejavam-se.

 

*

 

Alguidar

 

*

 

Estava resolvido a não morrer sem atirar a pedra filosofal às vidraças da ciência.

 

CAPÍTULO VII

COMPRADORES NOTURNOS E VENDEDOR TENEBROSO

 

gurupés. [Osório diz: mastro que aponta para vante, colocado no bico de proa dos veleiros.]

 

*

 

velha boceta de marinheiro.

 

CAPÍTULO IX

INFORMAÇÃO ÚTIL ÀS PESSOAS QUE ESPERAM OU RECEIAM CARTAS DE ALÉM-MAR

 

 

LIVRO SEXTO

O TIMONEIRO ÉBRIO E O CAPITÃO SÓBRIO

CAPÍTULO PRIMEIRO

 

OS ROCHEDOS DOUVRES

 

São singulares as solidões da água. É o tumulto e o silêncio. O que aí se faz já nada tem com o gênero humano. E a utilidade desconhecida. Tal é o isolamento do rochedo Douvres. Em derredor, a perder de vista, o imenso tormento das vagas.

 

CAPÍTULO II

CONHAQUE INESPERADO

 

A nobreza conquista-se pela espada e perde-se pelo trabalho. Conserva-se pela ociosidade. Não fazer coisa alguma é viver fidalgamente; quem não trabalha é reverenciado. Ofício faz decair. Na França de outrora só se excetuavam os operários de vidro. Sendo glória para os fidalgos esvaziar garrafas, fazê-las não era desonra alguma.

 

*

 

O timoneiro Tangrouille não saía nunca do navio e dormia a bordo.

 

CAPÍTULO III

PALESTRA INTERROMPIDA

 

As forças são máquinas infinitas, as máquinas são forças limitadas.

 

*

 

Não há força cega. Cabe ao homem espreitar as forças e descobrir-lhes o itinerário.

 

*

 

— A beleza dos animais não é como a beleza dos homens.

 

*

 

a velha barra de ouro”?

 

*

 

o gigantinho”.

 

CAPÍTULO IV

MOSTRAM-SE TODAS AS QUALIDADES DO CAPITÃO CLUBIN

 

Parece que há conluio neste excesso de calma.

 

*

 

— Deus está ausente. Devia-se lavrar um decreto para obrigá-lo a residir aqui. Anda lá na sua casa de campo e não se importa conosco. E tudo vai torto e mal encaminhado. É evidente, meu bom senhor, que Deus já não está no governo, está em férias, e é o vigário, algum anjo seminarista, algum beócio com asas de pardal, quem dirige os negócios.

 

CAPÍTULO V

CLUBIN LEVA A ADMIRAÇÃO AO CÚMULO

 

CAPÍTULO VI

ALUMIA-SE O INTERIOR DE UM ABISMO

 

A hipocrisia pesou àquele homem durante trinta anos. Era o mal, e consorciou-se com a probidade. Odiava a virtude com um ódio de mal casado. Teve sempre uma premeditação malvada; desde que se fizera homem, trazia aquela armadura rígida, a aparência. Era monstro internamente; vivia em uma pele de homem de bem, com um coração de bandido. Era o pirata ameno. Era prisioneiro da honestidade, estava fechado naquele caixão de múmia, a inocência; tinha nas costas asas de anjo, esmagadoras para um velhaco. Pesava-lhe demais a estima pública. Passar por homem honrado é duro! Manter constante equilíbrio, pensar mal e falar bem, que labutação! Clubin era o fantasma da retidão, sendo o espectro do crime. Este contra-senso foi o destino dele. Era-lhe preciso mostrar ares apresentáveis, escumar por baixo do nível, sorrir em vez de ranger. A virtude, para ele, era coisa que esmagava. Passou a vida a ter vontade de morder aquela mão que lhe tapava a boca.

 

*

 

E querendo mordê-la foi obrigado a beijá-la.

 

*

 

Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, pôr açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpetuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor. O verme resvala como o dragão e como ele retesa-se e levanta-se. O traidor não é mais que um déspota tolhido que não pode fazer a sua vontade senão resignando-se ao segundo papel. É a mesquinhez capaz da enormidade. O hipócrita é um titã-anão.

 

*

 

Só ele era o espectador da sua glória. Há certo encanto em estar de golilha. Toda a gente vê que és infame.

 

*

 

Obrigar a multidão a examinar-te é reconhecer a tua força. Um galé sobre um estrado, com uma coleira de ferro ao pescoço, é o déspota de todos os olhares que ele obriga a voltarem-se para si. Aquele cadafalso é ao mesmo tempo pedestal. Que mais belo triunfo do que esse de ficar no centro de convergência para a atenção geral? Obrigar o olhar público é uma das formas de supremacia. Os que têm o mal por ideal acham no opróbrio uma auréola. Domina-se daí. Olha-se de cima de alguma coisa. Mostra-se com soberania. Um poste, à vista de todo o universo, tem alguma analogia com um trono.

 

*

 

Estar exposto é ser contemplado.

 

*

 

A imensidade do desprezo parece grandeza ao desprezado.

 

*

 

Quanto ao futuro, Clubin não tinha plano. Possuía os bilhetes do banco na boceta de ferro atada à cintura; bastava-lhe esta certeza. Mudaria de nome. Há países onde 60 000 francos valem 600 000. Não seria má solução ir para um desses lugares viver honestamente com o dinheiro apanhado ao ladrão Rantaine. Especular, entrar em um grande negócio, engrossar o capital, tornar-se seriamente milionário também não era mau. [Osório diz: acumulação primitiva]

 

CAPÍTULO VII

INTERVÉM O INESPERADO

 

É próprio da hipocrisia ater-se à esperança. O hipócrita é o homem que espera. A hipocrisia é uma esperança horrível: o fundo dessa mentira é feito desta virtude, tornada vício.

 

*

 

Coisa estranha de dizer, há confiança na hipocrisia. O hipócrita confia-se a certa indiferença do desconhecido, que consente no mal.

 

*

 

Estranha coisa é ver com que facilidade os tratantes acreditam que devem ser bem-sucedidos.

 

LIVRO SÉTIMO

IMPRUDÊNCIA DE INTERRROGAR UM LIVRO

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

A PÉROLA NO FUNDO DO PRECIPÍCIO

 

pascácio. [Osório diz: Indivíduo que é muito bobo; quem tende a ser extremamente simplório; parvo ou pateta.]

 

*

 

Aquele negro, mais inteligente que muitos brancos, era o admirador da máquina.

 

*

 

a prova é que é fácil formular uma aspiração e difícil executá-la.

 

*

 

Porquanto, em certos cometimentos desproporcionados, onde parece necessário o sobre-humano, a bravura tem acima de si a demência.

 

CAPÍTULO II

GRANDE ESPANTO NA COSTA OESTE

 

Existe na costa sul de Guernesey, atrás do Plainmont, no fundo de uma baía, toda precipícios e muralhas, cortado a pique na onda, um porto singular que um francês, residente na ilha desde 1844, talvez o mesmo que escreve agora estas linhas, batizou com o nome de “porto do quarto andar”, nome geralmente adotado hoje.

 

CAPÍTULO III

NÃO TENTEIS A BÍBLIA

 

O Dr. Herodes começou um speech. Tinha sabido de um acontecimento. Naufragara a Durande. Vinha, como pastor, trazer consolação e conselho. O naufrágio era uma desgraça, mas era também uma felicidade. Sondemo-nos; não nos inchava a prosperidade? As águas da felicidade são perigosas. Não se deve tomar as desgraças à má parte. Os caminhos do Senhor são desconhecidos. Mess Lethierry estava arruinado. Pois ser opulento é estar em perigo. Aparecem amigos falsos. A pobreza afasta-os. Fica-se isolado. Solus eris. A Durande dizem que dava 1 000 libras esterlinas por ano. Era demais para um filósofo. Fujamos às tentações, desdenhemos o ouro. Aceitemos com reconhecimento a ruína e o abandono. O isolamento dá frutos. Ganha-se nele as graças do Senhor. Foi na solidão que Aia achou as águas quentes conduzindo os asnos de Sebeão, seu pai. Não nos revoltemos contra os impenetráveis decretos da Providência. O santo homem Jó, depois da sua miséria, cresceu em riquezas. Quem sabe se a perda da Durande não teria compensações, mesmo temporais? Também ele, Herodes, empregara capitais em uma magnífica operação que se realizava em Sheffield; se Mess Lethierry, com os fundos que lhe restavam, quisesse entrar nesse negócio, podia refazer a fortuna; era um grande fornecimento de armas ao czar para reprimir a Polônia. Ganharia 300 por cento.

 

*

 

Se quisesse decuplicar o que lhe restava, bastava-lhe tomar ações na grande companhia de exploração das plantações do Texas, que empregava mais de 20 000 negros.

— Não quero nada com a escravidão, disse Lethierry.

— A escravidão — replicou o Reverendo Herodes — é de instituição sagrada. Está

escrito: “Se o senhor bater o escravo, nada lhe será feito, porque bate o seu dinheiro”.

 

*

 

Barjesus

 

*

 

Mess Lethierry, é pueril acreditar na sexta-feira. Não se deve acreditar em fábula. A sexta-feira é um dia como qualquer outro. Às vezes é data feliz. Melendez fundou a cidade de Santo Agostinho em sexta-feira; foi numa sexta-feira que Henrique VII deu a sua comissão a John Cabot; os peregrinos do Mayflower chegaram a Province-Town em sexta-feira. Washington nasceu na sexta-feira, 22 de fevereiro de 1732; Cristóvão Colombo descobriu a América na sexta-feira, 12 de outubro de 1492.

 

SEGUNDA PARTE

O ENGENHEIRO GILLIATT

 

LIVRO PRIMEIRO

O ESCOLHO

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

INCÔMODA CHEGADA, DIFÍCIL SAÍDA

 

O mar é patente e secreto; esconde-se, não quer divulgar as suas ações. Produz um naufrágio e abafa-o; engolir é o seu pudor. A vaga é hipócrita; mata, rouba, sonega, ignora e sorri. Ruge, depois abranda-se.

 

*

 

norueguense

 

CAPÍTULO II

AS PERFEIÇÕES DO DESASTRE

 

Nenhum animal estrangula uma pedra como o ar. A água regurgita das garras. O vento morde, o mar devora, a vaga é um queixo. É um socar e um esmigalhar ao mesmo tempo. O oceano tem um golpe igual à pata do leão.

 

*

 

desde as refregas dos homens, que se chamam batalhas, até as refregas dos elementos, que se chamam caos.

 

CAPÍTULO III

SÃ, MAS NÃO SALVA

 

intata.

 

*

 

Intato

 

*

 

A máquina estava salva, o que não impedia que estivesse perdida.

 

CAPÍTULO IV

PRÉVIO EXAME LOCAL

 

deserto de água chamado Oceano

 

*

 

transudação

 

CAPÍTULO V

UMA PALAVRA A RESPEITO DAS COLABORAÇÕES SECRETAS DOS ELEMENTOS

 

A oscilação oceânica liga-se ao estremecimento terrestre. [Osório diz: 100 anos depois isso recebeu o nome de tsunami?]

 

*

 

Na Europa, onde parece que a natureza sente-se constrangida em respeito à civilização,

 

CAPÍTULO VI

CAVALARIÇA PARA O CAVALO

 

CAPÍTULO VII

QUARTO PARA O VIAJANTE

 

Um estilita [Osório diz: Simeão Estilita, o Antigo (Sísia, 389 - Telanisso, 459) foi um asceta cristão, que viveu no cimo de uma coluna de pedra. É tido como santo pela Igreja Católica e Ortodoxa. Na Católica o seu dia corresponde ao 5 de janeiro, enquanto que na Ortodoxa é celebrado a 1 de setembro.] contentara-se; Gilliatt, mais exigente, queria coisa melhor.

 

*

 

Ao lado da força, que é física, tinha a energia, que é moral.

 

CAPÍTULO VIII

IMPORTUNAE QUE VOLUCRES

 

CAPÍTULO IX

O ESCOLHO E A MANEIRA DE SE SERVIR DELE

 

CAPÍTULO X

A FORJA

 

Utilizar o obstáculo é um grande passo para o triunfo. O vento era o inimigo de Gilliatt, Gilliatt resolveu fazer dele o seu lacaio.

 

*

 

O que se diz de certos homens: próprios para tudo, bons para nada.

 

*

 

Gilliatt não sabia as palavras que exprimem as idéias, mas percebia as idéias.

 

*

 

Para coisa nenhuma, não; só o Ignoto [Osório diz: desconhecido] o sabe!

 

CAPÍTULO XI

DESCOBERTA

 

A formação geológica é pouca coisa comparada à formação oceânica. Os escolhos, casas de vaga, pirâmides da espuma, pertencem à arte misteriosa que o autor deste livro chamou algures a Arte da Natureza, e têm uma espécie de estilo enorme. Ali o fortuito parece intencional. Essas construções são multiformes. Têm o embaraçado do pólipo, a sublimidade da catedral, a extravagância do pagode, a amplidão da montanha, a delicadeza da jóia, o horror do sepulcro.

 

*

 

nenhum acidente do mar que pudesse complicar o perigo.

 

CAPÍTULO XII

O INTERIOR DE UM EDIFÍCIO DEBAIXO DO MAR

 

contrabandistas que ali depunham as suas mercadorias; nenhum desses

 

[Osório diz: aqui começa uma parte do livro que também achei, inicialmente, chata, mas, depois de terminar a leitura e ouvir uma conversa em um boteco sobre tempestade, vi quanto o escrito é belo. Aliás, e isso eu já tinha visto, tem umas passagens muito poéticas]

 

esmeralda em fusão.

 

CAPÍTULO XIII

O QUE SE VÊ E O QUE SE ENTREVÊ

 

Miguel Ângelo. [Osório diz: Tradução de Machado de Assis].

 

*

 

Era de belo efeito aquele consórcio de coisas medonhas.

 

*

 

com uma graça monstruosa.

 

*

 

Sentia-se ali o imprevisto do espanto.

 

*

 

uma realidade cheia de impossível.

 

LIVRO SEGUNDO

O TRABALHO

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

OS RECURSOS DAQUELE QUE NÃO TEM RECURSOS

 

Um afago prévio tempera as traições. A água marinha não é avara desses afagos. Com aquela mulher é preciso desconfiar do sorriso.

 

CAPÍTULO II

DE QUE MODO SHAKESPEARE PODE ENCONTRAR-SE COM ÉSQUILO

 

O ignorante pode achar, só o sábio inventa.

 

CAPÍTULO III

A OBRA-PRIMA DE GILLIATT AJUDA A OBRA-PRIMA DE LETHIERRY

 

Demais, abreviemos a explicação. Compreender-se-á que omitimos muitos pormenores que tornariam a coisa clara para as pessoas do ofício, e obscura para as outras.

 

*

 

Digamos aqui que os defeitos mais grosseiros não impedem que um mecanismo funcione. O obelisco da praça de São Pedro de Roma foi levantado contra todas as regras da estática. O coche do Czar Pedro era construído de tal modo que parecia tombar a cada passo; entretanto, andava. Quantas deformidades na máquina de Marly. Tudo ali era malfeito. Nem por isso deixou de dar de beber a Luís XIV.

 

CAPÍTULO IV

SUBRE

 

à proporção que a obra se fazia, ia-se desfazendo o operário.

 

*

 

Os teimosos são os sublimes. Quem é apenas bravo tem só um assomo, quem é apenas valente tem só um temperamento, quem é apenas corajoso tem só uma virtude; o obstinado na verdade tem a grandeza. Quase todo o segredo dos grandes corações está nesta palavra: perseverando. A perseverança está para a coragem como a roda para a alavanca; é a renovação perpétua do ponto de apoio. Esteja na terra ou no céu o alvo da vontade, a questão é ir a esse alvo; no primeiro caso, é Colombo, no segundo caso, é Jesus. Insensata é a cruz; vem daí a sua glória. Não deixar discutir a consciência, nem desarmar a vontade, é assim que se obtêm o sofrimento e o triunfo. Na ordem dos fatos morais o cair não exclui o pairar. Da queda sai a ascensão. Os medíocres deixam-se perder pelo obstáculo especioso; não assim os fortes. Parecer é o talvez dos fortes, conquistar é a certeza deles. [Osório diz: Estudos]

 

*

 

qui-la.

 

*

 

Crer é apenas a segunda potência; a primeira é querer; as montanhas proverbiais que a fé transporta nada valem ao lado do que a vontade produz.

 

CAPÍTULO V

SUB UMBRA

 

Todo o número é zero diante do infinito.

 

*

 

Esses universos, que nada são, existem. Verificando-os, sente-se a diferença que vai entre ser nada, e não ser.

 

*

 

A fé tem uma estranha necessidade de forma. Daí vêm as religiões. Nada é tão opressivo como uma crença sem delineamento.

 

*

 

Deus é a noção incompreensível. Essa noção está no homem.

 

CAPÍTULO VI

GILLIATT COLOCA A PANÇA EM POSIÇÃO

 

CAPÍTULO VII

SURGE UM PERIGO

 

CAPÍTULO VIII

MAIS PERÍCIA QUE DESENLACE

 

Nenhum abalo na água, nenhum balanço nas pranchas. Era uma estranha colaboração de todas as forças naturais dominadas.

 

CAPÍTULO IX

INTERROMPE-SE O ÊXITO

 

CAPÍTULO X

AS ADVERTÊNCIAS DO MAR

 

CAPÍTULO XI

PARA UM BOM ENTENDEDOR MEIA PALAVRA BASTA

 

O mar estava manso e soberbo; merecia todos os madrigais que lhe dirigem os burgueses quando estão contentes com ele — um espelho, um mar de rosas, um tanque, um mar de leite. O azul profundo do céu correspondia ao verde profundo do oceano. Aquela safira e aquela esmeralda podiam admirar-se ambas. Não tinham de que exprobrar-se. Nenhuma nuvem em cima, nenhuma espuma embaixo. No meio desse esplendor subia magnificamente o sol de abril. Era impossível ver mais belo dia.

 

LIVRO TERCEIRO

A LUTA

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

O EXTREMO TOCA O EXTREMO E O CONTRÁRIO ANUNCIA O CONTRÁRIO

 

Persiste entretanto a serenidade do céu e do oceano. A manhã rompe radiosa e a aurora sorri, o que enchia de religioso horror os antigos poetas e os antigos adivinhos, assustados de que se pudesse crer na deslealdade do sol. Solem quis dicere falsum audeat?

 

*

 

De súbito ouve-se um grande murmúrio confuso. Há uma espécie de diálogo misterioso no ar.

Não se vê coisa alguma.

A extensão fica impassível.

Entretanto o rumor cresce, engrossa, eleva-se. Acentua-se o diálogo.

Há alguém por trás do horizonte.

Pessoa terrível essa, é o vento.

O vento, isto é, a população de titãs que chamamos Tufões.

Imensa plebe da sombra.

A Índia chamava-os Morouts, a Judéia Querubins, a Grécia Aquilões. São os invisíveis pássaros ferozes do infinito. Esses Bóreas precipitam-se.

 

CAPÍTULO II

OS VENTOS DO LARGO

 

Ignora-se o que eles podem, desconhece-se o que eles querem. São as esfinges do abismo; e Vasco da Gama é o seu Édipo.

 

*

Os ventos combatem esmagando e defendem-se esvaindo-se.

 

*

 

Tanto atacam como fogem.

 

*

 

Subitamente, o furacão, como uma besta, desce a beber no oceano; sorvo inaudito, a água sobe para a boca invisível, forma-se uma ventosa, incha o tumor; é a tromba,

 

*

 

A água é flexível porque é incompressível. Resvala debaixo do esforço. Apertada por um lado, escapa por outro. É assim que a água se faz onda. A vaga é a sua liberdade.

 

CAPÍTULO III

EXPLICAÇÃO DO RUMOR OUVIDO POR GILLIATT

 

a navegação aérea, servida pelos navios do ar (air-navires) que chamamos, por mania de grego, aeróscafos, utilizará as linhas principais. [Osório diz: este livro foi publicado em 1866!]

 

CAPÍTULO IV

“TURBA, TURMA”

 

planícies do Brasil;

 

*

 

Outros ventos mais, e como achar-lhes o fim? Os ventos carregadores de sapos e gafanhotos que sopram nuvens e bichos por cima do oceano; os que operam o que se chama salto de vento, e que têm por tarefa acabar com os náufragos; os que, com um sopro único, deslocam a carga do navio e o obrigam a continuar viagem todo inclinado; os ventos que constroem os circum-cúmulos; os ventos que constroem os circum-estratos; pesados ventos cegos, túmidos de chuva; os ventos do granizo; os ventos da febre; os ventos cuja aproximação faz ferver os salsos e os solfatários da Calábria; os ventos que fazem brilhar o pêlo das panteras da África andando nos espinheiros do cabo de Ferro; os que vêm sacudindo fora da sua nuvem, como uma língua trigonocéfala, o temível relâmpago de forquilha; os que trazem neves negras. Tal é o exército.

 

*

 

o Vento compõe-se de todos os ventos.

 

CAPÍTULO V

GILLIATT PODE ESCOLHER

 

CAPÍTULO VI

O COMBATE

 

convinha-lhe a ele;

 

*

 

esvaziavam-se sem esgotar nunca.

 

*

 

Quando a noite chegou, já havia noite;

 

*

 

a embriaguez de seu próprio horror tinha-o perturbado.

 

*

 

disjungiu as trevas.

 

LIVRO TERCEIRO

A PARTIDA DO “CASHMERE”

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

A ANGRAZINHA PRÓXIMA DA IGREJA

 

Dá a saudação aos que chegam e o adeus aos que saem.

 

*

 

às bagagens, [Osório diz: Esta crase existe aí, senhor Machado de Assis? Ou ela não foi posta pelo senhor?]

 

CAPÍTULO II

O DESESPERO DIANTE DO DESESPERO

 

Esses asilos obscuros das praias, que tentam as banhistas, não são tão solitários como se pensa. Às vezes espreita-se e ouve-se de fora. Os que se refugiam podem ser facilmente acompanhados através das espessuras das vegetações, e graças à multiplicidade e entravamento dos atalhos. Os granitos e árvores que escondem o refugiado podem esconder também uma testemunha.

 

*

 

A desolação e a paixão estavam impressas na fronte religiosa de Ebenezer. Havia também uma resignação pungente, hostil à fé, embora derivasse dela. Naquele rosto, simplesmente angélico até então, havia um comêço de expressado fatal. Aquêle que até então só meditara sôbre o dogma, entrava a meditar sôbre a sorte, meditação nociva ao padre. Nessa meditação decompõe-se a fé. Nada perturba tanto o espírito como curvar-se ao pêso do ignoto. O homem é o paciente do acontecimentos. A vida é um perpétuo sucesso, impôsto ao homem. O homem não sabe de que lado virá a brusca descida do acaso. As catástrofes e as felicidades entram e saem como personagens inesperadas. Têm a sua fé, a sua órbita, a sua gravitação fora do homem. A virtude não traz a felicidade, o crime não traz a desgraça; a consciência tem uma lógica, a sorte tem outra; nenhuma coincidência. Nada pode ser previsto. Vivemos de atropêlo. A consciência é a linha reta, vida é o turbilhão. O turbilhão atira à cabeça do homem caos negros e céus azuis. A sorte não tem a arte das transições. Às vezes a vida anda tão depressa que o homem mal distingue o intervalo de uma peripécia a outra e o laço de ontem a hoje Ebenezer era um crente mesclado de raciocínio e um padre mesclado de paixão. As religiões celibatárias sabem o que fazem. Nada desfaz tanto o padre como amar uma mulher Tôdas as espécies de nuvens ensombravam Ebenezer.

 

*

 

Era a primeira vez na sua vida que Déruchette dizia, falando de Mess Lethierry, meu tio. Até então sempre dizia meu pai.

 

*

 

desse abismo que se chama felicidade.

 

CAPÍTULO III

A PREVIDÊNCIA DA ABNEGAÇÃO

 

página escrita de fresco.

 

CAPÍTULO IV

“PARA TUA MULHER QUANDO TE CASARES”

 

CAPÍTULO V

A GRANDE TUMBA

 

braças.

 

LIVRO QUARTO

O FORRO DO OBSTÁCULO

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

QUEM TEM FOME ACHA MAIS QUEM TENHA

 

 

Gilliatt reconheceu que era uma pieuvre. [Osório diz: polvo]

 

CAPÍTULO II

O MONSTRO

 

Quando Deus quer, excede no execrável.

 

*

 

Este monstro é aquele que os marinheiros chamam polvo, que a ciência chama cefalópode e a que a legenda chama kraken.

 

*

 

Aquele que escreve estas linhas

 

*

 

E no absoluto ser hediondo é odiar.

 

*

 

aquele pavor tem os seus amores.

 

*

 

Essas estranhas animações são ao princípio rejeitadas pela ciência, segundo o hábito de sua excessiva prudência; depois estuda-as, descreve-as, classifica-as, inscreve-as, põe-lhes rótulos, procura exemplares; expõe-nas em museus; elas entram na nomenclatura; ela os qualifica moluscos, invertebrados, raiados; verifica-lhes as fronteiras; um pouco além os calamares, um pouco aquém os depiários; para estas hidras da água salgada acham um análago na água doce, o argironete; divide-as em grande, média e pequena espécie; admite mais facilmente a pequena espécie que a grande, o que é, em todas as regiões, a tendência da ciência, a qual é mais microscópica que telescópica; olha a sua construção e chama-os cefalópodes; conta as suas antenas e chama-os octópodes. Feito isto, deixa-os assim. Onde a ciência os larga, a filosofia os retoma.

 

*

 

A filosofia estuda por sua vez esses entes. Ela vai menos longe e mais longe que a ciência. Não os disseca, medita-os. Onde o escalpelo trabalhou, imerge a hipótese. Procura a causa final. Profundo tormento de pensador. Essas criaturas o inquietam quase sobre o criador. São as surpresas hediondas. São os perturbadores do contemplativo. Ele as verifica desvairado. São as formas intencionais do mal. Que fazer diante dessas blasfêmias da criação contra si própria? A quem deve ele queixar-se?

 

*

 

Esses animais são fantasmas e monstros, a um tempo.

 

*

 

Esses prolongamentos de monstros, no invisível ao princípio, no possível depois, foram suspeitados, vistos talvez, pelo êxtase severo, e pelo olhar fixo dos magos e dos filósofos. Daí a conjetura de um inferno. O demônio é o tigre do invisível. A besta feroz das almas foi denunciada ao gênero humano por dois visionários, um que se chama João, outro que se chama Dante.

 

*

 

Todo animal feroz, como toda inteligência perversa, é esfinge.

 

*

 

Uma rede chinesa, roubada na última guerra, no palácio do império da China, representa o tubarão comendo o crocodilo, o qual come a serpente, a qual come a águia, a qual come a andorinha, a qual come a lagarta.

 

*

 

Toda a natureza devora ou é devorada. As presas mastigam-se umas às outras.

 

*

 

A explicação dizem ser esta: a morte exige a inumação. Esses vorazes são coveiros.

 

*

 

Todas as criaturas entram umas nas outras. Podridão é alimentação. Assustadora limpeza do globo. O homem, carnívoro, também é coveiro. A nossa vida é feita de morte. Tal é a lei terrífica. Somos sepulcros.

 

CAPÍTULO III

OUTRA FORMA DE COMBATE NO ABISMO

 

nenhum seio ousaria aleitar

 

CAPÍTULO IV

NADA SE ESCONDE, NADA SE PERDE

 

Os misteriosos encontros com o inverossímil que chamamos alucinações existem na natureza. Ilusões ou realidades, as visões aparecem.

 

*

 

O olhar de um homem audaz, em tais ocasiões, quer saber das coisas a fundo.

 

*

 

Via-se, debaixo dessa porção de tentáculos e escamas, o crânio com as estrias, as vértebras, os fêmures, as tíbias, os longos dedos nodosos, com unhas. As costelas estavam cheias de caranguejos. Tinha palpitado ali algum coração. Os buracos dos olhos estavam atopetados de bolor marinho. Algumas conchas tinham deixado a sua baba nas fossas nasais. Não havia nesse recanto da caverna nem sargaços, nem ervas, nem sopro de ar. Nenhum movimento. Os dentes riam. [Osório diz: Família da Maria Só, lá de Maraã]

 

CAPÍTULO V

HÁ LUGAR PARA ALOJAR-SE A MORTE NO INTERVALO QUE SEPARA 6 POLEGADAS DE 2 PÉS

 

Sinistras justiças.

 

CAPÍTULO VI

“DE PROFUNDIS AD ALTUM”

 

natureza, mãe quando quer, algoz quando lhe apraz.

 

CAPÍTULO VII

HÁ UM OUVIDO NO IGNOTO

 

O vento, que era tépido ao princípio, tornou-se cálido.

 

TERCEIRA PARTE

 

DÉRUCHETTE

 

LIVRO PRIMEIRO

NOITE E LUA

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

O SINO DO PORTO

 

tocar a recolher, tendo conservado o hábito de apagar cedo as luzes.

 

*

 

O pesadelo era o descanso do desespero.

 

*

 

A oração, enorme força própria da alma, é da mesma espécie que o mistério. A oração dirige-se à magnanimidade das trevas; a oração contempla o mistério com os olhos da sombra, e, diante da fixidez poderosa desse olhar súplice, sente-se um desarmamento possível no ignoto.

 

*

 

Essa possibilidade entrevista é já uma consolação.

 

*

 

A melancolia é a ventura de ser triste.

 

*

 

Daí vinha a dúvida a muitos espíritos. Onde não há motivo, parece que não há ato.

 

*

 

Nada mais triste do que pensar em decair.

 

*

 

Parece simples estar arruinado. Golpe violento; brutalidade da sorte; é a catástrofe uma vez por todas. Seja. Aceita-se. Tudo está acabado. Fica-se arruinado. Está dito, morreu. Qual! Vive-se. É o que no dia seguinte começa-se a sentir. Por quê? Por alfinetadas. Passa um homem sem tirar o chapéu, chovem as contas das lojas, ri-se um inimigo. Ri-se talvez do último trocadilho de Arnal, mas é o mesmo, o trocadilho pareceu-lhe mais engraçado, exatamente porque estás pobre. Lês a tua decadência até nos olhares indiferentes; as pessoas que jantavam em tua casa acham demasiado os três pratos da tua mesa; os teus defeitos saltam aos olhos de todos; as ingratidões, não tendo que esperar mais nada, tiram a máscara; todos os imbecis predisseram o que te acontece; os maus dilaceram-te, os piores lamentam-te. E mais cem pormenores mesquinhos. A náusea sucede às lágrimas. Bebias vinho, beberás sidra. Duas criadas! Uma seria demais. Devia-se despedir esta, sobrecarregar aquela. Há flores demais no jardim; planta antes batatas. Davas flores aos amigos, vende-as agora no mercado. Quanto aos pobres, já não deves pensar neles; também não és pobre? As toaletes, questão pungente. Diminuir uma fita a uma mulher, que suplício! Recusar o enfeite, a quem te dá a beleza! Ter ares de avarento! Talvez que ela te diga: “Pois que! Tiraste as flores do meu jardim, e agora as tiras do meu chapéu!”

 

*

bigorrilhas. [Osório diz: Pessoa  incômoda. Pessoa que se considera ter pouca importância ou ser desprezível. = MEQUETREFE, ZÉ-NINGUÉM]

 

*

 

Há soluços no pensamento.

 

CAPÍTULO II

AINDA O SINO DO PORTO

 

cestos de gávea

 

*

 

a noite esfuma tudo quanto desenha e o luar faz tudo indeciso.

 

*

 

As estrelas são feitas tanto para o coração humano de um pobre, como para o coração de um milionário.

 

*

 

Estava desvairado. O que ele sentia não cabe dizê-lo em palavras; a comoção é sempre nova e as palavras já serviram muito; daí vem a impossibilidade de exprimir a comoção. Existe o abatimento do encanto.

 

LIVRO SEGUNDO

RECONHECIMENTO EM PLENO DESPOTISMO

 

CAPÍTULO PRIMEIRO

ALEGRIA CERCADA DE ANGÚSTIA

 

pascácios. [Osório diz: Que ou quem se considera ter pouca inteligência. = LORPA, PATETA, TOLO]

 

*

 

ao princípio

 

Fim.

 

Golpes

 

Golpes

de Jean Mackert

Creio que lendo Nabokov (Lições de Literatura) ele cita o livro “Golpes”, de Jean Meckert.

 

A citação é tão envolvente que me fez correr atrás do livro.

 

Não encontrei tradução brasileira.

 

Encontrei uma tradução portuguesa da editora Antígona. O tradutor é Luís Leitão. Edição de 2015.

 

Comprei pela internet. O aviso de chegada me foi enviado quando eu estava de férias. Tinha quinze dias para retirar. Não o fiz. O livro foi devolvido à remetente. Pedi que me reenviassem. Fui atendido. Recebi a obra em 12.03.19.

 

Comecei a ler imediatamente, nas horas vagas, claro, e terminei a leitura em 18.03.19. Rápido, portanto.

 

Gostei da obra, mas ela é desconcertante e mexeu muito comigo, especialmente pelas agressões físicas sofridas por Paulette, mulher do narrador, Félix (o livro é narrado em primeira pessoa), embora ela e sua família sejam uns chatas e ele um “fdp” que não sabe conversar, mas, bater no rosto de uma mulher como se bate no de um homem em uma luta de “vale tudo” sem luvas é demais para minha sensibilidade, especialmente pelo carinho e respeito que nutro pelas mulheres.

 

Contudo, o livro é uma obra de arte, uma ficção, o qual, portanto, serve como guia para a vida, de modos que possamos, pelo que com ele aprendemos, evitar certas barbaridades bem humanas, “demasiadamente humanas”!

 

Mas quero escrever aqui, além de transcrever algumas frases muito belas, algumas diferenças entre “os idiomas” “português” e “brasileiro”, que tornam a leitura, às vezes, complicadas para quem não lê constantemente a língua de Camões editada em seu berço!

 

Vamos lá aos exemplos que destaquei (com a ajuda de dicionario.priberam.org) (os números se referem às páginas onde estão as palavras):

 

(As palavras podem ser comuns para uns eruditos e para os meros leitores casuais não, claro, então, o que estou pedindo é ajuda e, ao mesmo tempo sugerindo talvez uma uniformização que, aparentemente, não veio com o acordo ortográfico recente!)

 

Em Portugal                                                                      No Brasil

Cerimónia                                                                                                              Cerimônia

Metro                                                                                                                     Metrô

Bucha (7)                                                                                                              Pequena refeição ligeira.

Primavera (com maiúsculas as estações do ano)                                          primavera

Papel sensível (7)                                                                                               Papel fotográfico(?) Filme(?)

Edredão                                                                                                              Edredon

Pólos                                                                                                                   Polos

Balde higiênico                                                                                                 Balde para papel higiênico

Bigodaça                                                                                                            Bigodaço ou bigodão

Encáustica (11) “Camada de cera sobre que se pinta”                             Palavra incomum

Fazia fresco (Nem frio, nem quente)                                                          Fazia um pouco de...

Tasca (local modesto que vende bebidas e refeições.)                           Taberna e/ou Bodega

Caroço (12)                                                                                                     Dinheiro

Purga (12) (Eliminação de indivíduos considerados indesejáveis ou pouco seguros por seus dirigentes ou superiores.)

Pisgado (Sair ocultamente e à pressa de um local)

Sítio                                                                                                                      Local

Cave (13)                                                                                                            Adega

Levava                                                                                                                 Cobrava

(“... eu tinha experimentado fazer trabalhos desse tipo. Ao princípio, ele não quis, mas depois perguntou quanto é que eu levava”).

Carripanas (15)                                                                                                  Carro velho/fora de moda

Meças

Embraiagem (17)                                                                                               Embreagem

Mástique                                                                                                            Tipo de resina usada em canos (?)

Subtis (18)                                                                                                          Sutis

Campónio                                                                                                           Campônio

Fatiota (19)                                                                                                         Roupa em geral/vestimenta

Coscuvilheiras                                                                                                    Bisbilhoteiras

Genica                                                                                                                 Força/energia/vigor

Deitar fora                                                                                                          Jogar fora

Mudámos (20)                                                                                                   Mudamos

Trocámos                                                                                                            Trocamos

Carnuça

Tintol (22)                                                                                                           Vinho tinto/qualquer tipo de vinho

Connosco                                                                                                            Conosco

Tasco                                                                                                                   Taberna

Mónaco                                                                                                               Mônaco

Trémula                                                                                                               Trêmula

Boião de grés (27)                                                                                             Boião = vaso / grés: espécie de argila [vaso de argila?]

Camião                                                                                                                Caminhão

“Fazer-lhe e folha” (p. 28)

Entoações                                                                                                           Entonações

“Estudo de pintura”

Pegado (32)                                                                                                        Contínuo [que se prolonga sem interrupção] ou se for sobre uma pessoa: zangado (?)

Rojar-se                                                                                                               humilhar-se

Desaguisado                                                                                                       Rixa/discórdia

Calaceiro                                                                                                             Preguiçoso/vadio

Gajo                                                                                                                      Fulano (quando você se refere a alguém que não sabe o nome ou não quer falar). No tom pejorativo seria como chamar de “astuto”.

Miúdo/a                                                                                                              Criança (ou menino ou menina)

Caraças (36)                                                                                                       Impressionante! (Acredito que seja como quando falamos “caracas!”)

Caminhos-de-ferro                                                                                           Estradas de ferro

Retretes                                                                                                              Privadas

Expedição

Estupefacto (40)                                                                                                Estupefato

Roçava

ao corrente”

Élide

Pegado na mão (42)

Incómodo (44)                                                                                                   Incômodo

Biberão                                                                                                                Mamadeira

Pintalgava (45)                                                                                                   Coloria (?}

Tasqueiro                                                                                                            Taberneiro

Cobardes                                                                                                            Covardes

Ingénua (46)                                                                                                       Ingênua

“Sair do quente” (47)

Génio                                                                                                                   Gênio

Caluda                                                                                                 

Vómitos                                                                                                               Vômitos

Grimpa                                                                                                                Parte giratória do cata-vento OU “Baixar a bola” (depende do contexto)

Lamechas (49)                                                                                                   Piegas/sensível

Digo-to                                                                                                                Digo-te

Clarete                                                                                                                Vinho tinto mais claro

Jurámos                                                                                                               Juramos

Tropeçámos                                                                                                       Tropeçamos

Procurámo-la (50)                                                                                             Procuramo-lá

Estafermo                                                                                                           Tolo

Aceite (53)

Tracção                                                                                                               Tração

Papelinhos de carnaval (54)                                                                            Confete

Lá abaixo                                                                                                             em baixo

Sensaborões                                                                                                       Importunos/Que perturbam

Montes de condutas de betão                                                                        Canos de esgoto (+- isso)

Optimista                                                                                                            Otimista

Magoaste-te                                                                                                      

Massaja (59)                                                                                                       Massagem

Puto                                                                                                                     Garoto

Desenxabido                                                                                                      Sem graça

Pacotilha (62)                                                                                                     Obra mal acabada/de pouco valor

Catraio                                                                                                                 Garoto

Um crava                                                                                                             Um aproveitador

Cheta                                                                                                                   Trocado (pequena quantidade de dinheiro)

Indrominar (64)                                                                                                 Enganar

Sarilhos                                                                                                                Depende do contexto, coloquialmente é “confusão”/’desordem’”

Tecto (66)                                                                                                           Teto

Pirou-se (68)                                                                                                      Fugiu/ Se safou

Sapadores                                                                                                           Soldados do batalhão de engenharia/explosivos

“Mais coisa menos coisas” (69)

Amachucadas                                                                                                     Abarrotada/machucada

Guarda-lamas (71)                                                                                             Para-lamas

Facto                                                                                                                    Fato

Hem? (72)                                                                                                           Hein

Estão-se nas tintas

Sacanice (73)                                                                                                     Sacanagem

Tramado                                                                                                              Prejudicado

Lazeira                                                                                                                 Preguiça

Inverno                                                                                                               inverno (minúscula)

Verão                                                                                                                   verão (minúscula)

Tretas (75)                                                                                                          Coisas sem importância

Género                                                                                                                Gênero

Cómoda                                                                                                               Cômoda

“O retreto à hora de ponta” (76)

Galatina

Consoada (76)                                                                                                    Uma ceia leve que se toma à noite

Crónicas                                                                                                              Crônicas

Risota (77)                                                                                                           Risadinha/risada de menosprezo

Pifo (80)                                                                                                              bebedeira (talvez bêbado?)

Piela                                                                                                                     bebedeira

Autoclismo                                                                                                         descarga (da privada)

“Perco o pio” (81)                                                                                             Perco a resposta/fico sem resposta

Coirão                                                                                                                  Mulher promíscua/prostituta

Delambida (82)                                                                                                  Presunçosa

Monos (84)                                                                                                         Estúpidos (depende do contexto)

Pedichona

Chinesices (87)                                                                                                  Esquisitices

“Orelhas moucas”                                                                                             Surdas

Abjecto                                                                                                               Abjeto

Abril (89) (maiúscula)                                                                                       juventude/época em que é jovem

                                                                                                                             [Eu diria que é como quando

                                                                                                                             falamos na primavera da vida/flor

                                                                                                                             da idade,  talvez.]

Magalas                                                                                                               soldados

Nogado                                                                                                                Doce de nozes português

Carrinhos de choque                                                                                        Carrinhos bate-bate

“Com a mala de senhora debaixo do capot”(91)

Baptizamo-los                                                                                                     Batizamo-los

Chupa-chupa                                                                                                      Pirulito

Rulotes (92)                                                                                                        Trailer (veículo)

Casa de banho (95)                                                                                           Banheiro

Uma assoalhada

Todo giro

Ascensor (depois ele usa elevador)                                                              Elevador

Colector                                                                                                              Coletor

Mandriona (97)                                                                                                 Preguiçosa (?)

Fieiras

numa data de coisas”

Moscovo                                                                                                             Moscou

Casa de jantar (100)                                                                                          Sala de jantar

Pamir                                                                                                                  

Caloiro                                                                                                                 Calouro

preciso de explicar”

a cem a hora” (101)                                                                                        a cem por hora (km/h)

Manducar (103)                                                                                                Mastigar

Estávamo-nos nas tintas                                                                                    “Não estava/estávamos nem aí”

Mais pequeno (105)                                                                                         menor

Casinhotos                                                                                                          Casas/casinhas

Gáspeas                                                                                                               Bico do sapato (também pode ser dar umas bofetadas em alguém”)

Mãos-largas                                                                                                        Generoso

Baboso                                                                                                                Apaixonado/tolo de amor

Rapariga                                                                                                              Moça/menina

Sítio estranho (108)                                                                                          Lugar desconhecido

Fato                                                                                                                      Paletó/terno

Mandrião                                                                                                            Preguiçoso

Colónias                                                                                                              Colônias

Gajas                                                                                                                    ao se referir a garotas /mulheres que não se sabe o nome ou não quer falar o nome/ ‘pessoas’

Pacotinha

Uma gaiata                                                                                                          travessa (mulher)

Passámos (110)

Papá                                                                                                                     Papai ou pai

Madraço                                                                                                             Preguiçoso/vadio

Gramava                                                                                                              Aturava (?)

Pildra (111)                                                                                                        Cama ou prisão

Borla                                                                                                                    calote

Cachopa (113)                                                                                                   moça

Porquê (se é uma pergunta, no Brasil, a palavra seria separada?)

Estaline                                                                                                                Stalin

Cobardolas (115)                                                                                               Medroso

Vedetas                                                                                                               Vedetes (Celebridades ou pessoas que gostam de aparecer).

De andar à pressa (118)                                                                                   De andar de pressa (correr/fazer rápido).

Pratos que se confeccionava                                                                          Cozinhar (?)

Suas costeletas (119)

Rabos

Vinagreta (121)                                                                                                  Vinagrete ou vinho porcaria

Adoptado                                                                                                            Adotado

Altifalante                                                                                                           Autofalante

Nimas

instalado” “queridinha”

Matulão                                                                                                               Troncudo (homem forte)

Gira-discos (122)                                                                                               Toca-discos

Actualidades                                                                                                      Atuallidades

Nádegas                                                                                                              Lá onde o tradutor usa “bunda”, no Brasil, possivelmente se usaria nádegas ou glúteos.

Baptistas                                                                                                              Batistas

Para nós os dois                                                                                                 Para nós dois

Zaragata                                                                                                              Desordem/Barulho

Vou-ta (123)                                                                                                       Vou-te

Bancos rebatíveis                                                                                              Bancos reclináveis ou retráteis(?)

Com som a fundo                                                                               Com música ambiente. Com um som ao fundo.

Era a ração que começava (124)

Folhetos

Rabo (126

Rapava                                                                                                                 Raspava/puxar por

Fartote                                                                                                                Fartura

Botoeira

Sinetas                                                                                                                 Sinetes

Colectas (129)                                                                                                    Coletas

Bandeiras despregadas

Tinha ficado conquistada

À-vontade                                                                                                           À vontade

Falámos (131)                                                                                                    Falamos

Harmónicos                                                                                                        Harmônicos

Ficámos (132)                                                                                                    Ficamos

KO                                                                                                                        Nocaute

Objectivos                                                                                                          Objetivos

Equipa                                                                                                                 Equipe

Objecções                                                                                                          Objeções

Colectivas (133)                                                                                                 Coletivas

Entregámo-nos (135)                                                                                        Entregamo-nos

Mostrou-ma                                                                                                       Mostrou-me

Estás a ver Andrómeda (137)                                                                          Estás vendo Andrômeda

E mesmo mais,

Camisa de noite                                                                                                 Pijama

Te vens dormir                                                                                                  Vens dormir

No rabo (140)

Dobrar o cabo do café

Cavaqueira                                                                                                          Mulher que faz ou vende doces

Tarte (143)                                                                                                         Torta

Bibes                                                                                                                    Babador

Semicolcheia

Anafada                                                                                                               Gordinha/bem nutrida

Autocarros (147)                                                                                               Ônibus

Que ganho a loteria

Loja de comércio

Estou nas tintas (147)                                                                                       Me lixando?

O gaiato (148)                                                                                                    Jovem travesso

Labrego                                                                                                               Malcriado

Hem

Que se vá lixar (151)                                                                                        Que se dane?

Fiquei siderado (152)                                                                                       Fiquei perplexo

Peplo

Em segunda mão

Feita de ladra (156)

Prémio (157)                                                                                                      Prêmio

Chichi (159)                                                                                                        Xixi

Pacholas                                                                                                              Sossegado/Indolente

Gostavas de ter uma casa no campo?

Zona onde havia pé                                                                                          Local onde dá pé

Fatos-de-banho (160)                                                                                       Roupas de banho

Corrente                                                                                                             Correnteza

Catita (161)

Embezerrada (163)                                                                                           Emburrada

“Dizer uma data de coisas”

Remoinhos (164)                                                                                               Redemoinhos (?)

Te topo (166)

Galdéria                                                                                                               Promíscua

Data de coisas (168)

Deitámos                                                                                                             Deitamos

Comboio (169)

Brigámos                                                                                                             Brigamos

Uma cena e pêras (171)

Prepáramos                                                                                                        Preparamos

Boa-tarde

A luz se foi abaixo                                                                                             Caiu?

Busílis (173)                                                                                                        O ponto da questão

Dores de cabeça                                                                                               Dor de cabeça

Mistela                                                                                                                Vinho quente?

Polémicas (175)                                                                                                 Polêmicas

Sem cola nem ferro (178)

Apánhamos                                                                                                        Apanhamos

Trepámos                                                                                                            Trepamos

Excepção                                                                                                            Exceção

Brilharetes (178)

Embarcámos                                                                                                       Embarcamos

Bofes                                                                                                                   Pulmões

Anquinhas

Económica (179)                                                                                               Econômica

Tacto                                                                                                                    Tato

Projectos                                                                                                            Projetos

Bicados (182)

Jogámos                                                                                                              Jogamos

Caves de cofre-forte (183)

Nado-morotos (2 hifens) e p. 206 (mata-me)

Esplanada

Estaminé                                                                                                             Bar/boteco/estabelecimento

Berças                                                                                                                

Debicar (184)                                                                                                    Provar (comida)/caçoar

Mecânicos com ^

Bugiar (186)                                                                                                        “Vá procurar o que fazer”

Regressámos                                                                                                      Regressamos

Concordámos

Comprámos

Cautela (187)

Me desabobinou o plano de batalha(189)

Era um pouco puta

Desmancho ou assistência pública (criança)

Dar o corpo ao manifesto

Jesuitar a consciência

Actualmente

Maquilhada (191)

Oiça

Reflectira

Projecções (193)

Projécteis (196)

Marimbando (187)

Pespeguei

Cerimónia

Rectilíneas (200)

Emborcamos mais uns copos (201)

Toldado

Exactamente (202)

Pago a minha renda

Ralada

Estalo

Catadupa

Estar com um grão na asa

Tacões esmagadores (205)

Lombrigas (206)

Dá-mo-cá

Os pontos nos is (208)

Apalpar terreno (209)

Estou-te (209)

Exacto

Irónica (210)

Umas sanduíches (211)

Lá lata não lhes falta

Cangalhas

Copo do termo

Esperámos (213)

Direcção                                                                                                                            Direção

Atracção                                                                                                             Atração

Projectadas (215)                                                                                              Projetadas

Acto                                                                                                                     Ato

Fracção                                                                                                               Fração

Parlapiê

Melómana (216)                                                                                                Melômana

Assestado (219)

Dois cais

Atónita                                                                                                                Atônita

Estás com os azeites? (225)

Continuámos                                                                                                      Continuamos

Ir à esquadra (227)

Dar uma mija

Bera (231

Embatucámos

Facturas (234)                                                                                                    Faturas

Amámos                                                                                                             Amamos

Insecto                                                                                                                Inseto

Académico (236)                                                                                               Acadêmico

Mala de mão (233)                                                                                            Pasta

Trouxe-mouxe

Alheta (240)

Bebedolas

Bigudis

Ar fresco

Pensava uma data de coisas (246)

Contracções                                                                                                       Contrações

Bibe (248)

Marmota feita de jornal

Casas esventradas

Mamã (249)                                                                                                        Mãe ou mamãe

Um polícia                                                                                                           O policial (regra)

Travou (251                                                                                                        freou

Vou dormir ao hotel (251)

Afecta                                                                                                                  Afeta                     

Lá lata não vos falta (252)

Anda a fazer o pino (257)

Lava-loiças (259)                                                                                               Lava-louças

Rectângulo (2 coisas)                                                                                        Retângulo

Eléctrico                                                                                                              Elétrico

Uma malga de café (260)

Alarve (264)

Tareia

Lixada (268)

nados—mortos” (2 hifens) p. 183

 

No Brasil tirando o “seu Zé”, quase não se usa o “Pelintra”!

 

“Zé Pelintra” é um entre sobrenatural cultuado por algumas pessoas.

 

Assim, ficam todos convidados a nos (eu e mais um!) traduzir as palavras e frase acima. E, desde já, obrigado.

 

Frases que me marcaram por suas belezas (lirismo, ironia etc.):

 

“Fora buscar a mulher ao mercado de usados, em segunda mão.”, p. 249.

 

“És menos que nada.”, p. 238.

 

“Ficou hirta, a olhar para o tecto.”, p. 225.

 

“A arrastar maldosamente as palavras.”, p. 224.

 

“Com ar calmo à superfície.”, p. 224.

 

“Por vezes há pequenos nadas como este que assumem uma importância enorme.”, p. 219.

 

“Rajadas de estupidez.” p. 213.

 

“Recapitulando o passado para dele fazer uma história.”, p. 211.

 

“Queixumes caligrafados.”, p. 208.

 

“Quando pensou que eu já estava fora de combate tornou-se francamente agressiva.”, p. 204.

 

“- Ah! Já chega! Estou farto de tuas cenas!

- Mas eu não te disse nada! – disse ela com ar admirado.”, p. 203.

 

“Sim, passámos bons momentos, somente a viver. Vimos bem, por aqui e por ali, todos esses, segundos impossíveis de esmiuçar que se chamam felicidade, feitos de pequenos egoísmos, de imensos esquecimentos, cobertos de obscenidade à força de serem felizes, impossíveis de contar, como insultos lançados ao rosto do mundo.”, p. 200.

 

“Dava-me gosto ser analisado com palavras simpáticas... Que fosse verdade ou não, era o menos importante. Deixei a minha Paulette inundar-me de cambiantes.”, p. 182.

 

“Aquele olhar, esse pequeno nada que brilhava.”, p. 181.

 

“O seu rosário de tristezas.”, p. 175.

 

“Comecei por dar-lhe uns beijinhos, ao que ela correspondeu. Estávamos ainda longe da aversão total.

Mas esta situação não podia durar uma eternidade. Amávamo-nos, sentíamos isso perfeitamente, mas o busílis da questão eram as investidas do amor-próprio.”, p. 173.

 

“O vazio envolto em papel de sede.”, p. 169.

 

“A miúda era o desgosto personificado.”, p. 167.

 

“No fundo, a vida é estúpida, é absurda. Não sabemos o que queremos, nunca. Nunca é isso... Eu amo, tu amas, ele ama, e depois fartamo-nos na mesma...”, p. 165.

 

“Com nádegas e seios que se encaminhavam pouco a pouco para a gelatina.”, p. 157.

 

“Era precisamente do seu amor morto que eu tinha ciúmes.”, p. 139.

 

“Não queres fazer um sorriso?”, p. 139.

 

“Sim, política! Bela ciência! Mas não é para nós! Para isso há profissionais, que nos repugnam sempre um pouco.”, p. 134.

 

“Escolhemos o menos mau na bela folia de cabaret, e depois partimos as trombas aos outros. É a vida que o impõe.”, p. 134.

 

“Gritamos palavras, tesos como falos a fornicar o caos.”¸ p. 133.

 

“Nós pensamos no Pão, e não tanto na igualdade. O Pão para todos, o mínimo, o trabalho garantido, a coragem de viver. Isso não é um mal!”, p. 133.

 

“A moda é feita para pessoas sem gosto.”, p. 127.

 

“Mas, enfim, toda a gente tem a mania de se julgar superior à fama que tem... Adiante!”, p. 126.

 

“Usurpava meu silêncio.”, p. 126.

 

 

“É claro que bastaria não fumar, mas para isso teria de haver um fanfarrão não fumador neste cinema para tomar a decisão suprema.”, p. 123.

 

“-Sim... sim... – dizia eu para comer sossegado.”, p. 120.

 

devorar o jornal, a fazer-lhe cuspir aquilo que ele não queria dizer.”, p. 119.

 

“A vida não é nada mais do que isso, pequenos nadas a que damos muita importância.”, p. 118.

 

“Trabalho, dizia eu para mim mesmo, e mais trabalho... não é propriamente um artigo de qualidade, como vida. É um artigo vulgar, do mais simples que há, de saldo. É claro que ele é preciso, e muito, mas porquê ela e eu?”, p.113

 

“Ficaria uma verdadeira mulher de rico se a vestissem bem.”, p. 107.

 

“Na oficina há muitos resignados. Tinham chegado sem amargura, com naturalidade, copiadores. O resultado era o mesmo. Não há lugar para a revolta.”, p. 104.

 

“Quer queiramos quer não, para nós o trabalho tem uma importância fundamental. Não podemos deixar de pensar nele. Não há nada a fazer, de certo modo estamos cá para isso, fossar para o próximo e manducar um pouco.

É uma simpática marcha forçada, não é para apanhar flores. Para as flores, estão cá outros. Não somos nós!

Na minha juventude, era um revoltado, estava farto de trabalhar para viver e de viver para trabalhar.

Queria outra coisa, uma corrente de ar fresco, uma mudança. Não estava habituado, não tinha a resignação dos velhos. Queria falar do descanso, para saber, apesar de tudo, como é a vida fora das fábricas e dos quartos piolhosos.

Em resumo, uma necessidade de explodir

Passeei a minha indigência por todo o lado. Mas não é isso que quero contar. Essa fase acabou. Recomecei a vida, tornei-me o bom rapaz resignado com um monte de desculpas pessoais e sensatas. Ponto final à juventude.”, p. 103.

 

“Estou certo de que nessa altura fui amado. É o contrário que não seria possível. Eu amava a minha Paulette, e era capaz de dar cabo de mim se a perdesse.

Não é uma treta, nem se trata de resignação. Era um verdadeiro renascimento, uma coisa completamente nova, emoções de rapazinho, sonhos de caloiro. De modo nenhum uma felicidade de funcionário.

Devia contar isso como uma viagem longínqua, agora que tudo está murcho e sangrento e me deixou o coração apertado como se tivesse descido aos infernos.

Os altos planaltos vão longe. A vida toda é feita de descer, disso não há dúvida.

[...]

Mas eu percebo pouco da vida. Sei apenas que podemos ser felizes e a seguir infelizes. Não sei ainda se isso tem explicação.”, p. 101.

 

“Tudo era novo, eu tinha um grande coração que me ocupava toda a caixa torácica, que batia em todo o lado sob a pele, que subia para me apertar a garganta e me sufocava em menos de nada.

A música, talvez?... Por vezes, chorei. É ridículo, eu sei, mas não vejo porque não haveria de o dizer.”, p. 100.

 

Reflectindo sobre o passado, é possível que tenha sido nessa altura que conheci a verdadeira felicidade, sem pensar em nada que não fosse viver simplesmente com uma mulherzinha apetitosa. Agora, cada vez que quero encontrar frescura e felicidade nas minhas recordações, é ai que me detenho, nesse momento bem egoísta, quando éramos dois a chatear toda a gente.

Tudo coisas que não são para contar. Sem sofrimento, não existe história, arte, civilização, nada. Já sabemos.

Se virmos bem, a felicidade é sempre qualquer coisa de obsceno.

Um contentamento perfeito, tanto à superfície como em profundidade, comer bem, gozar a vida, em espasmos ou em preces, eis a base de tudo. O resto não passa de uma grande farsa e de um biombo. A felicidade é começar por nos fecharmos num grande egoísmo. Não é que seja bonito, mas é repousante.”, p. 99.

 

“O ascensor [...] Não cabiam lá gorodos.”, p. 98.

 

Porque é que um homem é mais forte do que uma mulher?

Grande pergunta, que nos leva à fonte dos privilégios.”, p. 90.

 

“E, quanto a argumentos, sou um bocado lento. Geralmente precisava de umas vinte e quatro horas para lhe responder à letra.”, p. 88.

 

 

“Seria muito difícil amar uma mulher e a verdade ao mesmo tempo”, p. 85.

 

“Em casa deles era tudo como deve ser, até as descomposturas”, p. 83.

 

“Ria-me sempre fora do tempo”, p. 77.

 

“Sua famosa decisão enérgica de mandar metade do pessoal para o desemprego”, p. 71.

 

“Reduzia-lhe o cérebro à força de o cercar de descomposturas”, 67.

 

“Nós, as pessoas normais, cuspíamos-lhes em cima. Julgávamo-las de um plano superior”, p. 65.

 

“E a sessão de mexericos, por pequenos nadas, prosseguiu incansavelmente”, p. 62.

 

“É incrível a quantidade de coisas que se podem dizer assim sem mais nem menos para não dizer nada”, p. 61.

 

“Consideração engarrafada”, p. 60.

 

“Tinha conquistado um lugar com o suor da minha língua”, p. 57.

 

“Ela ria a bom rir”, p. 52.

 

“O rei dos sacanas, o imperador dos safados”, p. 49.

 

“No fim de contas, não tenho sorte. E eu também não”, p. 48.

 

“Defino a forma, sublimo-a, sinto a cor certa a chegar. Olha-me para esta matéria, se não é uma coisa nova, se não é espessa e profunda e tudo, se não é o universo que fiz aqui!...”, p. 47.

 

“Caminhos laterais e de perspectivas.”, p. 47 .

 

“Durou um dez minutos bem medidos”, p. 43.

 

“Perguntou-me se gostava de frango. Eu, por mim, gostava de tudo”, p. 41.

 

“Tinha medo de levantar a tampa, mas ao mesmo tempo queria ver mais fundo”, p. 30 .

 

“Meu passarinho azul”, p. 29 .

 

“A madrugada chegou, alegre como um Verão inteiro, com os pardalitos que faziam já amor, eles que tinham apenas duas categorias, macho e fêmea, e não toda esta nossa compartimentação, casados, não casados, que leva a que nunca seja o momento ou o parceiro adequado...”, p. 28.

 

“Jurara não me moer mais com isso, mas uma pessoa não muda.”, p. 28.

 

“Uma pombinha bem torneada a quem eu ainda não tinha desistido de deitar a mão”, p. 25.

 

“Umas boas recordações por pouco dinheiro”, p. 25.

 

“Porém, isso não me deixava totalmente feliz. Estava farto da minha solidão. Só precisava de uma putazinha qualquer para viver bem. Era capaz de dar metade do meu salário, ou mesmo o salário todo, para ter uma mulher na minha cama desfeita. Mas isso todas as noites. E de falar com ela, também. E de ter o prazer de a despir quando me apetecesse, e de a fazer girar nos meus braços e ouvi-la rir, um verdadeiro riso de mulher, para mim.”, p. 24.

 

“Mesmo assim era um gajo porreiro; não era lá muito forte mas sabia tudo sobre desportos, fossem eles quais fossem. Incapaz de correr os oitocentos metros a trote ligeiro, não conseguia saltar um metro e quarenta em altura nem lançar o peso a sete metros. Mas não tinha importância, conhecia toda a gente e os termos técnicos, nunca se cansava, sempre a perdigotar sobre aquilo.”, p. 24.

 

“Aquilo aborrecia-me um pouco, pois teria o maior dos gostos em fazer dos versalhês um cornudo”, p.  23.

 

“Fiquei a protegê-la com os braços, muito bem comportado, mas consumido por dentro.”, p. 21.

 

“Em suma, as nossas conversas eram quase literárias, elevadas e não muito triviais, como acontece quando temos alguém novo a quem queremos agradar.”, p.  21.

 

“Uma mulher... que fazia parte da paisagem”, p.  16.

 

“Não era feia de todo”, p. 16.

 

“Procurava desenroscar-me o melhor possível”, p.  15.

 

“Foi assim que recomecei a minha vida em segunda edição.” p. 14.

 

“Tive os genitais em acção antes dos miolos.”, p. 14.

 

“Temos uma traça dos diabos. Somos capazes de comer tudo e mais alguma coisa, mas não podemos comprar nada.”, p. 9.

  

É isso!

 

Obrigado e inté,

 

Osório

 

História da arte Graã Proença

CarOAs todOAs,

 

Qual o seu relacionamento com a arte?

 

Ela pode lhe ajudar como?

 

Leia o trechos do livro abaixo – e depois ele em sua integralidade, pois, certamente, pulamos, involuntariamente, mas isso sempre acontece, partes que, certamente, irão lhe interessar – e apaixone-se pela História da Arte, caso você ainda não o seja. Se o for, renovará os laços de união prazerosa.

 

Vamos lá?

 

Eis:

 

 

 

História da Arte

Graça Proença

Editora Ática. 2004. São Paulo

 

A arte na história

 

“... o homem cria objetos não apenas para se servir utilitariamente deles, mas também para expressar seus sentimentos diante da vida e, mais ainda, para expressar a visão do momento histórico em que vive. Essas criações constituem as obras de arte e também contam – talvez de forma muito mais fiel – a história dos homens ao longo dos séculos [Osório diz: a autora nos dá a gênese da obra de arte]. Segundo Ruskin, crítico de arte inglês, “as grandes nações escrevem sua autobiografia em três volumes: o livro de suas ações, o livro de suas palavras e o livro de sua arte”. E acrescenta: “nenhum desses três livros pode ser compreendido sem que se tenham lido os outros dois, mas desses três, o único em que se pode confiar é o último”. (p. 7).

 

 

Na verdade, a preocupação do homem com a beleza está tão presente nas culturas, que até mesmo os objetos essencialmente úteis são concebidos de forma harmoniosa e apresentam-se em cores muito combinadas. Isso pode ser constatado quando observamos uma urna grega, um astrolábio do século XVI ou um moderno automóvel com suas cores brilhantes e suas formas aerodinâmicas. (p. 8) [Osório diz: se vai fazer algo, faça-o bonito, pois “os olhos costumam ser a porta de entrada para os sentimentos agradáveis relativos à beleza]

 

 

A arte do Paleolítico Superior

 

Como a duração da Pré-História foi muito longa, os historiadores a dividiram em três períodos: Paleolítico Inferior (cerca de 500 000 a.C.), Paleolítico Superior (aproximadamente 30 000 a.C.) e Neolítico (por volta do ano 10 000 a.C.).

...

A principal característica dos desenhas da Idade da Pedra Lascada, nome pelo qual também é conhecido o Paleolítico Superior, é o naturalismo.  (p. 10)

 

... Os egípcios, por exemplo, representavam as figuras do perfil, mas colocavam os olhos vistos de frente. Ou seja, faziam uma composição entre aquilo que viam e o que não viam, mas sabiam que existia. Na arte do Paleolítico isso não acontece.

...

Ou seja, o pintor–caçador do Paleolítico supunha ter poder sobre o animal desde que possuísse a sua imagem. Acreditava que poderia atar o animal verdadeiro desde que o representasse ferido mortalmente ferido num desenho. Assim, para ele, os desenhos não eram representações de seres, mas os próprios seres. Essa é a explicação mais aceita para as pinturas do Paleolítico Superior. (p. 11) [Osório diz: aqui havia um “confusão”, podemos dizer, entre as palavras e as coisas. No caso, entre a imagem e a coisa]

 

 

A arte do Neolítico

 

O último período da Pré-História é chamado de Neolítico ou Idade da Pedra Polida. Esse nome foi adotado por causa da técnica de construir armas e instrumentos com pedras polidas mediante atrito. Mas além desse aprimoramento técnico, o acontecimento mais significativo desse período foi o início da agricultura e da domesticação de animais. Isso deu início à substituição da vida nômade por uma vida mais estabilizada.

...

Todas essas conquistas técnicas tiveram um forte reflexo na arte. O homem, que se tornara um camponês, não precisava mais ter os sentidos apurados do caçador do Paleolítico, e o seu poder de observação foi substituído pela abstração e racionalização. (p. 13).

 

Mas não foi apenas a maneira de desenhar e pintar que sofreu modificações. Os próprios temas da arte mudaram: começaram as representações da vida coletiva. Como as pessoas passaram a ser representadas em suas atividades cotidianas, um novo problema se colocou para o artista: dar ideia de movimento através da imagem fixa (fig. 2.2). E o artista do Neolítico conseguiu isso de uma maneira eficiente, como se pode notar nas pinturas de cenas de danças coletivas, possivelmente ligadas ao trabalho de plantio e colheita.

A preocupação com o movimento fez com que os artistas criassem figuras leves, ágeis, pequenas e de pouca cor. Com o tempo, essas figuras foram se reduzindo a traços e linhas muito simples, mas que comunicavam algo para quem as via. Desses desenhos surge, portanto, a primeira forma de escrita, a escrita pictográfica, que consiste em representar seres e ideias pelo desenho. (p. 14). [Osório diz: olhando as imagens percebe-se que o artista conseguiu].

 

Desse desenhos surge, portanto, a primeira forma de escrita pictográfica, que consiste em representar seres e ideias pelo desenho. (p. 14) [Osório diz: nascimento da escrita pictória]

 

 

A arte no Egito

 

... deserto de Gizé (p. 18) [Osório diz: as pirâmides do Egito ficam nesse deserto, daí nos referirmos a elas como as pirâmides de Gizé, no Egito].

 

 

... não existe nenhuma espécie de argamassa entre os blocos de pedra que formam suas imensas paredes (p. 19) [Osório diz: essa técnica dispensava o “cimento”!]

 

De acordo com essa convenção, a arte não deveria apresentar uma reprodução naturalista que sugerisse ilusão de realidade. (p. 20) [Osório diz: era, assim, feita uma separação entre, digamos, ilusão e realidade. É claro que a pintura é real, mas, muitas vezes, não reproduz a realidade. Como um desenho da quimera, por exemplo. Mas, nessa época, a separação era bem rígida: pintura é pintura, realidade é realidade]

 

... estátuas gigantescas e as imensas colunas comemorativas dos feitos políticos desse soberano [Osório diz: já existia a busca pela perpetuação da história pela arte. Havia, também, já o desejo do governante de mostrar à posteridade o seu legado]

 

... a sociedade egípcia e consequentemente a sua arte, que, influenciada pela dos povos invasores vai perdendo suas características e refletindo a própria crise política do império. (p. 22) [Osório diz: isso demonstra que a arte não é estanque, que pode evoluir, inclusive para pior, que, no caso, seria uma involução e não evolução].

 

 

A arte da civilização egeia

 

... megaron (p. 25) [Osório diz: era um grande salão nos palácios gregos que era sua sala principal].

 

 

A arte na Grécia

 

... influência do Egito... [Osório diz: os próprios gregos confessam a influência do Egito em sua cultura. Pena que os egípcios não deixaram registrada em material capaz de perpetuar-se sua rica cultura, como sabemos pelo pouco que sobrou].

 

... Mas enquanto os egípcios procuravam fazer uma figura realista de um homem, o escultor grego acreditava que uma estátua que representasse um homem não deveria ser apenas semelhante a um homem, mas também um objeto belo em si mesmo. [Osório diz: sútil essa diferenciação, mas imprescindível na separação entre “a arte e as coisas”! Os gregos deram um passo além, viram adiante a partir do “ombro de gigantes”, como disse Newton].

 

Distribuído sobre as duas pernas. Esse tipo de estátua é chamado kouros, palavra grega que significa homem jovem. (p. 28)

 

A solução para esse problema foi dada por Policleto. Sua escultura Doríforo (lanceiro) mostra um homem caminhando e pronto para dar mais um passo. Nesse trabalho – também conhecido através de uma cópia romana em mármore – a figura toda apresenta alternância de membros tensos e relaxados. [Osório diz: colocar essa percepção no mármore é mais uma diferenciação do artista para os demais homens sem talento para isso].

 

 

O maior pintor de figuras negras foi Exéquias (p. 32) [Osório diz: exéquias chamam-se, também, “cerimônias ou honras fúnebres”].

 

Por volta de 530 a. C., um discípulo de Exéquias realizou uma grande modificação na arte de pintar vasos. Ele inverteu o esquema de cores: deixou as figuras na cor natural do barro cozido e pintou o fundo de negro, dando início à série de figuras vermelhas. O efeito conseguido com essa inversão cromática foi, sobretudo, dar maior vivacidade às figuras. [Osório diz: Quem era ele esse “Aristóteles” de Exéquias?! E isso é mais uma daquelas afirmações, implícitas, de que o discípulo não precisa seguir cegamente o mestre].    

 

...

 

A escultura do século IV a. C. apresenta traços bem característicos. O primeiro deles é o crescente naturalismo: os seres humanos não eram representados apenas de acordo com a idade e a personalidade, mas também segundo as emoções e o estado de espírito de um momento. Outro é a representação, sob forma humana, de conceitos e sentimentos, como a paz, o amor, a liberdade, a vitória, etc. Um terceiro é o surgimento do nu feminino, pois nos períodos arcaico e clássico, as figuras de mulher eram esculpidas sempre vestidas. (p. 33) [Osório diz: ainda bem que a Grécia dessa época não tinha certos imbecis igual aqueles que pululam no Brasil no século XXI!].

 

Afrodite de Melos, Vênus de Milo, na designação romana [Osório diz: é, até agora, a perfeição do nu feminino].

 

No início do século III a. C. os escultores procuraram criar figuras que expressassem maior mobilidade e que levassem o olhar do observador a circular em torno delas. Um belo exemplo dessa nova tendência é a Vitória da Samotrácia [Osório diz: mas tal efeito somente é observável pela visão da imagem].

 

Assim é o grupo formado pelo soldado gálata que acaba de matar sua mulher e está pronto para suicidar-se. (p. 34) [Osório diz: é exemplo de mobilidade na escultura].

 

É importante notar que esse grupo revela ao observador, uma carga de dramaticidade de qualquer lado que seja visto: o soldado olha para trás para de forma desafiadora e está pronto a enterrar a espada em seu pescoço, enquanto segura por um dos braços o corpo inerte de sua mulher, que escorrega para o chão. O outro braço, já sem vida, contrasta com a perna tensa do marido, ao lado do qual ele pende. O sentido dramático é conseguido justamente pelos contrastes: vida e morte, homem e mulher, nu e vestido, força e debilidade. [Osório diz: mudando de assunto, essa palhaçada de matar a mulher vem de longe! “Felizmente” o tal soldado se matou!].

 

A arquitetura

 

Isto se reflete imediatamente na arquitetura de suas moradias. No século V a. C., elas eram muito modestas e apenas os edifícios públicos eram construídos com suntuosidade. A partir do século IV a. C., entretanto, as casas começaram a receber um cuidado maior e, com o tempo, foram ganhando mais espaço e conforto.

A troca de sentimento comunitário pelo sentimento individualista manifesta-se também no teatro. O coro – que no período clássico era muito valorizado nas representações teatrais e desempenhava a ação do povo ou de grupos humanos – passa para o segundo plano. Agora, a ênfase maior é dada ao desempenho dos atores. (p. 35) 

 

fachada de um só andar chamada proscênio, onde eram apoiados os cenários.

 

A concepção do teatro como um espaço arquitetônico unitário, e não mais dividido em três partes independentes, começou a ganhar força, atingindo seu desenvolvimento pleno um pouco mais tarde, entre os romanos. (p. 36) [Osório diz: evolução na construção dos teatros].

 

 

A arte em Roma

 

a arte ... greco-helenística, orientada para a expressão de um ideal de beleza. (p. 37) [Osório diz:

 

Os romanos costumavam erigir seus templos num plano mais elevado e a entrada só era alcançada através de uma escadaria construída diante da fachada principal. [Osório diz: este princípio foi aproveitado no Teatro Amazonas, em Manaus].

 

pórtico [Osório diz: local coberto à entrada de um edifício, de um templo, de um palácio etc.]

 

Mas nem todos os templos resultaram da soma da tradição romana e dos ornamentos gregos. Enquanto a concepção arquitetônica grega criava edifícios para serem vistos do exterior, a romana procurava crias espaços interiores. O Panteão, construído em Roma durante o reinado do Imperador Adriano, é certamente o melhor exemplo dessa diferença.

Planejado para reunir a grande variedade de deuses existentes em todo o Império... [Osório diz: finalidade do Panteão].

 

peristilo (p. 39) [Osório diz: “1. pátio rodeado por colunas. 2. conjunto de colunas que formam uma espécie de galeria em torno ou diante de um edifício.” Diz a internet.].

 

Por serem realistas e práticos [Osório diz: os romanos], suas esculturas são uma realização fiel das pessoas e não a de um ideal de beleza humana, como fizeram os gregos. (p. 42)

 

É verdade que os gregos também ornamentaram sua arquitetura com relevos e esculturas, mas estas sempre representaram fatos mitológicos e intemporais. Ao contrário disso, os relevos romanos especificavam nitidamente o acontecimento e as pessoas que dele participaram.

 

... os invasores germânicos (p. 43) [Osório diz: os germânicos, nessa época, não filosofavam e eram os ... bárbaros! “Chupa Hitler”! kkkk].

 

... o número de pessoas convertidas à nova religião [Osório diz: o cristianismo], os construtores procuraram criar amplos espaços e ornamentar as paredes com pinturas e mosaicos que ensinavam os mistérios da fé aos novos cristãos e contribuíam para o aprimoramento de sua espiritualidade. Além disso, o espaço interno foi organizado de acordo com as exigências do culto. [Osório diz: “Como a vasta maioria dos cristãos comuns era analfabeta, a arte era o único meio de comunicação de massa, e os pontífices e príncipes esbanjavam dinheiro nela. Os papas que construíram a Basílica de São Pedro foram os Morgan e os Rockefeller da época, e muitos artistas enriqueceram trabalhando para eles.”, nos informa R.A. SCOTTI. Basílica de São Pedro – Esplendor e escândalo na construção da Catedral do Vaticano. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.].

 

Abside, recinto semicircular na extremidade do templo (p. 46)

 

A arte bizantina

 

Constantinopla foi fundada pelo Imperador Constantino, em 330, no local onde ficava Bizâncio, antiga colônia grega. Por causa de sua localização geográfica entre a Europa e a Ásia, no estreito de Bósforo, esta rica cidade foi palco de uma verdadeira síntese das culturas greco-romana e oriental. Entretanto, o termo bizantino, derivado de Bizâncio, passou a ser usado para nomear as criações culturais de todo o Império do Oriente, e não só daquela cidade.

O Império Bizantino – como acabou sendo denominado o Império Romano do Oriente, alcançou seu apogeu político e cultural durante o governo do Imperador Justiniano, que reinou de 527 a 565

A arte bizantina tinha um objetivo: expressar a autoridade absoluta do imperador, considerado sagrado, representante de Deus e com poderes temporais e espirituais. (p. 47) [Osório diz: os padres até hoje e os políticos, se o povo deixar, se sentirão e dirão serem representantes desse “Ser Aí”! (ou seria Não-Ser?)].

 

... o mausoléu da Imperatriz Gala Placídia (p. 50) [Osório diz: minha filha Antonia Angela tem uma parente materna de nome Placídia, que somente agora possa a imaginar de onde veio!]

 

A palavra ícone é grega e significa imagem (p. 52).

 

 

A arte da Europa Ocidental no Início da Idade Média

 

... os bárbaros destacaram-se na criação de pequenos objetos, como brincos, colares, pulseiras, fivelas e fechos. (p. 53) [Osório diz: eram os hypes da época? Kkk].

 

O desconhecimento dos assuntos referentes à educação e à arte passou a ser tão grande que, no século VII, as únicas fontes de preservação da cultura greco–romana eram as escolas ligadas às catedrais e mantidas pelos bispos para a formação do clero. [Osório diz: isso na Idade Média].

Foi assim que a Igreja passou a exercer sua influência sobre toda a sociedade e até mesmo sobre o Estado, pois as escolas monásticas eram as únicas instituições educacionais para onde as famílias podiam mandar seus filhos. Além de cuidar do ensino, foi também a Igreja que continuou a contratar artistas, construtores, carpinteiros, marceneiros, vitralistas, decoradores, escultores e pintores, pois as igrejas eram os únicos edifícios públicos que ainda se construíam. [Osório diz: de certo modo, a educação continua sendo um privilégio de ricos! Com as micros exceções, que não devem contar].

 

Em 800, Carlos Magno é coroado imperador do Ocidente pelo papa Leão III. O poder real une-se então ao poder papal e o rei franco torna-se o protetor da cristandade. (p. 55) [Osório diz: Volta a política temporal mandar na espiritual, como deve ser, penso!].

 

A arte românica

 

Na arquitetura esse fato foi decisivo, pois levou, mais tarde, à criação de um novo estilo para a edificação, principalmente das igrejas, que recebeu a denominação de românico. Esse nome foi criado, portanto, para designar as realizações arquitetônicas do final dos séculos XI e XII, na Europa, cuja estrutura era semelhante à das construções dos antigos romanos. (p. 57) [Osório diz: O Estilo Românico, quase confundível com o Romântico, não fosse aquele ligado a arquitetura!].

 

... uma sensação de solidez e repouso (p. 57) [Osório diz: Um sentimento criado pela visualização das características das edificações românicas].

 

Numa época em que poucas pessoas sabiam ler, a Igreja recorria à pintura e à escultura para narrar histórias bíblicas ou comunicar valores religiosos aos fiéis. Um lugar muito usado para isso eram os portais, na entrada do templo. No portal, a área mais ocupada pelas esculturas era o tímpano, nome que recebe a parede semicircular que fica logo abaixo dos arcos que arrematam o vão superior da porta. (p. 59)

 

... formas pesadas, duras e primitivas

 

... aspecto mais leve e delicado (p. 60) [Osório diz: belas essas metáforas! “A metáfora também é uma figura que consiste em empregar uma palavra fora do seu sentido normal, demonstrando uma semelhança entre seres. A comparação, neste caso, é mental e subjetiva.”, ensina Roberto Melo Mesquita, em “Gramática da língua portuguesa”, Saraiva, São Paulo, 2001: p. 559.].

 

 

A arte gótica

 

No século XVI, essa nova arquitetura foi chamada desdenhosamente de gótica pelos estudiosos, que a consideravam de aparência tão bárbara que poderia ter sido criada pelos godos, povo que invadiu o Império Romano e destruiu muitas obras da antiga civilização romana. (p. 62) [Osório diz: Hoje as catedrais góticas, a meu sentir, são as mais belas!].

 

Na fachada da abadia de Saint–Denis, os portais laterais eram continuados por altas torres. O portal central tem, acima dos frisos que emolduram o tímpano, uma grande janela, acima da qual há uma outra, redonda, chamada rosácea. A rosácea é um elemento arquitetônico muito característico do estilo gótico e está presente em quase todas as igrejas construídas entre os séculos XII e XIV. (p. 63)

 

Arcobotantes (p. 69) [Osório diz: “construção, em forma de meio arco, erguida na parte exterior dos edifícios góticos para apoiar as paredes e abóbadas.” Gosto desse nome desde que o li, pela vez primeira, que também pode ser dita pela primeira vez, no livro “Os pilares da terra, de Ken Follett (https://www.youtube.com/watch?v=jjb0aMu8hx4)].

 

Essa pele curtida chamava-se velino [Osório diz: o couro do cordeiro. “O velo de ouro ou tosão de ouro (chamado ainda de velino ou velocino; em grego: Χρυσόμαλλον Δέρας) é na mitologia grega a lã de ouro do carneiro alado Crisómalo.”].

 

Esse trabalho decorativo ficou conhecido com o nome de iluminura (p. 73) [Osório diz: as letras diferenciadas artisticamente e as ilustrações dos livros antigos. Atualmente temos uma editora com esse nome, a “Iluminuras”].

 

No século XIII (...) Começava a surgir então, uma nova classe – a burguesiaque acaba assumindo o poder econômico e político das cidades. Esta classe era composta por pessoas do povo que acumularam fortunas na atividade de comércio. Nesse contexto, o homem sente-se forte, capaz de conquistar muitos bens, e já não se identifica mais com as figuras dos santos tão espiritualizadas e de posturas tão estáticas e rígidas como as da arte bizantina e romântica. (p. 75) [Osório diz: na Grécia, de certo modo, já tinha surgido uma insipiente burguesia. E é ela, ao tomar o poder, que causa tanto ódio em Platão! Mas, penso eu, a burguesia da Idade Média disse para seus botões: “se nós sustentamos o Estado (reino), para que precisamos de reis, se podemos administrar nós mesmos?”. Tomou, então, o poder].

 

 

Conforme o número de painéis, o retábulo recebe um nome especial. Se possui dois painéis, ele se chama díptico; com três, ele é um tríptico; e com quatro ou mais, é um políptico. (p. 76) [Osório diz: Díptico é o “conjunto de duas tábuas articuladas por dobradiças, com algum motivo (ger. religioso) pintado ou esculpido em relevo e que se pode fechar ou expor abertas.” Retábulo é a “estrutura ornamental em pedra ou talha de madeira que se eleva na parte posterior de um altar [Dependendo da fase a que pertence a igreja e, portanto, do estilo, o retábulo pode apresentar colunas ou pilastras, coroamento em arco, revestimento em talha dourada e policromia, ornatos fitomórficos (cachos de uva, folhas de parreira, acanto, p.ex.), figuras de anjos etc.”].

 

Assim o casal aparece de costas refletido no espelho e pode-se ver aí a porta de entrada dos aposentos e até mesmo uma pessoa que se encontra nela, olhando para o interior do quarto. (p. 77) [Osório diz: esta informação sobre o quadro “O Casal Arnolfini” me deixou igual ao “Máscara”! De queixo caído! É que eu pensava que isso tinha sido invenção do pintor espanhol Velázquez no seu quadro “As meninas”! Vivendo e desaprendendo para aprender de novo!].

 

 

O Renascimento na Itália

 

O ideal do humanismo foi sem dúvida o móvel desse progresso e tornou-se o próprio espírito do Renascimento. Num sentido amplo, esse ideal pode ser entendido como a valorização do homem e da natureza, em oposição ao divino e ao sobrenatural, conceitos que haviam impregnado a cultura da Idade Média. [Osório diz: Chama-se renascimento, justamente por tentar fazer renascer a cultura greco-romana! Esse ideal do homem do Renascimento é um ideal dos Sofistas do século V antes da era atual, mais precisamente, seu fundamento está na frase lapidar de Protágoras (“O homem é a medida de todas as coisas.”), com a qual se dá a fundação do humanismo!].

 

Os artistas do Renascimento sempre expressaram os maiores valores da época: a racionalidade e a dignidade do ser humano. (p. 78) [Osório diz: embora a indignidade (da tortura, por exemplo) ainda campeasse! O Monge Savonarola, de Florença, um dos berços do Renascimento, antes de ser queimado vivo, foi torturado durante vários dias pela Igreja Católica e o “Principado” florentino.]

 

 

Outra característica da arte do Renascimento, em especial da pintura, foi o surgimento de artistas com um estilo pessoal, diferente dos demais.

 

Durante a Idade Média, como vimos, a produção artística era anônima. Isso ocorreu porque toda a arte resultou de ideias anteriormente estabelecidas – seja pelo poder real, seja pelo poder eclesiástico – às quais o artista deveria se submeter.

 

Com o Renascimento esse quadro se altera, já que o período se caracteriza pelo ideal de liberdade e, consequentemente, pelo individualismo. É, portanto, a partir dessa época que começa a existir o artista como o conceituamos atualmente: um criador individual e autônomo, que expressa em suas obras os seus sentimentos e suas ideias, sem submissão a nenhum poder que não a sua própria capacidade de criação. (p. 82) [Osório diz: nascimento da individualidade do artista].

 

Federico de Montefeltro (o Duque de Urbino), pintura de Piero della Francesca (p. 86) [Osório diz: Se a pintura retratar o dito cujo, pense em cura feio! Quando puder veja o quadro! Mas não se espante].

 

 

Antinuos grego [Osório diz: “Antínoo era natural da Bitínia (norte da Ásia Menor, hoje na Turquia), cidade que foi fundada por árcades de Mantineia, na Grécia continental. É provável que Adriano tenha conhecido Antínoo durante uma visita à Bitínia e que o tenha levado consigo. As fontes são pouco claras a respeito da espécie de relacionamento que existiria entre ambos. O que é certo é que Antínoo era membro do círculo mais próximo do imperador, uma espécie de pajem ou "garoto de estimação", em razão de sua grande beleza.” Vou no popular: o que a Wikipedia está cheia de dedos para dizer é o seguinte: o Antínoo e o imperador eram namorados!].

 

Mas é na cabeça que se encontram os mais reveladores [sic. traços]. O Davi de Michelangelo tem uma expressão desconhecida até então. Contém uma espécie de força interior que não aparece no humanismo idealizado dos gregos. O Davi de Michelangelo é heroico. Possui um tipo de consciência que surge com o Renascimento em sua plenitude: a capacidade de enfrentar os desafios da existência. Não é apenas contra Golias que este Davi se rebela e batalha. É contra todas as adversidades que podem ameaçar o ser humano. (p. 91) [Osório diz: essas interpretações de uma obra de arte vão sento possíveis a partir do olhar que a elas vai conhecendo e a elas se adaptando de tal forma a ver aquilo que o leigo insensível não é capaz de captar. Por isso, digo eu, podemos dizer que as obras de arte também têm “alma”, e é esta alma que se apresenta ao observador atento, sagaz e sensível].

 

É assim, por exemplo, em Caçadores da Neve, Banquete Nupcial e Dança Campestre. Essa mesma temática foi trabalhada pelo artista em Jogos Infantis, em que apresenta 84 brincadeiras de crianças. [Osório diz: Que número impressionante! Que conhecimento tinha o autor, o holandês Bruegel!].

Quando observamos essa obra, dois fatos nos chamam a atenção. Em primeiro lugar a composição com grande número de figuras técnicas que o artista dominava com segurança. Em segundo, a atitude das crianças: parece que elas não estão brincando por prazer e sim por obrigação, como quem executa um trabalho. Essa sensação é dada pela ausência de sorriso em seus rostos. A melancolia é o seu traço mais marcante. (p. 96) [Osório diz: proponho a seguinte releitura: as crianças sentiam prazer, mas a satisfação não podia ser externada, haja vista que muitos cristão dizem que o sorriso é coisa do Diabo?].

 

 

A arte pré-colombiana

 

...

 

O Barroco na Itália

 

 

 

Altura da cúpula: 131 metros [Osório diz: da Basílica de São Pedro! Penso nos andaimes para se trabalhar em tal altura].

 

Apesar disso, alguns princípios gerais podem ser indicados como caracterizadores dessa concepção artística: as obras barrocas romperam o equilíbrio entre o sentimento e a razão entre a arte e a ciência, que os artistas renascentistas procuram realizar de forma muito consciente; na arte barroca, predominam as emoções e não o racionalismo da arte renascentista. (p. 103) [Osório diz: acho esta uma maravilhosa inversão, pois uma chave de fenda, por exemplo, não tem a mesma beleza de um relógio se derretendo de Dalì!].

 

De modo geral, as características da pintura barroca podem ser resumidas em alguns pontos principais. O primeiro é a disposição dos elementos dos quadros, que sempre forma uma composição em diagonal. Além disso, as cenas representadas envolvem-se em acentuado contraste de claro–escuro, o que intensifica a expressão de sentimentos. Quanto ao assunto, a pintura barroca é realista, mas a realidade que lhe serve de ponto de partida não é só a vida de reis e rainhas de cortes luxuosas, mas também a do povo simples.

 

A produção artística de Tintoretto (1515-1549) foi muito grande. Pintou temas religiosos (Reencontro do Corpo de São Marcos), mitológicos (Vênus e Vulcano) e retratos (Jacopo Soranzo) sempre com duas características bem marcantes: os corpos das figuras são mais expressivos do que os seus rostos e a luz e a cor têm grande intensidade. Essas características são encontradas, por exemplo, no quadro Cristo em Casa de Marta e Maria. (p. 104) [Osório diz:

 

Caravaggio: a beleza não é privilégio da aristocracia

Caravaggio (1573–1616) não se interessou pela beleza clássica que tanto encantou o Renascimento. Ao contrário, procurava seus modelos entre os vendedores, os músicos ambulantes, os ciganos, enfim, entre as pessoas do povo. Para ele não havia a identificação, tão comum na época, entre a beleza e a classe aristocrática. (p. 105) [Osório diz: gostei desse Cara Vaggio!]

 

 

O Barroco na Espanha e nos Países Baixos

 

...

 

O Rococó

 

O termo rococó originou-se da palavra francesa rocaille que, em português, por aproximação, significa concha. Esse detalhe é significativo na medida em que muitas vezes podemos perceber as linhas de uma concha associadas aos elementos decorativos desse estilo. (p. 115) [Osório diz: será que a empresa de petróleo Shell foi buscar sua concha no Rococó?].

 

 

Quando Luís XIV morreu, em 1715, a corte mudou-se de Versalhes para Paris e aí entrou em contato com os ricos e bem-sucedidos homens de negócios, financistas e banqueiros que, por nascimento, não pertenciam à aristocracia. Mas, graças à riqueza que possuíam, tinham condições de proteger os artistas, atitude que lhes dava prestígio pessoal para serem aceitos na sociedade aristocrata. Tornaram-se, por isso, os clientes preferidos dos artistas, que passaram a produzir quadros pequenos e as estatuetas de porcelana para uso doméstico, muito ao gosto da sociedade na época. (p. 116) [Osório diz: Creio que, mudando o que deva ser mudado, foi o que aconteceu em Atenas com os Sofistas do século V antes da era atual! Homens ricos (Platão fala do “rico Cálias”) pagavam aos Professores ambulantes para que estes lhes ensinassem a “falar bem” e, assim, ascenderem ao poder na Democracia ateniense].

 

... Citera é uma ilha do Mediterrâneo, centro de um antigo culto pagão a Vênus, deusa do amor. (p. 119) [Osório diz: Destaquei pela vontade de conhecer! Se você for para lá, caro amigo leitor, me leve!].

 

Jean Baptiste Siméon Chardin (1699–1779) tinha uma situação econômica melhor do que a de Watteau. Este fato permitiu-lhe uma criação mais livre e independente dos favores da corte e das expectativas da aristocracia. Por isso, seus quadros, em vez de apresentarem um mundo fantasioso e frívolo dos cortesãos, retratam cenas da vida cotidiana e burguesa da França. (p. 120) [Osório diz: A importância da riqueza para alguns artistas. Eles podem se expressar melhor, pois a liberdade lhes permite e a opressão da necessidade não lhes serve de sombra].

 

 

O Neoclassicismo e o Romantismo

 

Esse estilo chamou-se Neoclassicismo porque retomou os princípios da arte da Antiguidade greco-romana. A outra denominação – Academicismo – deveu-se ao fato de que as concepções artísticas do mundo greco-romano tornaram-se os conceitos básicos para o ensino das artes nas academias mantidas pelos governos europeus. (p. 122) [Osório diz:

 

 

Assim, de modo geral, podemos afirmar que a característica mais marcante do Romantismo é a valorização dos sentimentos e da imaginação como princípios da criação artística.

Ao lado dessas características mais gerais, outros valores compuseram a estética romântica, tais como o sentimento do presente, o nacionalismo e a valorização da natureza. (p. 126) [Osório diz: Acho que nasci romântico, pois valorizo os sentimentos e, creio, sou imaginativo, embora ainda não seja um artista!]

 

 

O Realismo

 

As cidades não exigem mais ricos palácios e templos. Elas precisam de fábricas, estações ferroviárias, armazéns, lojas, bibliotecas, escolas, hospitais e moradias, tanto para os operários quanto para a nova burguesia. (p. 131) [Osório diz: eis o comércio mais uma vez! Ou, matematicamente: + 1 x. Ele esteve na Grécia do século V antes da era atual. Na Idade Média (Renascimento) e agora (1850-1900)].

 

... a fixação do momento significativo de um gesto humano (p. 132) [Osório diz: isso na escultura São João Pregando, de Rodin].

 

A volta do artista para a representação do real teve uma consequência: sua politização. Isso porque, se a industrialização trouxe um grande desenvolvimento tecnológico, ela provocou também o surgimento de uma grande massa de trabalhadores, vivendo nas cidades em condições precárias e trabalhando em situações desumanas. Surge então a chamada “pintura social”, denunciando as injustiças e as imensas desigualdades entre a miséria dos trabalhadores e a opulência da burguesia. [Osório diz: Pelo fato de o homem ser um ser politico, tudo que ele faz é política, até quando respira. O que a autora quis dizer, creio, é que a arte começou a retratar os pobres e suas misérias].

 

Trabalho que consome a juventude (p. 133) [Osório diz: “O trabalho é tão inimigo do home que tira dele o melhor que ele tem: a juventude.”]

 

 

O Movimento das Artes e Ofícios e o Art Nouveau

 

O trabalho artístico mecanizado [Osório diz: veio como consequência da Revolução Industrial].

 

Grande influência no moderno desenho industrial.

 

Foi com esse movimento que se estabeleceu a prática de os artistas desenharem objetos para a produção em série pela indústria. [Osório diz: o artista tornou-se um operário qualificado!].

 

 

Em última análise, o propósito de Dresser era transformar as formas naturais em formas decorativas (p. 137)

 

 

O impressionismo

 

Os pintores impressionistas procuraram, a partir da observação direta do efeito da luz solar sobre os objetos, registrar em suas telas as constantes alterações que essa luz provoca nas cores da natureza.

 

As figuras não devem ter contornos nítidos, pois a linha é uma abstração do ser humano para representar as imagens. (p. 140) [Osório diz: no mundo “real” as linhas não existem, mas os homens as criam].

 

Basicamente, o trabalho desses dois artistas aprofundou as pesquisas que os impressionistas realizaram quanto à percepção óptica. Seurat, principalmente, acabou reduzindo as pinceladas a um sistema de pontos uniformes que, no seu conjunto, dão ao observador a percepção de uma cena.

 

Essa técnica foi chamada de Pontilhismo e Divisionismo, porque as figuras, na tela, são representadas em minúsculos fragmentos ou pontos, cabendo ao observador percebê-las como um todo plenamente organizado.   (p. 144) [Osório diz: se o homem pudesse observar, de longe, as células ou os átomos que compõem o ser corpo, como o veria? Creio que o Pontilhismo ajuda a imaginar].

 

 

O Pós-Impressionismo

 

Toulosse–Lautrec (...) impossível de ser enquadrado em algum movimento artístico [Osório diz: pertence aos “sem movimento” ou “ a todos os movimentos?].

 

Gauguin (...) limitados por linhas de contorno visíveis (p. 145) [Osório diz: diversamente do Impressionismo, como vimos].

 

Na verdade, Toulosse–Lautrec soube capturar em sua pintura, como nenhum outro artista, a sociedade e o ser humano para além da aparência de felicidade, sentimento quase obrigatório nos últimos anos do século XIX, alegremente chamados de “belle époque”. (p. 148) [Osório diz: certamente que presente, aí, a crítica social, um dos campos dos quais não foge o artista, especialmente os “inconvenientes” poetas!].

 

 

Principais movimentos artísticos do século XX

 

É inegável que o Expressionismo foi uma reação ao Impressionismo, já que esse movimento se preocupou apenas com as sensações de luz e cor, não se importando com os sentimentos humanos e com a problemática da sociedade moderna. Ao contrário, o Expressionismo procurou expressar as emoções humanas e interpretar as angústias que caracterizaram psicologicamente o homem do início do século XX. (p. 152) [Osório diz: eis o artista participando, na medida de suas forças (talento), da vida política na sociedade na qual está inserido].

 

Em 1905, em Paris, durante a realização do São de Outono, alguns jovens pintores foram chamados pelo crítico Louis Vauxcelles de fauves, que em português significa “feras”, por causa da intensidade com que usavam as cores puras, sem misturá-las ou matizá-las. [Osório diz: daí nascendo o Fauvismo].

Dois princípios regem esse movimento artístico: a simplificação das formas das figuras e o emprego de cores puras. (p. 153)

 

Em segundo lugar, Léger procurou superar a distinção entre obra de arte e objeto utilitário, valorizando o desenho industrial para que o objeto produzido pela máquina seja uma das mais autênticas expressões da beleza contemporânea. [Osório diz: sempre que observo um prédio de arquitetura feia ou um navio que parece uma caixa de sapatos, me pergunto: por que, já que se gastou o material e o tempo necessário, em vez de produzir essa aberração, não se fez algo agradável aos olhos e, consequentemente, ao espírito?].

 

A principal característica da pintura abstrata é a ausência de relação imediata entre suas formas e cores e as formas e cores de um ser. Por isso, uma tela abstrata não representa nada da realidade que nos cerca, nem narra figurativamente alguma cena histórica, literária, religiosa ou mitológica. [Osório diz: seria ou é a beleza pela beleza?].

Os estudiosos de arte comumente consideram o pintor russo Wassily Kandinsky (1866–1944) o iniciador da moderna pintura abstrata. O começo de seus trabalhos neste sentido é marcado pela tela Batalha. (p. 159) [Osório diz: o nome do quadro não significa que você vá ver a luta, mas, também, que não vá! Tudo vai depender do SEU olhar].

 

... usaram principalmente o metal como matéria-prima para a criação de peças abstratas, ou construções, como preferiam chamá-las, em vez de esculturas, como tradicionalmente são denominadas.

 

Segundo Mondrian, cada coisa, seja ela uma casa, uma árvore, ou uma paisagem, possui uma essência que está por trás de sua aparência. E as coisas, em sua essência, estão em harmonia no Universo. O papel do artista, para ele, seria revelar essa essência oculta e essa harmonia universal. (p. 161) [Osório diz: essa besteira é influência do tal de Platão e sua “Teoria das formas”! Melhor é: “TERRORia das formas”].

 

 

Outras tendências da pintura moderna

 

Além das grandes linhas da pintura do início do século XX, outras ideias motivaram os artistas das primeiras décadas do nosso século a experimentar novos caminhos para suas criações. Assim, a valorização da velocidade produzida pela mecanização do mundo contemporâneo levou à criação do movimento que ficou conhecido por Futurismo. Ao mesmo tempo, partindo da crítica da falta de sentido desse mundo tão valorizado pelos futuristas, outro grupo de artistas foi responsável por duas novas tendências estéticas: o Surrealismo e o Dadaísmo. A par disso, surgem ainda a Op-art e a Pop-art, traduzindo a cultura dos grandes centros industrializados.

 

O movimento veloz das máquinas, que provoca a superação do movimento natural. (p. 163) [Osório diz: para isso uns podem usar bicicletas, outros aviões a jatao!].

 

Para esses artistas não interessava a representação de um corpo em movimento, mas sim a expressão do próprio movimento. Como pretendiam evitar qualquer relação com a imobilidade, recusaram toda representação realista e usaram, além das linhas retas e curvas, cores que sugerissem convincentemente a velocidade. (p. 164) [Osório diz: o resultado é interessante de ser visto, embora, para mim, inicialmente, o gosto seja duvidoso. Rs]

 

O artista mais conhecido desse movimento é Giorgio de Chirico (1888–1978). O tema de suas obras são as paisagens urbanas. Mas as cidades de seus quadros são desertas, melancólicas e iluminadas por uma luz estranha. Os edifícios, geralmente enormes e vazios, assumem um aspecto inquietante e a cena parece ser dominada por um silêncio perturbador, como em O Enigma da Chegada e o Regresso do Poeta. [Osório diz: O autor citado trabalha com “A pintura metafísica”.]

 

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), artistas e intelectuais de diversas nacionalidades, contrários ao envolvimento de seus países no conflito, exilaram-se em Zurique, na Suíça. Aí acabaram fundando um movimento literário que deveria expressar suas decepções com o fracasso das ciências, da religião e da Filosofia existentes até então, pois se revelaram incapazes de evitar a grande destruição que assolava toda a Europa.

Esse movimento foi denominado Dadá, nome escolhido pelo poeta húngaro Tristan Tzara. Ele abriu um dicionário ao acaso e deixou seu dedo cair sobre uma palavra qualquer da página. O dedo indicou a palavra “dada”, que na linguagem infantil francesa significa cavalo. Mas isso não tinha a menor importância. Tanto fazia ser essa como outra qualquer palavra, pois a arte perdia todo o sentido, já que a guerra havia instaurado o irracionalismo no continente europeu.

É preciso considerar também que os estudos de Freud chamavam a atenção para um aspecto novo da realidade humana. Eles revelavam que muitos atos praticados pelos homens são automáticos e independentes de um encadeamento de razões lógicas.

Dessa forma, os dadaístas propunham que a criação artística se libertasse das amarras do pensamento racionalista e sugeriam que ela fosse apenas o resultado do automatismo psíquico, selecionando e combinando elementos ao acaso. Na pintura, essa atitude foi traduzida por obras que usaram o recurso da colagem.

Só que agora a intenção não é plástica e sim de sátira e crítica aos valores tradicionais tão valorizados, mas responsáveis pelo caos em que se encontrava a Europa. (p. 165) [Osório diz: o conservadorismo pode – e sempre pode – levar ao caos! Embora os conservadores digam o contrário, tudo para não perderem seus privilégios!].

O Dadaísmo, e principalmente o seu princípio do automatismo psicológico, propiciou o aparecimento do Surrealismo, na França, em 1924. O poeta e escritor André Breton (1896-1966) liderou a criação desse novo movimento e escreveu o seu primeiro manifesto, em que associa a criação artística ao automatismo psíquico puro. Desta associação resulta que as obras criadas nada devem à razão, à moral ou à própria preocupação estética. Portanto, para os surrealistas, a obra de arte não é o resultado de manifestações racionais e lógicas do consciente. Ao contrário, são as manifestações do subconsciente, absurdas e ilógicas, como as imagens dos sonhos e das alucinações, que produzem as criações artísticas mais interessantes.

...

Dos pintores surrealistas, Salvador Dali (1904 – 1989) é sem dúvida o mais conhecido, com suas obras A Persistência da Memória e a Ceia. Ele criou o conceito de “paranóia crítica para referir-se à atitude de quem recusa a lógica que rege a vida comum das pessoas. Segundo o próprio pintor, é preciso contribuir para o total descrédito da realidade”.

 

A pintura surrealista desenvolveu duas tendências: a figurativa e a abstrata. Entre os pintores surrealistas de tendência figurativa estão Salvador Dali e Marc Chagall (1887–1985). Já entre os surrealistas de tendência abstrata estão Joan Miró (1893–1983) e Marx Ernst (1891–1976). (p. 166) [Osório diz: eu sempre achei – até ser informado agora pela autora – que o Dali era surrealista abstracionista! Lendo e aprendendo].

 

No início da segunda metade deste século, os grandes centros urbanos já estão recuperados dos danos causados pela Segunda Guerra Mundial. A indústria tem sua capacidade de produção redobrada, colocando no mercado artigos que são largamente consumidos pelos habitantes das cidades, que crescem sem parar.

Foi dentro desse contexto social que ganharam força dois modos de expressão artística conhecidos por Op-art e Pop-art. Para o primeiro, a arte deveria simbolizar a possibilidade constante de modificações da realidade em que o homem vive. Já a Pop-art procurava expressar a realidade contemporânea, sobretudo a cultura da cidade, dominada pela tecnologia industrial. [Osório diz: é a arte influenciando e sendo influenciada pela realidade].

 

A expressão Op-art vem do inglês (optical art) e significa arte óptica. O seu precursor é Victor Vasarely, criador da plástica do movimento. (p. 167)

 

...

 

No entanto, é necessário observar que, apesar do nome, as obras realistas nunca foram um retrato fiel da realidade, pois a obra de arte é sempre o resultado da visão pessoal do artista, de sua interpretação do real. [Osório diz: “muito ótimo”, por ser bem esclarecedor, este parágrafo].

 

As obras criadas pelos artistas ligados à Minimal Art apresentam formas geométricas simples, repetidas simetricamente e de grandes proporções. Já a Body Art caracteriza-se pelo uso que o artista faz de seu próprio corpo como base para a criação plástica. Bruce Naumann, por exemplo, artista ligado a esse movimento, apresentou em 1966 uma fotografia dele próprio lançando água pela boca, intitulada Retrato do Artista como uma Fonte. (p. 169)

 

A Pop-art

 

A expressão “pop-art” também vem do inglês e significa arte popular. Esse movimento artístico apareceu nos Estados Unidos por volta de 1960 e alcançou extensa repercussão internacional.

A fonte de criação para os artistas ligados a esse movimento era o dia-a-dia das grandes cidades norte americanas, pois sua proposta era romper qualquer barreira entre a arte e a vida comum. Para a Pop-art interessam as imagens, o ambiente, enfim, a vida que a tecnologia industrial criou nos grandes centros urbanos. Os recursos expressivos da arte pop são semelhantes aos dos meios de comunicação de massa, como o cinema, a publicidade e a tevê.

Em consequência disso, seus temas são símbolos e os produtos industriais dirigidos às massas urbanas: lâmpadas elétricas, dentifrícios, automóveis, sinais de trânsito, eletrodomésticos, enlatados e até mesmo a imagem das grandes estrelas do cinema norte americano, que também é consumida em massa nos filmes, nas tevês e nas revistas. Um exemplo bastante ilustrativo é o trabalho Marilyn Monroe, feito por Andy Warhol (1930–1987).

Nesse trabalho, realizado a partir de uma fotografia, Andy Warhol reproduz, em sequência, imagens de Marilyn Monroe que, apesar das variações de cor, permanecem invariáveis.

Com isso, o artista talvez quisesse mostrar que assim como os objetos são produzidos em série, os mitos contemporâneos também são manipulados para o consumo do grande público. (p. 170) [Osório diz: vejam as imagens e o escrito fica melhor esclarecido].

 

 

A arquitetura e a escultura modernas

 

Com o arquiteto alemão Walter Gropius (1883–1969), têm início novos tempos para a arquitetura moderna, principalmente por causa de sua iniciativa em criar a escola Bauhaus, em 1919, na cidade alemã de Weimar. Esta escola foi um verdadeiro centro irradiador de novas ideias no campo da arquitetura, do urbanismo, da estética industrial e do próprio ensino da arte.

Para Gropuis, nas escolas de arte não deveria existir uma rígida separação entre as chamadas belas artes e as artes decorativas, ou seja, as que produziam objetos para a vida diária. Ao contrário, defendia a existência de uma única arte, a arte do século XX, que se caracterizaria por sua utilidade social.

Segundo o crítico Michel Ragon, o objetivo de Bauhaus era reunir pintura, escultura, arquitetura, desenho industrial, numa mesma ação, reconciliar as artes e os ofícios, as artes e a técnica.

(...)

Desse modo, era evidente que havia na escola a intenção de dar uma formação completa para os alunos. Mas seu objetivo maior era adquirir uma respeitabilidade que lhe permitisse influir no trabalho dos desenhistas que criavam os modelos dos objetos da vida cotidiana industrializados no país. (p. 175)

(...)

Apesar de ter existido durante tempos difíceis – de 1919, quando foi fundada, até 1933, quando foi dissolvida – e passado por três sedes em três diferentes cidades alemãs (Weimar, Dessau e Berlim), o espírito criativo e inovador da Bauhaus permaneceu atuante. Parece que as palavras de Gropuis afirmando que a Bauhaus não pretende criar um estilo mas fomentar um processo em contínua evolução, ainda hoje encontram eco nos projetos elaborados nos ateliês de desenho industrial do mundo todo. (p. 176) [Osório diz:

 

 

O concreto armado, que provocou uma grande revolução na arte de construir, foi descoberto por acaso, em 1868, por Monier, um jardineiro francês que, em busca de um material mais resistente para a execução de seus vasos, passou a combinar cimento e ferro. (p. 177) [Osório diz: o senhor Acaso parece está presente em 99,99% das descobertas! Esse cara é genial!]

 

A construção separada do solo por meio de pilotos, o jardim passando por baixo da casa e o sistema de janelas horizontais são as características mais marcantes da arquitetura de Le Corbusier. É importante assinalar que construções desse tipo só se tornaram possíveis por causa da invenção do concreto armado. (p. 178) [Osório diz: Brasília recebeu muito tal influência].

 

Os escultores ligados ao construtivismo cinético procuram expressar através de formas abstratas, a mecanização da vida moderna. Em suas obras tentam passar a sensação de movimento, pois esta é a realidade mais significativa que as máquinas criaram para a civilização do século XX.   (P. 180)

 

 

A arte da sociedade industrial

 

Nas sociedades atuais, o museu é o lugar onde são guardadas as obras de arte ou os objetos culturais das mais diversas civilizações ou grupos humanos. Tem, portanto, o importante papel de preservar a memória de uma época ou de um povo. No entanto, se não mantiver uma programação constante de cursos, atividades culturais e exposições periódicas, corre o risco de tornar-se um simples depósito de obras do passado. (p. 183) [Osório diz: um museu é um depósito, mas nem todo depósito é um museu!]

 

 

A arte da burguesia

 

No dia da primeira exibição pública de cinema – 28 de dezembro de 1895, em Paris –, um homem de teatro que trabalhava com mágicas, Georges Méliès, foi falar com Lumière, um dos inventores do cinema; queria adquirir um aparelho e Lumière o desencorajou, disse-lhe que o "cinematógrapho" não tinha o menor futuro como espetáculo, era um instrumento cientifico para reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisas. Mesmo que o público, no início, se divertisse com ele, seria uma novidade de vida breve, logo cansaria. Lumière enganou-se. Como essa estranha máquina de austeros cientistas virou uma máquina de contar estórias para enormes plateias, de geração em geração, durante já quase um século?

Nesse 28 de dezembro, o que apareceu na tela do Grand Café? Uns filmes curtinhos, filmados com a câmara parada, em preto e branco e sem som. Um em especial emocionou o público: a vista de um trem chegando na estação, filmada de tal forma que a locomotiva vinha vindo de longe e enchia a tela, como se fosse se projetar sobre a plateia. O público levou um susto, de tão real que a locomotivo parecia. Todas essas pessoas já tinham com certeza viajado ou visto um trem, a novidade não consistia em ver um trem em movimento. Esses espectadores todos também sabiam que não havia nenhum trem verdadeiro na tela, logo não havia por que assustar-se. A imagem na tela era em preto e branco e não fazia ruídos, portanto não podia haver dúvida, não se tratava de um trem de verdade. Só podia ser uma ilusão. É aí que residia a novidade: na ilusão. Ver o trem na tela como se fosse verdadeiro. Parece tão verdadeiro – embora a gente saiba que é de mentira – que dá para fazer de conta, enquanto dura o filme, que é de verdade. Um pouco como num sonho: o que a gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabemos depois, quando acordamos. Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema. (...)

A máquina cinematográfica não caiu do céu. Em quase todos os países europeus e nos Estados Unidos no fim do século XIX foram-se acentuando as pesquisas para a produção de imagens em movimento. E a grande época da burguesia triunfante; ela está transformando a produção, as relações de trabalho, a sociedade, com a Revolução Industrial; ela está impondo seu domínio sobre o mundo ocidental, colonizando uma imensa parte do mundo que posteriormente viria a se chamar de Terceiro Mundo. (...) No bojo de sua euforia dominadora, a burguesia desenvolve mil e uma maquinas e técnicas que não só facilitarão seu processo de dominação, a acumulação de capital, como criarão um universo cultural à sua imagem. Um universo cultural que expressará o seu triunfo e que ela imporá às sociedades, num processo de dominação cultural, ideológico, estético. Dessa época, fim do século XIX, início deste, datam a implantação da luz elétrica, a do telefone, do avião, etc., etc., e, no meio dessas máquinas todas, o cinema será um dos trunfos maiores do universo cultural. A burguesia pratica a literatura, o teatro, a música, etc., evidentemente, mas essas artes já existiam antes dela. A arte que ela cria é o cinema.

Não era uma arte qualquer. Reproduzia a vida tal como é pelo menos essa era a ilusão. Não deixava por menos. Uma arte que se apoiava na maquina, uma das musas da burguesia. Juntava-se a técnica e a arte para realizar e sonho de reproduzir a realidade.

Jean-Claude Bernardet, O que é o cinema, p. 11-35. (p. 185)

 

 

A arte da Pré-História brasileira

 

...

 

A arte dos índios brasileiros

 

 

Um dos recursos ornamentais da cerâmica santarena que mais chama a atenção é a presença de cariátides, isto é, figuras humanas que apoiam a parte superior de um vaso (p. 192) [Osório diz: não só de um vaso, mas de um templo. É claro que a autora está falando de vasos, no caso].

 

Apesar de terem existido muitas e diferentes tribos, é possível identificar ainda hoje duas modalidades gerais de culturas indígenas; a dos silvícolas, que vivem nas áreas florestais, e a dos campineiros, que vivem nos cerrados e nas savanas.

Os silvícolas têm uma agricultura desenvolvida e diversificada que, associada às atividades de caça e pesca, proporciona-lhes uma moradia fixa. Suas atividades de produção de objetos para uso da tribo também são diversificadas e entre elas estão a cerâmica, a tecelagem e o trançado de cestos e balaios.

Já os campineiros têm uma cultura menos complexa e uma agricultura menos variada que a dos silvícolas. Seus artefatos tribais são menos diversificados, mas as esteiras e os cestos que produzem estão entre os mais cuidadosamente trançados pelos indígenas. (p. 193) [Osório diz: eu, particularmente, por ter nascido e me criado no Amazonas, não tinha um olhar tão amoroso e perscrutador quando lá morava quanto ao que julgo ter agora. Precisei me afastar do objeto e ter contato com outros objetos culturais para que passasse a valorizar a arte indígena. Era daqueles que criticavam as pinturas indígenas em seus corpos, mas admirava as pinturas nos rostos da mulheres não-índias!].

 

Essa é uma arte muito especial porque não está associada a nenhum fim utilitário, mas apenas à pura busca da beleza. (p. 194) [Osório diz: no utilitário está envolvido o comercial, quero crer, embora, hoje, não-índios estejam “comprando” e vendendo a arte indígena, que ainda é tão desvalorizada, econômica e esteticamente].

 

As cores mais usadas pelos índios para pintar seus corpos são o vermelho muito vivo do urucum, o negro esverdeado da tintura do suco do jenipapo e o branco da tabatinga. A escolha dessas cores é importante porque o gosto pela pintura corporal está associado ao esforço de transmitir ao corpo a alegria contida nas cores vivas e intensas. [Osório diz: urucum é um fruto, bem como o jenipapo e a tabatinga um barro (argila). O urucum sai com facilidade do corpo, já o negro do jenipapo leva bastante tempo para sair. Aliás, as tatuagens de “henna” saem do corpo em pouco tempo. Se eu fosse tatuador, iria experimentar o jenipapo! Rs.].

 

De acordo com Lévi Strauss, as pinturas do rosto conferem, de início, ao indivíduo, sua dignidade de ser humano; elas operam a passagem da natureza à cultura, do animal estúpido ao homem civilizado. Em seguida, diferentes quanto ao estilo e à composição segundo as castas, elas exprimem, numa sociedade complexa, a hierarquia dos status. Elas possuem assim uma função sociológica. (p. 195) [Osório diz: as vezes, no meio dos brutos europeus (portugueses e espanhóis, por exemplo, que dizimaram inúmeros povos), aparece um homem sensível!].

 

 

O Barroco no Brasil

 

Duas linhas diferentes caracterizam o estilo barroco brasileiro. Nas regiões enriquecidas pelo comércio e de açúcar pela mineração, encontramos igrejas com trabalhos em relevo feitos em madeira – as talhas – recobertas por finas camadas de ouro, com janelas, cornijas e portadas decoradas com detalhados trabalhos de escultura. É o caso das construções barrocas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Já nas regiões onde não existia nem açúcar nem ouro, a arquitetura teve outra feição. Aí as igrejas apresentam talhas modestas e trabalhos realizados por artistas menos experientes e famosos do que os que viviam nas regiões mais ricas da época. (p. 196) [Osório diz: a grana ajuda a produzir coisas belas! Não dá sensibilidade ao artista, mas lhes dá material e tempo para desenvolverem suas aptidões. Os monumentos da Atenas do século V antes da era atual e o Teatro Amazonas, por exemplo, foram erguidos com suporte no poderio econômico daquela cidade e de Manaus e seus arredores.].

 

Os moradores da cidade de São Paulo, fundada na metade do século XVI, não conheceram o desenvolvimento econômico vivido por outras regiões da colônia. Por isso, no século XVII, quando chegaram as informações de que havia ouro em Minas Gerais, os paulistas organizaram suas famosas bandeiras e introduziram-se nas atividades de mineração.

Enquanto os bandeirantes partiam e fundavam muitas vilas prósperas no interior de Minas Gerais, a cidade de São Paulo permanecia estagnada e a vida urbana era monótona e sem perspectivas

Essa situação perdurou por todo o século XVIII. Uma atitude de parcimônia parece ter orientado os paulistas na construção dos edifícios de sua cidade. Dessa forma, as ordens religiosas puderam realizar apenas modestas igrejas barrocas, pois o povo paulista não colaborou financeiramente para as construções, seja porque guardou seu dinheiro para outros investimentos, seja porque simplesmente não o possuía. (p. 202) [Osório diz: ficamos com a última opção, pois não esbanjavam em outras edificações particulares, como vai acontecer no futuro, quando do ciclo do café!].

 

Na realidade, as imagens representativas do barroco paulista são muito simples. Em virtude da pobreza da cidade, nenhum grande artista dirigia-se para esta região. Por isso, as imagens são rústicas, primitivas. Geralmente feitas em barro cozido, trazem a marca do artista popular: a simplicidade e a ingenuidade. É o que podemos observar, por exemplo, na imagem do século XVIII de Nossa Senhora com o Menino Jesus, feita em barro cozido e policromado, procedente da cidade paulista de Itu.

A pintura barroca em São Paulo também traz os mesmos traços das outras artes produzidas nessa região durante esse período. Quando comparamos, por exemplo, a pintura do frei Jesuíno de Monte Carmelo (1764–1818), o pintor paulista mais conhecido do período, com o de pintores de outras regiões brasileiras, logo notamos a diferença. (p. 203) [Osório diz: São Paulo já foi pobre, até já “viveu” da caridade alheia, embora hoje se esqueça disso!].

 

Foram os bandeirantes paulistas, desbravadores das terras mineiras, que começaram a explorar o ouro e fundaram os primeiros arraiais da região. É familiar a todo estudante de História do Brasil o episódio da bandeira de Fernão Dias Pais, o “Caçador de Esmeraldas”. Mas foi um paulista de Taubaté, Antônio Dias, que em 1698 chegou à região onde está Ouro Preto. (p. 204) [Osório diz: o rastro de desgraça deixado pelo caminho a poucos interessam! Já pensou se São Paulo tivesse que pagar aos outros Estados (ex-províncias) pelos holocaustos que promoveu, assim como a Alemanha paga aos judeus?].

 

 

A influência da Missão Artística Francesa

 

...

 

A pintura brasileira acadêmica e a superação do academicismo

 

De acordo com esses padrões, a beleza perfeita é um conceito ideal e, portanto, não existe na natureza. Assim, o artista não deve imitar a realidade, mas tentar recriar a beleza ideal em suas obras, por meio da imitação dos clássicos, principalmente dos gregos, que foram os que mais se aproximaram da perfeição criadora. (p. 218) [Osório diz: Hegel irá dizer que o belo somente existe onde intervier o espírito humano, portanto, as obras da natureza não podem receber tal adjetivo].

 

 

A arte brasileira no final do Império e começo da República

 

Ao lado dessa prosperidade vinda do campo, nas cidades das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais surgiram as primeiras indústrias e, com elas, uma classe operária, ainda que pequena. [Osório diz: A prosperidade vinda do campo, citada pela autora, era o Café! Marcio Souza, em seu livro “Amazônia”, diz que a borracha da Amazônia também financiou o progresso de outras regiões do país!].

 

Após a Abolição, os grandes proprietários rurais, principalmente do Rio de Janeiro e de São Paulo, posicionaram-se ao lado das forças capitalistas urbanas, como grandes comerciantes, banqueiros e industriais. No outro extremo estava o proletariado urbano, que foi personagem de Aloísio Azevedo em obras como O Cortiço e Casa de Pensão. No campo, um grande contingente de brasileiros vivia na miséria e procurava solução para seus problemas na religiosidade popular, como Euclides da Cunha mostra em Os Sertões, de 1902. (p. 220) [Osório diz: era a Idade Média do Brasil! Pessoas, miseráveis, indo do campo par a cidade! Situação que ainda perdura, a despeito do breve ciclo de regresso as origens promovido pelo Governo Lula].

 

Essa última tendência reunia aspectos de estilos do passado, principalmente aqueles que tinham uma finalidade decorativa. Assim, alguns arquitetos mantiveram, num mesmo edifício, elementos greco–romanos, góticos, renascentistas e mouriscos.

 

Um exemplo dessa arquitetura refinada, detalhadamente decorada e resultante da riqueza cafeeira, é o Palacete de Visconde da Palmeira, também conhecido como Solar do Balão de Lessa, em Pindamonhangaba, atualmente sede do Museu Histórico e Pedagógico da cidade.

 

As cidades do norte do país, enriquecidas com a borracha, também desenvolveram uma arquitetura requintada, de acordo com as concepções ecléticas. (p. 222) [Osório diz: é o caso do monumental Teatro Amazonas, com suas várias tendências arquitetônicas].

 

No final do século XIX na Europa, o Ecletismo foi superado por um novo estilo: o Art Noveau, cuja característica principal era a tendência decorativista que valorizava os elementos ornamentais da arquitetura. (p. 224) [Osório diz: bem como servir de inspiração para Djavan na música “Sina”! Rs].

 

 

O Brasil começa a viver o século XX: O Movimento Modernista

 

Assim, as forças sociais que atuam na realidade brasileira já em 1917 são bem complexas. Em São Paulo, por exemplo, ocorre uma greve geral de que tomam parte 70.000 operários. Essa paralisação foi organizada pelo movimento anarquista, constituído principalmente por imigrantes, os primeiros a questionar o capitalismo paulista. (p. 228) [Osório diz: São os filhos e netos desses imigrantes que, também, hoje condenam os operários que lutam por dias melhores!].

...

A exposição de Anita Malfatti provocou uma grande polêmica com os adeptos da arte acadêmica. Dessa polêmica, o artigo de Monteiro Lobato para o jornal O Estado de S. Paulo, intitulado “A propósito da Exposição Malfatti”, publicado na seção “Artes e Artistas” da edição de 20 de dezembro de 1917, foi a reação mais contundente dos espíritos conservadores.

No artigo publicado nesse jornal, Monteiro Lobato, preso a princípios estéticos conservadores, afirma que “todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da latitude”. Mas Monteiro Lobato vai mais longe ao criticar os novos movimentos artísticos. Assim, escreve que “quando as sensações do mundo externo transformam-se em impressões cerebrais, nós sentimos”; para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em “pane” por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a percepção sensorial se fizer normalmente no homem, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá sentir senão um gato, e é falsa a interpretação que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. [Osório diz: fiquei a “pensaire” agora! O artigo de Monteiro Lobato é de 1917, a semana de arte moderna de 1922! Ou seja: Anita Malfatti já estava modernizando? É que John Sutherland (“Uma breve história da literatura”, tradução de Rodrigo Breunig, L&PM, Porto Alegre: 2017, fala de 1922 como "O ano que mudou tudo"! Sendo assim, os brasileiros não estavam tão a reboque dos europeus como sempre ocorre! Ou estou enganado e enganando?].

 

Em posição totalmente contrária à de Monteiro Lobato estaria, anos mais tarde, Mário de Andrade. Suas ideias estéticas estão expostas basicamente no “Prefácio Interessantíssimo”, de sua obra Paulicéia Desvairada, publicada em 1922. Aí, Mario de Andrade afirma que:

 

Belo da arte: arbitrário, convencional,

transitório – questão de moda. Belo da

natureza: imutável, objetivo, natural – tem a

eternidade que a natureza tiver. Arte não

consegue reproduzir natureza, nem este é seu

fim. Todos os grandes artistas, ora conscientes

(Rafael de Madonas, Rodin de Balzac,

Beethoven de Pastoral, Machado de Assis do

Braz Cubas) ora inconscientes (a grande

maioria) foram deformadores da natureza.

Donde infiro que o belo artístico será tanto mais

artístico, tanto mais subjetivo quanto mais

se afastar do belo natural. Outros infiram o que

quiserem. Pouco me importa (p. 230)

 

 

... as telas: Progrom (p. 231) [Osório diz: que seria “Progrom”, pois "Pogrom é uma palavra russa que significa ‘causar estragos, destruir violentamente’. Historicamente, o termo refere-se aos violentos ataques físicos da população em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países. Acredita-se que o primeiro incidente deste tipo a ser rotulado pogrom foi um tumulto anti-semita ocorrido na cidade de Odessa em 1821. Como termo descritivo, a palavra ‘pogrom’ tornou-se de uso comum durante as grandes revoltas anti-semitas que aconteceram na Ucrânia e no sul da Rússia, entre 1881 e 1884, após o assassinato do Czar Alexandre II.". Podemos dizer que os comunistas tiveram bom exemplo?]

 

Boêmios (p. 233) [Osório diz: para mim o melhor quadro de Di Cavalcante pela evocação dos personagens! Rs.].

 

Nessas obras predominam as linhas retas e o corpo humano é reduzido a formas geométricas, o que sugere ao espectador a percepção de volumes. (p. 234) [Osório diz: aqui a autora fala do cubismo].

 

Tarsila do Amaral (...) A ela pertence a tela Abaporu, cujo nome, segundo a artista, é de origem indígena e significa antropófago. (p. 236) [Osório diz:

 

... críticas elogiosas (p. 237) [Osório diz: estes termos são harmônicos?]

 

 

Artistas e movimentos após a Semana de Arte Moderna

 

Como observa Mário Schenberg, físico e crítico de arte, a significação dessas artes irá sendo compreendida cada vez melhor, na medida em que for desaparecendo a ideia superficial de que a obra de arte é essencialmente uma estrutura formal, em vez de um instrumento de comunicação de verdades fundamentais para a existência humana. (p. 243) [Osório diz: Bacana, não?].

 

Heitor dos Prazeres (p. 247) [Osório diz: que sobrenome maneiro! Rs. Vinícius de Moraes o cita em seu “Samba da benção”! Antes de ler esta obra não sabia que era pintor. No seu quadro Favela, é muito interessante o sentido de proporção captado pelo artista.].

 

 

A arte brasileira contemporânea

 

Na xilogravura (em grego, xylon – madeira) (p. 251)

 

A litogravura ou gravura em pedra (em grego, lithos – pedra) baseia-se no fenômeno químico característico da pedra–da–bavária, que tem a propriedade de absorver água. O artista então faz o desenho sobre a pedra com um material gorduroso – lápis ou crayon, por exemplo. (p. 253)

 

 

Tomie Ohtake se opôs de forma radical ao Realismo Social. Para ela, embora o artista não deva estar alheio à realidade social em que vive, a obra de arte, em si mesma, não precisa registrar os problemas dessa realidade. Como ela mesmo afirma: “não me parece necessário que a arte reitere tudo isso. E sim que o transcenda”. É a partir dessa convicção que Tomie cria obras de arte com valores puramente pictóricos, sem nenhuma tentativa de figuração. (p. 255) [Osório diz: por esse seu entendimento dá para se sacar a razão, o motivo dela ser tão querida pelos governantes de São Paulo! Ela não era engajada com as lutas sociais! Melhor, estava do lado dos opressores que podiam pagar por seus trabalhos. Como diz o sábio, “quando você se depara com uma injustiça e se omite, seu lado já se sabe qual é”!].

 

A expressão arte concreta foi criada em 1930 pelo artista holandês Theo Van Doesburg (1883–1931). Na verdade, essa expressão não era usada para indicar um movimento estético oposto ao da arte abstrata. Ao contrário, serviu para designar a tendência artística que surgiu como evolução do Abstracionismo.

Para Van Doesburg não havia sentido chamar de arte abstrata obras que não eram figurativas, isto é, que não imitavam os seres da natureza tal como eles são. De acordo com esse artista, qualquer ser de natureza – um animal, uma árvore – quando pintado passa a ser uma abstração. [Osório diz: lógico e evidente, caso contrário o artista seria um criador da próprio animal e não se sua retratação.]

Por outro lado, Von Doesburg dizia que os artistas que trabalhavam apenas com elementos plásticos, na verdade faziam uma pintura concreta e não abstrata, porque nada mais concreto, mais real que uma linha, uma cor, uma superfície. Apesar disso, a expressão arte abstrata prevaleceu na terminologia da maior parte dos artistas e críticos para indicar as obras não–figurativas.

A distinção entre Abstracionismo e Concretismo é feita em 1936 pelo artista suíço Max Bill, que emprega a expressão arte concreta para designar uma arte construída objetivamente e em estreita ligação matemática. (p. 256). [Osório diz: alguns homens têm uma tara por quererem matematizar tudo, sob o argumento de que a matemática é a “verdade”, esquecendo-se que a matemática também é uma obra de arte, e só!].

 

Frans Krajcberg (...) Para esse artista tão ligado à natureza brasileira, seu trabalho consiste em usar o objeto natural morto e dar-lhe vida outra vez. (p. 261) [Osório diz: especialmente trocos de árvores].

 

 

A moderna arquitetura brasileira

 

Platibanda – uma pequena mureta construída no topo das paredes externas – contornando-a acima da cobertura, para proteger e camuflar o telhado. [Osório diz: é isso?! Acho esse nome bonito por sua sonoridade!].

 

Malacacheta [Osório diz: esse mineral dá nome a uma aldeia indígena no Estado de Roraima, onde o ouvi pela primeira vez!].

 

Ainda restam na cidade de São Paulo muitos sobradinhos ou casas germinadas construídos de acordo com esses padrões estéticos, na época denominados tipo Ford ou casas V8, numa alusão ao modo como eram construídos: em série. (p. 264) [Osório diz: fala a autora das casas “desprovidas de ornamentos e revestidas de massa raspada, com fragmentos de malacacheta, que refletiam a luz do sol”. Sobre isso disse o poeta: "A luz intensa do sol caía do alto, pondo brilhos de malacacheta no cristal imenso do mar clamo".].

 

Bruno Giorgi (...) fez Monumento à Juventude para decorar o Ministério (p. 265) [Osório diz: ... da Educação no Rio de Janeiro].

 

Piauí, o Fórum de Teresina, projeto de Acácio Gil Borsoy (p. 269) [Osório diz: Não conheço Teresina, daí nunca ter visto, pessoalmente, o foro! Rs.].

 

Fonte: História da Arte, de Graça Proença, Editora Ática. 2004. São Paulo.

 

Ao ler o livro sobre o qual nos debruçamos para dar pitacos, saiba que o uso das imagens, caso você o queria ver em toda a sua beleza, irão lhe ajudar a compreender melhor muito do que acima foi dito!

 

Boa leitura!

 

Inté,

Stephen King Sobre a escrita 2

A obra abaixo pode te ajudar a realizar o sonho possível de melhorar sua escrita, porém, a dica fundamental do autor é: leia e escreva MUITO!

 

(Existem inúmeras outras dicas, para a escrita e para a vida).

 

Sendo assim, como, na minha vida aprendi que o é, que tal começar lendo os destaques e minhas interferências na obra?

 

Ei-las:

 

 

Sobre a escrita - a arte em memórias

Stephen King

 

Fiquei impressionado com o livro de memórias de Mary Karr, The Liars’ Club [Clube dos mentirosos]. [Osório diz: livro publicado no Brasil pelo “Círculo do Livro”, mas esgotado do mercado. Estou curioso para lê-lo].

 

“É, na verdade, uma espécie de curriculum vitae, minha tentativa de mostrar como se forma um escritor. Não como se faz um escritor; eu não acredito que escritores possam ser feitos, nem pelas circunstâncias nem por autodeterminação (embora já tenha acreditado nessas coisas). O equipamento vem na embalagem original. Embora não seja, de forma alguma, um equipamento incomum. Acredito que muitas pessoas têm pelo menos algum talento para escrever ou contar histórias, e esse talento pode ser fortalecido e afiado. Se eu não acreditasse nisso, escrever um livro como este seria perda de tempo.”  (p. 19) [Osório diz: escritor não se faz, escritor já nasce feito, mas pode ser burilado, limado, lixado, aparado, polido ...].

 

... capota levantada (p.21 e 29) [Osório diz: Stephen diz que seu tio Fred gostava de dirigir um conversível com a capota levantada, “sabe Deus por quê”! Isso me chamou a atenção! O tal tio Fred queria se mostrar, só isso! E nem precisa ser deus para se saber].

 

“Desde que fui repetidamente lancetado no tímpano, aos 6 anos, um dos mais firmes princípios que adotei para a vida é este: se você me enganar uma vez, a vergonha é sua; se me enganar duas vezes, a vergonha é minha; se me enganar três vezes, a vergonha é nossa.” (p. 26) [Osório diz: releitura de um ditado árabe, pelo que sei].

 

“Devorei cerca de 6 toneladas de revistas em quadrinhos, depois avancei para Tom Swift e Dave Dawson (um piloto heroico da Segunda Guerra cujos vários aviões estavam sempre “ganhando altitude à unha”), então passei às aterrorizantes histórias de animais de Jack London. Em algum momento, passei a escrever minhas próprias histórias. A imitação precedeu a criação;”. [Osório diz: imitação não é plágio, diz John Sutherlan: “copiar minha obra original sem minha permissão e fazê-la passar como dele (um delito conhecido como "plágio"). (Fonte: John Sutherland “Uma breve história da literatura”, tradução de Rodrigo Breunig, L&PM, Porto Alegre: 2017, p. 83)].

 

“Um dia mostrei uma dessas histórias meio copiadas, meio autorais à minha mãe, e ela ficou encantada. Lembro o sorriso levemente impressionado, como se ela fosse incapaz de acreditar que um dos filhos pudesse ser tão esperto — um maldito prodígio, pelo amor de Deus. Eu nunca tinha visto aquele olhar antes — não direcionado a mim, pelo menos — e adorei.” (p. 28). [Osório diz: embora as mães sejam naturalmente suspeitas, a opinião delas é o melhor incentivo].

 

“— Escreva uma história sua, Stevie — disse ela. — Essas revistas do Combat Casey são um lixo, ele está sempre quebrando os dentes de alguém. Aposto que você consegue fazer melhor. Escreva uma história sua.” (p. 28) [Osório diz: segredo para escrever: ler muito! Nabukov e tantos outros dizem isso. King irá repetir isso abaixo. A imitação ainda é um grande começo. Sempre a mãe! A principal e primeira admiradora do seu “desde sempre talentoso” filho! Mãe: “tudo igual”].

 

— Você não copiou esta? — perguntou ela, ao terminar.

Respondi que não tinha copiado, não. Ela disse que era tão bom que deveria estar em um livro. Nada que ouvi desde então conseguiu me fazer mais feliz. Escrevi mais quatro histórias sobre o sr. Rabbit Trick e seus amigos. Ela me deu 25 centavos por cada uma e as enviou para as irmãs, que sentiam um pouco de pena dela, eu acho. Elas continuavam casadas, afinal de contas; tinham segurado os respectivos maridos. Era verdade que tio Fred não tinha muito senso de humor e teimava em manter a capota do conversível levantada, e também era verdade que tio Oren bebia demais e tinha teorias sombrias sobre os judeus comandarem o mundo, mas ambos estavam lá. Ruth, por outro lado, fora deixada para trás com o bebê no colo quando Don fugira. [Osório diz: penso igual ao tio Oren e nem preciso beber! Olhe ao seu lado (veja quem comanda o mercado financeiro mundial! Os Rothschild, Os Rockefeller, Os Morgan, por exemplo, bem como a imprensa) e talvez você pensei igual a nós]. Ela queria que as irmãs vissem que, pelo menos, o bebê tinha talento.

Quatro histórias. Vinte e cinco centavos por cada. Foi o primeiro tostão que ganhei neste negócio.” (p. 29) [Osório diz: recado: nunca diga para seu filho parar de sonhar! Que as histórias que ele conta não são é reais! Com isso, você estará nutrindo um possível futuro contador de histórias, que é conhecido pelo nome de escritor.].

 

“Mas a televisão chegou relativamente tarde à casa dos King, e fico feliz por isso. Parando para pensar, faço parte de um grupo seleto: um dos poucos e derradeiros romancistas americanos que aprenderam a ler e escrever antes de aprenderem a comer uma porção diária de porcarias televisivas. Isso pode não ter importância. Por outro lado, se você estiver começando a carreira de escritor, sugiro desencapar o fio da sua televisão, enrolá-lo em um prego bem grande e enfiar o prego na tomada. Repare em como e quanto vai explodir.

É só uma ideia.” (p. 34) [Osório diz: dica: se quer ser escritor, esqueça de assistir televisão. Mas, tarde, contudo, você pode escrever para ela].

 

“Vamos deixar uma coisa bem clara agora, pode ser? Não existe um Depósito de Ideias, uma Central de Histórias nem uma Ilha de Best-Sellers Enterrados; as ideias para boas histórias parecem vir, quase literalmente, de lugar nenhum, navegando até você direto do vazio do céu: duas ideias que, até então, não tinham qualquer relação, se juntam e viram algo novo sob o sol. Seu trabalho não é encontrar essas ideias, mas reconhecê-las quando aparecem.” (p. 36) [Osório diz: e as ideias para escrever as ideias que chegaram?].

 

“O herói da minha história era o clássico pobre-diabo”. (p. 37) [Osório diz: sobre os personagens].

 

“‘Não grampeie manuscritos’, dizia o P.S. ‘Páginas soltas com clipe são a forma correta de envio.’ Era um conselho bem seco, pensei, mas útil, de qualquer maneira. Nunca mais grampeei manuscritos.” (p. 38) [Osório diz: as desventuras dos autores nas mãos dos editores! Rs. Mas estes, vez por outra, acetam! Aprenda com o “inimigo”!].

 

“Quando ainda se é jovem demais para fazer a barba, o otimismo é uma reação mais do que legítima ao fracasso.” [Osório diz: só os jovens têm coragem para os desafios! Isso não implica que conselhos/opiniões não devam ser ponderados. Os velhos já viveram determinadas situações cujo desfecho é previsível].

 

“... leu uma história minha chamada ‘A noite do tigre’ (acho que a inspiração foi um episódio da série de televisão O fugitivo, em que o dr. Richard Kimble trabalhou limpando jaulas de um zoológico ou circo) e escreveu: ‘Isso é bom. Não é para nós, mas é bom. Você tem talento. Mande mais’.” [Osório diz: uma recusa incentivadora, pois as portas ficaram abertas. Bem melhor que o silêncio!].

 

“Reescrevi o conto e, por capricho, o enviei novamente à Fantasy and Science Fiction. Dessa vez eles publicaram. Uma coisa que percebi é que, quando alguém já fez certo sucesso, as revistas ficam muito menos propensas a usar a frase “não é para nós”. (p. 39) [Osório diz: depois das portas abertas as coisas parecem e fluem melhor, você já tem o que mostrar].

 

“Estava envergonhado. Muitos anos se passaram — anos demais, eu acho — até que eu perdesse a vergonha do que escrevia. Acho que só depois dos 40 anos me dei conta de que praticamente todos os escritores de ficção e poesia que já publicaram uma linha que seja foram acusados de desperdiçar o talento que Deus lhes deu. Se você escreve (pinta, dança, esculpe ou canta, imagino eu), alguém vai tentar fazer com que você se sinta mal com isso, pode ter certeza. Não estou me lamentando aqui, apenas tentando mostrar os fatos como os vejo.” [Osório diz: devemos nos policiar, mas se tivermos vergonha do que escrevemos, quem irá divulgar? O autor é o melhor conhecedor e, portanto, divulgador de sua obra! Entretanto, perder a vergonha natural é complicado. O bom é quando se tem amigos e admiradores dispostos a divulgar seu trabalho. O físico César Lattes me disse que o “Einstein somente se tornou Einstein por conta de um seu divulgado inglês”, cujo nome não recordo!].

 

“A srta. Hisler disse que eu teria que devolver o dinheiro de todo mundo. Fiz isso sem discutir, mesmo no caso dos colegas (e não foram poucos, tenho orgulho em dizer) que insistiram em ficar com um exemplar do VIB nº 1. Acabei perdendo dinheiro, no fim das contas, mas nas férias de verão eu imprimi quatro dúzias de exemplares de uma nova história, uma original chamada The Invasion of the Star-Creatures [A invasão das criaturas estelares], e só sobraram uns quatro ou cinco exemplares. Acho que isso significa que, no fim, venci, pelo menos financeiramente. Lá no fundo do coração, no entanto, continuei envergonhado. Eu continuava a ouvir a srta. Hisler perguntando por que eu queria desperdiçar meu talento e perder meu tempo escrevendo lixo.” (pp. 46 e 47) [Osório diz: as artimanhas para publicar e os “desincentivos” (estes devem funcionar de maneira inversa, na maioria das vezes! Temos que acreditar mais em nós mesmos que em algumas opiniões, especialmente de “amigos” próximos, que, muitas vezes, estão mais para invejosos que incentivadores].

 

Quando você escreve, está contando uma história para si mesmo — disse ele. — Quando reescreve, o mais importante é cortar tudo o que não faz parte da história.

Gould disse outra coisa interessante no dia em que entreguei meus dois primeiros artigos: escreva com a porta fechada, reescreva com a porta aberta. Em outras palavras, você começa escrevendo algo só seu, mas depois o texto precisa ir para a rua. Assim que você descobre qual é a história e consegue contá-la direito — tanto quanto você for capaz —, ela passa a pertencer a quem quiser ler. Ou criticar. Se você tiver muita sorte (a ideia é minha, não de John Gould, mas acredito que ele assinaria embaixo), mais gente vai querer ler a última versão do que a primeira.” (p. 53 e 54) [Osório diz: outro dia me peguei chorando com uma história que inventei! Rs. Achei um bom sinal. Algo difícil para quem escreve é cortar os excessos, pois não costumamos tomar estes como tais!].

 

“Logo depois da viagem dos alunos veteranos a Washington, DC, eu consegui um emprego na Fiação e Tecelagem Worumbo, em Lisbon Falls. Não que eu quisesse — o trabalho era árduo e maçante, e a tecelagem não passava de um buraco fétido às margens do poluído rio Androscoggin, um lugar que mais parecia um reformatório saído de um romance de Charles Dickens —, mas era preciso ganhar dinheiro. Minha mãe ganhava um salário ridículo como faxineira de um manicômio, em New Gloucester, mas estava determinada a me mandar para a faculdade, como fizera com meu irmão David (Universidade do Maine, turma de 1966, cum laude). Na cabeça dela, a educação universitária tinha se tornado algo quase elementar. Durham, Lisbon Falls e a Universidade do Maine, em Orono, eram parte de um mundo pequeno onde as pessoas moravam próximas e ainda se metiam na vida umas das outras, através de linhas telefônicas compartilhadas entre quatro ou seis pessoas, algo comum nas cidadezinhas da região de Sticksville naquela época. No mundo adulto, jovens que não fossem para a faculdade iam para o exterior, lutar na guerra não declarada do presidente Johnson, e muitos voltavam para casa em caixões. Minha mãe gostava da Guerra contra a Pobreza de Lyndon (“É o tipo de guerra que eu apoio”, dizia), mas não aprovava os planos presidenciais no sudeste da Ásia. Certa vez eu disse que me alistar e ir para lá talvez fosse bom para mim — com certeza, daria para escrever um livro sobre o assunto.” (p. 54) [Osório diz: Está o autor nos anos 60. São curiosas as informações dele! Especialmente a sobre as linhas telefônicas e de como a mãe dele era partidária do Lula! Os Estados Unidos dos anos 60 fizeram o que não se deixou fazer no Brasil dos anos 2000!].

 

MATAR PELA PAZ É COMO FODER PELA CASTIDADE” (p. 56).

 

Tabitha Spruce [Osório diz: esposa de Stephen. A Tabby]

 

“E, embora eu acredite em Deus, não consigo ver a utilidade das religiões organizadas.” (p. 57) [Osório diz: Tabby é a esposa de King. Também “tenh’os” dois pés atrás contra tais organizações (criminosas?)!].

 

“Não quero falar mal demais da minha geração (na verdade, quero; nós tivemos a chance de mudar o mundo e preferimos ficar assistindo ao canal de compras na TV a cabo), mas os escritores que eu conhecia naquela época acreditavam que a boa escrita vinha espontaneamente, em uma onda de sentimentos que tinha que ser agarrada de uma vez só; enquanto se construía essa indispensável escadaria para o paraíso, não dava para ficar parado, com a marreta nas mãos.” (p. 58) [Osório diz: Cazuza teve o mesmo sentimento de mudar o mundo! Também passo por isso! Minha geração está se acomodando às imposições das anteriores! O que o autor diz, creio, é que o trabalho é tão importante quanto a inspiração].

 

“Fez-se silêncio quando Tabby terminou a leitura. Ninguém sabia muito bem como reagir. O poema parecia perpassado de cabos que apertavam os versos até que quase zumbissem. Achei a combinação entre a dicção envolvente e a imagética delirante algo empolgante e inspirador. O poema também me fez sentir que eu não estava sozinho na crença de que escrever bem podia ser algo, ao mesmo tempo, inebriante e planejado. Se gente ferrenhamente sóbria pode transar como se estivesse fora de si — e pode estar de fato fora de si no momento de êxtase —, por que os escritores não podem ficar ensandecidos e ainda assim continuar sãos?” (p. 60) [Osório diz: à Fernando Pessoa: “o escritor é onanista, ‘onana’ tão completamente que chega a fingir que onanismo o Onã que deveras pratica”! Quando o autor fala de “planejado”, quer dizer: trabalhe! E trabalhar, como se verá mais adiante, é: ler e escrever, muito.].

 

 

“Na discussão após a leitura de Tabby, ficou claro para mim que ela entendia o próprio poema. Ela sabia exatamente o que queria dizer, e dissera quase tudo. Ela conhecia Santo Agostinho tanto por ser católica quanto por ser estudante de história. A mãe de Agostinho (também santa) era cristã, o pai era pagão. Antes de se converter, Agostinho vivia atrás de dinheiro e mulheres. Depois da conversão, continuou a lutar contra os impulsos sexuais, e é conhecido pela prece do libertino, que diz: “Deus, dai-me castidade... mas não agora”. Em seus escritos, ele trata da luta do homem para abrir mão da crença em si pela crença em Deus. E, por vezes, Agostinho se comparava a um urso. (p. 61) [Osório diz: Agostinho foi o primeiro safado (e fez escola com os protestantes: depois da conversão, meu livro de pecados foi zerado! Só que não!].

 

“...De certa forma, disse Tabby durante a explicação, o urso pode ser visto como um símbolo do hábito humano, ao mesmo tempo problemático e maravilhoso, de sonhar os sonhos certos na hora errada.” (p. 61) [Osório diz: Noel Rosa chamaria isso de “palpite infeliz”?]

 

 

“Eu quase nunca via roupas de uso pessoal na lavanderia New Franklin, a menos que fosse uma lavagem de ‘rescaldos de incêndio’ paga pela seguradora (roupas de rescaldos de incêndio costumavam estar em boas condições, mas tinham cheiro de carne de macaco grelhada). (p. 63) [Osório diz: papai, após cagar, costuma limpar o ânus, que alguns afetados chamam de ku, com a cueca, para desespero da minha mãe!].

 

“Escrever é um trabalho solitário. Ter alguém que acredita em você faz muita diferença. Eles não precisam fazer discursos motivacionais. Basta acreditar.” (p. 68) [Osório diz: é o incentivo pelo afeto “externado implicitamente”(?)! De modo silencioso, mas eloquente. Um discurso sem palavras. Mais adiante o autor voltará ao assunto e confessará: um elogio lava a alma!].

 

“Certo dia, ele e eu tínhamos que limpar as marcas de ferrugem das paredes do chuveiro feminino. Analisei o vestiário com o interesse de um jovem muçulmano que, por alguma razão, se vê no meio do alojamento feminino. Era igual ao masculino, mas, ainda assim, completamente diferente. Não havia mictórios, é claro, e nas paredes de azulejo havia duas caixas de metal a mais — sem nenhuma identificação e em um tamanho que não condizia com as toalhas de papel. Perguntei o que havia nelas.” (p. 69) [Osório diz: gostei muito do igual, mas completamente diferente!]

 

 

Telecinesia é a capacidade de mover objetos com o pensamento.” (p. 69) [Osório diz: soube ao ler esta obra].

 

 

“A história ainda ficou cozinhando por um tempo, ganhando corpo naquele lugar que ainda não é consciente mas também não é exatamente inconsciente.” (p. 70) [Osório diz: posso chamar tal lugar de purgatório do escritor?].

 

“Para mim, a escrita é sempre melhor quando é íntima, tão sexy quanto pele na pele.” (p. 70) [Osório diz: que que ele quer dizer com isso? Sexo sem camisinha? Rs.].

 

 

Antes de Carrie, a estranha eu tinha escrito três romances: Fúria, A longa marcha e O concorrente foram publicados depois. Fúria é o mais perturbador de todos. A longa marcha deve ser o melhor. Nenhum deles, porém, me ensinou as lições que aprendi com Carrie White. A mais importante delas é que a percepção original do escritor sobre um personagem ou personagens pode ser tão equivocada quanto a do leitor. A segunda lição, quase tão importante quanto a primeira, foi perceber que parar uma história só porque ela é emocional ou criativamente custosa é uma péssima ideia. Às vezes é preciso perseverar, mesmo quando não se tem vontade, e às vezes você está fazendo um bom trabalho mesmo quando parece estar sentado escavando merda. (p. 71) [Osório diz: mais adiante o autor dirá que “a história se escreve por si mesma. O autor passa a ser apenas o ‘cavalo’ (transcritor)”, como nas mesas brancas. Também manda, aqui, o escritor desconfiar do seu próprio gosto! Lembre da história: o que pode ser bom para uns (os leitores), pode não ser bom para um (o escritor).

 

“Certo dia, a mãe dela me pagou para trocar alguns móveis de lugar. Dominando a sala do trailer havia um Cristo crucificado quase em tamanho natural, olhos virados para cima, boca pendendo para baixo, sangue escorrendo por baixo da coroa de espinhos. Ele estava quase nu, coberto apenas pelo pano enrolado em torno do quadril. Acima do pano ficava a barriga funda e as costelas aparentes de prisioneiro de campo de concentração. Então me ocorreu que Sondra crescera sob o olhar agonizante daquele deus moribundo, e que isso, com certeza, tivera um papel preponderante em transformá-la na menina que conheci: uma excluída tímida e desajeitada, que passava correndo pelos corredores da Lisbon High como um ratinho assustado.

— Este é Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador — disse a mãe de Sondra, ao perceber que eu olhava para a estátua. — Você já foi salvo, Steve?

Rapidamente respondi que tinha sido salvo, sem sombra de dúvida, embora achasse que ninguém jamais seria bom o suficiente para conseguir que aquela versão de Jesus intercedesse em seu nome. A dor o deixara fora de si. Dava para ver na expressão dele. Se aquele cara um dia voltasse, duvido que ainda estivesse a fim de salvar a humanidade. (p. 72) [Osório diz: é com essa imagem que se deparam as crianças pobres todos os dias, levadas a esse espetáculo de horror, especialmente, por padres!]

 

“Ganhado” [Osório diz: muita gente grafa “ganho”!].

 

“... a vida nunca (ou quase nunca) usava maquiagem.” (p. 73) [Osório diz: e deveria, quando é perversa. Seria ruim, mas bonita].

 

“O TRABALHO É A MALDIÇÃO DA CLASSE BEBEDORA” (p. 83) [Osório diz: sim! O bom era não precisar trabalhar para só beber nas horas em que se tivesse vontade].

 

 

Alcoólatras constroem defesas como holandeses constroem diques. Passei os 12 primeiros anos do meu casamento garantindo a mim mesmo que eu “gostava de beber, só isso”. Também me valia da mundialmente famosa Defesa Hemingway. Embora nunca claramente articulada (não seria másculo fazer isso), a Defesa Hemingway diz mais ou menos o seguinte: como escritor, sou um sujeito muito sensível, mas também sou um homem, e homens de verdade não sucumbem à própria sensibilidade. Só os fracos fazem isso. Por isso, eu bebo. De que outra forma eu conseguiria encarar o horror existencial disso tudo e continuar trabalhando? Além do mais, vamos lá, eu consigo lidar com isso. Um homem de verdade sempre consegue.” (p. 85 e 86) [Osório diz: aproveitando a poética do autor, o popular traduziu: “O álcool é inimigo do homem, mas o homem que foge dos seus inimigos é um covarde!”].

 

“.. fui lá jogar mais alguns soldados mortos em combate...”. (p. 86) [Osório diz: Hemingway, que, parece, tem uma história sinistra de mortes em suas costas, ao jogar latas de cervejas vazias no lixo saiu-se com esta aí!].

 

 

“... me viciei em drogas (...) mas não conseguia pedir ajuda.” [Osório diz: confissão de Stephen!]. Os livros seguintes foram escritos quando o autor estava bastante envolvido no vício: O iluminado, Misery, Louca obsessão e Os estranhos (p. 87)].

 

“Barganhei, porque é isso que os viciados fazem. Eu era encantador, porque é assim que viciados são.” No fim das contas, consegui duas semanas para pensar sobre o assunto. Em retrospecto, isso parece resumir toda a insanidade daqueles tempos. (p. 88) [Osório diz: são encantadores, exceto para suas famílias e amigos que pagam as contas, inclusive dos furtos para se tornarem encantadores].

 

A ideia de que criatividade e substâncias que alteram a mente estão ligados é um dos grandes mitos pop-intelectuais do nosso tempo. [Osório diz: não há relação entre drogas e criatividade! Talvez ela sirva para desinibir, o que é algo diferente].

...

Escritores viciados não passam de pessoas viciadas — bêbados e drogados comuns, em outras palavras. Qualquer defesa de drogas e álcool como necessidade para embotar sensibilidades mais refinadas não passa de conversa autopiedosa para boi dormir. [Osório diz: será?! Também acho!].

... para um viciado, o direito à bebida ou à droga deve ser preservado a todo custo [Osório diz: roubo é o de menos!]. Hemingway e Fitzgerald não bebiam porque eram criativos, alienados ou moralmente fracos. Bebiam porque é isso que bêbados estão programados para fazer. É bem provável que gente criativa de fato esteja mais propensa ao alcoolismo do que gente de outras áreas, mas e daí? Somos todos iguais quando estamos vomitando na sarjeta. (p. 89) [Osório diz: creio que é por aí!].

 

“A vida não é um suporte à arte. É exatamente o contrário.” (p. 91) [Osório diz: que arte de frase”].

 

“Todas as artes dependem de certo grau de telepatia, mas acredito que a escrita ofereça a destilação mais pura. Posso estar sendo parcial, mas, mesmo que esteja, podemos escolher a escrita, porque, afinal, estamos pensando e falando sobre ela.” (p. 93) [Osório diz: sempre seremos parciais para alguém, especialmente os invejosos, já que a capacidade de perguntar é muito superior à de responder! Taí os fuleiros do Sócrates/Platão que o digam! É que eles não responderam nada, mesmo assim são adorados e justificados. Eu, só lamento].

 

Nós vemos a mesma coisa? Precisaríamos nos reunir e conversar para ter certeza absoluta, mas acho que sim. Claro que haveria as variações necessárias: alguns receptores verão um pano vermelho-vivo, outros, vinho, e outros mais verão tonalidades distintas. (Para daltônicos, a toalha de mesa vermelha tem a cor de cinzas de cigarro.) Alguns verão bordas franzidas; outros, tudo liso. Almas mais decoradoras podem incluir alguns laçarotes. Fiquem à vontade — minha toalha de mesa é sua toalha de mesa.

Da mesma maneira, o material da gaiola deixa muito espaço para interpretação. No mínimo, ela foi descrita com uma comparação tosca, que só é útil se eu e você vemos o mundo e medimos as coisas nele com um olhar parecido. É fácil ser desleixado ao fazer comparações toscas, mas a alternativa é uma excessiva atenção aos detalhes que tira toda a diversão da escrita. O que eu deveria dizer, “na mesa tem uma gaiola com 1 metro de comprimento, 60 centímetros de largura e 36 centímetros de altura”? Isso não é prosa, é um manual de instruções. O parágrafo também não diz de que material é feita a gaiola. Telas soldadas? Vigas de ferro? Vidro? Mas isso realmente importa? Todos entendemos que dá para ver do outro lado da gaiola; nada além disso nos importa. A coisa mais interessante aqui não é nem o coelho que rói a cenoura, mas o número que ele traz nas costas. Não é um seis, nem um quatro, nem 19,5. É um oito. É para isso que estamos olhando, e todos sabemos. Eu não disse a você. Você não me perguntou. Eu jamais abri minha boca, e você jamais abriu a sua. Nós não estamos nem no mesmo ano, quanto mais na mesma sala... mas estamos juntos. Estamos próximos.

Estamos tendo um encontro de mentes.” (p. 95) [Osório diz: bem interessante estes dois parágrafos, embora, segundo Górgias e suas teses, JAMAIS conseguiremos saber se “vemos a mesma coisa”!].

 

 

 

Mandei uma mesa com um pano vermelho, uma gaiola, um coelho e um número oito escrito em tinta azul. Você recebeu tudo, principalmente o oito azul. Estamos participando de um ato de telepatia. E não é enrolação mística; é telepatia de verdade. Não vou entrar em detalhes sobre o que quero demonstrar, mas, antes que a gente prossiga, você precisa entender que não estou tentando ser engraçadinho; existe sim algo que pretendo demonstrar. [Osório diz: telepatia sim, com o livro sendo o meio, o suporte!].

...

Deixe-me repetir: não encare a página em branco de maneira leviana. [Osório diz: temos que ter respeito por nosso material de trabalho, pois é sobre ele que escreveremos nossas “inquietações”].

...

seu senso de humor (Deus queira que você tenha um). [Osório diz: qualidade complicada de encontrar! Muitos não o tem e nem aceitam que outros o tenham, pois quando isso acontece mais ficam de mau humor!].

...

Mas é a escrita, cacete, não é lavar o carro ou passar delineador. Se você levá-la a sério, podemos conversar. Se você não puder ou não quiser, é hora de fechar o livro e ir fazer outra coisa. (p. 96) [Osório diz: antes o respeito, agora a determinação, o esforço, a perseverança, o trabalho (ler e escrever)].

 

“— Podia, Stevie — respondeu ele, inclinando-se para pegar as alças —, mas eu não sabia se teria mais alguma coisa para fazer quando chegasse lá, não é? É melhor ter sempre as ferramentas consigo. Se não tiver, pode ser que você encontre alguma coisa inesperada e desanime.” (p. 101) [Osório diz: um amigo de meu pai, pois eu era ainda muito jovem, de nome Valmique, lá em Maraã, dizia que qualquer trabalho, ele era um exímio marceneiro, feito com as ferramentas apropriadas, melhoravam a qualidade do bem produzido e a alegria de produzi-lo.].

 

 

As ferramentas mais comuns ficam em cima. A mais comum de todas, o pão da escrita, é o vocabulário. Nesse caso, você pode guardar alegremente o que tem sem qualquer traço de culpa ou inferioridade. É como a puta disse ao marinheiro tímido: “Não é o que você tem, amorzinho, é como você usa”. (p. 102) [Osório diz: ou seja, a escrita se alimenta do vocabulário! Se você não o tem, como “pô-lo” no papel? A segunda frase tem interpretação proibida para mentes não poluídas! Rs.].

 

 

“... embora haja grandes trechos do livro que não entendo completamente. E qual é o problema disso? Também não consigo decifrar as letras de muitas músicas que adoro. (p. 104) [Osório diz: algumas coisas: a) também sofro desse mal! Não compreendo certos trechos e, as vezes, livros inteiros!; b) também gosto de músicas cujas letras desconheço; c) mas, no caso das músicas temos melodia, ritmo etc., algo que não encontramos facilmente na escrita].

 

Coloque seu vocabulário na primeira bandeja de sua caixa de ferramentas e não faça qualquer esforço consciente para melhorá-lo. (Você vai fazer isso enquanto lê, é claro... mas vamos deixar esse assunto para depois.) Uma das piores coisas que se pode fazer é tentar enfeitar o vocabulário, procurando por palavras longas porque tem vergonha de usar as curtas de sempre. (p. 104).

 

Fazer isso é como enfeitar seu animal de estimação com roupas sociais. O bichinho fica morrendo de vergonha, e a pessoa que cometeu esse ato de fofurice premeditada deveria ficar ainda mais. Faça agora mesmo uma promessa solene de nunca usar “gratificação” quando quiser dizer “gorjeta” e jamais usar “John parou tempo suficiente para realizar um ato de excreção” quando quiser dizer “John parou tempo suficiente para cagar”. Se você acha que “cagar” seria ofensivo ou inadequado para seu público, fique à vontade para dizer “John parou tempo suficiente para se aliviar” (ou talvez “John parou tempo suficiente para ‘empurrar’”). Não estou tentando fazer com que você use palavrões, mas que seja objetivo e direto. Lembre que a regra básica do vocabulário é: use a primeira palavra que lhe vier à cabeça, se for adequada e interessante. Se hesitar e ponderar, você vai encontrar outra palavra — claro que vai, sempre existe outra palavra —, mas é bem provável que ela não seja tão boa quanto a primeira, ou tão próxima do que você realmente quer dizer.

O sentido é importantíssimo. Se você duvida, pense em todas as vezes em que ouviu alguém dizer “não consigo descrever” ou “não foi isso que eu quis dizer”. Pense nas vezes em que você mesmo disse coisas assim, geralmente com um tom de leve ou grande frustração. A palavra é apenas uma representação do sentido. Mesmo nos seus melhores momentos, a escrita quase sempre fica aquém do sentido como um todo. [Osório diz: essa é uma frustração de quem escreve!] Dito isso, por quê, em nome de Deus, tornar as coisas ainda piores escolhendo uma palavra que seja parente distante daquela que você quer usar?

E fique realmente à vontade para levar em conta a adequação; como George Carlin observou certa vez, na companhia de certas pessoas é perfeitamente aceitável “prick your finger” [furar o dedo], mas pega muito mal “finger your prick” [pegar seu pênis] {trocadilho com a palavra “prick”, que como substantivo virou gíria para “pênis”. N.E}. (p. 105)

 

“A gramática também tem que ficar na bandeja de cima da caixa de ferramentas, e não me chateie com suspiros exasperados ou argumentos de que você não entende gramática, nunca entendeu gramática, que levou bomba nessa matéria no último ano, que escrever é divertido, mas a gramática é um saco.

Relaxe. Fique tranquilo. Não vamos perder muito tempo aqui, porque não é preciso. Ou você absorve os princípios gramaticais de sua língua nativa por meio de conversação e leitura, ou não absorve. O que as aulas no colégio fazem (ou tentam fazer) é pouco mais do que dar nome aos bois.

...

Além disso, depois que começar, você vai descobrir que sabe quase tudo do assunto — pois essa é, como eu disse, muito mais uma questão de tirar a ferrugem das brocas e afiar a lâmina da serra.

 

(falta aqui)

 

... mas há encanto na deselegância. (p. 106)

 

... regras gramaticais aceitas por todos. [Osório diz: a gramática é chamada de normativa por lei! Logo, tem que ser aceita por todos, exceto pelos “criminosos”].

...

Um construção gramatical ruim produz frases ruins. [Osório diz: uma?].

 

Substantivos e verbos são as duas classes indispensáveis na escrita. Sem uma delas, nenhum grupo de palavras pode ser uma oração, pois uma oração é, por definição, um grupo de palavras contendo um sujeito (substantivo) e um predicado (verbo); esses grupos de palavras começam com uma letra maiúscula, acabam com um ponto e se combinam para fazer um pensamento completo que tem origem na cabeça do escritor e saltar para a do leitor.

...

Mesmo William Strunk, o Mussolini da retórica, reconhece a deliciosa adaptabilidade da língua. “É uma velha observação”, escreveu ele, “que os melhores escritores, por vezes, desprezam as regras da retórica”. Ele complementa o raciocínio, no entanto, e eu insisto que você leve o adendo em consideração: “A menos que tenha certeza de estar fazendo direito, é provável que [o escritor] se saia melhor quando segue as regras”. (p. 107) [Osório diz: “obedeça a lei e não terá problema com a polícia dos críticos”]

 

Alguém que domine os rudimentos gramaticais encontra uma reconfortante simplicidade no coração da gramática, onde só precisa haver substantivos, palavras que nomeiam, e verbos, palavras que indicam ação. [Osório diz: King deveria (deve) ser um excelente professor, pois diz os mistérios com simplicidade de quem quer se fazer entender e deseja ensinar].

 

... A simplicidade da construção substantivo-verbo é útil — na pior das hipóteses, pode fornecer uma rede de segurança para sua escrita. (...) A gramática não é apenas chateação; é a estrutura em que você se apoia para construir os pensamentos e colocá-los no papel. (p. 108) [Osório diz: King, diversamente de Garcia Márquez, parece não gostar muito de revisores!]

 

“... verbos: ativos e passivos. Com um verbo ativo o sujeito da frase está fazendo alguma coisa. Com o verbo passivo, algo está sendo feito ao sujeito da frase.”

 

Evite a voz passiva. [Osório diz: King insistirá resolutamente nisso].

 

“... a reunião será realizada às sete horas.” [Osório diz: não!]

 

“... a reunião será às sete.” [Osório diz: sim!]

 

Não estou dizendo que não existe lugar para a voz passiva. Faça de conta, por exemplo, que um sujeito morreu na cozinha, mas foi parar em outro lugar. “O corpo foi tirado da cozinha e colocado no sofá da sala” é um jeito aceitável de se dizer o que aconteceu, embora “foi tirado” e “foi colocado” ainda me desagradem profundamente. Eu aceito a construção, mas não a usaria. Prefiro “Freddie e Myra carregaram o corpo para fora da cozinha e o deitaram no sofá da sala”. Por que o corpo tem que ser o sujeito da frase? Está morto, pelo amor de Deus! Xapralá! (p. 109) [Osório diz: bem legal a imagem: morto não pode ser sujeito!].

 

... escreveu E. B. White na introdução de The Elements of Style — “é um homem atolado em um pântano, e o dever de qualquer um que tente escrever é drenar esse pântano rapidamente para levar o leitor a algum lugar seco, ou ao menos lhe jogar uma corda”. E lembre-se: “o escritor jogou a corda”, não “a corda foi jogada pelo escritor”. Faça-me o favor.

 

Outro conselho que dou a você antes de seguirmos para a próxima bandeja da caixa de ferramentas é: o advérbio não é seu amigo.

Os advérbios, como você deve se lembrar das aulas de Inglês Empresarial ou coisa que o valha, são palavras que modificam verbos, adjetivos ou outros advérbios. Eles geralmente terminam em “-mente”.  (p. 110) [Osório diz: e quem MENTE, rouba! Rs].

 

“gritou ela”

 

“pediu ele”

 

“disse”

 

Nessas frases, “gritou”, “pediu” e “disse” são verbos dicendi. Agora veja estas revisões dúbias (p. 111) [Osório diz: "Os verbos dicendi ou “de dizer” são aqueles que usamos para introduzir um diálogo. Geralmente é utilizado em entrevistas jornalísticas, contos de ficção, como romances, e prosas. Alguns exemplos de verbos dicendi: afirmar, falar gritar, declarar, ordenar, perguntar, exclamar, pedir, concordar etc." Fonte: https://www.gramatica.net.br/duvidas/o-que-sao-verbos-dicendi/].

 

Alguns escritores de língua inglesa tentam escapar da regra contra o uso de advérbios vitaminando os verbos dicendi.

 

O melhor verbo dicendi é dizer, como em “disse ele”, “disse ela”, “disse Bill”, “disse Monica”. (p. 112)

 

Quando fiz [uso de advérbio], em geral foi pela mesma razão que outros escritores: porque tinha medo de que o leitor não me entendesse.

 

Estou convencido de que o medo é a raiz da má escrita.

 

A boa escrita costuma vir ao deixarmos o medo e a afetação de lado. (p. 113) [Osório diz: daí, penso, a necessidade de escrever a quente e corrigir a frio. Para muitos as ideias costumam não voltar, daí melhor colocá-las no papel e depois trabalhá-las. Pensar muito sobre a forma de dizer pode ficar para depois, para as correções].

 

“... mas escrever “disse ele” ou “disse ela” é divino.” [Osório diz: sim! O escritor é um deus (nessa forma que geralmente se fala de deus). Cria mundos e criaturas e faz/determina seus destinos].

 

“Eles dizem que o mais importante deve vir no fim...”

 

“sobre o parágrafo.” (p. 114).

 

Você consegue dizer sem nem mesmo ler se o livro escolhido é propenso a ser fácil ou difícil, certo? Livros fáceis contêm muitos parágrafos curtos — inclusive parágrafos de diálogos que podem ter apenas uma ou duas palavras — e muitos espaços em branco. São tão arejados quanto um desses chocolates aerados. Livros difíceis, aqueles cheios de ideias, narrações ou descrições, têm uma aparência mais robusta. Uma aparência abarrotada. Os parágrafos são quase tão importantes em aparência quanto em conteúdo; são mapas de intenção.

Em prosa expositiva, os parágrafos podem (e devem) ser organizados e utilitários. O parágrafo expositivo ideal contém uma frase síntese seguida por outras frases que explicam ou ampliam a primeira. (p. 115).

 

Mesmo na crônica, no entanto, é possível ver a força da forma básica do parágrafo. A estrutura frase-síntese-seguida-de-frases-descritivas-e-complementares exige que o escritor organize os pensamentos e também evita que fuja do tema. Fugir do tema não é um grande problema na crônica, é quase obrigatório, aliás — mas é um hábito muito ruim quando se está trabalhando em assuntos mais sérios e com maior formalidade. Escrita é pensamento refinado. Se sua tese de mestrado não é mais organizada que uma redação de escola intitulada “Por que Shania Twain mexe comigo”, você está com sérios problemas.

 

Na ficção, o parágrafo é menos estruturado — é a batida, não a melodia. Quanto mais ficção você lê e escreve, mais verá seus parágrafos se formando por conta própria. E é isso que você quer. Ao escrever um texto, é melhor não pensar demais sobre o início e o fim dos parágrafos; o truque é deixar a natureza seguir seu curso. Se depois você não gostar, é só corrigir. É isso que significa reescrever. (p. 116).

 

“- Quando a tua história é verdade ela num muda. A verdade é sempre a mesma merda, entra dia, sai dia.” [Osório diz: talvez mude apenas a forma de expô-la].

 

Ela englobaria uso de verbos dicendi (desnecessário se você souber quem está falando; Regra 17, omitir palavras desnecessárias, em ação), linguagem fonética (“num sei” e “ocê”),  (p. 117). [Osório diz: Nunca li Guimarães Rosa, mas ele, parece, as usa. Talvez ele esteja no nível de Tom Wolfe, a quem King perdoa].

 

É possível exagerar no uso de fragmentos bem-construídos (e Kellerman às vezes faz isso), mas eles também podem funcionar maravilhosamente para dar agilidade à narração, criar imagens claras e uma atmosfera de tensão, bem como variar a linha da prosa. Uma série de frases gramaticalmente adequadas pode retesar a linha, deixando-a menos flexível. Os puristas odeiam ouvir esta afirmação e a negarão até a morte, mas é verdade. A língua nem sempre usa gravata e sapato social. O objetivo da ficção não é a correção gramatical, mas fazer o leitor se sentir à vontade e, depois, contar uma história... Fazer com que ele esqueça, sempre que possível, que está lendo uma história. O parágrafo de uma única frase lembra mais a fala que a escrita, e isso é bom. Escrever é seduzir. Falar bem é parte da sedução. Se não fosse, por que tantos casais começariam a noite jantando e a terminariam na cama? [Osório diz: o objetivo da escrita].

(...)

O ritmo é parte do arcabouço genético (Kellerman escreve muitos fragmentos porque ouve muitos fragmentos), mas também é o resultado de milhares de horas que o escritor passou escrevendo, e de dezenas de milhares de horas que passou lendo textos alheios.

 

... frase, a unidade básica da escrita ... (p. 118). [Osório diz: esta deve ser bem posta, equilibrada, forte, pois sobre elas, ou sobre seu conjunto, repousará todo o peso da história].

 

 

“... o peso e o número de páginas, por si só, não indicam excelência...” [Osório diz: para alguns leitores iniciantes, eu, no caso, achava que tamanho era documento. Que livros grandes significavam livros melhores que livros raquíticos! Rs].

 

Em alguns casos (As pontes de Madison, por exemplo), a concisão significa doçura demais. Existe a questão do compromisso, seja um livro bom ou ruim, um fracasso ou um sucesso. As palavras têm peso. [Osório diz: a sabedoria popular sabe bem disso, tanto assim que fala, por exemplo, do “tapa com luva de pelica”, bem como aconselha a não usar certo adjetivos que machucam a alma. Uma tia minha, certa feita, e faz muitos anos, me chamou de “maldito”! Nunca mais apaguei a frase de minha “triste memória”, no caso.].

 

Palavras criam frases, frases criam parágrafos... (p. 119) [Osório diz: parágrafos criam textos! Ou não! Aforismos!].

 

... incluímos aquele epílogo tosco e lerdo chamado O Silmarillion,...  (P.120) [Osório diz: “é uma coletânea de obras literárias de mito-poesias de J. R. R. Tolkien. Foi editada e publicada postumamente em 1977 por seu filho Christopher Tolkien com a ajuda de Guy Gavriel Kay,[1] que, mais tarde, tornou-se um notável escritor de fantasia. O Silmarillion, juntamente com outras obras de Tolkien, forma uma extensa, embora incompleta, narrativa que descreve o universo de Eä, onde se encontram as terras de Valinor, Beleriand, Númenor e da Terra Média, onde se passam O Hobbit e O Senhor dos Anéis.” Fonte: Wikipedia].

 

... não dá para mentir e dizer que não existem escritores ruins. Lamento, mas existem muitos escritores ruins. (p. 123) [Osório diz: mas você só os descobre depois de lê-los! E se você gostar daquele a quem todos criticam como sendo ruim?].

 

“Advérbios pulsantes”.

 

“Escritores... ruins, competentes e bons de verdade.” (p. 123) [Osório diz: como King classifica os escritores. Ele coloca Eudora Weltys entre os bons de verdade. Procurei resenhas do livro dela vertido para o português e parece que os comentadores não têm a mesma opinião do mestre da ficção! Como eu digo: só lendo-a para saber!].

 

São gênios, acidentes divinos, com um talento que está além de nossa capacidade de compreensão, absolutamente fora de alcance. A maioria dos gênios sequer compreende a si mesmo. Muitos deles levam vidas infelizes, percebendo (pelo menos em algum nível) que não passam de aberrações sortudas, a versão intelectual das modelos, que por acaso nasceram com as maçãs do rosto certas e com seios que se adequam ao padrão de uma era. [Osório diz: eu não me sinto assim! Kkkkkkkkk].

 

Estou chegando ao coração deste livro com duas teses, ambas simples. A primeira é que a boa escrita consiste em dominar os fundamentos (vocabulário, gramática, elementos de estilo) e depois colocar os instrumentos certos na terceira bandeja de sua caixa de ferramentas. A segunda é que, embora seja impossível transformar um escritor ruim em competente, e embora seja igualmente impossível transformar um escritor bom em um incrível, é sim possível, com muito trabalho duro, dedicação e conselhos oportunos, transformar um escritor meramente competente em um bom escritor. [Osório diz: aqui estão dois ensinamentos fundamentais! Dominar as ferramentas da escrita e, tem senso crítico ao perguntar-se: “é minha praia”? Assim como alguém que queira jogar futebol deve perguntar-se: “sei dominar a bola?”. Caso as respostas sejam negativas, melhor fazer outra coisa que domine melhor!].

 

Algumas pessoas nunca esquecem, simples assim, e boa parte da crítica literária serve apenas para reforçar um sistema de castas tão antigo quanto o esnobismo intelectual que o alimenta. (p. 124) [Osório diz: “quem tem padrinho não morre pagão”, diz o vulgo! Milton Hatum já havia publicado livros lá em Manaus, mas o sucesso só veio com a Companhia das Letras por detrás! Aliás, a mesma Companhia das Letras lançou um escritor carioca oriundo de uma “comunidade” (que os afetados chamam de favela) e, independente do seu talento, que deve ser imenso, a indicar um futuro prêmio Nobel, o livro do jovem foi resenhado em todos os grandes meios de comunicação que fazem a opinião popular comprar livros! Por que isso? A Cia das Letras é uma empresa como outra qualquer e, quando lança um produto, quer vendê-lo e, para vendê-lo, investe nas parcerias que montou! Isso, creio, tem até a ver com o sistema capitalista que, vez por outra, facilita com que um espermatozoide insistente fure o óvulo e, assim, os demais pensem que isso é possível, pois, em bilhões, um conseguiu!].

 

Charles Dickens, o Shakespeare do romance... [Osório diz: como não nutro, por ignorância, tanta admiração por Shakespeare, penso que a comparação faz de King um grande admirador de Dickens!].

 

Críticos e acadêmicos sempre desconfiaram do sucesso popular. [Osório diz: como em política os donos do poder desconfiam do populismo?]. Muitas vezes, a desconfiança é justificada. Em outras, ela é usada como desculpa para não pensar. Ninguém é tão intelectualmente preguiçoso quanto uma pessoa realmente inteligente;...

 

Porém, antes de prosseguirmos, quero repetir minha premissa básica: se você é um escritor ruim, ninguém vai conseguir transformá-lo em um bom, nem mesmo em um competente. Se você é bom e quer ser incrível... deixe pra lá. (p. 125) [Osório diz: contente-se em ser bom?].

 

Se, no entanto, você não quiser sentar o rabo e trabalhar, não há razão em tentar escrever bem... [Osório diz: simples assim! “Conhecerás o escrever bem com o suor do teu rosto”, ou, no caso, “com a dor do teu rabo”!].

 

Se você quer ser escritor, existem duas coisas a fazer, acima de todas as outras: ler muito e escrever muito. Que eu saiba, não há como fugir dessas duas coisas, não há atalho. [Osório diz: com o ler você conhece formas e ideias, com o escrever você põe no papel a sua criação.].

 

Leio devagar, mas costumo ler de setenta a oitenta livros por ano, (p. 126) [Osório diz: também leio devagar, mas meu número de livros anuais, especialmente por ler livros chamados de “técnicos”, não chega a esse número não! Creio que um livro de filosofia, por exemplo, vale, em termos de número, por vários de “fricção”!].

 

O pior de tudo (pelos menos para mim, à época) era que Leinster estava apaixonado pela palavra arrebatador. [Osório diz: ao ler “Madame Bovary”, percebi que Flaubert é apaixonado pela palavra “entrementes”, pois a repete cansativamente! Não conheço o original em francês, então pode ser “culpa” da tradutora. J. K. Rowling, em “Harry Potter e a Pedra Filosofal” também abusa do “entrementes”!].

 

“Eu consigo fazer melhor que isso. Porra, eu já estou fazendo melhor do que isso!” Nada mais encorajador para o escritor novato do que perceber que seu trabalho é inquestionavelmente melhor do que o de alguém que ganha para escrever.

Aprendemos mais sobre o que não fazer quando lemos uma prosa ruim; romances como Asteroid Miners (ou O vale das bonecas, O jardim dos esquecidos e As pontes de Madison, para citar apenas alguns). [Osório diz: gostei da franqueza! Geralmente não se dá nome aos bois! É por isso que costumo dizer que todas as críticas são construtivas, mesmo aquelas que “detonam” o criticado! Elas podem servir de incentivo para melhorar ou mostrar que o crítico é só mais um fdp daquele magote que povoa o mundo.].

 

As vinhas da ira [Osório diz: livro elogiado por King].

 

Nem sonhe em humilhar alguém com a força de sua escrita até que você tenha sofrido isso na pele. (p. 127) [Osório diz: a velha sabedoria! Será que quem sofre na pele uma tal humilhação é capaz de desforrar em que não tem nada a ver com a coisa?].

 

Se eu ganhasse um centavo por cada um já que me disse que queria ser escritor, mas “não tinha tempo para ler”, daria para pagar um bom jantar em uma churrascaria. Posso ser direto? Se você não tem tempo de ler, não tem tempo (nem ferramentas) para escrever. Simples assim. [Osório diz: portanto, ler, e muito, é fundamental! Tenho experimentado isso na minha própria carne tenra e macia!].

A leitura é o centro criativo da vida de um escritor. Eu levo um livro comigo aonde quer que vá, e não faltam oportunidades para mergulhar na leitura. O truque é aprender a ler tanto de pouquinho em pouquinho como de uma sentada só. Salas de espera são perfeitas para livros — é claro! Também são perfeitos os saguões de teatro antes da peça, as longas e cansativas filas de supermercado, e o meu favorito de todos: o banheiro. Você pode até ler enquanto dirige, graças à revolução do audiolivro. Dos livros que leio a cada ano, de seis a doze são em áudio. E quanto às maravilhosas transmissões radiofônicas perdidas, deixa disso — quantas vezes você aguenta ouvir o Deep Purple tocando “Highway Star [Estrela da estrada]”?

Ler durante as refeições é considerado algo rude pela sociedade, mas, se você pretende ser um escritor bem-sucedido, a rudeza deve ser a penúltima de suas preocupações. A última deve ser a sociedade e o que ela espera de você. De qualquer forma, se você pretende escrever com a maior sinceridade possível, seus dias como membro da sociedade estão contados. [Osório diz: parece mesmo! As pessoas são: a) pouco receptivas por não terem o hábito da leitura; b) preconceituosas, por não terem o hábito da leitura; c) invejosas: não costumam prestigiar “amigos” e compatriotas, exceto se a deusa imprensa disser que o fulano deve ser lido, aí a manada vai...].

 

... a televisão — seja na academia ou em qualquer outro lugar — é uma das últimas coisas de que um escritor precisa. [Osório diz: aliás, que a humanidade precisa, no formato em que hoje é usada!].

Se você não consegue ficar sem os apresentadores exagerados dos noticiários da CNN enquanto se exercita, ou os analistas de mercado exagerados da NBC, ou os repórteres de esportes exagerados da ESPN, é melhor questionar a seriedade de seu desejo de se tornar escritor. Você deve estar preparado para fazer uma grande virada em direção à vida da imaginação, e isso significa, lamento dizer, deixar para trás os apresentadores de programas de variedades, os narradores esportivos e os entrevistadores. A leitura demanda tempo, e a telinha lhe rouba horas preciosas. [Osório diz: televisão e a escrita. Devo muito da minha perseverança em leitura por ter começado a ver televisão, regularmente, apenas aos 17 anos, quando fui morar em Manaus, haja vista que em Maraã, à época, esse “zolho de ciclope” ainda não tinha chegado por lá!].

 

Uma vez livres da efêmera dependência da TV, muitas pessoas acabam descobrindo que adoram passar o tempo lendo. Digo que desligar aquela máquina barulhenta vai melhorar não só sua escrita, mas também sua qualidade de vida. E seria muito sacrifício fazer o que estou sugerindo? Quantas reprises de Frasier e ER são necessárias para fazer uma vida americana completa? Quantos comerciais? Quantos repórteres trazendo as notícias da capital? Ah, melhor nem começar a falar disso. Jornais televisivos, musicais, séries de comédia, filmes água com açúcar... Para mim, fim de papo. (p. 129) [Osório diz: estou chegando a esse nível, desconheço o resultado, mas raraMENTE ligo o televisor!].

 

Sete meses depois eu disse à minha mulher que era melhor acabar com as aulas de saxofone, se Owen concordasse. Ele concordou, claramente aliviado. Owen não queria admitir, ainda mais depois de ter pedido o sax de presente, mas sete meses foram mais do que suficientes para perceber que, embora adorasse o som de Clarence Clemons, o instrumento não era para ele — Deus não lhe tinha concedido talento para aquilo. [Osório diz: meu filho mais velho, Juarez, queria ser jogador de futebol. Percebi que o talento dele era modesto, mas para não ser direto no desestímulo, comprei uma fita VHS com o genial Maradona fazendo o que fazia com a “pelota” e mostrei a ele. Ao final, perguntei: “você é capaz de fazer isso?”. “Não”, foi a resposta. “Então, melhor estudar!” A conversa nunca mais voltou a esse tema].

 

Se não há alegria em tocar, não é bom. [Osório diz: creio que o bom profissional só será realmente bom se fizer o que faz com felicidade no rosto. Caso contrário ficará como a caixa de supermercado que odeia ser caixa de supermercado!].

 

O talento faz a própria ideia de ensaio parecer sem sentido. [Osório diz: dizem que Sócrates (o jogador) e Maradona não treinavam].

 

A verdadeira importância da leitura é criar intimidade e facilidade com o processo de escrita; ou seja, chegar ao país dos escritores com os documentos e as identificações em ordem. A leitura constante vai colocar você em um lugar (ou estado mental, se preferir) em que é possível escrever com paixão e sem inibição. (p. 130) [Osório diz: as vezes a inibição vem de quem se esperar ser um incentivador, mas que, na verdade, é um censor! Também costumamos ter medo de externar as maldades que pensamos, e isso é péssimo para quem quer escrever! Não devemos confundir ficção com realidade. Eu mesmo já pensei várias vezes em enforcar minha mãe, mas só estava ficcionando, pois, em algumas vezes, ela nem merecia! Rs.]

 

Se “leia muito, escreva muito” é o Grande Mandamento — e posso garantir que é —, o que significa escrever muito? [Osório diz: portanto, não se sinta cansado antes de estar realmente cansado!].

... Harper Lee, que escreveram apenas um livro (o brilhante O sol é para todos). [Osório diz: assim como tem cantores e compositores de uma música só! Atores de um único personagem, como Chico Cuoco e aquele da “Dara”, o tal de cigano Igor!].

Se Deus lhe deu algo que você sabe fazer, por que, em nome de Deus, não fazê-lo? (p. 131). [Osório diz: isso me lembra os analfabetos que criticam Karl Marx chamando-o de vagabundo, mesmo o gênio tendo escrito milhares e milhares de páginas que vivem até hoje, amanhã e depois de amanhã!].

 

Harper Lee ... (o brilhante O sol é para todos)

 

...

 

Se Deus lhe deu algo que você sabe fazer, por que, em nome de Deus, não fazê-lo? (p. 131). [Osório diz: Karl Marx sabia pensar e escrever, daí...]

 

O trabalho começa a parecer trabalho... [Osório diz: a coisa começa a ficar ruim! Um canalha amigo meu diria: quando a namorada começa a virar esposa!].

 

Consigo escrever a sangue frio, se precisar, mas gosto mais quando a ideia está fresca e emana tanto calor que fica quase difícil de manipular. [Osório diz: essa dualidade é importante! Tirar leite de pedra, no primeiro caso; ver o leite jorrar da pedra, no segundo].

 

Workaholic [Osório diz: “que ou quem é viciado em trabalho; trabalhador compulsivo.” Aqui King parte do pressuposto que seus leitores sabem o que ele sabe!].

 

Para mim, o trabalho é ficar sem trabalhar. [Osório diz: nossa! “Quer uma medalha?” Rs.].

 

Acho que parar de fumar me deixou mais lento; a nicotina é um ótimo estimulante de sinapses. O problema, obviamente, é que o cigarro mata ao mesmo tempo em que ajuda a escrever. [Osório diz: ouso discordar, Mestre! Para qualquer merda que vicia o viciado dirá o mesmo! Alcoólatras para o álcool e “cocainômanos para a maconha”, por exemplo.].

 

Gosto de escrever dez páginas por dia, o que dá cerca de duas mil palavras (p. 133) [Osório diz: META DE TRABALHO DIÁRIO PARA UM ESCRITOR (proposta de King). MATEMATICAMENTE: 10 páginas = dia; 2.000 palavras = dia].

 

“... feliz como pinto no lixo...” [Osório diz: pensava que esse dito era nacional, mais especificamente de Jamelão o “puxador” da Mangueira! Será que é coisa de tradução?].

 

A maior ajuda para uma produção (trollopiana? [Osório diz: Anthony Trollope, escritor inglês que produzia muitos livros e em volumes gigantes. Vide p. 131]) regular é trabalhar em uma atmosfera serena. Até mesmo para o escritor mais produtivo, é difícil trabalhar em um ambiente onde sustos e intromissões são a regra, não a exceção. Quando me perguntam o “segredo do meu sucesso” (essa é uma ideia absurda, da qual é impossível escapar), costumo dizer que são dois: mantive a saúde física (pela menos até o dia em que um furgão me jogou para fora da estrada, no verão de 1999) e mantive o casamento. É uma boa resposta porque faz a pergunta desaparecer e porque tem um fundo de verdade. A combinação de corpo saudável e relacionamento estável com uma mulher autossuficiente que não aceita nenhum desaforo da minha parte tornou possível continuar minha vida profissional. E acredito que o oposto também seja verdade: minha escrita e o prazer que extraio dela contribuíram para a estabilidade de minha saúde e da minha vida familiar. (p. 134) [Osório diz: por detrás de todo grande escritor tem também uma mulher! Rs. Em alguns casos, várias!].

 

O espaço pode ser humilde (provavelmente deve ser, como acho que já sugeri) e só precisa realmente de uma coisa: uma porta que você possa fechar. A porta fechada é a maneira de dizer ao mundo e a você mesmo que o assunto é sério. Você assumiu o compromisso de escrever e pretende dançar a dança, bem como dizer o que precisa ser dito. [Osório diz: ambiente para a escrita. Deve ser horrível escrever sob um pancadão de funk! Um fanqueiro dirá: sob uma valsa e assim cada qual com seu cada qual. Eu, particularmente, acho o silêncio uma excelente companhia!].

 

Sugiro mil palavras por dia e, como estou me sentindo magnânimo, também sugiro que você tire um dia de folga por semana, pelo menos no início. [Osório diz: META DE TRABALHO DIÁRIO PARA UM ESCRITOR (proposta de King). MATEMATICAMENTE: 1.000 palavras = dia. A semana vem após a conclusão da primeira fase da obra, creio!].

 

...

Me perguntou como eu escrevia. Minha resposta – “uma palavra de cada vez”

 

...

 

Se possível, não tenha telefone em sua sala. [Osório diz: nem celular com zap? Kkkkkk].

 

... eliminar todas as distrações possíveis... [Osório diz: até os filhos pequenos!].

 

“... você também pode deixar sua mente alerta para dormir criativamente e trabalhar os sonhos vividamente imaginados que são as obras de ficção bem-sucedidas.” (p. 135) [Osório diz: não sei bem como se faz isso, mas, sugiro, dormir ao lado de um caderno e uma caneta e não acreditar que a história é tão boa que no dia seguinte você, sem dúvida alguma, lembrar-se-á dela, pois isso é mentir para você mesmo! Rs.]

 

... produzir cinco mil palavras por dia (p. 136). [Osório diz: META DE TRABALHO DIÁRIO PARA UM ESCRITOR (proposta de King). MATEMATICAMENTE: 5.000 palavras = dia. A coisa só aumenta com o fermento da criatividade.].

 

 

... sobre o que você vai escrever? E aí vem a grande resposta: sobre o que você quiser. Qualquer coisa... desde que você conte a verdade. [Osório diz: dica importantíssima: MESMO MENTINDO, DIGA A VERDADE! Complicado? Mas você, em primeiro lugar, deve acreditar no que escreve, caso contrário, como esperar que os outros acreditem?].

 

... nasci com uma paixão pela noite e pelo caixão inquieto, basicamente.  (p. 137). [Osório diz: também gosto da noite! E se nela tiver um bar... espero pelo dia! kkkk].

 

Para começar, é moralmente tortuoso – o trabalho de escrever ficção é encontrar a verdade dentro da rede de mentiras da história, e não se comprometer com a desonestidade intelectual em busca de grana. Além disso, irmãos e irmãs, não funciona. [Osório diz: a verdade da qual King falou acima. A grana é consequência.].

 

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Para começar, é moralmente tortuoso — o trabalho de escrever ficção é encontrar a verdade dentro da rede de mentiras da história, e não se comprometer com a desonestidade intelectual em busca de grana. Além disso, irmãos e irmãs, não funciona.

 

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está a presunção de que o escritor controla o material, e não o contrário. Um escritor sério e comprometido é incapaz de avaliar o material da história como um investidor avalia ofertas de ações, escolhendo aquelas mais propensas a dar um bom retorno. Se a coisa pudesse ser feita desta forma, todos os romances publicados seriam best-sellers e os enormes adiantamentos pagos a cerca de uma dezena de “escritores renomados” não existiriam (os editores gostariam disso).

 

 

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A crítica costuma inferir que nós temos acesso a algum tipo de vocabulário místico que outros (e muitas vezes melhores) escritores não conseguem encontrar ou não se dignam a usar. Duvido que isso seja verdade. Também não acredito quando alguns romancistas populares (embora não seja a única, estou pensando na finada Jacqueline Susann) afirmam que seu sucesso se baseia em mérito literário — ou seja, que o público entende a verdadeira grandeza de uma maneira que a velha guarda literária, envolta em conservadorismo e consumida pela inveja, não consegue. É uma ideia ridícula, gerada pela vaidade e pela insegurança. [Osório diz: essa coisa de inveja só pode ser algo divino, pois está em todo canto!].

 

“O livro é quem manda” (p. 138) [Osório diz: King cita Alfred Bester, para dizer que é o livro quem manda no autor, e não o autor quem manda no livro. Isso me lembrou Nietzsche quando diz que é “o pensamento que nos pensa, não nós que pensamos o pensamento”! Isso pode ser comprovado “cientificamente” (seja lá o que essa droga signifique!), basta que você lembre do seguinte: quanto mais você quer esquecer uma ex-namorada que te faz sofrer, mais você lembra dela!].

 

Na maioria das vezes, os leitores não são atraídos pelos méritos literários de um romance; eles querem uma boa história para levar consigo no avião, algo que primeiro os fascine, depois os impulsione e os mantenha virando as páginas. Isso acontece, acredito, quando eles reconhecem as pessoas que estão no livro, seus comportamentos, seu ambiente, seu jeito de falar. Quando identifica fortes ecos de sua vida e de suas crenças, o leitor fica propenso a se deixar envolver pela história. Eu argumentaria que é impossível fazer este tipo de conexão de forma premeditada, aferindo o mercado como um especialista em corridas de cavalo que tem uma dica quente. [Osório diz: boa dica! Mas isso não significa escrever para o seu mundo? E as pessoas que não fazem parte dele? Acredito, que mesmo aqueles que não fazem parte do seu mundo podem entendê-lo, pois é mais fácil entender o simples que o rebuscado!].

 

A imitação estilística

 

Escreva o que quiser, depois encharque a história de vida e a torne única, acrescentando seu conhecimento pessoal e intransferível do mundo, da amizade, do amor, do sexo e do trabalho. Especialmente do trabalho. As pessoas adoram ler sobre trabalho. Sabe-se lá por quê, mas adoram. Se você é um encanador que adora ficção científica, pense em escrever um romance sobre um encanador a bordo de uma nave ou de um planeta alienígena. Parece ridículo? O finado Clifford D. Simak escreveu um romance chamado Cosmic Engineers [Engenheiros cósmicos] que é praticamente isso. E é uma leitura excelente. Você só não pode esquecer que existe uma grande diferença entre discorrer sobre o que sabe e usar este conhecimento para enriquecer a história. O último é bom. O primeiro, não. [Osório diz: os temas tudo bem, mas as três últimas frases são complicadas de serem dosadas, creio.].

 

Pense no romance com que John Grisham estourou, A firma. Na história, um jovem advogado descobre que seu primeiro emprego, que parecia bom demais para ser verdade, era de fato uma miragem — ele está trabalhando para a máfia. Cheio de suspense, envolvente e com um ritmo de tirar o fôlego, A firma vendeu uns nove zilhões de exemplares. O que parecia fascinar o público era o dilema moral em que o jovem advogado se encontrava: trabalhar para a máfia é ruim, não há o que discutir, mas o salário é estupendo! Dá para comprar uma BMW, e isso é só o início! (p. 139) [Osório diz: que baita incentivo! Pelo que diz King, todos têm excelentes histórias, o problema é “ponhar” no papel!].

 

 

... e armadilhas sexuais que fazem o campo do direito societário tão difícil (p. 140)

 

 

De meu ponto de vista, histórias e romances se dividem em três partes: narração, que leva a história do ponto A para o ponto B e, por fim, até o ponto Z; descrição, que cria uma realidade sensorial para o leitor; e diálogo, que dá vida aos personagens através do discurso. [Osório diz: as partes de um romance! Depois da terceira leitura achei bem didático!].

 

Você pode estar se perguntando onde está o enredo nisso tudo. A resposta — a minha, pelo menos — é: em lugar nenhum. Não vou tentar convencer você de que nunca construí um enredo, como não vou tentar lhe convencer de que nunca contei uma mentira, mas faço ambas as coisas tão raramente quanto possível. Não confio no enredo por duas razões: em primeiro lugar, porque nossa vida, em enorme medida, não tem enredo, mesmo que você tome todas as precauções necessárias e faça um planejamento cuidadoso; em segundo lugar, porque acredito que a construção da trama e a espontaneidade da criação verdadeira não sejam compatíveis. É melhor ser o mais claro possível quanto a isso — quero que você entenda que minha crença básica sobre a criação de histórias é que elas praticamente se fazem sozinhas. O trabalho do escritor é dar-lhes um lugar para crescer (e transcrevê-las, é claro). Se você enxerga as coisas desta maneira (ou pelo menos tenta), podemos trabalhar juntos confortavelmente. Se, por outro lado, você achar que eu sou maluco, tudo bem. Você não será o primeiro. [Osório diz: creio que sabemos como o romance começa, mas não como ele se desenvolve e termina. Desenvolvimento e final vêm à medida em que se escreve. “Amar se aprende amando”, vale para o romance, creio.].

 

Quando, durante uma entrevista à New Yorker, eu disse ao entrevistador (Mark Singer) que acreditava que histórias eram coisas encontradas, como fósseis na terra, ele não acreditou em mim. Falei que, por mim, tudo bem, se ele pelo menos acreditasse que eu acreditava. E acredito mesmo. Histórias não são camisetas promocionais ou joguinhos de videogame. Histórias são relíquias, parte de um mundo pré-existente ainda não descoberto. O trabalho do escritor é usar as ferramentas que tem na caixa para desenterrar o máximo de histórias que conseguir, tão intactas quanto possível. Às vezes o fóssil encontrado é pequeno; uma concha. Às vezes é enorme, como um Tyrannosaurus Rex, com aquelas costelas enormes e aqueles dentes sorridentes. Seja o que for, uma história curta ou um romance colossal de mil páginas, as técnicas de escavação continuam sendo basicamente as mesmas. (p. 141) [Osório diz: creio que, muitas vezes, quando o escritor se depara com um dente, que ele julga ser de um dinossauro, na medida que escava, percebe que é um mapinguari! Ou seja, e em repetição, a história se desenvolve por si, sendo o escritor apenas o taquígrafo ou, como eu disse, o cavalo encarnado pela história!].

 

É possível extrair fósseis do chão usando uma perfuratriz, sem dúvidas, mas você sabe tão bem quanto eu que ela vai quebrar tanta coisa quanto vai extrair. O enredo é tosco, mecânico, anticriativo. O enredo é, penso eu, o último recurso do bom escritor e a primeira escolha do idiota. A história advinda do enredo está propensa a ser artificial e dura. [Osório diz: sobre o enredo].

 

... meus livros se baseiam em situações mais do que em histórias.

 

A situação vem primeiro. Os personagens — sempre rasos e sem características, no início — vêm depois. Quando essas coisas se fixam em minha mente, começo a narrar. Geralmente tenho uma ideia do possível final, mas nunca pedi a um grupo de personagens que fizessem as coisas do meu jeito. Pelo contrário, quero que façam as coisas do jeito deles. Algumas vezes, o final é o que visualizei. Na maioria dos casos, porém, é algo que eu jamais esperava. Para um autor de suspense, isso é algo fantástico. Não sou, no fim das contas, apenas o criador do romance, sou também o primeiro leitor. E se eu não sou capaz de adivinhar com exatidão como a situação vai se desenrolar, mesmo com meu conhecimento antecipado dos eventos, tenho certeza de que consigo manter o leitor em um estado de leitura ansiosa. E por que se preocupar com o final? Para que ser tão controlador? Mais cedo ou mais tarde, todas as histórias chegam a algum lugar. (p. 142) [Osório diz: ser leitor de si próprio é algo que deve ser aprendido com muito afinco, principalmente para que se possa autocriticar.].

 

Subi para o quarto para dormir umas poucas horas, pensando na frequência com que nos dizem coisas que não precisávamos saber. (p. 144) [Osório diz: penso sempre isso quando vejo alguém assistindo esses programas de televisão que só mostram desgraças!].

 

O poder redentor da escrita (p. 145) [Osório diz: existe porque acreditamos nisso e somos capazes de escrever sobre isso!].

 

Nenhuma delas foi tramada... [Osório diz: diz King sobre as situações que se transformaram em livro].

 

... diferença entre história e trama. A história é honrada e confiável; a trama é enganadora, e funciona melhor quando mantida em cárcere privado.

 

... foi refinado e detalhado pelo processo de edição, (p. 147) [Osório diz: é muito importante a participação do editor na conclusão do livro!].

 

... ordem de restrição, um documento tão útil quando um guarda-sol durante um furação... [Osório diz: gostei da comparação.].

 

Richard, o Imbecil, é preso (p. 148) [Osório diz: o cara que o atropelou.].

 

É uma história bem boa, não acha? Eu acho, apesar de não ser exatamente original. Como já falei, a manchete EX-MARIDO ESPANCA (OU MATA) EX-MULHER aparece nos jornais quase toda semana. É triste, mas é verdade. [Osório diz: pelo que dizem alguns imbecilizados, isso só ocorre no Brasil, jamais na Corte! Resumo: King mostra, para desespero da mídia venal (venal não, que é deles), que os Estados Unidos não é o paraíso que eles fazem milhões de desinformados acreditar!].

 

A descrição é o que transforma o leitor em um participante sensorial da história. A boa descrição é uma habilidade que se aprende, uma das principais razões pelas quais você não consegue ser bem-sucedido a não ser que leia e escreva muito. Não é apenas uma questão de como fazer, mas também de quanto fazer. A leitura vai ajudar você a saber quanto, e só resmas e resmas de escrita vão ajudar com o como. Você só vai aprender fazendo. (p. 149) [Osório diz: e se aprende lendo e escrevendo, como já disse King.].

 

 

“Cara, foi tão fantástico (ou horrível/estranho/engraçado) que eu nem sei como descrever!”. Se quiser ser um escritor de sucesso, você precisa ser capaz de descrever a cena, e de uma maneira que faça o leitor sentir um comichão de reconhecimento. (p. 150) [Osório diz: aprender a descrever a qualquer custo!]

 

 

Não sou particularmente fã de textos que descrevem nos mínimos detalhes as características físicas das pessoas e o que estão vestindo (acho o inventário de roupas algo particularmente irritante; se quisesse ler descrições de roupas, eu recorreria a um catálogo de lojas de departamento). Não consigo me lembrar de muitos casos em que tenha sentido necessidade de descrever a aparência das pessoas em minhas histórias — prefiro deixar o leitor fornecer o rosto, a compleição física e também as roupas. Se eu disser a você que Carrie White é uma adolescente sem amigos, com a pele ruim e um guarda-roupa cafona, acho que você consegue fazer o resto, não consegue? Não é preciso fazer um resumo, espinha por espinha, saia por saia. Todos nós temos na lembrança a imagem de um dos excluídos da época de escola; se eu descrever a minha, vou congelar a sua, e assim perco um pouco da identificação mútua que quero forjar. A descrição começa na imaginação do escritor, mas deve terminar na do leitor. Na hora de fazer uma descrição, o escritor tem muito mais sorte do que o diretor de cinema, que quase sempre estará condenado a mostrar demais. Por exemplo, mostrar, em noventa por cento dos casos, o zíper que corre pelas costas do monstro. (p. 150) [Osório diz: [Osório diz: Flaubert, Proust, Eça de Queiroz estão fora, portanto! Rs.].

 

Acho que o cenário e a textura são muito mais importantes para que o leitor se sinta dentro da história do que qualquer descrição física dos personagens. Também não acho que a descrição física deva ser um atalho para o caráter. Então, me poupem, por favor, dos “astutos olhos azuis” e do “resoluto queixo proeminente” do herói, e também das “arrogantes maçãs do rosto” da heroína. Esse tipo de coisa é técnica ruim e escrita preguiçosa, o equivalente a todos aqueles advérbios cansativos. [Osório diz: a descrição física do personagem. Muitos autores não o fazem, deixando a criação das imagens por conta do leitor. Homero mesmo não o faz! Rs. Cervantes já ensaia!].

 

Se depois você decidir mudar, acrescentar ou excluir alguma coisa, faça o que tiver que fazer – é para isso que serve a reescrita.

 

Chamo de olhar mental, mas o que realmente quero fazer é abrir todos os meus sentidos. Essa busca na memória será breve, porém intensa, um tipo de evocação hipnótica. E, como acontece coma hipnose de verdade, quanto mais vezes você tentar, mais fácil será conseguir. 

 

Se eu pensar por mais tempo, consigo me lembrar de mais coisas (o que não lembrar, eu invento — durante o processo de visualização, fato e ficção se mesclam), mas isso não é necessário. (p. 151) [Osório diz: o autor como criador!].

 

narração  -   ação  (p. 152) [Osório diz: narração é igual a ação.].

 

O uso da metáfora e de outras figuras de linguagem é uma das grandes delícias da ficção — na escrita e na leitura, também. Quando acerta o alvo, uma metáfora nos agrada tanto quanto encontrar um velho amigo em meio a uma multidão de desconhecidos. Ao comparar duas coisas que, aparentemente, não têm qualquer relação entre si — um bar e uma caverna, um espelho e uma miragem —, às vezes conseguimos ver algo velho de forma nova e vívida.19 Mesmo que o resultado seja clareza em vez de beleza, acho que o escritor e o leitor estão participando juntos de uma espécie de milagre. Bom, talvez eu esteja forçando um pouco a barra, mas, sim, é nisso que acredito. (p. 153) [Osório diz: bela e simples definição de metáfora.].

 

Quando uma metáfora ou símile não funciona, o resultado pode ser tanto engraçado quanto embaraçoso. Não faz muito tempo, li a frase abaixo em um romance que prefiro não nomear: “Ele se sentou, impassível, ao lado do cadáver, esperando pelo médico tão pacientemente quanto um homem que espera por um sanduíche de peru”. Se existe alguma conexão esclarecedora aqui, eu não consegui fazer. Como resultado, fechei o livro sem ler mais nada. Se um escritor sabe o que está fazendo, eu sigo com ele. Se não souber... Bem, estou na casa dos cinquenta agora, e ainda há muitos livros por aí. Não tenho tempo a perder com os mal-escritos. [Osório diz: isso de fechar o livro aconteceu comigo quando abri “Sapiens - uma breve história da humanidade”, de Yuval Noah Harari. O cara adota uma teoria como verdadeira sem qualquer consideração quanto as demais! Esqueceu dos famosos “paradigmas”. Fiz um vídeo que está em: https://www.youtube.com/watch?v=bQeKuv1YyZk].

 

A metáfora zen é apenas uma das arapucas das figuras de linguagem. A mais comum — e, de novo, cair nesta armadilha geralmente significa falta de leitura — é o uso de metáforas, símiles e imagens clichês. Ele correu “como um louco”, ela era linda “como um dia de verão”, o cara era um “bilhete premiado”, Bob lutou “como um tigre”... não me faça perder meu tempo (ou o de qualquer um) com coisas tão manjadas. Isso faz com que você pareça preguiçoso ou ignorante. Nenhuma dessas descrições vai fazer bem à sua reputação como escritor. [Osório diz: os críticos gostam muito de tentar desqualificar usando o clichê do uso de clichês! Aqui, pelo menos, King diz o que ele são (“coisas manjadas”). Fique de olho! Nabukov vai mais longe e diz: “Quando falamos de clichê, estereótipo, frase banal temos plena consciência de que, ao ser usada pela primeira vez na literatura, a expressão era original e tinha um significado vívido. Na verdade, tornou-se um chavão porque seu significado era no início tão brilhante, claro e atraente, razão pela qual foi empregada tantas vezes que se tornou um lugar-comum. Podemos por isso definir os clichês como fragmentos de prosa morta e de poesia apodrecida. No entanto, a paródia sofre interrupções. O que Joyce faz aqui é permitir que esse material morto e podre revele vez por outra sua fonte, seu frescor original. Aqui e ali a poesia ainda está viva. A descrição da missa na igreja, ao atravessar transparentemente a consciência de Gerty, tem uma beleza real e um encanto ao mesmo tempo luminoso e patético. O mesmo se dá com a delicadeza do pôr do sol e, naturalmente, a descrição dos fogos de artifício – a passagem crucial citada acima é de fato suave e bela: o frescor da poesia ainda conosco antes que se transforme em clichês.”, em Lições de literatura, tradução de Jorio Dauster, Três Estrelas, São Paulo, p.404.].

 

...

 

Minhas metáforas favoritas, aliás, vêm das sombrias histórias policiais das décadas de 1940 e 1950, e dos descendentes literários desses escritores. Eis algumas de minhas prediletas: “Estava mais escuro do que um carregamento de cus” (George V. Higgins) e “Acendi um cigarro [que] tinha gosto de lenço de encanador” (Raymond Chandler). (p. 154) [Osório diz: lendo isso vi que o “gosto de cabo de guarda-chuva” pode não ser tão original quanto eu acreditava!].

 

A chave para a boa descrição começa com uma visão clara e termina com uma escrita clara, do tipo que usa imagens novas e vocabulário simples. (p. 154)  [Osório diz: a simplicidade... onde ela está?].

 

Como em todos os outros aspectos da arte narrativa, você vai melhorar com a prática, mas ela nunca vai levar à perfeição. E por que deveria? Qual seria a graça disso? E quanto mais se esforçar para ser claro e simples, mais você vai aprender sobre a complexidade do seu idioma. Ele pode ser escorregadio, precioso; sim, ele pode ser muito escorregadio. Pratique a arte, sem se esquecer de que seu trabalho é dizer o que vê, e depois seguir em frente com sua história. [Osório diz: quanto ao quesito perfeição, gosto muito desta frase: “Não se preocupe com a perfeição - você nunca irá consegui-la.”, atribuída a Salvador Dali].

 

Vamos agora falar um pouco sobre diálogo, a parte auditiva de nosso programa. É o diálogo que dá voz ao elenco, e ele é crucial para definir o caráter de cada um — mas as ações dos personagens nos dizem mais sobre eles, e a fala é dissimulada: o que as pessoas dizem costuma mostrar seu caráter aos outros de maneira que eles, os falantes, não conseguem perceber. (p.155) [Osório diz: é que a fala, muitas vezes, mas busca esconder que mostrar o que quer o personagem! Daí...].

 

... uma das principais regras da boa ficção é nunca dizer algo que você pode, em vez disso, nos mostrar. (p. 155) [Osório diz: não diga, mostre dizendo!].

 

Você se pergunta se algum editor viu isso e, se viu, o que o impediu de cortar. (p. 158). [Osório diz: o editor e suas responsabilidades! Não o confundir com os gráficos, pois estes costumam “amarrar o burro onde o dono manda”!].

 

Como acontece com outros aspectos da ficção, a chave para escrever bons diálogos é a honestidade. E se você é honesto com as palavras que saem da boca de seus personagens, vai descobrir que virou alvo de uma grande quantidade de críticas. Não se passa uma semana sem que eu receba pelo menos uma carta irritada (na maioria das semanas, mais do que isso) me acusando de usar linguagem chula, de ser intolerante, homofóbico, mórbido, frívolo ou simplesmente um psicopata. Na maioria dos casos, o que enerva os remetentes é algo nos diálogos: “Vamos sair logo dessa porra de Dogde” ou “Nós não gostamos muito de pretos por aqui” ou “O que você pensa que está fazendo, seu veado de merda?”.

 

Minha mãe, que Deus a tenha, não gostava de palavrões nem de diálogos desse tipo, que chamava de “língua dos ignorantes”. Isso, porém, não impedia que ela gritasse “Merda!” se deixasse queimar o assado (p. 159) ou acertasse o dedão ao martelar um prego na parede. Também não impede a maioria das pessoas, cristãos ou pagãos, de dizer algo semelhante (ou até mais pesado) quando o cachorro vomita no tapete ou o carro escorrega do macaco. É importante dizer a verdade; muitas coisas dependem dela, como William Carlos Williams quase disse quando estava escrevendo sobre o trenzinho vermelho. A Legião da Decência pode não gostar da palavra merda, e talvez você também não goste muito, mas algumas vezes não dá para fugir dela — nunca uma criança correu para a mãe para dizer que a irmãzinha defecou na banheira. Talvez ela dissesse fez cocô, mas cagou é, lamento dizer, a fala mais provável (crianças pequenas escutam tudo mesmo). [Osório diz: não doure a pílula! Não é a cor que fará o efeito!].

 

Você tem que dizer a verdade se quiser que seu diálogo tenha a ressonância e o realismo que Hart’s War, por melhor que seja a história, não tem — inclusive sobre o que as pessoas dizem quando martelam o dedo. Se você trocar “merda” por “droga” por se preocupar com a Legião da Decência, estará rompendo o contrato tácito que existe entre o escritor e o leitor — a promessa de dizer a verdade sobre as ações e falas das pessoas por meio de uma história ficcional. [Osório diz: entre a decência e o leitor, opte por este!].

 

Por outro lado, um de seus personagens (a tia velha e solteirona do protagonista, por exemplo) talvez diga mesmo “droga” em vez de “merda” depois de martelar o dedo. Você vai saber o que usar se conhecer bem seu personagem, e nós vamos aprender alguma coisa sobre o falante que o tornará mais vívido e interessante. O objetivo é deixar cada personagem falar livremente, sem preocupação com o que a Legião da Decência do Círculo de Leitura das Senhoras Cristãs aprovaria. Agir de outra forma seria covarde e desonesto e, acredite em mim, escrever ficção nos Estados Unidos, às portas do século XXI, não é trabalho para covardes intelectuais. O que não falta são pretensos censores, e embora possam ter diferentes interesses, todos querem basicamente a mesma coisa: que você veja o mundo que eles veem... ou pelos menos que se cale sobre o que vê de diferente. São todos agentes do status quo. Não são necessariamente gente ruim, mas são perigosos para quem acredita em liberdade intelectual. [Osório diz: engraçado ouvir isso em relação ao paraíso da liberdade, segundo os imbecilizados pela imprensa americana aqui instalada sob a carapaça de nacional.].

 

Na verdade, partilho da opinião de minha mãe: palavrões e obscenidades são o idioma dos ignorantes e dos verbalmente deficientes. (p. 160) [Osório diz: é para evitar tais inconvenientes que King recomenda leitura, leitura e mais leitura!].

 

Mais desesperado que homem sem braço com coceira no cu; [Osório diz: kkkkkkk].

 

Passarinho que come pedra sabe o cu que tem — esses ditos e outros semelhantes não devem ser falados na mesa de jantar, mas são pungentes e impactantes.

 

Veja este trecho de Vítimas do silêncio, de Richard Dooling, onde a vulgaridade vira poesia:

 

Prova A: Um pênis rude e cabeçudo, um bárbaro bocetívoro sem um pingo de decência. O mais patife de todos os patifes. Um velhaco vermiforme e vil com um brilho serpentino no olho solitário. Um turco orgulhoso que penetra nos vãos escuros da carne como um raio peniano. Um covarde guloso em busca de sombras, fendas escorregadias, cheiro de bacalhau e sono...

 

Embora não seja um diálogo, eu gostaria de reproduzir outro trecho de Dooling aqui, porque é exatamente o oposto do anterior e mostra que se pode ser admiravelmente explícito sem recorrer a palavrões ou vulgaridades:

 

Ela se sentou no colo dele e se preparou para fazer as conexões de porta necessárias, adaptadores macho e fêmea preparados, entrada e saída habilitadas, servidor/cliente, mestre/escravo. Apenas um casal de máquinas biológicas de última geração se preparando para encaixar o cabo do modem e acessar os processadores frontais um do outro.

 

Se eu fosse um sujeito com o estilo de Henry James ou Jane Austen e escrevesse sobre janotas ou caras espertos em faculdades, eu quase nunca escreveria palavrões ou frases de baixo calão. É provável que eu nunca tivesse um livro banido das bibliotecas escolares dos Estados Unidos ou recebesse a carta de um sujeito prestativo e fundamentalista que se deu ao trabalho de me informar que eu iria queimar no inferno, onde todos os milhões de dólares que ganhei não dariam para comprar nem um mísero copo d’água. Eu, no entanto, não cresci em meio a gente assim. Cresci na classe média baixa americana, e é sobre essas pessoas que consigo escrever com honestidade e propriedade. Isso significa que elas falam muito mais shit [merda] do que sugar [droga] quando martelam o dedo, mas estou tranquilo em relação a isso. Na verdade, isso nunca foi um problema para mim. (p. 161) [Osório diz: é a pré-compreensão do escritor].

 

Os livros de Norris provocaram muita indignação pública, ao que ele reagiu com tranquilidade e desdém: “O que me interessa a opinião deles? Eu nunca baixei a cabeça. Falo a verdade”.

Algumas pessoas não querem ouvir a verdade, mas isso não é problema seu. [Osório diz: sim! Tem leitor que tenta tomar o lugar do escritor com suas opiniões. Deveria, se tanto se sente incomodado, escrever um livro contrário ao que condena! Mas onde encontrar talento?].

 

Tudo o que eu disse sobre diálogos também vale para a construção de personagens ficcionais. O trabalho se resume a duas coisas: prestar atenção ao comportamento das pessoas reais à sua volta e dizer a verdade sobre o que vê. [Osório diz: então não seria criar personagens, mas descrever pessoas que, assim, tornam-se personagens!].

 

Personagens fictícios são copiados diretamente da vida? Óbvio que não, pelo menos não em todos os detalhes... (p. 162) [Osório diz: não esqueça de, ao final, escrever: “qualquer semelhança com pessoas reais é mera coincidência”! kkkk].

... roman à clef (Em português, “romance com chave”. Narrativa em que o autor fala de pessoas reais por meio de nomes fictícios. [N. T.]).

 

Quando, porém, a barreira do conto é ultrapassada (de 2 mil a 4 mil palavras, digamos), eu já não acredito tanto no chamado estudo de personagem; acho que, no fim, é sempre a história que comanda. (p. 163) [Osório diz: o conto pode se transformar em...].

 

...

 

Uma mulher sitiada tentando sobreviver em um mundo hostil cheio de velhos trapaceiros. Nós a vemos passar por perigosas mudanças de humor, mas tentei não ser direto e dizer que “Annie estava deprimida e talvez até com tendências suicidas naquele dia” ou que “Annie parecia particularmente feliz naquele dia”. Se eu tiver que dizer ao leitor, eu perco.

 

...

 

todos os personagens têm um pouco do autor. (p. 164) [Osório diz: daí a dificuldade de convencer a namorado de que olhar para a vizinha é só uma ficção! Kkk].

 

A mim parecia que essas ideias pediam por um político perigosamente instável — um sujeito que subisse na carreira mostrando ao mundo uma pessoa temente a Deus e com um sorriso no rosto, encantando os eleitores por se recusar a jogar o jogo da forma convencional. (p. 165) [Osório diz: no romance A zona Morta. Os políticos sempre se travestem, inclusive de não-políticos!].

 

Se medirmos o sucesso pela reação dos leitores, a cena de abertura de A zona morta (meu primeiro livro em capa dura a alcançar o topo da lista de best-sellers) é uma das mais bem-sucedidas de minha carreira. Sem dúvida, toquei em um ponto sensível; fui inundado de cartas, a maioria protestando contra minha inadmissível crueldade contra os animais. (p. 166) [Osório diz: como eu disse, é o leitor querendo que o escritor seja seu taquígrafo].

 

Jesus Cristo (...) “afasta de mim este cálice” [Osório diz: conhecia da música do Chico Buarque... King buscou onde? Na Bíblia é que não foi! Rs].

 

As habilidades em descrição, diálogos e desenvolvimento de personagem se resumem a ver e ouvir claramente e depois transcrever com a mesma clareza o que foi visto e ouvido (e sem usar uma montanha de advérbios cansativos e desnecessários). (p. 167) [Osório diz: “ora direis ouvir estrelas”...].

 

“... a questão complicada do panorama...”

 

Não dá para agradar a todos os leitores ao mesmo tempo; aliás não dá para agradar nem a alguns leitores o tempo todo, mas é preciso se esforçar para agradar pelos menos alguns leitores por algum tempo. [Osório diz: relação autor – leitor.].

 

Sir Arthur Quiller-Couch disse uma vez: Matem seus queridinhos (p. 168) [Osório diz: conselho importante! Ficará o “e se ele não tivesse morrido?”.].

 

Luz em agosto (meu romance favorito de Faulkner). [Osório diz: dica de leitura.].

 

Alguns críticos me acusam de ser simbolicamente simplista no caso das inicias de John Coffey. Eu só consegui pensar: “Como assim, precisa ser complicado?” Qual é gente?

 

 

... trabalhar o simbolismo e o tema...

 

Mas espere um pouco. O simbolismo não precisa ser difícil e intelectualmente profundo. [Osório diz: dica de escrita.]. Nem precisa ser cuidadosamente elaborado como um tapete persa em que os móveis da história vão se apoiar.

 

“... poderia-se dizer.” (p. 170).

 

O sangue está muito ligado à ideia de sacrifício. Para jovens mulheres, ele está associado à maturidade física e à capacidade de gerar filhos. Na religião cristã (e em muitas outras, também), é símbolo de pecado e salvação. Por fim, está associado a passar adiante características e talentos familiares. Dizem que somos assim ou agimos assado porque “está no nosso sangue”. Sabemos que isso não é muito científico, que tais coisas estão, na realidade, nos genes e no DNA, mas usamos o sangue para resumir o conceito. [Osório diz: os leitores gostam de tragédias ou onde o derramamento de sangue é abundante!].

 

O simbolismo é necessário para o sucesso de sua história ou do seu romance? Na verdade, não, e pode até ser prejudicial, principalmente se você perder a mão. (p. 171) [Osório diz: conselho de quem sabe é melhor seguir, especialmente por ser o ponto de equilíbrio muito difícil de ser encontrado.].

 

O mesmo se aplica ao tema. As aulas de escrita e literatura costumam se preocupar demais (e serem pretensiosas demais) com o tema, abordando-o como a mais sagrada de todas as vacas sagradas, mas (não se choque) ele não é nada de mais.

 

Nem todo livro precisa estar carregado de simbolismo, ironia ou musicalidade (afinal, a prosa tem esse nome por uma boa razão) (p. 172) [Osório diz: prosa não é lírica! Esta sim, requer a musicalidade.].

 

Seu trabalho na segunda versão (....) tornar a essa coisa ainda mais clara   (p. 172). [Osório diz: para aprendiz, melhor não fazer isso na primeira versão, pois a inspiração pode ir embora e demorar ou nunca mais voltar.].

 

Em um momento, eu não tinha nada; no instante seguinte, tinha tudo. Se tem uma coisa que eu adoro na escrita é este instante súbito de percepção, quando você enxerga como tudo se conecta. Eu já ouvi chamarem isso de “pensar além da curva”, e é verdade; ouvi chamarem de “sobrelógica”, e é isso também. Não importa o nome; o fato é que escrevi uma ou duas páginas de anotações em frenesi de excitação e passei os dois ou três dias seguintes dissecando a solução na cabeça, procurando por falhas e furos... (p. 174) [Osório diz: melhor colocar o papel a ideia e depois burilá-la.].

 

A dança da morte [Osório diz: livro de King].

 

Tudo isso me fez pensar que o uso da violência como solução está entrelaçado à natureza humana, como uma linha vermelha amaldiçoada... (p. 175) [Osório diz: será que a Bíblia faz mais sucesso pelo sague que faz jorrar que pelos ensinamentos pacifistas que prega?].

 

Eu não acredito que um romancista, mesmo que tenha escrito mais de quarenta livros, tenha preocupações temáticas demais; tenho muitos interesses, mas apenas alguns são profundos o suficiente para abastecer romances. Entre esses interesses profundos (eu não chego a chamar de obsessões), estão o porquê de ser tão difícil — senão impossível! — fechar a caixa de Pandora da tecnologia (A dança da morte, Os estranhos, A incendiária); o porquê de, se existe Deus, tantas coisas terríveis acontecerem (A dança da morte, Desespero, À espera de um milagre); a linha tênue entre fantasia e realidade (A metade negra, Saco de ossos, A Torre Negra: a escolha dos três); e, acima de tudo, a terrível atração que a violência por vezes exerce sobre pessoas essencialmente boas (O iluminado, A metade negra). Também escrevi inúmeras vezes sobre as diferenças fundamentais entre crianças e adultos e sobre o poder curador da imaginação humana. (p. 177) [Osório diz: temas de interesse de King].

 

Quero encerrar este pequeno sermão com um aviso: começar com as questões e as preocupações temáticas é receita certa para má ficção. A boa ficção sempre começa com a história e progride até chegar ao tema, ela quase nunca começa com o tema e progride até chegar à história. [Osório diz: como escrever boa ficção sem se preocupar com o tema].

 

 

... Revisão do trabalho – quantas versões? Para mim, a resposta sempre foi duas versões e um polimento final... (p. 178) [Osório diz: mais uma coisa que aprendi! É que, todas as vezes que reviso o que escrevo, reescrevo algo e assim a coisa parece que não tem fim! Rs.].

 

... mostrar o que está fazendo para alguém (...) A melhor coisa a fazer é resistir a esse impulso

 

Deixe a esperança de sucesso (e o medo do fracasso) impulsionarem você, por mais difícil que seja. A hora de mostrar sua criação vai chegar quando você terminá-la... mas mesmo depois disso, acho melhor ser cauteloso e se dar uma chance de pensar enquanto a história ainda é um campo cheio de neve recém-caída do céu, sem qualquer pegada além da sua. (p. 179) [Osório diz: parece que é isso mesmo, pois, as vezes, em quem buscamos incentivo acaba por colocar água no shop!].

 

Cabe a você decidir por quanto tempo o livro vai ficar descansando (...) e é bem possível que dezenas de vezes você se sinta tentando a tirá-lo dali só para reler algum trecho (...) Resista à tentação. [Osório diz: livro também tem período de maturação! Penso naqueles momentos em que vem uma ideia que você diz: essa não pode ficar de fora! Melhor anotá-la em separado, creio.].  

 

Faça tudo em uma sentada só, se for possível (não será, é claro, se o livro for um calhamaço de quatrocentas ou quinhentas páginas). Faça todas as anotações que quiser, mas concentre-se nas tarefas triviais da arrumação da casa, como corrigir erros ortográficos e marcar inconsistências. Vai encontrar vários; só Deus acerta tudo de primeira e só um porcalhão diria: “Ah, quer saber, é para isso que servem os revisores”.    (p. 181) [Osório diz: porcalhão é a sua mãe! Kkkkkkk].

 

É incrível como algumas dessas coisas se escondem do escritor quando ele está ocupado com o trabalho diário de composição. E preste atenção: se encontrar alguns desses buracos gigantes, você está proibido de ficar deprimido ou se autoflagelar por causa disso. [Osório diz: alguns erros ortográficos até que a gente não os comete se estiver alerta, mas parece que eles, durante a escrita, nos cegam! A gente costuma ver os erros dos outros com até extrema facilidade.]. 

 

... eliminar pronomes ambíguos (...) (... escorregadios como um advogado de porta de cadeia), (...) eliminar todos os advérbios... (p. 182) [Osório diz: o que esse cara tem contra uma das minhas máscaras? Kkkk].

 

“... todos os romances são, na verdade, cartas endereçadas a uma pessoas.” [Osório diz: cartas gigantes, mas cartas. Muito bacana essa ideia.].

 

(meu primeiro romance com uma nova editora após vinte bons anos com a Viking que terminaram com uma discussão estúpida sobre dinheiro). (p. 183) [Osório diz: de quem foi a culpa? Como no samba de breque do Moreira da Silva, creio que ambos dirão: “Eu garanto que foi ele, ele garante que fui eu”!].

 

Você pode relaxar e deixar as coisas como estão (no beisebol, o empate é do visitante; entre romancistas, é do escritor). Se algumas pessoas adoram o final e outras o detestam, ficamos na mesma também — é um empate, e o empate é do escritor. [Osório diz: o bom era que todos gostassem, mas como o ser humano não gosta só para sacanear o outro, no caso o escritor, melhor assim! Que pelo menos um, além da mãe do escritor, goste!].

 

O editor teria visto o erro (p. 185) [Osório diz: King não parece não gostar dos revisores, já do editor...].

 

Muitos escritores resistem a essa ideia, pois acham que revisar uma história com base nos gostos e desgostos de determinado público é, de certa forma, como se prostituir. Se você realmente se sente assim, não vou tentar mudar sua opinião. Você vai economizar o dinheiro das cópias também, porque não precisará mostrar sua história a ninguém. Na verdade (disse ele, impertinentemente), se você realmente se sente assim, para que se dar o trabalho de publicar?

Basta terminar os livros e depois guardá-los em um cofre, como dizem que J. D. Salinger fez. (p. 186) [Osório diz: continuando no dizem, falam que o Kafka mandou que queimassem seus escritos! Penso que era blefe, caso contrário ou ele nem deveria tê-los posto no papel ou ele deveria tê-los “pirados”!].

 

Chame a pessoa para quem você escreve em Leitor Ideal. (p. 187) [Osório diz: será que isso significa o público que se que atingir? Mesmo em romance?].

 

...

 

A verdade é que quase todos os escritores são carentes.

 

...

 

O ritmo é a velocidade com que a narrativa se desenrola. Existe, nos círculos editoriais, uma crença tácita (logo, não defendida e não confirmada) de que as histórias mais bem-sucedidas comercialmente têm ritmo vertiginoso. Acho que o raciocínio é que o leitor tem muitas coisas a fazer hoje em dia, e sua atenção se desvia tão facilmente que o escritor, a menos que faça como um fast-food e sirva hambúrgueres, batatas fritas e refrigerantes da maneira mais fácil e rápida possível, irá perdê-lo. [Osório diz: o que é o ritmo na literatura?].

 

O nome da rosa, de Umberto Eco, e Montanha Gelada, de Charles Frazier, conseguem se desgarrar do rebanho e escalar as listas dos best-sellers (p. 188) [Osório diz: isso espantou editores, pois tais livros são considerados clássicos, como se o leitor não fosse capaz de saber, muitas vezes, garimpar a pepita no meio da lama (a palavra lama é forçada, pois todos merecem seu espaço, mas vai ficar aí.].

 

Acredito que todas as histórias devem se desenvolver em seu próprio ritmo, que nem sempre precisa ser acelerado. É preciso, no entanto, estar atento — se você se demorar demais em alguns pontos, mesmo o leitor mais paciente pode ficar irritado. (p. 189) [Osório diz: achar o ponto “e” do leitor! “E” de equilíbrio!].

 

Abaixo da assinatura impressa do editor estava o conselho pessoal: “Não está ruim, mas está INCHADO. Reveja o tamanho. Fórmula: 2ª versão = 1ª versão – 10%. Boa sorte”. [Osório diz: isso foi um conselho que King recebeu e diz nunca mais tê-lo esquecido, pois o aplica desde então. Assinatura impressa é água no chop, mas, no caso, tinha o “p.s.: pós escrito (em latim: “post scriptum”, daí p.s. e não p.e.! Rs. E um p.s. depois da assinatura impressa é um incentivo e tanto, pois significa que a obra recebeu alguma atenção, mesmo tendo sido rejeitada.].

 

E se a primeira versão de um romance tiver 350 mil palavras, vou fazer de tudo para que a segunda versão não passe de 315 mil... ou 300 mil, se for possível. Geralmente é. O que a Fórmula me ensinou é que todas as histórias e todos os romances são, até certo ponto, reduzíveis. Se não conseguir tirar dez por cento do texto sem perder a história e o sabor, você não se esforçou o bastante. O efeito de cortes bem-fundamentados é imediato e costuma ser impressionante — Viagra literário. Você vai sentir, e seu LI também. [Osório diz: será que em mim fará efeito? Rs.].

 

O pano de fundo é tudo o que aconteceu antes de sua história começar, mas tem algum impacto no enredo principal. Ele ajuda a definir os personagens e a estabelecer suas motivações. Acho que é importante inserir o pano de fundo o mais rápido possível, mas também é importante fazer isso com graça. Como um exemplo sem finesse alguma, veja esta fala:

— Olá, ex-mulher — disse Tom assim que Doris entrou na sala.

A informação de que Tom e Doris são divorciados pode ser relevante para a história, mas tem que haver uma forma melhor de mostrar isso do que o trecho acima, tão sutil quanto um assassinato a machadadas. Eis uma sugestão:

— Oi, Doris — disse Tom. O cumprimento soou natural, pelo menos aos seus ouvidos, mas os dedos da mão direita insistiam em pousar no lugar onde a aliança de casamento estivera seis meses antes. [Osório diz: algo que já foi dito anteriormente, aconselha que a mesma informação seja repetida? “O divórcio de Tom e Doris ocorre na hora marcada”, está dito na página 10. Logo, na página 120, não preciso dizer que ela é ex-mulher dele! É isso que forma o pano de fundo, creio.].

 

“... é um jovem e promissor advogado que ainda não foi condenado pelo assassinato do chefe de polícia corrupto.” (p. 191) [Osório diz: dizer que existe chefe de polícia corrupto nos Estados Unidos é de fazer sangrar alguns corações, que dizem que “isso é coisa de brasileiro”!].

 

Mesmo ao contar sua história de maneira direta, você vai perceber que não dá para escapar de pelo menos algum pano de fundo. Em um sentido muito real, toda vida está in medias res. Se você apresentar um homem de 40 anos como personagem principal na primeira página de seu romance, e se a ação começar como resultado de alguma pessoa ou situação novinha em folha que aparece de repente na vida desse cara — como um acidente automobilístico ou um favor prestado a uma bela mulher que olha sensualmente para trás (percebeu o maldito advérbio nessa frase que eu não consegui matar?) —, ainda assim você vai ter que lidar com os primeiros quarenta anos de vida dele em algum momento. Como e quão bem você vai lidar com esses anos terá relação direta com o sucesso de sua história, que os leitores vão considerar “uma boa leitura” ou “uma chatice só”. J. K. Rowling é a campeã no que diz respeito a pano de fundo. Faça um favor a si mesmo e leia a série Harry Potter, percebendo sempre como cada livro retoma sem esforço o que aconteceu antes. (Além disso, os livros são muito divertidos, história pura do início ao fim.) [Osório diz: estou tentando, King, mas a “Pedra filosofal” tá indo a conta gotas! Já até me disseram que é o pior da séria, mas como quero começar pelo começo, estou indo...].

 

Seu Leitor Ideal pode ser de enorme ajuda na hora de avaliar se o pano de fundo está bom e quanto será preciso incluir ou excluir na próxima versão. Preste muita atenção aos trechos que o LI não conseguiu entender e depois pergunte a si mesmo se você os entende. Se você compreende, e apenas não conseguiu passar as ideias direito, seu trabalho na segunda versão é deixá-los mais claros. Se não os compreende — se os trechos do pano de fundo que geraram dúvidas no Leitor Ideal também não estão claros para você —, então é preciso repensar com cuidado os eventos passados para tentar explicar melhor o comportamento dos personagens no presente. (p. 192) [Osório diz: o LI é também um CI – crítico ideal.].

 

As coisas mais importantes a lembrar sobre o pano de fundo são: a) todo mundo tem uma história, e b) a maior parte dela não é muito interessante. Concentre-se nas partes que são e não se deixe levar pelo resto. Longas histórias de vida são mais bem-recebidas em um balcão de bar, e só quando falta uma hora ou menos para fechar, e só quando você está pagando. (p. 193) [Osório diz: preciso falar menos de mim mesmo, então! Kkk. Mas, meu LI já disse que minha perseverança na vida é bastante incentivadora.].

 

“... sobre pesquisa (...) Patricia Cornwell (...) junto com o dramalhão...” (p. 194) [Osório diz: King assopra e bate

 

Lincoln Navigator [Osório diz: carro de King comprado com livros! Fui ver na internet. Lindão e, certamente, caro. Carro caro! Onde tem um r a mais ou a menos?].

 

É claro que havia alguns pequenos problemas – o fato de eu não saber absolutamente nada sobre a polícia estadual da Pensilvânia, por exemplo –, mas não deixei que isso me impedisse de ir em frente. Simplesmente inventei tudo que não conhecia. (p. 195) [Osório diz: o fato de King nada saber sobre a polícia não o impediu de escrever o que lhe veio à mente, mas depois voltou para se informar e, com as informações, dar melhor realidade à sua história.].

 

Esse senso de realidade é importante em qualquer trabalho de ficção, mas acho ainda mais importante em histórias que lidem com o anormal ou paranormal. Além disso os detalhes – sempre considerando que sejam os corretos – o de restringir a maré de leitores chatos e obsessivos cujo único interesse na vida é, ao que parece, apontar o que os escritores fizeram de errado (invariavelmente, o tom dessas cartas é de puro deleite). (p. 196) [Osório diz: sou um LI para os livros que leio, creio, uma vez que critico quando acho apropriado mas também elogio quando entendo que devo fazê-lo.].

 

Sempre me perguntam se acredito em cursos e seminários de escrita podem ajudar o escritor iniciante. Quem pergunta quase sempre busca uma bala encantada, um ingrediente secreto ou, possivelmente, a pena mágica de Dumbo, mas nada disso pode ser encontrado em salas de aula ou retiros para escrita, por mais que os folhetos de propaganda pareçam convincentes. Eu tenho dúvidas sobre o valor dos cursos de escrita, mas não sou totalmente contra eles. (p. 197) [Osório diz: ainda não tive oportunidade de fazer nenhum deles. Salvo engano, Garcia Márquez, em “Viver para contar”, diverge de King em algumas coisas, dentre elas: a) da extrema importância aos revisores, uma vez que confessa não ser bom em gramática espanhola; b) que o importante é ter ideias, escrevê-las é mais fácil. Tenho uma caidinha pelo colombiano, quanto a isso, talvez por padecer de suas limitações.).

 

...

E, afinal, para que servem as críticas? Elas têm algum valor? Pela minha experiência, não muito, lamento dizer. Muitas são enlouquecedoramente vagas. “Eu adoro o sentimento da história de Peter”, diria alguém. “Ela tem algo... um sentido de não sei... um tipo de... não sei bem como descrever...”

Veja outros exemplos de pérolas dos seminários de escrita: “Senti que o tom da coisa era tipo... sabe como?”, “A personagem Polly parece muito estereotipada”, “Eu adorei a imagética porque consegui perceber quase claramente sobre o que ele falava”.

 

...

 

Só poucos participantes parecem perceber que, se alguém não consegue descrever um sentimento, é possível que, não sei, sei lá, sinto que talvez ele esteja na porra do curso errado. [Osório diz: kkkkk. Por isso nem todos são King!].

Críticas inespecíficas não vão ajudar quando você se sentar para escrever a segunda versão, e ainda podem ser danosas. Nenhum dos comentários acima trata da linguagem usada em seu trabalho, ou do sentido narrativo do texto; são apenas retórica vazia e não trazem qualquer informação factual. (p. 199)

 

...

 

Outro argumento a favor dos cursos de escrita está relacionado aos professores.  Existem milhares de escritores talentosos trabalhando nos Estados Unidos, e pouquíssimos (acho que o número é muito baixo, não passa de cinco por cento) conseguem sustentar as famílias e a si próprios com seu trabalho. Prêmios em dinheiro não faltam, mas nunca chegam a pagar as contas. Subsídios governamentais para escritores criativos? Melhor nem pensar nisso. Subsídios para a indústria tabagista? Com certeza. Financiamento para pesquisas sobre mobilidade do esperma de touro não preservado, sem amenos sombra de dúvida. Subsídios para escritores criativos? Jamais. A maioria dos votantes concorda com essa situação, acho eu. Com exceção de Norman Rockwell e Robert Frost, os Estados Unidos nunca forma de reverenciar as mentes criativas do país, como um todo, estamos mais interessados em placas comemorativas produzidas pela empresa Franklin Mint e em cartões virtuais de felicitações. E, se você não gostar disso, não há muito que fazer, pois é assim. Os americanos estão muito mais interessados em programas de perguntas e repostas do que nos contos de Raymond Carver. [Osório diz: Não! Mil vezes não! Novo corte no coração de americanófalos idiotas! Para eles “lá tudo é perfeito”!].

 

Aprendemos mais lendo e muito e escrevendo muito... (p. 201/202) [Osório diz: o substituto para os cursos de escrita.].

 

... os Segredos Mágicos da Escrita (que não existem – uma pena, não é?), mas com certeza vai se divertir muito, e eu sou sempre a favor de uma boa diversão. [Osório diz: “uma pena, não é?”. Vejam a importância da vírgula! Pena mágica não existe!].

 

De onde você tira as suas ideias?

 

Como conseguir um agente?

 

Como entrar em contato com profissionais do mercado editorial?

 

O fato é que tanto agentes quanto editores estão em busca do próximo escritor que venda muitos livros e gere muito dinheiro. (p. 202) [Osório diz: ninguém duvida disso, entretanto, para muitos bons escritores é difícil ser encontrado por esses profissionais. Ocorre, ainda, o que aconteceu com o próprio Garcia Márquez, que foi recusado, como Joyce, creio que também, por vários editores! Há que ter um confluência de “fortuna” e “virtu”, como diz o fantástico Maquiavel.].

 

Só fui descobrir muito mais tarde que nem todos os agentes são bons, mas os que são têm muito mais a oferecer do que apenas conseguir que o editor de ficção da Cosmo leia seus contos. (p.203) [Osório diz: temos os escroques em todas as profissões! Hoje, já passado dos 5.0, creio que existem mais enganadores que gente séria!].

 

No começo é preciso ser o próprio advogado, ou seja, ler as revistas que publicam o tipo de texto que você escreve. Procure também por publicações voltadas para escritores e compre um exemplar do Writer’s Market, um guia do mercado editorial que é a mais valiosa ferramenta para escritores novatos. Se você for muito pobre, peça a alguém de presente de Natal. Tanto as publicações especializadas quanto o Writer’s Market (é um calhamaço, mas o preço é razoável) listam editores de livros e revistas e trazem pequenas descrições do tipo de história que cada mercado consome. Você também vai encontrar os tamanhos de texto mais vendáveis e os nomes de funcionários de editoras. (p. 204) [Osório diz: isso não existe no Brasil, creio! Ou, pelo menos, desconheço.].

 

Frank destacou os nomes de agentes que diziam gostar de histórias com “grandes conflitos”, uma maneira rebuscada de descrever histórias de suspense. Frank gosta de suspense, e também de histórias policiais e sobrenaturais. (p. 205) [Osório diz: dicas importantes, mesmo no Brasil, onde algumas editoras, por exemplo, são voltadas para o espiritismo.].

 

A Rede dos Parceiros, que cumpre um importante papel não só no mercado editorias, mas também em outros negócios intelectuais, triunfou novamente. Frank recebeu 15 dólares pela história, dez cópias de contribuinte e mais um crédito importantíssimo. [Osório diz: Rede de “parceiros”... parceiros, parceiros. O que é um parceiro?].

 

- Uma boa apresentação, com certeza. Quando você envia um texto, é preciso mandar junto uma breve mensagem de apresentação que diga ao editor onde você já publicou antes, trazendo também uma linha ou duas sobre o tema da história atual. A mensagem deve terminar com um agradecimento ao editor pela chance que lhe está oferecendo. Isso é extremamente importante. (p. 207) [Osório diz: então, siga, amigo, pois o King disse!].

 

“O texto deve ser enviado em papel branco de boa qualidade – nada de folhas de rascunho. A cópia deve estar em espaço duplo, e o endereço do escritor deve vir na primeira página, no canto superior esquerdo – não há problema em incluir o número de telefone, também. No canto superior direito, coloque o número aproximado de palavras. Frank faz uma pausa, ri, e depois diz: E não trapaceie. A maioria dos editores de revistas sabe dizer qual é o tamanho da história apenas de olhar o impresso e folhear as páginas. [Osório diz: lembram da história da primeira impressão? Pois é!].

 

A primeiríssima coisa que aprendi foi que um novato jamais vai receber qualquer atenção a menos que pareça profissional. (p. 208) [Osório diz: ouviu?].

 

Frank não conhece absolutamente ninguém no mercado editorial – nem um mísero contato pessoal. (p. 210) [Osório diz: Frank deve ser bom, então.].

 

Se você estiver ansioso demais para ser publicado, sugiro que deixe de lado a busca por agentes ou o envio de cartas de apresentação e banque a edição do próprio bolso. Pelo menos você vai ter uma ideia do dinheiro que gastar. [Osório diz: sim! Mas, para muitos, esse custo é, em si mesmo, muito elevado, infelizmente.].

 

O que não faltou foi dor física e insegurança. [Osório diz: então, quando sofrê-las, não desista, pois até o King passou por isso.].

 

Você faz isso pelo dinheiro, querido?

A resposta é não. Nunca agora, e nunca foi. Eu ganhei muita grana com meu trabalho, é verdade, mas jamais coloquei uma mísera palavra no papel com o objetivo de ser pago por ele. (p. 210/211) [Osório diz: fiquei em uma dúvida terrível! King escreveu desde sempre, mas sempre teve com o que se manter (mãe quando jovem e trabalhando em outras coisas depois). Penso no escritor que não tem esse apoio e que viver do seu labor. Então, como não pensar no “faz-me rir”?].

 

Ele tem uma bengala apoiada no colo. É Bryan Smith, 42 anos de idade, o motorista do furgão que me atropelou, Smith tem uma ficha corrida considerável em termos de trânsito, quase uma dúzia de delitos. (p. 216) [Osório diz: isso no tão decantado USA! Os Estados Unidos onde tudo funciona como um relógio suíço, dizem aqueles que se acham um lixo por serem brasileiros!].

 

... ovos poché... (p. 224) [Osório diz: “ovos escalfados é um prato de culinária feito a partir de ovos de galinha. Os ovos são colocados inteiros, sem casca, numa panela de água quente, até cozerem por fora, deixado a gema líquida.” É o que ensina a wikipedia. Aprendi faz pouco tempo].

 

... as perguntas sobre a linguagem. [Osório diz: são infinitas! Rs].

 

Por fim, foi Tabby quem deu o voto de Minerva, como tantas vezes fez em momentos cruciais de minha vida. Gosto de pensar que fiz o mesmo por ela, de tempos em tempos, porque, para mim, um dos pilares do casamento é dar o voto de Minerva quando o outro não consegue decidir o que fazer. (p. 226) [Osório diz: antes tem que combinar que ambos devem aceitar! Kkkkk. Problema de linguagem!].

 

... materiais de referência. (p. 227) [Osório diz: melhor ter à mão onde consultar.].

 

Escrever me faz feliz, porque nasci para isso... (p. 228) [Osório diz: Parabéns, Stephen King! Você é invejável e, certamente, invejado por isso.].

 

E por que não? (p. 234)

 

A maioria das mudanças são cortes, que têm a intenção de deixar a história mais ágil. Cortei com Strunk na cabeça – “Omita as palavras desnecessárias – e também para satisfazer a fórmula apresentada antes: 2ª versão = 1 versão – 10%. [Osório diz: lembram do pós escrito após a assinatura impressa?].

 

(Se nenhum título lhe ocorrer, geralmente o editor apresenta uma ideia que considere melhor, mas as opções costumam ser ruins). Gosto de 1408 porque é uma história de 13 andar (que muitos edifícios nos EUA costumam não usar) e os números somam treze. (p. 247) [Osório diz: como dar nomes aos romances!].

 

[Osório diz: dos livros indicados por King em “Uma lista de livros”, pretendia ler todos, mas vou, creio, me consolar com os seguintes:

 

Connelly, Michael: O poeta

Conrad, Joseph: O coração das trevas

DeLillo, Don: Submundo

Dickens, Charles: Oliver Twist

Karr, Mary: The Liar’s Club (Clube dos mentirosos)

Bolaño, Roberto: 2666.

 

 

Osório diz: A leitura me foi muito útil, gostei sobremaneira da obra, a qual está disponível na internet em PDF, mas, faça como eu fiz, compre um exemplar para poder rabiscá-lo, é mais prazeroso e prestigia o autor, que, embora esteja rico, vive disso, bem como seu editor, seu tradutor, seu gráfico, seu distribuidor e seu livreiro! Melhor: todas as famílias que pululam ao redor do livro.

 

Inté,

 

 

P.S.: fotos capturadas na internet (http://trechosdelivros.com/resenha-sobre-a-escrita-de-stephen-king/).

 

 

 

 

Uma breve história da literuatura John Setherland

Caroas todoas,

 

Algo que tenho observado ao longo das minhas leituras é que os autores, com exceção dos brasileiros, costumam dizer que “tudo que é bom teve origem em seus países, saindo de lá para os outros lugares”!

 

Os brasileiros, ao contrário, tudo que é bom veio de fora, especialmente dos Estados Unidos, e tudo que não presta é do Brasil!

 

O inglês cujo livro lemos e com quem abaixo conversamos não foge à regra, embora tenha um olhar mais crítico sobre seu país e o imperialismo, o que, de certo modo, mostra honestidade intelectual e informa melhor aos que querem ter um conhecimento mais fundamentado e independente da propaganda massiva que os impérios exercem sobre aqueles para quem buscam ser aceitos e glorificados, mesmo que isso implique a escravização dos glorificadores!

 

Embora o livro seja de História da Literatura, traz informações extras preciosas, como de resto fazem os bons livros, capazes de orientar o leitor para a vida.

 

Vamos conhecer um pouco do que vi na obra?

 

Sigamos, então:

 

“UMA BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA

 

JOHN SUTHERLAND

 

CAPÍTULO 1

 

O que é literatura?

 

Isso assinala certas verdades importantes a respeito da literatura. Primeiro, é óbvio, que nós a consideramos uma das coisas mais importantes em nossas vidas. [Osório diz: ou pelo menos deveríamos].

 

...

Esta breve história não é um manual ("Leia isto!"), mas dá conselhos mais ou menos assim: "Você poderá considerar isto valioso, porque muitos outros o consideraram, mas, no fim das contas, precisa decidir por si mesmo". (p. 10)

 

O tempo empregado na leitura de literatura é sempre um tempo bem empregado. Não aceite que alguém lhe diga o contrário.

 

O que, então, é literatura? (p. 11)

...

 

Lúcia se vê no que poderíamos chamar de "universo alternativo" – um mundo da imaginação, mas tão real, em essência, como a Londres que ela deixou para trás.

...

 

... "alegoria"ou seja, representa algo em termos de outra coisa; retrata algo muito real em termos de algo totalmente irreal.

 

...

 

Mas mesmo assim sentimos (e por certo era intenção de Lewis que seu leitor sentisse) que as eviden­tes inverdades de Nárnia contêm um sólido núcleo de verdade. (p. 12)

 

...

 

Toda obra de literatura, por mais humilde que seja, em Aguin nível está perguntando: "Qual é o sentido disso tudo? Por que estamos aqui?". Filósofos e ministros da religião e cientistas respondem a essas perguntas a seu próprio modo. Na literatura, é a "imaginação" que encara essas perguntas básicas.

 

...

 

Uma grande obra de literatura nunca deixa de nos dar algo, qualquer que seja o momento de sua vida em que você a leia, e seja lá de que fonte ela venha.

 

...

 

A literatura nos distrai da tarefa real de viver. (p. 13)

 

...

 

a palavra "literatura" significa coisas feitas de letras ... a literatura é a mente humana no auge de seu talento para expressar e interpretar o mundo ao nosso redor.

 

...

 

Por que ler literatura? Porque ela enriquece a vida de maneiras que não encontramos em nada mais. Ela nos torna mais humanos. E quanto melhor aprendermos a lê-la, tanto melhor ela fará isso. (p. 14)

 

 

CAPÍTULO 2

 

Fabulosos primórdios

 

MITO

 

...

 

“mito”. Ele se origina nas sociedades que "contam" sua literatura, em vez de escrevê-la. (p. 15)

 

...

 

Criar mitos faz parte da nossa natureza. Diz respeito a quem somos enquanto seres humanos.

 

... é o que o mito faz. Ele cria um padrão onde nenhum existia, porque encontrar um padrão nos ajuda a dar sentido às coisas.

 

...

 

Um modo, então, de pensar sobre o mito é que ele extrai um sentido da falta de sentido na qual, enquanto seres humanos, nós todos nos encontramos. Por que estamos aqui, e estamos aqui "para" quê? Normalmente, o mito fornece uma explicação através de histórias (a espinha dorsal da literatura) e símbolos (a essência da poesia). (...) Mas você precisa, de alguma maneira, "dar sentido" ao fenômeno. (p. 16)

 

...

 

Isso cria uma sensação tranquilizadora de que, embora as coisas mudem, de um modo mais amplo elas continuam iguais.

 

...

 

Exploremos os minúsculos começo e final do padrão tique-TAQUE, desta vez num exemplo mais literário: o familiar e tão recontado mito de Hércules. Versões primordiais da história são encontradas em vasos gregos decorados, datados de algum mo­mento do século VI a. C. Uma versão recente pode ser encontrada nos filmes do Homem de Ferro. O lendário homem forte do mito se depara com um gigante, Anteu, mais forte até mesmo do que ele, com o qual é obrigado a lutar. Hércules derruba o gigante no chão. Toda vez que Anteu entra em contato com a terra, porém, ele fica mais forte. Hércules vence, afinal, abraçando seu oponente e o erguendo no ar. Desenraizado, Anteu definha e morre. (p. 17)

 

...

 

Há outro elemento em relação ao mito. O mito sempre contém uma verdade, que entendemos antes de conseguir explicá­-la ou vê-la com clareza.

 

...

 

Que "verdade" podemos ver enterrada nesse mito? Ela reside nesse olho único. Você provavelmente já passou pela ex­periência de discutir com alguém que não consegue ou recusa-se a ver "os dois lados da questão” – alguém que simplesmente se agarra a um único ponto de vista. Não há jeito. Você nunca vai fazer a pessoa mudar de opinião. Tudo o que se pode fazer é descobrir alguém meio de escapar – e, de preferência, com menos violência do que o herói de Homero. (p. 18)

 

Você poderá estar pensando que tudo isso parece um tanto primitivo ("o pensamento dos selvagens", como alguns o depreciam). Mas o mito sempre contém em si a semente de uma verdade que é tão relevante para nós agora como era para o tempo no qual foi escrito. E o pensamento mítico sobrevive, até mesmo prospera, muito tempo depois do momento em que a ciência e a sociedade modernas já deveriam ter deixado suas explicações irremediavelmente para trás, como você poderia pensar. Ele está, se você olhar com atenção, entremeado no tecido da literatura contemporânea, mesmo que o olhar não o veja de imediato.

 

...

 

No período entre o oscarizado filme Titanic, de James Cameron, lançado em 1997, e o centenário do lançamento do grandioso transatlântico,

 

...

 

Por que razão as pessoas jamais esqueceram o naufrágio? A resposta pode muito bem estar no nome da embarcação: Titanic.

 

No mito antigo, os titãs eram uma tribo de deuses gigantes. Seus pais eram a terra e o céu, e eles foram a primeira raça a ter forma humana na Terra. Depois de um longo tempo desfrutando de sua posição como a espécie mais poderosa da Terra, os titãs se viram presos a uma guerra de dez anos com deuses de uma nova raça que haviam alcançado um estágio de evolução ainda mais elevado do que o deles. Embora os titãs fossem gigantes dotados de imensa força, isso era basicamente tudo que tinham: força bruta. Essa nova raça, os olimpianos, tinha muito mais: inteligência, beleza e perícia. Eles eram, em essência, mais semelhantes a humanos (como nós, poderíamos pensar) do que a forças da natureza.  

 

...

 

o Hyperion, de John Keats, escrito por volta de 1818.

 

...

 

é lei eterna

Que o primeiro em beleza seja o primeiro em poder.*

 

...

 

A embarcação da White Star Line que foi parar no fundo do oceano em abril de 1912 ganhou o nome de Titanic – acompa­nhado pela ritual garrafa de champanhe quebrada no casco da proa, em si um ato mítico chamado de “libação” – porque era uma das embarcações mais grandiosas, rápidas e poderosas já destinadas a cruzar o Atlântico. Era considerada "inafundável". Mas as pessoas que a batizaram devem ter sentido certa inquie­tação. Não seria uma provocação ao destino batizar um navio de Titanic, tendo em mente o que acontecera com os titãs?

 

...

 

Não sejam confiantes demais, parece ser a mensagem embutida naquilo que virou um mito para os nossos tempos. Os gregos nos deram um nome para essa confiança excessiva: húbris. (p. 20)

 

...

 

No próximo capítulo, consideraremos de que maneira o mito – o alicerce da literatura – evolui para o épico. (p. 21)

 

 

CAPÍTULO 3

 

Escrevendo por nações

 

ÉPICA

 

A palavra "épico" é usada hoje em dia para tudo, mas com bas­tante indefinição. (...) Ela descreve um conjunto de textos muito seleto, muito antigo, que carrega valores cujo tom é "heroico" ("heroi­co" sendo outra palavra que tendemos a usar com indefinição excessiva). Ela mostra o gênero humano, podemos dizer, em seu aspecto mais másculo. (O preconceito de gênero é, infelizmente, apropriado: uma "heroína épica" é quase sempre uma contra­dição em termos.)

Quando pensamos a sério sobre epopéias, somos defron­tados por uma pergunta intrigante. Se essa à uma literatura tão fantástica, por que hoje não a escrevemos mais? Por que não a escrevemos (com êxito, pelo menos) há vários séculos? A palavra ainda está conosco; a literatura, por algum motivo, não está. (p. 22)

 

...

 

Iraque (antes chamado de Mesopotâmia), o berço da civilização ocidental. Esse "crescente fértil" foi também a região onde o trigo foi cultivado pela primeira vez, possibilitando à humanidade o grande salto do modo de vida caçador-coletor para o agrícola.

 

...

 

A exemplo de outros poemas épicos, o texto sobrevivente de Gilgamesh é incompleto, dependente que era de tabuletas de argila, das quais nem todas resistiram à passagem de milhares de anos. Encontramos o herói pela primeira vez como rei de Uruk. Ele é meio deus, meio homem e construiu, para glorificar a si mesmo, uma cidade magnífica que ele tiraniza com brutalidade. É. um governante mau, despótico. Os deuses, para corrigir seu comportamento, criam um "homem selvagem", Enkidu, tão forte quanto Gilgamesh, mas de caráter mais nobre. Os dois lutam, e Gilgamesh vence. Então se tornam camaradas e embarcam juntos numa série de buscas, aventuras e provações.

 

...

 

Os temas dessa história vetusta – o desenvolvimento da civilização por meio do heroísmo e da domesticação do legado selvagem da nossa natureza humana – são comuns a todas as obras literárias que merecem o título de "épicas".

 

Historicamente, o épico evolui do mito. (p. 23)

 

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Os monastérios eram instituições que arquivavam os primeiros escritos da nação e cultivavam o aprendizado e a alfabetização. Beowulf, como nos chegou o texto, posiciona-se num ponto de junção entre paganis­mo e cristianismo, entre selvageria e civilização, entre a literatura oral e a escrita. É complicado de ler, mas é importante saber o que ele significa historicamente.

 

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As epopeias celebram, em narrativa heroica, certos ideais fundamentais. E marcam, mais especificamente, o "nascimento das nações". Retornemos a Beowulf e seus versos de abertura, primeiro no inglês antigo original e depois na tradução para o inglês moderno: (p. 24)

 

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Os linguistas adoram a seguinte charada: "Pergunta: Qual é a diferença entre um dialeto e uma língua? Resposta: Uma língua é um dialeto com um exército por trás". Qual é, então, (p. 25)

 

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Quando o romancista Saul Bellow, ganhador do Prêmio Nobel, lançou sua pergunta provocativa "Onde está o Tolstói zulu, onde está o Proust papua?", ele estava, em essência, salientando que só as grandes civilizações têm grande literatura. E só as maiores dessas grandes nações têm epopeias. Uma grande potência mundial está em seu âmago.

O que se segue é uma lista de algumas das epopeias mais famosas do mundo, e dos grandes impérios ou nações dos quais elas derivaram.

 

Gilgamesh (Mesopotâmia)

Odisseia (Grécia antiga)

Mahabharata (Índia)

Eneida (Roma antiga)

Beowulf (Inglaterra)

La Chanson de Roland (França)

El Cantar de Mio Cid (Espanha)

Nibelungenlied (Alemanha)

La Divina Commedia (Itália)

Os Lusíadas (Portugal) (p. 27)

 

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Por tradição, o épico literário tem quatro elementos: ele é longo, heroico, nacionalista e – em sua forma mais pura forma literrária – poético. Panegíricos (extensos hinos de louvor) e elegias (canções de tristeza) são ingredientes fundamentais. (p. 28)

 

Tragédia

 

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Por que ainda lemos e assistimos a dramas que foram escritos dois mil anos atrás, numa língua que poucos de nós entendem, para uma sociedade que poderia muito bem estar em outro planeta, tamanhas suas dessemelhanças em relação a nossa? A resposta é simples: nin­guém jamais fez tragédia melhor do que a fizeram, em seu tempo, Esquilo, Sófocles, Eurípides e outros dramaturgos gregos antigos.

O que de fato significam, porém, os termos "tragédia" e trágico"? (p. 30)

 

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máscaras (chamadas de "personas")

 

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Se você visitar o mais bem preservado tios teatros antigos, em Epidauro, um guia o sentará na mais longínqua fileira de assentos de pedra, irá para o centro da área de atuação e acenderá um fósforo. Você vai conseguir ouvir o som com facilidade. (p. 31)

 

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O cocheiro o empurra para fora da estrada. Édipo agride o cocheiro, e o outro condutor, por sua vez, golpeia Édipo com força na cabeça. Segue-se uma luta furiosa, e um Édipo enraivecido mata o outro homem sem saber que ele é seu pai, Laio. É uma briga de trânsito, algo cometido no calor do momento. (p. 32)

 

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mecânica da literatura: como ela funciona.

 

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Isso é um disparate, claro. Aristóteles salienta que não é aquilo que é retratado na tragédia (a história) o que nos afeta e nos proporciona prazer estético, mas como é feito esse retrato (o enredo). O que nos diverte (e é bastante correto usar essa palavra) em Rei Lear não é a crueldade, mas a arte, a "representação" (Aristóteles a chama de "imitação", mímesis).

 

...

 

O que acontece na tragédia precisa acontecer. Mas enxergar, de fato, o que se esconde por trás do desenrolar do predestinado decurso dos acontecimentos é, normalmente, difícil demais de suportar para uma pessoa de carne e osso. Quan­do vê como se saíram as coisas, porque, como agora entende, elas precisavam se sair daquela maneira, Édipo efetiva outra das alegações do adivinho — de que ele é (metaforicamente) cego — literalmente se cegando. A humanidade não consegue suportar uma dose muito grande de realidade.

 

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Ele chama o gatilho de hamartía, termo (p. 34) que costuma ser traduzido, de maneira desajeitada, como um “erro de avaliação”.

 

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As emoções específicas que a tragédia provoca, diz ele, são “pena e medo”. Isto é, pena pelo sofrimento do herói trágico e medo porque, se aquilo acontece com o herói trágico, pode acontecer com qualquer um – até mesmo conosco.

O mais controverso dos argumentos de Aristóteles é a teoria da kátharsis. A "catarse” é mais bem entendida como uma “moderação das emoções”. Voltemos a nossa plateia saindo do teatro depois de assistir a uma tragédia como Rei Lear ou Édipo Rei, bem desempenhada. O estado de espírito será sóbrio, reflexivo — as pessoas estarão, em certo sentido, exauridas por aquilo que viram no palco. Mas também estranhamente elevadas, como se tivessem passado por algo semelhante a uma experiência religiosa.

Não precisamos tomar como evangelho crítico tudo o que Aristóteles diz ... (p. 35) [Osório diz: nem o que qualquer outro evangelho diz!].

 

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Em segundo lugar, embora o arquivo do conhecimento humano tenha se expandido imensamente, a vida e a condição humana continuam sendo muito misteriosas para quem pensa. (p. 36)

 

CAPÍTULO 5

 

Contos ingleses

CHAUCER

 

...

 

Passou-se um longo tempo até que a Inglaterra ganhasse uma língua que unificasse a prática da escrita e a fala da população como um todo – e Chaucer assinala o ponto no qual podemos ver isso acontecendo, por volta do século XIV. (p. 37)

 

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As Ilhas Britânicas foram conquistadas por Guilherme, duque da Normandia, em 1066. "O Conquistador", como ele é chamado, trouxe consigo o aparato daquilo que reconhecemos como o Estado Moderno. Os normandos continuaram a unificação das terras que haviam invadido, instaurando uma língua oficial, um sistema de direito comum, cunhagem, um sistema de classes, Parlamento, Londres como a capital e outras instituições, muitas das quais se mantiveram até o nosso tempo atual. [Osório diz: vem daí a eterna disputa entre franceses (colonizadores) e ingleses (colonizados)?]

 

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Quem foi esse homem, então? Ele nasceu Geoffrey de Chaucer, seu nome de família derivado do francês chausseur, ou “sapateiro”. Ao longo dos séculos, a família ascendera bem acima do nível da sapataria e de suas origens normando-francesas. (p. 39)

 

...

 

à incerteza da "fortuna" [Osório diz: Maquiavel...]

 

Tendo retornado das guerras, casou-se e se acomodou. Sua esposa, Philippa, era de berço nobre e lhe trouxe dinheiro, bem como status. Sua vida privada é matéria de persistente debate. Da frequente sacanagem de seus escritos, entretanto, podemos deduzir que Geoffrey Chaucer não era puritano por natureza. O termo "chauceriano" se tornou proverbial para designar quem aproveita ao máximo a vida.

Sua carreira foi amparada, de início, por amigos da corte. Era por meio do patronato que alguém se dava bem naquele tempo. (p. 40)

Contos da Cantuária e Troilo e Créssida são dois poemas de suprema grandeza.

 

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Isso destrói Troilo. Os assuntos do coração, insinua o poema, podem ofuscar até mesmo grandes guerras. Quantos poemas, peças e romances futuro podemos ver antecipados nesse enredo? (p. 41)

 

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Prioresa, em Beleguim, [Osório diz: ? “Pai Osório de alguns”, como é conhecido o Google em Maraã, responde: personagem de "Os Contos de Cantuária", de Chaucer!]

 

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membros da emergente classe burguesa. Ambos são ricos.

 

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(o Erudito – alguém que ganha avida com suas habilidades de leitura e escrita).

 

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sobre o destino (como esse conceito pagão pode ser combinado com cristianismo?) e sobre o amor (por acaso – como afirma o lema da Prioresa – ele "conquista tudo?"). (p. 43)

 

 

Capítulo 6

 

Teatro na rua

 

AS PEÇAS DE MISTÉRIO

 

Onde o teatro realmente com começa?

 

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Aristóteles... Poética... escreve:

O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos ou­tros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado.* (p. 45) [Osório diz: daí a metáfora]

*Tadução de Eudoro de Sousa. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966. (N.T.)

 

...

 

Com "imitação" (mímesis) ele quer dizer "representação". Quan­do um ator entra no palco no papel de, digamos Ricardo III, ele está fingindo ser esse personagem. Ele não é o rei cujo corpo foi exumado num estacionamento em Leicester em 2013. E esse fingimento, ou "imitação", está no cerne do drama. Assinala um dos aspectos mais estranhos da experiência teatral — para os que se encontram de ambos os lados da ribalta.

 

É claro que sabemos, se pensarmos nisso, que Ian McKel­len ou Al Pacino (ambos os quais interpretaram Ricardo III com enorme aclamação) são quem são enquanto são (a palavra "são" fica escorregadia nessa altura) o Ricardo III que estão "interpre­tando". Sabemos que o ator é McKellen ou Pacino, e ele também. Enquanto assistimos à peça, porém, por acaso somos nós, a plateia, "arrebatados"? Por acaso, como definiu numa frase maravilhosa o poeta, crítico e filósofo Samuel Taylor Coleridge, "suspendemos a descrença" — optamos por ser enganados? Deliberadamente "não sabemos" o que sabemos? Ou permanecemos cientes do fato de que estamos sentados num cinema ou teatro, com outras pessoas, olhando para alguém que, com maquiagem no rosto, recita palavras escritas por outra pessoa? Depende da peça que você está vendo. Mas o ponto a ser assinalado é que a nossa experiência do drama também exige certas habilidades de nós, a plateia, quanto a como responder, apreciar e julgar o desempenho. Quanto mais você vai ao teatro, tanto melhor fica essa sua capacidade. [Osório diz: isso tudo Górgias disse no século V antes da era atual. Será que o Coleridge o taquigrafou? E os créditos? Talvez se fosse de Platão a autoria!]. (p. 46)

 

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Eram as guildas (as primeiras organizações sindicais) [Osório diz: Marx falará bastante sobre elas]

 

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você não podia, por exemplo, trabalhar como construtor ("pedreiro") ou carpinteiro a menos que pertencesse à guilda certa e pagasse as suas "taxas". De modo que ficaram ricas e poderosas, mas mantinham um forte senso de dever cívico em relação às comunidades que as tinham tornado ricas e poderosas. [Osório diz: já o imposto sindical]. (p. 47)

 

 

Capítulo 7

 

O bardo

 

SHAKESPEARE

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William Shakespeare (1564-1616) nasceu quando o reinado da rainha Elizabeth I estava por volta de seu sexto ano. A Inglaterra na qual ele cresceu ainda sentia os estertores do distúrbio deixado pelo reinado da monarca anterior, Maria I, apelidada de "Bloody Mary". Sob ela fora perigoso ser protestante, sob Elizabeth era perigoso ser católico. Shakespeare, como outros em sua família, andava com cuidado na corda bamba entre as duas fés (embora certas pessoas desejem defendê-lo como um católico secreto pela vida toda). Ele manteve o assunto da reli­gião rigorosamente fora de seu drama. Tratava-se, literalmente, de um tópico ardente – bastava dizer a coisa errada e você podia ser queimado na fogueira. [Osório diz: tudo mentira, pois até hoje não se identificou que foi o tal Shakespeare! Daí ser muito chato ouvir ou ler afirmações como esta, mesmo quando estamos gostando da obra!]

 

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O pai de Shakespeare era um conselheiro municipal e fabricante de luvas moderadamente próspero em Stratford. Provavelmente, mais inclinado ao catolicismo do que o filho. A mãe de William, Mary, tinha berço mais nobre do que o marido. [Osório diz: vale o que dissemos acima sobre o filho desse casal] (p. 53)

 

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o verso branco. O que é isso?

 

O verso não é rimado (por isso, "branco").

 

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"solilóquio": isto é, alguém totalmente sozinho, conversando consigo. (p. 55)

 

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É difícil, também, ficarmos inteiramente confortáveis com o "final feliz" de O mercador de Veneza, no qual o judeu, Shylock, vê sua filha fugir para se casar (com um amante gentio) e sua fortuna ser confiscada, sendo forçado a se converter – em face de perder tudo – ao cristianismo. Só uma poesia excelente, mesmo, poderia nos deixar contentes com resoluções "boas" como essas.

Shakespeare era fascinado pela República Romana – um estado sem reis ou rainhas. Essa questão em especial (dizendo respeito a seu interesse incessante pela monarquia) é ponderada – sem solução fácil – em Júlio César. A transformação de César em soberano parece ser provável: para proteger a república, por acaso Brutus ("o mais nobre romano de todos") tem o direito moral de assassiná-lo?

 

...

 

Outros candidatos foram sugeridos, com base no pouco que sabemos sobre a vida de Shakespeare. [Osório diz: pouco que é nada!] (p. 57) Nenhum dos “Shakespeares alternativos” entretanto, é plausível. O ônus da prova ainda favorece o filho do fabricante de luvas de Stratford.

 

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A grandeza delas também é tingida pela nuvem melancólica cada vez mais sombria que paira sobre a fase tardia de Shakespeare, possivel­mente o efeito de ter perdido seu único filho homem, Hamnet, em 1596 [Osório diz: tudo mentira, pois até hoje não se identificou quem foi Shakespeare, embora aqui se diga que tinha filho!]. Pegue, por exemplo, o solilóquio final de Macbeth, quando ele se dá conta de que enfrenta sua batalha final:

 

A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco – faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e vazia de significado.*

* Life's but a walking shadow, a poor player, / That struts and frets lis hour upon the stage, lAnd then is heard no more. It is a tale / Told by an idiot, full of souild and fury, / Signifying nothing. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Macbeth. Porto Alegre: L&PM, 2000. (N.T.) (p. 58)

 

 

CAPÍTULO 8

 

O livro dos livros

 

A BÍBLIA DO REI JAIME

 

...

 

(A palavra cânone, aliás, vem do catálogo da Igreja Católica Romana de obras “que deveriam ser lidas”. A Igreja também elaborou um catálogo mais estrito de livros que não devem ser lidos — o Index Librorum Prohibitorum.) (p. 60)

 

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vernácula (ou seja, na língua do povo)

 

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William Tyndale não chegou a ganhar um julgamento justo, e não teve nenhuma chance de argumentar em sua defesa. Carlos V simplesmente ordenou que o sujeito incômodo fosse executado. [Osório diz: daí a importância do devido processo legal estampado no Processo Penal. Nessa época até a odiosa tortura era uma evolução]. (p. 64)

 

 

CAPÍTULO 9

 

Mentes desacorrentadas

 

OS METAFÍSICOS

 

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aqueles que a morte "acha" que mata ganham, na verdade, a vida e eterna. A morte, como diríamos, é uma perdedora, e sempre será. (p. 68) [Osório diz: não gosto nadica de nada deste consolo!]

 

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Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme; se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio; a morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos [fúnebres] dobram; eles dobram por ti.* (Tradução de Paulo Vizioli. John Donne: o poeta do amor e da morte. São Paulo: J.C. Ismael, 1985. (N.T.) (p. 69)

 

... O artifício que mais valorizavam era o que eles chamavam de conceita ideia ousada ou "conceito" que ninguém jamais havia elaborado antes. [Osório diz: será?!] Como frequência, esses conceits beiravam a extravagância forçada. Um ótimo exemplo é o poema curto "A pulga", escrito, é de se supor, em sua juventude:

 

Repara nesta pulga e apreende bem

Quão pouco é o que me negas com desdém.

Ela sugou-me a mim e a ti depois,

Mesclando assim o sangue de nós dois.*

*Tradução de Augusto de Campos. Verso reverso controverso. São Paulo: Perspectiva, 1978. (N.T.) (p. 70)

 

[Osório diz: quando alguns sofistas escreveram sobre o sal, por exemplo, foram censurados! Escrever sobre “a pulga” “não tem censura nem nunca terá”?]

 

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A pós a morte de Donne e a vitória dos puritanos sob Cromwell na Guerra Civil Inglesa (1642-1651), poemas que celebrassem o amor "libertino" (imoral) passaram a ser censurados e desestimulados com severidade. Isso incluía poemas como "A pulga", já que o jovem e a mulher claramente não são casados. O século XVIII que se seguiu – denominado como a “Era Augustana” da literatura por seu modismo de imitação dos refinados modelos clássicos (latinos e gregos) – desaprovou a irresponsabilidade intelectual da imaginação metafísica. Para eles, a indecência moral não importava. Era simplesmente, num sentido literário, algo desregrado demais. [Osório diz: o Brasil dos anos depois de 2013! A história se repetindo, agora “como farsa”!].

 

Johnson acreditava que a poesia devia seguir regras, e não escarnecer delas.

... Um poeta ou uma poetisa (p. 71) podia escrever sobre pulgas com o mesmo lirismo com que podia escrever sobre rouxinóis ou pombinhos. Eliot estimava a poesia metafisica por sua habilidade de unir alto e baixo. A vida toda está no verso deles; nada é excluído. Essa era uma lição que poetas como ele podiam levar consigo. (p. 72)

 

 

CAPÍTULO 10

 

Nações ascendem

 

MILTON E SPENSER

 

...

 

Isso era expressado pela literatura de duas maneiras: escrever sobre a Inglaterra e escreverem inglês, apropriando, quando necessário, as literárias de outras nações soberbamente grandiosas e suas literaturas. Dito de outra forma, o nacionalismo toma o centro do palco. (p. 75)

 

...

 

alegoria: dizer uma coisa em termos de outra coisa que é, aparentemente, bastante diversa. (p. 77)

 

...

 

como diz o poeta William Blake, de "tomar (p. 79) o partido do diabo sem sabê-lo". Milton não sabe direito de que lado está. Satã é um rebelde, e, em sua própria vida, o poeta era um rebelde também: arriscara sua vida fazendo oposição a Carlos I. Melhor "reinar no inferno do que ser no céu escravo", afirma Satã. No contexto, isso soa heroico. Além disso, era claro que Milton não tinha certeza se ele, pessoalmente, não teria comido uma "maçã do conhecimento", quaisquer que fossem as conse­quências, ou permanecido para todo o sempre num estado de "vazio", livre de culpa, inocente ignorância. (p. 80)

 

... A linguagem literária deveria ser mais próxima daquilo que o poeta romântico Words­worth chamou de "linguagem dos homens", não a linguagem dos pedantes e eruditos que pensam em latim e traduzem seus pensamentos ao inglês – como Milton, é de se suspeitar, fazia por vezes. [Osório diz: muito por aí ainda hoje, século XXI] (p. 81)

...

 

A grande literatura nunca simplifica as coisas – ela não dá quaisquer respostas fáceis para perguntas difíceis. O que ela faz é nos ajudar a ver o quão infinitamente as coisas não são nada simples para nós. [Osório diz: bom!] (p. 82)

 

 

CAPÍTULO 11

 

Quem é o "dono" da literatura?

 

IMPRESSÃO, EDIÇÃO E DIREITOS AUTORAIS

 

...

 

por copiar minha obra original sem minha permissão e fazê-la passar como dele (um delito conhecido como "plágio"). (p. 83)

 

o copyright sempre quis dizer apenas isto: "o direito de reproduzir".

 

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O anfitrião, apontando para suas estantes vergadas [Osório diz: essa imagem enche meu coração de alegria e encanto!], exclama com orgulho: "Vejam os meus livros!". Um autor, examinando as estantes, afirma com júbilo: "Percebo que você tem um dos meus livros – gostou dele?". Um editor, também inspecionando os livros, comenta: "Fico muito contente de ver que você tem tantos dos nossos livros na estante". Todos estão certos, em diferentes sentidos: o anfitrião é dono dos objetos físicos; o editor, daquele formato em particular, e o autor, das palavras originais. E isso salienta a variedade de pessoas e processos envolvidos, hoje em dia, em fazer com que um livro seja escrito, publicado e vendido.

A vida deste pequeno livro começou quando assinei um contrato com a L&PM Editores no Brasil, concedendo-lhe o di­reito de publicar meu texto como livro. Quando meu original foi entregue de modo satisfatório, a editora pagou para que ele pas­sasse pelos processos de edição, design, diagramação, impressão, encadernação e armazenamento num depósito antes da venda. [Osório diz: as dificuldades de se fazer/produzir um livro!] (p. 84)

 

...

 

"códice", um livro com páginas cortadas e numeradas, como este que você está lendo. (Codex é um bloco de madeira em latim; o plural é codicis.) (p. 85)

 

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lendo seu grande poema para uma plateia do alto de um lectern*, ou "estante de leitura". (O lectern sobrevive hoje nos salões de conferências das universida­des — originalmente, eles eram concebidos para facilitar a leitura em voz alta de um texto do qual só existia uma cópia. A palavra lecture [conferência] é derivada da palavra latina lector, um leitor.)

* "Atro". (N.T.)

 

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Aldo Manuzio na Itália (inventor do tipo "itálico").

 

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Na verdade, ela já vinha sendo praticada na China havia muito tempo [Osório diz: a impressão. Não esqueçam que os chineses parecem, como todos os seres humanos, mentir muito! Vejam seus produtos “duráveis descartáveis”!]. Mas os chineses tinham um enorme problema. A linguagem escrita chinesa era baseada em milhares de "caracteres” pictóricos. Cada um deles era inscrito num bloco do tamanho de um pequeno tijolo. O parágrafo curto que você está lendo agora exigiria sessenta deles, e teria o tamanho de uma pequena parede.

 

...

 

("fonético" significa que ele baseado em som, não em imagem) (p. 86)

 

...

 

é de setenta anos após a morte do criador. [Osório diz: os direitos autorais]

 

...

 

Outro elemento cauteloso da Lei da Rainha Ana foi decre­tar que "não há direito autoral nas ideias". Isso torna o estatuto muito diferente, por exemplo, da lei de patentes, que de fato protege ideias. Expliquemos assim: se eu escrever um romance policial no qual, na última página, revela-se que "o culpado é o mordomo", e depois você escrever um romance policial no qual – voilà! – há essa mesma revelação de última página, você tem toda a liberdade para fazê-lo. O que você não pode fazer é copiar a minha formulação de palavras. É a expressão, não os pensamentos por trás das palavras, que é protegida.

 

...

 

A lei de direitos autorais britânica foi sendo adotada no exterior, e outros países formaram suas próprias convenções. Isso levou algum tempo para acontecer. Os Estados Unidos só assinaram um tratado internacional de direitos autorais em 1891, o que significa que o país estava livre para pilhar as obras literárias britânicas e de outras nações. Ficou célebre a fúria de Dickens, que nunca perdoou os malditos piratas ianques. [Osório diz: hoje o mesmo Estados Unidos prega proteção do que eles entendem como sendo deles!] A história internacional continua no Capítulo 37. (p. 89)

 

...

 

Existe algo de maravilhosamente físico no velho meio. Você usa suas pernas para andar até a estante, seus braços para retirar o volume, seu polegar opositor e o dedo indicador para virar a página. É um envolvimento corporal que você não sente com um Kindle ou iPad. Meu palpite é que a "sensação" (o toque, e até o cheiro) do livro impresso continuará lhe dando um lugar duradouro — se não necessariamente o primeiro lugar — no mundo da literatura por um bom tempo ainda. [Osório diz: concordo plenamente!] (p. 90)

 

 

Capítulo 12

A casa de ficção

 

... (p. 91)

 

O Decameron de Giovanni Boccaccio (1313-1375)

... Dez jovens abastados e de boa educação – três homens e sete mulheres – se refugiam numa vila senhoril no campo por dez dias (daí o título – deca é "dez" em grego) até que a peste se extinga.

.... novella"uma coisinha nova" em italiano. Esses contos são narrados no calor do entardecer, sob as oliveiras, ao estrídulo suave das cigarras, com refrescos ao alcance da mão. [Osório diz: vai em Brasília na época apropriada e você verá o inferno que é o “estrídulo” das cigarras! Kkkk. Mas a pena do poeta encontra até a beleza da “flor do lodo”!] (p. 92)

 

...

 

Dom Quixote popularizou a variedade da ficção conhecida como “picaresca”: narrativas que perambulam por situações malucas. (p. 93)

 

...

 

Mesmo assim, há algo de tocante – até mesmo de admi­rável – nesse velho raquítico e iludido, atacando bravamente os moinhos de vento com seu pangaré e seu gordo e covarde "escudeiro". Como todas as melhores ficções, Dom Quixote nos deixa com uma opinião dividida. Tolo ou adorável idealista? Essa incerteza vem embrulhada na palavra que tiramos da história para uso geral: "quixotesco". [Osório diz: Nabukov e seu Lolita é bem cervantino, especialmente nas muitas conversas que trava com seu leitor!]

 

John Bunyan (1628-1688)

 

...

 

"herética" (i.e. não oficial). (p. 94)

 

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Christian sabe o que precisa fazer. Sua esposa e seus filhos tentam impedi-lo, mas ele coloca os dedos nos ouvidos e segue correndo, deixando-os para trás. Por que essa atitude desalmada da parte dele? Porque todo mundo precisa se salvar, é um princípio funda­mental da doutrina puritana. Como explica o capítulo seguinte, o individualismo haveria de se tornar um elemento chave na forma do romance, e é por isso que tantos deles têm nomes como título: A história de Tom Jones, Emma, Silas Marner e assim por diante.

 

...

 

O último destes protorromances tem um interesse adiciona no fato de que foi escrito por uma mulher, gloriosamente chamada de Aphra Behn (1640-1689). [Osório diz: mulheres na protoliteratura dos romances] (p. 95)

 

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Os tea­tros, as casas de má reputação e as tabernas voltaram a ser abertos, agora com tolerância e patrocínio da nobreza. [Osório diz: nobreza gera dinheiro] (p. 96)

 

...

 

começou a escrever peças para o teatro no início da década de 1670 — a primeira mulher a fazê-lo.  Mas seu livro ficcional Oroonoko ou o escravo real: uma história verdadeira, publicado em 1688, é avaliado corretamente como sua obra-prima. Aphra Behn está enterrada na Catedral de Westminster, sendo a primeira escritora a ter recebido essa honraria. Em seu túmulo, Virgínia Woolf instrui, "todas as mulheres juntas deveriam jogar flores... pois foi ela quem lhes deu o direito de falarem por si mesmas". [Osório diz: Apha Pachola. A única Apha que conheci, embora seja grafada como Afra!].

 

...

 

Mas é uma proeza extraordinária, qualificando sua autora como escritora pioneira de uma ficção que é quase, mas sem chegar a ser, um romance. (p. 97)

 

 

CAPÍTULO 13

Lorotas de viajantes

 

DEFOE, SWIFT E A ASCENSÃO DO ROMANCE

 

O capítulo anterior explorou as raízes do romance moderno. Agora, chegamos ao que pode ser chamado de primeiro fruto maduro da planta. Daniel Defoe (1660-1731), o autor de Robinson Crusoé, é o consensual ponto de partida do gênero na Inglaterra.

 

...

 

Um gatilho para tudo isso era necessário. Por que razão isso que nós (mas não eles) chamamos de novel, a "coisa nova", emerge nessa época em particular e nesse lugar em particular (Londres)? A resposta é que a ascensão do romance ocorreu na mesma época e no mesmo lugar em que ascendia o capitalismo. Por mais diferentes que as duas coisas pareçam ser, elas têm uma íntima conexão. (p. 98)

 

...

 

Você abria o seu próprio caminho na vida e, como Dick Whittington, podia chegar à cidade sem um e encontrar ruas pavimentadas com ouro. Ou não. No mundo medieval, nenhum camponês poderia ter a esperança de virar um cavaleiro. A mobilidade social é central ao capitalismo nesse complicado sistema das atividades humanas. O mais reles empregado da cidade podia ter a esperança de virar um capitão da indústria. Ou, como Dick, o prefeito da cidade de Londres.

 

A história de Robinson Crusoé (...) Entre os bens que negocia estão escravos,...

 

Numa de suas viagens comerciais a partir do Brasil, o navio mercante de Crusoé naufraga durante uma tempestade terrível. (p. 99) [Osório diz: vejam de onde vinha o navio inglês! Se vendia escravos e vinha do Brasil, podemos imaginar a história via literatura não especializada ou romanceada!]

 

...

 

muitos leitores de primeira hora caíram no logro [Osório diz: e nunca deixaremos de cair, especialmente os inteligentes!].

 

...

 

Com Robinson Crusoé, ficamos frente a frente, pela pri­meira vez, com a desabrochada convenção narrativa conhecida como "realismo" – significando não a coisa real, mas algo tão parecido com a coisa real que você precisa olhar duas vezes para perceber a diferença. No caso do romance de Defoe, a confusão entre ser "real" ou meramente "realista" foi agravada pelo fato de —que, quatro anos antes do surgimento do livro, um relato muito similar de um marinheiro isolado numa ilha tinha virado best­ seller (como virou o livro de Defoe). Defoe claramente o leu e fez uso dele. (p. 100)

 

...

 

e reconhecendo que se apossar dela seria um roubo, ele a leva mesmo assim [Osório diz: típica ação inglesa! Visitem o museu britânico!]. O incidente é revelador. Qual é a coisa mais importante? Dinheiro. O incidente é inserido ali para nos lembrar disso. (p. 101)

 

...

 

Depois de muitos anos, Crusoé adquire um companheiro, um nativo de uma ilha vizinha que por pouco escapou com vida de canibais. Crusoé o renomeia Sexta-feira (sendo esse o dia no qual o encontrou) e faz dele seu criado. Mais importante, Sexta­-feira é seu bem móvel — falando sem rodeios, seu escravo. Os impérios sempre precisam de escravos. [Osório diz: carvalho! Embora muitos escravos não cheguem a perceber isso!]

 

...

 

Se Virgínia Woolf pôde instruir as mulheres a jogar flores na sepultura de Aphra Behn, nós deveríamos jogar algumas moedas de libra e notas de dólar na sepultura de Daniel Defoe, o cronista do Homo economicus.

O romance não estava destinado a permanecer preso ao rígido realismo de Defoe. O gênero também podia "fantasiar" – mantendo uma estrutura externa realista e um conteúdo tão imaginário quanto o de qualquer conto de fadas. O grande pioneiro do "romance de fantasia", por assim dizer, é Jonathan Swift (1667-1745).

Swift, um irlandês, nasceu na chamada "ascendência" – a classe alta do país que era favorecida pelos patrões ingleses e ganhava privilégios negados à população irlandesa em geral. (p. 102)

 

... Swift

 

Mas nunca recebeu os grandes favores que esperava da corte e do governo ingleses. Isso aguçou sua raiva ao nível da selvageria. Ele se sentia, segundo disse, "como um rato num buraco".

 

Swift abominava o progresso.

 

Gulliver viaja para Laputa ("a puta" em espanhol), que é uma utopia científica. (p. 103)

 

 

CAPÍTULO 14

 

Como ler

 

DR. JOHNSON

 

"Doutor", literalmente, quer dizer alguém que tem conhecimento. (p. 105)

 

...

 

Foi no século XVIII que as grandes instituições inglesas (Parlamento, a monarquia, as universidades, os negócios, a imprensa) assumiram sua forma moderna.

 

...

 

Suas feições pareciam cravadas em seu prato; tampouco dizia ele, a não ser quando em companhia importantíssima, uma palavra que fosse, ou sequer concedia um mínimo de atenção ao que era dito por outros, até satisfazer seu apetite, o qual era violento e saciado com tamanha intensidade que, no ato de comer, as veias de sua testa inchavam, e geralmente uma forte transpiração se fazia visível. [Osório diz: eu!] (p. 106)

 

...

 

Com nove anos de idade, sentado na cozinha do porão de casa, pegou um volume de Hamlet das estantes de seu pai. As palavras na página lhe incutiram uma visão alucinatória de Elsinore e fantasmas. Ele ficou aterrorizado. Jogou o livro para longe e saiu de casa às pressas, pela rua, “de modo que pudesse ver pessoas ao redor”.

 

...

 

Tratou de se estabelecer no mundo literário, comumente conhecido como "Grub Street" em função de uma rua de Moorfields, distrito pobre de Londres, habitada por “vermes” trambiqueiros que ganhavam a vida com a pena. (p. 107)

 

...

 

As opiniões de Johnson sobre a condição humana foram sempre profundamente pessimistas. Era uma situação, ele acreditava, "na qual há muito para supor­tar e pouco para desfrutar".

 

...

 

Uma é "ordem" e outra, "bom senso". Seu bom senso é lendário. É retratado com vividez numa conversa que teve com Boswell, durante uma caminhada, so­bre a visão então em voga (colocada em circulação pelo pensamento filosófico do bispo, Berkeley) de que a matéria não existe e tudo no universo é "meramente ideal". Imaginário. Boswell observou que, logicamente, a teoria não podia ser refutada. Johnson respondeu chutando com violência uma grande pedra que havia no caminho e exclamando, com igual violência: "Eu a refuto assim!".

 

...

 

tinha enorme respeito pelas mentes jovens. (p. 108)

 

...

 

“Patrocinador. Comumente, um patife que apoia com insolência e é pago com bajulação”). (p. 109)

 

...

 

Em Hamlet, enquanto a afogada Ofélia está sendo enterrada, Gertrudes joga algo dentro da sepultura aberta com o comentá­rio "Doces à doce. Adeus!".* Mas o que é que ela está jogando? Chocolates? Biscoitos? Torrões de açúcar? Não, flores frescas. Para os elisabetanos, o adjetivo "doce" indicava em primeiro lugar o que a pessoa podia cheirar com o nariz, não o que a pessoa podia provar com a língua, que é como o usamos em geral agora. Esse uso anterior é o tipo de coisa, entre outras, que Johnson registra. O aspecto mais importante que Johnson salienta no Dicionário é que a língua – em particular, a língua usada pelos escritores – não pode ser eternizada em pedra. Ela é uma coisa viva, orgânica, em constante mutação. (p. 110)

 

...

 

Ele reverenciava Shakespeare e editou as peças (a edição é uma das mais úteis que um crítico literário pode fazer). Johnson acreditava que Shakespeare era um gênio. Foi a admiração de Johnson, expressada o tempo todo em suas edições e comentários a respeito de Shakespeare, que estabeleceu a este como o maior entre os escritores da nação. Mas Johnson também acreditava que ao autor de Hamlet faltavam, com frequência, sofisticação e requinte – que por vezes ele se mostrava "inculto", até mesmo um primitivo. Faltava-lhe algo que Johnson e seus contemporâneos valorizavam acima de todas as coisas: "decoro". A obra de Shakespeare seria o resultado da era grosseira na qual ele viveu. Quase todos nós discordaríamos disso com veemência. [Osório diz: Sobre Shakespeare] (p. 111)

 

 

CAPÍTULO 15

 

REVOLUCIONÁRIOS ROMÃNTICOS

 

Revolucionários românticos

 

...

 

escrevinhação... [Osório diz: curiosidade!] (p. 112)

 

...

 

Em sua definição mais simples, "romântica" é simplesmente uma datação conveniente para a literatura escrita, grosso modo, entre 1789 e 1832. É comum, por exemplo, encontrar Jane Austen agrupada com outros escritores do Período Romântico apesar do fato de que, levando em conta o que ela escreveu, a autora de Orgulho e preconceito está num planeta literário diferente do de, digamos, Shelley, que abandonou uma esposa grávida (ela depois cometeu suicídio) para fugir com a Mary Shelley de dezesseis anos de idade que iria, alguns anos depois, escrever Frankenstein.

 

Por que pegar 1789 como ponto de partida? Porque o Romantismo coincidiu com um acontecimento histórico mundial: (p. 113) a Revolução Francesa. O Romantismo foi o primeiro movimento literário a ter, em seu âmago, uma "ideologia" — o conjunto das crenças pelas quais pessoas e povos vivem suas vidas. Sempre havia existido uma literatura que era política: os poemas de John Dryden sobre "assuntos de Estado", por exemplo, ou Jonathan Swift atacando os liberais nas Viagens de Gulliver. Coriolano, de Shakespeare, pode ser lido como uma peça política. A política diz respeito à administração do Estado (origina-se na palavra "cidade" em grego antigo). A ideologia pretende mudar o mundo. O Romantismo tem esse impulso na sua essência.

O que "ideológico" quer dizer, em oposição a "político", pode ser demonstrado nitidamente pelas mortes em guerra de dois grandes poetas, Sir Philip Sidney e Lord Byron. Sidney morreu em 1586, de ferimentos sofridos no combate contra os espanhóis na Holanda. Moribundo, ele teria celebremente passado um cantil de água que lhe ofereciam para outro homem ferido com as palavras "Tua necessidade é maior do que a minha". (p. 114)

 

...

Simplificando, o sacrifício de Sidney teve motivação patriótica, o sacrifício de Byron teve motivação ideológica. Quando lemos Byron e outros românticos, precisamos sintonizar as posições ideológicas (a "causa") que eles adotam, advogam, sondam, combatem ou questionam. No linguajar atual, de onde é que saiu a obra deles? (p. 115)

 

...

 

Os versos contidos foram chamados de "baladas" em homenagem aos poemas que são transmitidos oralmente por comunidades, não por escritores individuais. A balada tradicional representa uma espécie de união literária – embora Wordsworth preferisse usar a palavra "radicalismo" (no sentido literal de voltar às raízes), ou, com certa relutância, o lema francês "fraternidade". (p. 116)

 

...

 

Wordsworth adorava, segundo afirmou, ser “surpreendido pela alegria”

 

...

 

emoção que se opõe à alegria – a “melancolia”... (p. 117)

 

 

CAPÍTULO 16

 

A mente mais afiada

 

JANE AUSTEN

 

Demoramos um longo tempo para constatar que Jane Austen (1775-1817) está entre os maiores nomes do romance de língua inglesa. Uma das razões pelas quais podemos negligenciá-la é o fato de que o mundo de sua ficção é (não há outra palavra) pequeno. E, ao olhar superficial, a grande pergunta colocada em cada um de seus seis romances - "Com quem a heroína vai se casar?" ... (p. 120)

 

...

 

sobre a vida de Jane Austen. O que podemos supor com segurança é que houve pouco, nela, em matéria de drama. (p. 121)

 

...

 

Austen viajou raras vezes em sua vida. Tampouco suas heroínas viajam muito. A família passou algum tempo em Bath, a cidade-spa e mercado casamenteiro da Regência, um lugar do qual Austen parece não ter gostado. Ela visitou Londres, mas nunca morou lá, e a capital figura pouco em sua escrita; geralmente, como em Razão e sentimento, é um lugar do qual é bom estar longe. Os "condados domésticos" — principalmente Hampshire — eram seu habitat. É bizarro ficar sabendo que ela nutria uma forte lealdade pelo time de críquete local, o "Cava­lheiros de Hampshire".

 

...

 

Nunca chegou a se casar,...

 

...

 

Uma esposa e mãe teria tido menos tempo para produzir os seis romances que garantiram sua reputação. Ela morreu numa das situações mais lastimadas por sua ficção: uma velha solteirona. (p. 122)

 

...

 

A heroína de Austen tem, invariavelmente, tanto um pretendente adequado quanto um pretendente inadequado.

 

...

 

Celebremente, Jane Austen nunca vai além do que uma “dama” deveria saber com decência. (...).

Há muitos homens em seus romances, mas ela nunca retrata integrantes do sexo masculino conversando entre si sem a presença de uma dama que os ouça. (...)

Da mesma forma, não há personagens da classe trabalhadora no primeiro plano de seus romances. A fidalguia decente é o nível mais baixo da escala social ao qual chegamos no mundo de Jane Austen. Aparecem criados por todos os cantos, claro. Alguns de seus nomes (James, o cocheiro de Emma, por exemplo) nós conhecemos. Mas a vida no andar de baixo é outro mundo não visitado na ficção de Austen.

 

...

 

O único meio pelo qual Jane pode se sustentar é virar uma preceptora — mal ganhando o suficiente para sobreviver e suportando a humilhante posição domiciliar de "criada superior". Ela descreve a busca por tais empregos como estar à venda num leilão de escravos.

 

...

 

Se o próprio Horatio Nelson* aparecesse num romance de Austen, suspeitaríamos de que o único interesse do romance por ele seria verificar se o homem era o "Sr. Perfeito" para a heroína.

*Oficial da marinha britânica e herói nacional, famoso por seu desempenho nas Guerras Napoleônicas. (N.E.)

 

...

 

Uma grande propriedade como Mansfield Park se sustenta, financeiramente, por suas plantações de açúcar nas índias Oci­dentais, movidas a trabalho escravo. O fato é aludido — mas não examinado ou exposto com alguma demora. Tampouco — nem pensar uma coisa dessas — o leitor ganha qualquer vislumbre do que se passa nessas plantações das índias Ocidentais. As opiniões políticas e religiosas de Austen são as mesmas de sua classe, embora pareçam ter se endurecido um pouco nos últimos romances. Ela era uma anglicana devota, e clérigos figuram com proeminência em sua ficção. Em nenhum momento, contudo, seus romances nos levam para dentro de uma igreja ou se aventu­ram por questões teológicas. Isso era reservado para os domingos, não para a ficção. (p. 124)

 

...

 

Seus romances nunca questionam a posição dos homens como integrantes do sexo superior.

 

...

 

Os pontos de vista de Austen sobre literatura eram tão conservadores quanto suas crenças sociais. Embora coincidisse, historicamente, com o movimento romântico — e seja classificada com frequência como romântica —, ela pertencia a uma era anterior, mais estável, cujos valores seus romances endossam coletivamente.

...

 

O que há nos romances, então, que os torna tão soberbamente bons? Duas coisas. A primeira é a maestria técnica da forma de seu romance, em particular o uso da ironia. A segunda é sua seriedade moral — sua capacidade de articular, em todos os detalhes, como uma pessoa deveria viver a vida. Também poderíamos citar sua espirituosidade, sua observação tolerante das fraquezas humanas e sua compaixão.

 

...

 

magistrais em sua tessitura (p. 125) do suspense. (p. 126)

 

...

 

O que os romances de Austen nos dizem é que, para viver do jeito mais apropriado, você precisa, primeiro viver. A vida é uma educação para a vida.

 

...

 

A ficção de Austen demonstra, soberbamente bem, que uma obra literária não precisa ser ampla para ser grande. (p. 127)

 

 

CAPÍTULO 17

 

Livros para você ler

 

O PÚBLICO LEITOR EM TRANSFORMAÇÃO

 

...

 

Em um lugar – geralmente, num canto pouco frequentado – haverá uma seção dedicada à Poesia.

 

...

A poesia sempre foi a irmã pobre dá literatura. "Ouvintes aptos, ainda que poucos" foi como Milton descreveu seu público leitor. (...) mesmo no século XVII. [Osório diz: faz tempo, então!] (p. 131)

 

...

 

Na década de 1950, no Reino Unido, todos os conselhos municipais eram obrigados, por lei, a suprir de livros a população local por meio de uma rede abrangente de bibliotecas públicas. Era de graça.

 

...

 

Se hoje o público leitor dispõe de bem mais opções para escolha, e consegue bem mais o que deseja, isso é uma coisa boa? Nem todos pensam assim. Alguns alegaram que “mais é pior”. E há quem – como eu — pense que da quantidade vem a qualidade. Quanto mais amplo for o público leitor, tanto mais saudável será. E quanto maior for o bolo, mais abundantes serão as cerejas nele. (p. 133)

 

 

CAPÍTULO 18.

 

O gigante

 

DICKENS

 

Poucas pessoas discordariam da ideia de que Charles Dickens (1812-1870) é o melhor romancista britânico que já levou a pena ao papel. "Não precisa nem pensar", poderíamos dizer. "O Inimitável", como ele mesmo se apelidou (até ele se achava incomparavelmente soberbo), teria lançado um olhar raivoso diante da impertinência de alguém que cogitasse – ou, ainda pior, fizesse – tal pergunta.

 

...

 

Mas o que justifica precisamente, nos romances de Dickens, o louvor supremo e universal que ele recebe? (p. 134)

 

...

 

Gostamos de pensar que somos feitos de matéria mais dura

 

...

 

Dickens é o maior romancista de todos os tempos.

 

...

 

As aventuras do sr. Pickwick. (p. 135)

 

...

 

Oliver Twist. (1837- 1838). É uma obra sombria, raivosa e politicamente engajada, bem diferente das aventuras cômicas do sr. Samuel Pickwick. Sua raiva é direcionada tanto ao governo britânico quanto ao público leitor britânico.

 

...

 

A casa soturna.

 

...

 

David Copperfield.

 

...

 

Grandes esperanças (1860-1861).

 

...

 

Little Dorrit (1855­-1857).

 

...

 

The Old Curiosity Shop. (p. 136)

 

... Our Mutual Friend* (1864-1865).

* "Nosso amigo em comum". (N.T.)

 

O rio batiza Londres com sua maré montante, e leva embora a imundície da cidade (insinuando seu pecado) com a maré vazante.

 

...

Um segundo motivo para a grandeza de Dickens é que ele foi o primeiro romancista não apenas a botar crianças como heróis e heroínas de sua ficção (como em Oliver Twist), mas também a fazer com que seu leitor avaliasse o quanto a criança é vulnerável e facilmente machucada, e como a visão de mundo aos olhos da criança difere da visão do adulto.

 

...

 

Enquanto seu pai definhava atrás das grades, o menino foi colocado para trabalhar colando rótulos em potes de graxa de sapato numa fábrica infestada por ratos junto ao Tâmisa, ganhando apenas seis xelins por sema­na. Foi algo brutal, mas, acima de tudo, o que o fustigou foi a vergonha. As feridas nunca cicatrizaram. (p. 137)

 

...

 

Por trás da preocupação central de Dickens com as crianças existe a crença de que elas não são meros adultos pequenos, mas têm algo que todos os adultos deveriam aspirar a reaver. Dickens (que escreveu uma Vida de Cristo para seus próprios filhos) acreditava com fervor na máxima de Jesus: "Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus".

 

...

 

Nenhum romancista foi mais sensível ao seu próprio tempo do que Dickens.

 

...

 

Treze dos catorze principais romances de Dickens são:

 

Tempos difíceis (1854)

 

Dombey & Filho (1848)

 

... Ele foi o primei­ro romancista a perceber que a própria ficção podia transformar (p. 138) o mundo. Podia esclarecer, podia expor, podia defender. Um exemplo bastante surpreendente do Dickens reformista pode ser encontrado no prefácio a Martin Chuzzlewit, no qual ele afirma que, em toda a sua ficção, tentou demonstrar a necessidade de "melhorar o saneamento básico".

 

A casa soturna.

 

...

 

Não é exagero dizer que Dickens, embora nunca tenha enfiado uma pá no solo de Londres, ou levantado uma laje, ou soldado um cano de metal, colaborou com a grande reforma sanitária (p. 139) vitoriana. [Osório diz: eu e Maraã]

 

...

 

Por último, e muitíssimo importante, uma das coisas que dão apelo duradouro aos romances de Dickens é a honesta crença do autor na bondade essencial das pessoas.

 

Um conto de Natal (1843).

 

... a meta de todos os seus escritos, tanto sua ficção quanto seu jornalismo, era tocar ou, pelo menos, “suavizar” corações. Mais do que a maioria dos escritores, ele consegue. Mesmo hoje.

Charles Dickens teria sido o primeiro a admitir que não era, em todos os aspectos, um homem perfeito. Embora quase todos os seus romances terminem com um casamento feliz, ele, pessoalmente, não era o melhor dos maridos ou pais. Casado há vinte anos, quando sua esposa já lhe dera dez filhos, livrou-se dela e ficou com uma mulher vinte anos mais nova do que ele, mais do seu agrado. Até pelos padrões vitorianos, Dickens era um ho­mem vez por outra desatinado em suas opiniões sociais, atitudes e preconceitos. Mas esse desatino é mais do que compensado por suas crenças totalmente admiráveis no progresso e na capacidade (p. 140) da raça humana de criar um mundo melhor – se os "corações" estiverem comprometidos. Nosso mundo é o que é, um lugar melhor do que foi, graças, em parte, a Charles Dickens. Essa, em última instância, é a razão da grandeza de seus romances. "Isso mesmo", como diria o Inimitável (provavelmente com irritação, se você ousasse pensar de outra forma.) (p. 141).

 

 

CAPÍTULO 19

 

Vida na literatura

 

As BRONTÊ

 

...

 

"consunção" (como a tuberculose era chamada na época).

 

...

 

Havorth – a residência paroquial, a igreja e o cemitério adjacente – forma o clima e o pequeno mundo da ficção das ir­mãs. (p. 143)

 

...

 

O motivo mais plausível é que ela não conhecia Liverpool e não queria levar sua história para um lugar que não conhecia.

...

 

Esses "buracos no enredo", como eu os chamei, podem ser vistos como toques artísticos, deixados ali deliberadamente como recursos do projeto do romance. Mas também atestam o fato de que a autora era uma mulher provinciana, pouco mundana, que simplesmente não tinha nenhuma experiência com os lugares e as situações das quais um garoto ignorante do campo, como o fugitivo Heathcliff, poderia voltar tão estranhamente mudado.

 

...

 

"dipsomania", como era chamado então o alcoolismo. (p. 144) [Osório diz: que nome lindo, só de lê-lo já dá até vontade de beber! Kkkk].

 

...

 

Por volta de 1826, as três jovens irmãs, junto com Branwell, [Osório diz: irmão delas] (p. 145)

 

...

 

narração em primeira pessoa (o narrador-personagem).

 

...

 

Decidiram que iriam escrever. Com os lucros que seus livros obtivessem as irmãs montariam, um dia, uma escola. Para invadir o mundo da autoria, dominado como era por homens tanto entre os autores quanto entre os editores, adotaram pseu­dônimos masculinos (Currer, Ellis e Acton Bell). (p. 147)

 

 

CAPÍTULO 20

 

Embaixo das cobertas

 

LITERATURA E CRIANÇAS

 

...

 

a infância é o período da vida que nos "faz". (p. 149)

 

...

 

Charles Dickens. Em seu segundo romance, Oliver Twist (escrito em seus vinte e poucos anos, em 1837-1838), ele ataca uma nova legislação, introduzida pouco antes, que tornava mais doloroso aos pobres depender de auxílio público – de modo a motivar os membros "ociosos" da sociedade a encontrar uma ocupação útil e sair da folha de pagamentos municipal. É uma das oscilações recorrentes do pensamento político quanto ao "Estado assistencialista".

Como Dickens enquadra, porém, essa crítica à Grã-Bre­tanha cruel? Seguindo o "progresso" de uma pequena criança que passa de órfão a "menino do asilo de pobres", a limpador de chaminés menor de idade e – por fim – a aprendiz de criminoso. (p. 150) Vocês querem saber por que sua sociedade é como é? Vejam como tratam suas crianças. "Galho que nasce torto nunca se endireita", como teriam dito na época. Dickens acreditava que seu próprio caráter como homem e artista tinha sido formado por aquilo que lhe acontecera antes dos treze anos de idade e instruiu seu biógrafo a deixar isso claro.

 

...

 

Até aqui, cobrimos livros escritos por adultos, para adul­tos, sobre crianças. Existe, contudo, uma categoria de livros que funcionam igualmente bem para leitores infantis e leitores mais velhos, mesmo que não tenham sido inicialmente destinados a estes últimos.

 

...

 

O Senhor dos Anéis (1954-1955), de J.R.R.Tolkien.

 

...

 

"criança" é uma definição muito ampla. (p. 151)

 

...

 

Investigar a fundo o que "literatura infantil" quer dizer levanta algumas questões fascinantes. Vejamos três delas. A primeira é: como nós, na infância, conseguimos as habilidades básicas das quais precisamos para "absorver" a literatura? Não nascemos le­trados. Normalmente, nossa primeira experiência com a literatura ocorre através do ouvido, com (uns) dois anos de idade, pelas histórias antes de dormir e canções de ninar: João e o pé de feijão e "Three Blind Mice" [Três camundongos cegos], por exemplo. As ilustrações atraem a atenção da criança à página. As historinhas e cantigas vão ficando mais complexas, e a ilustração, menos central, com o passar dos meses. Roald Dahl vira o autor favorito da hora de dormir. O Dr. Seuss [Osório diz: quem é?] toma o lugar das canções de ninar.

 

...

 

outro aspecto da literatura infantil que a torna distinta da espécie adulta. Livros custam caro, e as crianças têm pouco dinheiro para gastar.

 

 

CAPITULO 21

 

Flores da decadência

 

WILDE, BAUDELAIRE, PROUST E WHITMAN

 

Pelo fim do século XIX, uma nova imagem do escritor começou a ocupar o centro do palco na Grã-Bretanha e na França: "o autor como dândi". De súbito, escritores já não eram apenas escritores, mas “celebridades”. O modo como se vestiam e seu comportamento eram estudados com atenção e imitados, e seus bon mots [comentários espirituosos], reciclados. Suas figuras eram tão admiradas quanto seus escritos. Os autores, de sua parte, estimulavam a própria celebridade. Como Wilde gracejou em seu romance O retrato de Dorian Gray, "só há uma coisa no mundo pior do que falarem de você: é não falarem de você".

 

...

 

 

epítome [Osório diz: resumo, símbolo]

 

...

 

Os feitos literários de Wilde (...) Ele tem para seu crédito uma obra-prima inquestionável, a peça A importância de ser prudente (1895).

 

...

 

um “jovem dourado” eternamente, ao passo que um retrato dele no sótão (seu eu cinza [grey]) murcha e se degenera. Outros dele trataram melhor o tema, mas nenhum de forma tão provocadora quanto Wilde. (p. 156)

 

...

 

Wilde: "Tudo que desejo assinalar é o princípio geral de que a Vida imita a Arte muito mais do que a Arte imita a Vida".

 

Até a religião era secundária em relação à arte: "Eu incluiria Jesus Cristo entre os poetas", Wilde afirmou — um comentário sem muita chance de agradar a cristãos puritanos. Em outro momento, e de modo ainda mais provocador, Wilde proclamou que "a revelação final é que Mentir, o ato de contar belas coisas inverídicas, é o objetivo adequado da Arte" — um comentário sem muita chance de agradar a advogados. Nessas declarações ousadas, Wilde chegou perto da teoria filosófica que depois seria chamada de "fenomenologia" — uma doutrina mais simples do que poderíamos imaginar pelo nome. É através das formas da arte, a fenomenologia sugere, que moldamos e compreendemos o mundo desprovido de forma ao nosso redor. [Osório diz: magistral definição] Na frivolidade de Wilde, há sempre um núcleo daquilo que Matthew Arnold (um poeta que ele admirava muitíssimo) chamava de "alta seriedade". Ele bancava o dândi, mas, nunca o tolo.

 

...

 

Acima de tudo, Wilde se lançou no mundo da publicidade, das páginas de fofocas, dos jornais e da fotografia. Sua imagem era tão famosa, em seu tempo, quanto a da rainha Vitória. (Ela não era, é de se suspeitar, uma de suas admiradoras — Alfred, Lord Tennyson era mais do gosto da monarca.) O "antinatural" cravo verde na lapela, as jaquetas de veludo efeminadas, o cabelo esvoaçante, os cosméticos, tudo isso era justificado por Wilde como neo-helenismo — a era da Atenas antiga e do amor platônico que ele e Pater reverenciavam. Ele era a encarnação de Narciso (p. 157) e da "juventude dourada", e se tornou, avançando em anos, o patrono da juventude dourada.

 

...

 

 

Wilde caiu como Lúcifer. Foi acusado pelo pai de seu jovem amante, Lord Alfred Douglas, de ser um "sodomita". Wilde abriu um processo por calúnia, que perdeu, e foi imediatamen­te a julgamento por "ofensas contra a decência pública". Foi considerado culpado e aprisionado para dois anos de trabalhos forçados, tornando-se o prisioneiro C.3.3.

 

...

 

Apesar disso – escutem bem – todos os homens

Matam a coisa amada;

Com galanteio alguns o fazem, enquanto outros

Com face amargurada;

Os covardes o fazem com um beijo,

Os bravos, com a espada!* [Osório diz: bom!]

Tradução de Paulo Vizioli. A balada do cárcere de Reading. São Paulo: Nova Alexandria, 1997. (N.T.) (p. 159)

 

...

 

**Tradução de Petrucia Finkler. A importância de ser prudente. Porto Alegre: L&PM, 2014. (N.T.) (p. 158) [Osório diz: comprar. Acho até que já comprei!]

 

...

 

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas existe, nada mais". Oscar Wilde... (p. 159)

 

...

 

Marcel Proust (1871-1922), em seu enorme romance autobio­gráfico Em busca do tempo perdido (1913-1927). Proust parte da visão de que a vida é vivida para a frente, mas entendida para trás; depois de certo ponto em nossas vidas, o que ficou para trás é mais interessante do que aquilo que está à frente. [Osório diz: meus escritos sobre Maraã! Só temos passado?] (p. 161)

 

 

CAPÍTULO 22

 

Poetas laureados

 

TENNYSON

 

O poeta. Que imagens essa pequena palavra evoca? Como acontece comigo, talvez apareça na sua imaginação um homem com olhos chamejantes, uma expressão longínqua, cabelo esvoaçante, trajando vestes folgadas. Ou uma mulher, de pé numa rocha ou em outro lugar elevado, contemplando a distância. O ar tem nuvens, mar, vento e tempestade. Ambas as figuras estão sozinhas. “Solitárias”, como define Wordsworth, “como uma nuvem.”

Pode haver uma aura de loucura - os romanos chamavam isso de furor poeticus. Muitos dos nossos grandes poetas (John Clare e Ezra Pound, para pegar dois dos absolutamente maiores), com efeito, passaram períodos de suas vidas em instituições psiquiátricas. Vários escritores contemporâneos passam mais tempo no divã do psicanalista do que no escritório do agente literário. (p. 163)

 

...

 

Essa, no entender de Wilson, é a imagem do poeta – alguém necessário, mas com quem é impossível conviver.

 

...

Ninguém espera ficar pobre com tanta confiança quanto a pessoa que faz versos ...

 

...

 

o lendário tordo,

 

...

 

A poesia antecede em muito qualquer literatura escrita ou impressa. Todas as sociedades que conhecemos - histórica e geograficamente - têm seus poetas. Seja lá como for que o chamemos - bardo, escaldo, menestrel, cantor, rimador -, o poeta (p. 164) sempre teve a mesma relação difícil de “forasteiro/integrante” com a sociedade.

 

Na sociedade feudal, os nobres gostavam de ter seus menestréis particulares (junto com seus bobos da corte) para entretenimento deles e de seus convidados. Sir Walter Scott escreveu seu melhor poema, A balada do último menestrel (1805).

 

...

 

O termo “laureado” remonta à Grécia e à Roma antigas, e significa “coroado com folhas de louro”. O laureado (sempre um homem) ganhava sua coroa de folhas travando combates verbais, como um gladiador, com outros poetas. (Os rappers, bardos dos nossos dias, ainda disputam essas batalhas em estilo livre.)

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Um que ocupou o cargo, por exemplo, foi Henry Pye (laureado entre 1790 e 1813). O estudo da literatura é minha profissão há tantos anos que nem me preocupo mais em contá-los, mas não consigo trazer à memória um único verso de Henry James Pye. Não me envergonho.

 

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Quando Robert Southey (laureado entre 1813 e 1843) escreveu um poema sobre o recém-falecido rei Jorge III sendo saudado no céu por um São Pedro bajulador, chamado Uma visão do julgamento (1821), Byron o demoliu com A visão do julgamento (você vê a - ligeiríssima - diferença?), encarado como uma das maiores sátiras do idioma. Quando o escreveu, Byron estava exilado na Itália, tendo sido escorraçado da Inglaterra por (p. 165) suposta imoralidade. Qual dos dois poetas é lembrado hoje? O integrante ou o forasteiro? Sir Walter Scott (ver Capítulo 15) declinou da honra da laureação (em favor de Southey) porque, segundo afirmou, o cargo grudaria em seus dedos como uma fita adesiva, impedindo-o de escrever com liberdade. Scott queria sua liberdade poética.

O poeta que teve êxito no cargo e no papel do “poeta institucional” - o poeta totalmente dentro da baleia de Orwell mas apesar disso escreveu grande poesia, foi Alfred Tennyson (1809-1892). Coisa incomum para sua época, Tennyson viveu além dos oitenta, duas décadas mais do que Dickens, cinco décadas mais do que Keats. O que poderiam eles ter feito com esses anos tennysonianos?

Tennyson... (...) Ele se libertou de sua paralisia e, em 1850, aos 41 anos, produziu o mais famoso poema do período vitoriano - In Memoriam A.H.H., inspirado pela morte de seu melhor amigo, Arthur Henry Hallam, com quem, especula-se, sua relação era tão intensa que poderia ter sido sexual. Provavelmente não, mas intensa, do modo “viril” aprovado pelos vitorianos, por certo foi.

 

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Tennyson afligia-se ainda mais do que a maioria. Se havia um céu, por que motivo não nos regozijávamos quando uma [p. 166] pessoa querida morria e ia para lá? Elas estavam indo para um lugar melhor. Mas In Memoriam segue sendo, em essência, um poema sobre o pesar pessoal. E afinal, conclui o poema, apesar de toda a dor, “É melhor ter amado e perdido / Do que nunca ter amado em absoluto”. Quem, tendo perdido uma pessoa amada, desejaria que ela nunca tivesse existido? (p. 167)

 

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Ele se vendeu? (p. 168)

 

 

CAPITULO 23

Terras novas

 

A AMÉRICA E A VOZ AMERICANA

 

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O ponto de partida da literatura americana é Anne Bradstreet (1612-1672). Todas as antologias atestam esse fato. A literatura americana como um todo, disse o poeta moderno John Berryman, presta "homenagem à Senhora Bradstreet". Assinala como uma diferença entre as literaturas britânica e americana o fato de que, no Novo Mundo, a figura fundadora é uma mulher. (p. 170) [Osório diz: lembremos de Apha e que a Rainha Vitória era mulher! As mulheres vêm de longe escrevendo, mas parece que lhes falta continuidade, ou, talvez, apoio dAs leitorAs!] (p. 171)

 

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Por que as baleias eram caçadas? Não por esporte. Não por comida. Elas foram caçadas até o limite da (p.172) extinção por causa do óleo extraído de sua gordura, utilizado para iluminação, maquinaria e inúmeras atividades industriais. (p.172)

 

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"verso livre" – a poesia desagrilhoada da rima

 

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Mas a literatura que se originou nos Estados Unidos foi um tanto atrofiada pela recusa do país (em nome do "livre comércio") em assinar a regulação internacional dos direitos autorais até 1891.

 

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Isso não quer dizer que não havia nenhuma literatura americana caseira na época. A "grande guerra", segundo um admirador importante – ninguém menos do que Abraham Lincoln em pessoa –, foi deflagrada por Harriet Beecher Stowe com seu romance antiescravidão A cabana do pai Tomás (1852). O livro vendeu mais de um milhão de cópias no conturbado século XIX, e, se não é verdade que tenha deflagrado uma guerra, de fato mudou a opinião pública. (p. 173) [Osório diz: uma mulher!]

 

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"tese da fronteira". O lugar em que a civili­zação encontra a selvageria (no nível mais bruto, caras-pálidas encontrando peles-vermelhas) é onde se exibe a verdadeira fibra americana. Ou é o que diz o mito.

O western é um dos poucos gêneros que não podemos creditar ao autor Edgar Allan Poe, pai da ficção científica, do "horror" e da história de detetive, notavelmente Assassinatos na rua Morgue (foi o orangotango). (p. 174)

 

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As vinhas da ira (1939), de John Steinbeck. Ele conta a história da família Joad, que, no desastre das grandes tempestades de areia da década de 1930, quando sua fazenda se resseca, vai embora de Oklahoma e pega a estrada rumo à terra prometida, a Califórnia, apenas para descobrir, na chegada, que se trata de um falso Éden. Nos exuberantes pomares e fazendas do oeste, eles se veem tão explorados quanto haviam sido, du­zentos anos antes, os escravos transportados da África à América. A família se despedaça sob a tensão.

O romance de Steinbeck, que ainda é amplamente lido e admirado, embora já tenham desaparecido há muito tempo as circunstâncias que lhe deram origem, não é um mero protesto social contra a implacável exploração dos trabalhadores agrícolas.

 

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CAPÍTULO 24

 

O grande pessimista

 

HARDY

 

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Shakespeare também é bem para cima – com a exceção de um punhado de tragédias (em especial Rei Lear) que parecem ter sido escritas no terrível rescaldo da perda de seu único filho, o pequeno Hamnet. [Osório diz: vacilo do autor, mas os ingleses mentem descaradamente!] (p. 178)

 

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O dr. Johnson era pessimista, mas estoico. "A vida hu­mana", ele avaliava, era "uma condição na qual há muito para suportar e pouco para desfrutar". Mas Johnson acreditava que a vida oferecia, se você tivesse sorte, o que ele chamava de "adoçan­tes": amigos, boa conversa, baldes de chá, boa comida e, acima de tudo, os prazeres do relacionamento, por intermédio da página impressa, com as grandes mentes do passado. (Ele não gostava muito de ir ao teatro, e seus olhos não eram bons o bastante para que apreciasse as belas-artes.) No universo Johnson, a luz do sol cintila por entre as nuvens.

 

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natimortomorto antes de ter vivido. (p. 179) [Osório diz: conceito muito usado no Direito Civil.]

 

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uma "visão de mundo" (os críticos literários costu­mam usar o termo alemão para isso, Weltanschauung, que soa mais filosófico).

 

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leis de educação dos anos 1870, que garantiam escola para todas as crianças de até doze anos, ou treze na Escócia. [Osório diz: e no Brasil, em meados de 2010 ainda tinha e tem fdp dizendo que tal lei não deve existir!]

 

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Darwin, com sua bem argumentada teoria da evolução. [Osório diz: bem argumentada não significa a última nem a melhor, mas, apenas, a “em melhor situação no momento”!] (p. 182)

 

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O que consideramos como progresso pode não ser progresso. O que consideramos como um mundo mais eficiente pode ser um mundo rumando para a autodestruição. [Osório diz: profético quando pensamos nas bombas atômicas]

 

 

CAPÍTULO 25

 

Livros perigosos

 

A LITERATURA E O CENSOR

 

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Platão, celebremente, estabelece a segurança de sua República ideal expulsando todos os poetas. [Osório diz: essa é só mais uma das safadezas desse aplaudido estelionatário!]

 

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Podemos elaborar uma lista impressionante de mártires da causa literária. (p. 185)

 

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Uysses, de James Joyce, é um excelente exemplo. O romance foi publicado em forma de livro pela primeira vez em 1922 em Paris, e, após julgamento, onze anos depois nos Estados Unidos (sob a perversa conclusão legal que a obra era “emética”, e não "erótica"). A Grã-Bretanha suspendeu sua proibição de Ulisses alguns anos depois, em 1936. O livro nunca chegou a ser de fato banido na Irlanda. Apenas nunca estava disponível. [Osório diz: emético – "diz-se de substância que ou o que provoca vômito; vomitório, vomitivo”.] (p. 187)

 

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Sem toda essa censura, a Rússia irá produzir uma literatura tão grandiosa? Será interessante ver. [Osório diz: Chico Buarque e sua produção durante a censura no Brasil]

 

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Os Estados Unidos foram fundados por puritanos que trouxeram consigo uma reverencia pela livre expressão e alfabetização. Isso foi reforçado em 1787 pela Constituição, cuja primeira emenda consagra em lei a liberdade de expressão. Essa liberdade, entretanto, nunca foi absoluta e universal. [Osório diz: diga isso para alguns brasileiros e eles se enforcarão!] (p. 189)

 

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A queima de livros era uma parte tão integrante do teatro do nazismo quanto os comícios de Nuremberg. O objetivo, era controlar a "mente" da população negando-lhe qualquer alimento que não fosse aprovado pelo partido. [Osório diz: fazem depois o contrário!]

 

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Na Grã-Bretanha, até o século XVIII o controle foi político, e um braço do Estado. Um escritor que cometesse uma ofensa podia ir parar na Torre de Londres sem o devido amparo de qualquer processo legal, ou ser (como Defoe) despachado pelo magistrado ao pelourinho. Os escritores tinham a sensatez de agir com precaução. Shakespeare, por exemplo, não ambienta nenhuma de suas peças na Inglaterra de então. Por quê? Porque ele não meramente um gênio, mas era também um gênio cauteloso.

A censura do palco, em particular, é urna prática de longa data na Grã-Bretanha. Por quê? Porque as plateias são "aglomerações" que podem facilmente se transformar em "turbas".

 

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Espirituosas peças "shawianas" como A profissão da sra. Warren (1895), que retrata maliciosamente uma casa de má reputação como um empreendimento comercial legítimo,... (p. 190)

 

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A Grã-Bretanha não formalizou a censura em lei até 1857 (...)

“depravar e corromper aqueles cujas mentes estão abertas a tais influências morais”.

 

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Quando George Orwell tentou publicar A revolução dos bichos, em 1944, não conseguiu encontrar um (p. 191) editor disposto a se comprometer com uma fábula que atacava um aliado de guerra da Grã-Bretanha, a União Soviética. [Osório diz: aliados na guerra, quando a Grã-Bretanha esta com o “cê u” na mão!]

 

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Em 1959, entrara em vigor uma nova Lei de Publicações Obscenas

 

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A luta contra a censurada literatura no mundo continua, como atesta cada número do periódico baseado em Londres Index on Censorship. É uma batalha constante. A história literária demonstra que a literatura consegue obter grandes feitos em meio à opressão, acorrentada ou no exílio. (p. 192)

 

 

CAPÍTULO 26

Império

 

KIPLING, CONRAD E FORSTER

 

Já foi salientado, em capítulos anteriores, que grandes literaturas tendem a ser o produto de grandes nações. Isto é, aquelas que alargaram seus territórios por conquista, invasão ou, em alguns casos, roubo descarado. Nenhum assunto, na literatura, levanta questões mais espinhosas do que "império" e "imperialismo muito em particular, “o direito pelo qual um país alega poder possuir, dominar, saquear e, em algumas situações, destruir outro país. Ou, como a potência imperial poderá argumentar, ‘levar a civilização’”. [Osório diz: Bom! Basta para comprovar isso uma visita ao museu de Londres. Verdadeira caverna com joias roubadas pelo mundo afora!] (p. 193)

 

 

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Consideremos o famoso - e muito admirado em sua épo­ca - poema de Rudyard Kipling "O fardo do Homem Branco" (1899). Ele começa assim:

 

Assume o fardo do Homem Branco –

Manda tuas proles mais nobres –

Prende teus filhos ao exílio

Para servirem teus cativos pobres;

Para cuidarem, sob dura rotina,

De um grupo agitado e bravio –

Teu povo amuado, recém-capturado,

Meio demônio e meio infantil.*

 

* TakeuP the WhiteMan'sburden– I Sendforth thebestyebreed– I Go bind your sons to exile I To serve yourcaptives'need;1 To waitín heavyharness I On flutteredfolk and wild – / Your new-caught, sullen peoples, / Half devil and half child. (N.T.) (p. 194)

 

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Rudyard Kipling (1865-1936) era britânico, mas "O fardo do Homem Branco" era dirigido especificamente ao povo dos Estados Unidos. (Kipling, de forma significativa, tinha uma esposa Americana.) O poema foi inspirado pela supressão dos Estados Unidos de uma revolta por independência nas Filipinas, e por sua aquisição, no mesmo período, de Porto Rico, Guam e Cuba. A campanha das Filipinas foi particularmente sangrenta. Estima-se que tenham morrido até 250 mil filipinos. O fardo do homem branco sempre foi manchado de vermelho. [Osório diz: Estados Unidos não mata! <: (este é o sinal de ironia!)]

 

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O poema foi um sucesso imediato nos Estados Unidos, e seu título virou uma expressão proverbial. Ainda é possível ouvi-lo de vez em quando – geralmente com ironia. Com o século XIX (o “Século da Grã-Bretanha”) chegando ao fim, Kipling acreditava que o papel de potência mundial suprema passaria, como passou historicamente, para os Estados Unidos. O século XX estava destinado a ser americano. A Grã-Bretanha, Kipling antecipava credulamente, seria uma parceira, ainda que uma parceira minoritária, de seu grande aliado. As duas nações, unidas, mandariam no mundo como soberanas benignas.

 

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O império é a imposição de uma civilização branca sobre povos que são, e sempre serão, “meio demônios e meio infantis". A ação do império é, em essência, benigna. É um "fardo" assumido sem nenhum plano de ganho nacional e, do modo mais pungente, nenhuma expectativa de agradecimento por parte das raças inferiores, agraciadas pela sorte de serem colonizadas pelo homem branco. Hoje, o poema de Kipling é um constrangimento literário. Foi recebido com aprovação esmagadora em 1899. Os tempos mudam.

 

Naquele mesmo ano, 1899, foi publicada outra obra so­bre o império e o imperialismo do homem branco – O coração das trevas, de Joseph Conrad (1857-1924) (p. 195)

 

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Por alguns meses, Conrad - um homem decente, ainda que não fosse de todo imune aos preconceitos raciais de sua era e sua classe - ficou a serviço de uma agência colonial pela qual a Europa sentiria eterna vergonha: a Société Anonyme Belge pour le Commerce du Haut-Congo.

O assim chamado Estado Livre do Congo tinha sido fundado em 1885 pela Bélgica, uma das menores nações imperiais europeias. "Livre" significava livre pilhagem. O rei Leopoldo II arrendava os dois milhões e seiscentos mil metros quadrados que seu país "pos­suía" para qualquer firma que pagasse mais. O que o comprador fazia depois com seu arrendamento colonial era problema dele. O resultado foi o que ficou conhecido como o primeiro genocídio da era moderna. Conrad o chamou de "a mais vil disputa pela pilhagem que já desfigurou a história da consciência humana".

 

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A viagem pelo rio teve uma profunda influência em Con­rad: "Antes do Congo eu era um mero animal", ele afirmaria depois. Passaram-se oito anos até que o "horror" (uma palavra-chave no romance) se acomodasse em sua mente na medida necessária para que ele escrevesse O coração das trevas. (p. 196)

 

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Por trás de todos os impérios, nós compreendemos, esconde-se o crime. [Osório diz: Vejam! É dito e escrito, mas o idiota não lê e não acredita ou o nega!]

 

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(Europa e América tinham imensa demanda de marfim para fazer coisas como bolas de bilhar e teclas de piano.) A viagem leva Marlow ao coração sombrio das coisas – o capitalismo, a natureza humana, [Osório diz: Ironia e constatação! Ainda hoje, o ouro e os diamantes!]

 

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"os lugares sombrios da terra", temos a implicação que todos os impérios são, na raiz, iguais. A distinção entre império bom, e império ruim é falsa: todos são ruins. [Osório diz: tá dito e escrito! Se informe para acreditar!]

 

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Passagem para a índia (1924), de E.M. Forster. (...) Ele se apaixonou pelo país e por seu povo. Era um homem inteiramente livre de qualquer senso de superioridade colonial ao modo de Kipling. (p. 197)

 

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Ninguém sabe ao certo o que aconteceu nas Cavernas de Marabar – faz parte do mistério confuso" que é a índia colonial. [Osório diz: não confundir com Marabá, no Pará, como eu o fiz inicialmente! Kkkk]

 

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Whitman era gay, assim como Forster. [Osório diz: mantive esta informação para dizer o seguinte: o que que o cós tem a ver com as calças? Nunca li Forster, mas, o pouco que li de Whitman, não me fez qualquer diferença essa sua condição! Aliás, as opiniões dos autores são aceitáveis ou não independente de suas opções sexuais! Quem não concordar com eles deve fundamentar suas opiniões em sentido oposto a deles. Não é simples? Pois é! “Vá lá!”]

 

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O que Forster enfrentava era o fato (p. 198) de que a ficção, por sua natureza, não pode "solucionar" os problemas do império. [Osório diz: mas ajuda para “carajo”! Não é isso que o autor diz da “Cabana de pai Tomás”?] (p. 198)

 

 

CAPÍTULO 27

 

HINOS CONDENADOS       1201

 

OS POETAS DA GUERRA

 

A guerra e a poesia sempre andaram de mãos dadas. (p. 200)

 

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Os poetas desses quatro anos tenebrosos que mais admiramos tiveram dificuldade para lidar com o fato de que seu verdadeiro inimigo poderia não ser o kaiser (primo-irmão do próprio rei britânico, Jorge V) com seus "hunos de coturno", mas uma sociedade inglesa que, de alguma forma, perdera o rumo e incorrera no disparate de uma matança totalmente sem sentido de seus melhores e mais brilhantes, por nenhuma razão válida. [Osório diz: (para o meu escrito sobre as cabeças coroadas que sempre governaram. Parentescos entre os donos do mundo sempre geram a união entre eles quando são acossados. Napoleão e Hitler, por exemplo, se meteram a besta com eles!]. (p. 202)

 

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fugindo dos pogroms do czar. [Osório diz: "Pogrom é uma palavra russa que significa "causar estragos, destruir violentamente". Historicamente, o termo refere-se aos violentos ataques físicos da população em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países. Acredita-se que o primeiro incidente deste tipo a ser rotulado pogrom foi um tumulto anti-semita ocorrido na cidade de Odessa em 1821. Como termo descritivo, a palavra "pogrom" tornou-se de uso comum durante as grandes revoltas anti-semitas que aconteceram na Ucrânia e no sul da Rússia, entre 1881 e 1884, após o assassinato do Czar Alexandre II.". Podemos dizer que os comunistas tiveram bom exemplo?] (p. 206)

 

 

CAPITULO 28

 

O ano que mudou tudo

 

1922 E OS MODERNISTAS

 

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Foi o que o latim chama de tabula rasa: uma lousa em branco.

 

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Antes de observar algumas das obras-primas concedidas ao público leitor em 1922 e arredores, consideremos certas características gerais. (p. 209)

 

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A Irlanda, afirma o herói de Retrato do artista quando jovem, é a "porca velha que come seus bacorinhos [leitõezinhos]" – a mãe que tanto alimenta quanto destrói você. (p. 211)

 

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O que se descreve é uma cena cotidiana: o fluxo de passageiros saindo do terminal ferroviário e atravessando do Tâmisa rumo aos escritórios da City (o centro financeiro do mundo) para manter em funcionamento a grande máquina do capitalismo global. (p. 212) [Osório diz: tão atual!]

 

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A poesia do próprio Pound encontrava sua inspiração em lugares exóticos. Ele era fascinado pela literatura oriental, pela linguagem na qual o pictórico e o textual se fundiam numa mesma unidade. Seria possível "cristalizar" palavras em imagens como fazia o pictograma chinês? [Osório diz: ver] Ele se saiu melhor do que qualquer outro na empreitada. Um de seus poemas, “Numa estação do metrô” começou como uma descrição estendido do subterrâneo de Paris. (p. 214)

 

 

CAPÍTULO 29

 

Uma literatura toda dela

 

WOOLF

 

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Virginia Woolf (1882-1941) escreveu num famoso meio social (grosso modo, um grupo de intelectuais com pensamentos assemelhados) conhecido como o Grupo de Bloomsbury.

 

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Tinha um intelecto poderoso e era, em grande medida, uma mulher dona de si. Sem o apoio desse meio, porém, nunca teria sido a escritora que foi.

 

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Na Grã-Bretanha, as mulheres só ganhariam (p. 215) direito ao voto oito anos depois de 1910, a data na qual "o caráter humano mudou" [Osório diz: o fato de as mulheres serem discriminadas na Inglaterra nunca incomodou a Rainha Vitória, que, até onde sei, era mulher! O que eu quero dizer com isso? É que as mulheres são muito desunidas, aliás, parecem não suportar suas mães e filhas! As vezes nem estas e aquelas! Daí não se prestigiarem como forma de incentivo na persecução de seus objetivos enquanto tais.].

 

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Grupo de Bloomsbury nos anos 1920. O outro é a grande reforma no pensamento crítico sobre a literatura gerado pelo surgimento do "Movimento Feminino" em meados da década de 1960, que a escolheu como escritora representativa.

 

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A própria autora escreveu o que acabou se transformando num dos textos fun­dadores do feminismo literário, Um teto todo seu (1929). Nesse tratado, argumenta que as mulheres precisam de seu próprio espaço, e de dinheiro, para criar literatura. Não podem fazê-lo de maneira razoável na mesa da cozinha, depois de ter preparado a refeição noturna do homem da casa e com as crianças deitadas em segurança na cama. (p. 216)

 

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Os bloomsberries encaravam a Primeira Guerra Mundial como um estertor agônico do vitorianismo. Era trágico que tantos milhões tivessem sido levados à morte, mas se tratava de um "fechamento", possibilitando que a literatura e o mundo das ideias tivessem um começo totalmente novo. [Osório diz: carvalho!]

 

"Bloomsbury", então, representava o quê? "Civilização", eles poderiam ter retrucado. "Liberalismo" poderia muito bem ter sido outra resposta. Os integrantes eram partidários de uma filosofia que se originou com John Stuart Mill e foi reformulada pelo filósofo de Cambridge G.E. Moore. Em essência, a ideia básica era que você era livre para fazer qualquer coisa, desde que isso não danificasse, ou infringisse, as liberdades equivalentes de outra pessoa. É um belo princípio, mas extremamente difícil de colocar em prática. Impossível, alguns diriam. [Osório diz: sim!]

 

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Woolf não frequentou universidade, e não precisava disso. Chegou à idade adulta com uma erudição extraordinária, bem conectada com as mentes mais refinadas de seu tempo. Começou a escrever quase tão logo conseguiu pegar uma caneta na mão. em sua infância, contudo, percebeu-se que sua mente era perturbada (p. 218)

 

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Nada de mais jamais "acontece" nas narrativas de Woolf. A questão não é essa. O grande evento da sra. Dalloway não é nem um pouco especial – é só mais uma festa com políticos enfadonhos.

 

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Temia-se, na primavera de 1941, que a Alemanha, tendo ocupado a França sem a menor dificuldade, pudesse em breve invadir e conquistar a Grã-Bretanha. (p. 221) [Osório diz: a história da disputa entre esses dois países ainda não acabou!]

 

 

CAPÍTULO 30

 

Admiráveis mundos novos

 

UTOPIAS E DISTOPIAS

 

Utopiaé uma palavra do grego antigo que significa, literalmente, “lugar bom”.

 

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A literatura tem uma capacidade divina de, simplesmente usando a faculdade da imaginação, criar mundos inteiros. É pro­veitoso pensar em dispor esses mundos ao longo de uma linha, com o "realismo" numa ponta e a "fantasia" na outra. (p. 222)

 

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Essas utopias de retorno, à simplicidade são nostálgicas.

 

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Seja olhando para trás ou para frente, todas as sociedades têm uma visão grandiosa do que é, foi ou será seu "lugar bom". Na Grécia antiga, a República de Platão imaginou uma cidade perfeita na qual tudo teria um arranjo racional com “reis filósofos”, como o próprio Platão, no comando. Nas sociedades dominadas pela tradição judaico-cristã, as imagens bíblicas do Éden (no passado) e do Céu (no futuro) tendem a inspirar e colorir as visões utópicas da literatura. Na Roma antiga, era "Elísio" (isto é, os "Campos Elísios" – um mundo natural perfeito). Nas sociedades muçulmanas, o Paraíso. Para os vikings, era Valhala, lar de grandes heróis, celebrando seus feitos em batalha. O comunismo acreditava, nos passos de Marx, que o futuro distante teria  o que ele chamou de "definhamento do estado" e uma condição de perfeita igualdade social entre os homens. (p. 223) [Osório diz: esse tal de Marx está em todas! E isso pelo fato do capitalismo dizer – e pagar para que seja dito – que ele, além de burro, está morto!]

 

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Todos esses sistemas de crenças, a seus diferentes modos, inspiraram autores a criar mundos imaginários — o "final feliz" da humanidade. Mas o grande problema com as utopias literárias (e a de More não é exceção) é que tendem a provocar bocejos de tédio. A literatura é mais legível quando adota uma posição crítica, cética ou de franco conflito. A chamada visão "distópica" das coisas rende uma leitura mais animada e uma reflexão mais provocadora sobre as sociedades do passado, do presente e do futuro. Podemos ilustrar esse aspecto examinando algumas das mais famosas distopias literárias das quais, se você ainda não as leu, certamente vale a pena ir atrás. [Osório diz: "A distopia ou antiutopia, por sua vez, é a antítese da utopia, apresentando uma visão negativa do futuro, sendo geralmente caracterizada pelo totalitarismo, autoritarismo e pelo opressivo controle da sociedade." (Fonte: https://www.estudopratico.com.br/utopia-e-distopia-conceito-e-exemplos/)]

 

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Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, tem um título pro­vocativo. E a temperatura na qual o papel impresso pega fogo espontaneamente (uma metáfora, poderíamos pensar, para a própria literatura). Bradbury o escreveu em 1953. Foi inspirado a fazê-lo pela chegada da televisão como meio de massa. Na visão de Bradbury, a ascensão da TV era a morte do livro.

Para Bradbury, isso era algo péssimo. Os livros, ele acreditava, faziam com que as pessoas pensassem. Eram estimulantes. O aparelho de televisão fazia o oposto. Era um narcótico. Além disso, de maneira sinistra, a televisão viabilizava um poder sobre a população do qual nenhum ditador jamais desfrutara — uma "tirania branda". Um controle das mentes universal. (p. 224)

 

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Mas Bradbury está cem por cento certo em sua análise de como funciona a tirania moderna mais eficiente. Ela não precisa cabeças com uma guilhotina, ou exterminar ("expurgar") classes inteiras de pessoas, como fizeram Stálin e Hitler. Ela pode funcionar igualmente bem com o controle do pensamento. [Osório diz: ainda bem que, em termos de matar, ele falou nos impérios! Embora não os cite aqui, Inglaterra e Estados Unidos nunca param de matar em suas guerras intermináveis] (p. 225)

 

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Como no caso de Bradbury, Huxley tanto acerta quanto erra em suas previsões.

 

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A distopia mais discutida dos últimos cinquenta anos é O conto da aia, de Margaret Atwood. Foi publicada em 1985, quando Ronald Reagan era o presidente dos Estados Unidos. Ele estava no poder, alguns pensavam, devido ao apoio crucial da "direita religiosa" – fundamentalistas cristãos. Esse é o ponto de partida da distopia feminista-futurista de Atwood. (p. 226)

 

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O conto da aia é ambientado num fim de século XX pós‑guerra nuclear. Fundamentalistas cristãos assumiram o controle dos Estados Unidos, renomeado por eles como República de Gilead. Os afro-americanos ("Filhos de Cam") foram eliminados. As mulheres encontram-se de novo em seu lugar subordinado. Ao mesmo tempo, a fertilidade masculina e feminina caiu a níveis desastrosos. As poucas mulheres que podem gerar filhos são designadas como "aias" – procriadoras à disposição dos homens. As aias de Gilead não têm direitos, nenhuma vida social e recebem o nome patrimonial "De [seu dono]". A heroína é Offred (propriedade de Fred). Ela foi capturada com seu marido e filha enquanto tentavam escapar para o liberal Canadá (um pequeno chauvinismo: Atwood é canadense). Offred é alocada para um homem poderoso chamado "Comandante". O romance termina com Offred parecendo escapar do cativeiro, embora o trecho seja escrito de tal modo que não podemos ter total certeza de que ela conseguir. (p. 227)

 

...

 

Mas Orwell tinha alvos maiores em mente. A guerra ha­via sido travada contra Estados "totalitários" (Alemanha, Itália, Japão) e seus ditadores todo-poderosos. Os aliados que saíram vitoriosos eram "Estados democráticos". No entanto, o principal parceiro oriental, a URSS, era um Estado tão totalitário quanto a própria Alemanha do pré-guerra. Enquanto a guerra se desenro­lou, isso não teve importância. Churchill afirmou que faria um pacto com o diabo, se Lúcifer fosse anti-Hitler. Mas e depois? [Osório diz: parceria entre Inglaterra e URSS, determinada pelo medo dos capitalistas de perderem as mãos! Mas, “passado” o perigo, o então protegido se volta contra o seu protetor! Sem novidades...]

 

...

 

Qual é o país que tem mais câmeras de vigilância no mun­do? [Osório diz: Inglaterra! O cavalheirismo e o “lordismo” inglês costuma ser visto quando os hooligans estão em outros países longe das câmeras de segurança de sua terra! Os selvagens são os outros, eles somente têm medo da polícia!] Você adivinhou. A Pista de Pouso Número 1. Vivemos num futuro "orwelliano". Como previsto. (p. 228)

 

 

CAPÍTULO 31

 

Caixas de truques

NARRATIVAS COMPLEXAS

 

A ficção pode fazer muitas coisas além de entreter. Pode, por exemplo, instruir. O que muitos de nós sabemos sobre ciência pode ter vindo das leituras de ficção científica. A ficção pode esclarecer e mudar mentalidades – como A cabana do pai Tomás mudou o pensamento da América em relação à escravidão. A pode popularizar as ideias centrais de um partido político: o que hoje é a crença central do conservadorismo britânico foi elaborado numa série de romances de Benjamin Disraeli nos anos 1840. Quando mira na direção certa [Osório diz: qual é ela?], a ficção pode provocar reformais sociais urgentes. No início do século XIX, o romance A selva (1906), de Upton Sinclair, sobre os horrores da insdústria de processamento de carnes, provocou a criação de uma legislação. (p. 229)

 

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Tradução de José Paulo Paes. A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (N.T.) (p. 231)

 

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A narra­tiva presume um narrador, um "contador da história". Quem é ele? O autor? Às vezes parece ser, às vezes claramente não é. Por vezes ficamos na incerteza. Jane Eyre não é Charlotte Brontë, por exemplo, mas parecem existir conexões claras, biográfica e psicologicamente, entre autora e heroína.

 

Mas o que dizer de um romance moderno como Crash (1973), de J.G. Ballard, no qual o personagem principal se chama James Ballard, que calha de ser um homem com um interesse totalmente sinistro por acidentes de carro e as coisas desagradáveis que eles causam à carne humana? É alguma espécie de confissão? Não. É o autor fazendo um jogo literário muito sofisticado não “com” mas “contra” o leitor. É como dois amigos disputando uma acirrada partida de xadrez.

A obra de ficção mais famosa de Ballard (graças, em grande medida, ao oscarizado filme de Steven Spielberg) é O império do sol (1984). É sobre um menininho que se separa dos pais em Xangai, na eclosão da Segunda Guerra Mundial, e se vê num campo de concentração cujos horrores formarão (deformarão?) sua personalidade para o resto da vida. O herói se chama "Ja­mes", e as experiências de James correspondem exatamente às experiências de James Ballard tais como registradas pelo autor em sua autobiografia. É ficção, então? Estamos numa situação "James = James"? Sim e não. Nem mesmo tente entender, sugere o romance. Apenas aceite. (p. 232)

 

 

CAPÍTULO 32

 

Fora da página

 

A LITERATURA NO CINEMA, NA TV E NO PALCO

 

“Literatura”, como você deve saber, significa literalmente algo que nos chega sob a forma de letras. Isto é, algo escrito ou impresso e sorvido pelos olhos para ser interpretado pelo cérebro.

 

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O que Homero veria nesse filme como sendo, em qualquer sentido, "dele"? [Osório diz: kkkkkk. Piada né, já que o poeta era cego!] (p. 237)

 

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Por regra geral, as adaptações de literatura são impelidas por três motivos. O primeiro é explorar "uma coisa boa" – ga­nhar dinheiro pegando um bonde que já está em andamento. A motivação do lucro, e não uma aspiração artística, é a frequente força motriz por trás de muitas séries de TV ou, recuando um século, dos dramaturgos piratas que adaptavam a ficção de Dickens.

 

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"Por trás de toda grande fortuna", disse o romancista francês Balzac, "há um crime." [Osório diz: eu pensava, e repetia, que esse dito era de um inglês!] (p. 239)

 

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Uma questão central no processo da adaptação literária é a de avaliar se ela é um serviço (como acho que são os exemplos acima) ou um desserviço ao texto em questão. (p. 240)

 

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Leia E o vento levou!". O romance permaneceu no topo da lista dos mais vendidos por dois anos e ganhou um Prêmio Pulitzer. Mitchell vendeu os direitos cinematográficos à MGM por 50 mil dólares [Osório diz: na época de paridade entre dólar e real, ganhei cerca de 50 mil com direitos autorais! Os tempos eram outros, mas 50 mil dólares “é” 50 mil dólares. É um bom negócio, então. O problema é acertar na “aveia”!]

 

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Não, não é. A MGM manteve os principais contornos do enredo de Mitchell, mas suavizou as referências favoráveis à Ku Klux Klan e, omitiu o assassinato, por parte do herói Rhett Butler, de um negro liberto que ousou afrontar a virtude de uma mulher branca. Os produtores tiraram o "fio" de um romance muito afiado. Para quem respeita o notável livro, isso importa.

Há outra objeção legítima que podemos apresentar contra às adaptações. Ao contrário de muitos romancistas, Jane Austen (para usá-la de novo) nunca nos dá uma clara imagem pictórica de suas heroínas ou heróis. Tudo que sabemos a respeito de Emma Woodhouse, por exemplo, é que ela tem olhos castanhos. Trata-se de uma decisão artística da parte de Austen. Isso permite ao leitor que construa sua própria imagem. [Osório diz: “Emma”, também é a personagem principal de Fluabert em Madame Bovary! Qual nasceu primeiro? Madame é de 1857, já Emma é de 1815!] Entretanto, depois de vermos o filme de 1996 Emma, o rosto de Gwyneth Paltrow (p. 241) provavelmente irá se impor em todas as releituras subsequentes do romance. É um rosto muito bonito - mas isso não é o que Austen queria.

 

Tradução, como se diz, partindo de um provérbio italia­no, é "traição" (Traduttore, traditore). (p. 242)

 

 

CAPÍTULO 33

Existências absurdas

 

KAFKA, CAMUS, BECKETT E PINTER

 

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A condição humana [Osório diz: o que é isso?

Condição Humana (3.º Quartel Séc. XX)

 

"O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância."

 

André MALRAUX, A Condição Humana, 1933.

 

A Condição Humana pode ser entendida como o horizonte no qual se perfila toda a existência humana, com o mundo a servir de lugar de exílio, de refúgio ao indivíduo. Este terá na morte, única certeza do indivíduo, o incontornável momento de confronto com a sua própria condição humana. "A vida voa", dizia Omar Khayyam (poeta persa do século XII), pois "a flor que floresceu uma vez, morre para sempre". Muitas foram as formas de se encarar a Condição Humana, quer numa perspetiva de entrega à mesma quer numa forma de aceitação tenaz e lutadora, comportando sofrimento e morte, como entre os Cristãos, por exemplo. "A vida é uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia...", sentenciava Shakespeare (Macbeth). Tantas foram e são as formas de se encarar a Condição Humana, para uns um flagelo, um degredo terreal, um "vale de lágrimas", para outros o inevitável, logo não há forma de a evitar, para outros um tormento que aumenta em cada dia da vida. Uns vivem-na alegremente, outros lutam contra ela, outros esquecem-na.

 

O passado acaba por ser para o indivíduo um capital de experiência humana, um conjunto de tensões e choques, civilizacionais ou individuais, numa consciência dualista da vida do homem no mundo e da sua aventura do futuro. A Condição Humana pode assim ser entendida como a luta entre a vida e a morte, entre o indivíduo e o grupo (a sociedade), a liberdade e o destino, o que é finito e o que se pode aperfeiçoar. A condição humana não implica necessária e exclusivamente negativismo, antes apenas reflexão e tomada de consciência do papel do homem no mundo, no tempo e no espaço.

O homem é um ser vivo, nasce, cresce e morre um dia. Apenas tem a vida, orientada para a morte. Mas algo há que o impele ao desejo de fuga, quase de desafiar a sua condição enquanto homem. Como tal, porque vive, há que assegurar a manutenção da sua própria vida, comendo, bebendo, aprendendo, conhecendo, adaptando-se ao meio e ao grupo. Como condição é genericamente "tudo aquilo de que alguma coisa depende", dependendo o homem da vida e ninguém podendo pensar no seu lugar ou por si, há que dar pois um sentido à sua existência, "moldar" a sua própria condição humana, por mais que ela esteja impregnada de destino. Mas o homem não é um ser isolado, fisicamente precisa de algo para ter uma vida enquanto ser, necessita de outros seres, condição para a sua realização humana, o que faz dele um ser cultural e solidário. "Aprendamos a viver em conjunto como irmãos, senão vamos morrer em conjunto como uns idiotas" (Martin Luther King).

O homem é também capaz de efetuar escolhas, enquanto ser livre e responsável pelos "seus atos", tomados livremente, o que dele faz senhor do seu destino: no fundo, o homem é aquilo que ele quiser ser. A tensão aqui reside no facto de que muitas coisas (ou nem tudo) já não dependem dele, o que faz com que não seja senhor do seu destino. Porque não escolheu nascer, por exemplo, ou os seus genes, nem a época e lugar para viver, teve que aceitar uma série de contingências, adversidades, fatores externos de ordem física ou cultural, que lhe são impostos, o que já faz dele um ser dependente em muitos parâmetros da vida.

E porque vive, com efeito, é limitado como ser, no tempo e no espaço. Falha, erra, é frágil, engana-se, sofre. O que dele pode fazer um ser "eternamente insatisfeito", em luta pelo aperfeiçoamento, em aprendizagem com os seus erros e falhas, animado por um forte sentido de busca da perfeição. Do infinito, até: daí a ideia de Deus. Schopenhauer afirmava, nesta ideia de tensão entre finito e infinito, nesta procura do aperfeiçoamento, que "A vida de um homem não é senão uma luta pela existência com a certeza de ser vencido"...

A condição humana, vista desta forma, a partir da consciência das tensões e conflitos da história do homem, no todo ou individualmente, na história de cada um, pode ser vista como a avaliação da amplitude de defeitos e erros que o homem deve superar, para pura e simplesmente se realizar, dar um sentido à sua vida, ultrapassar as suas contradições. O homem é um ser metafísico, desde sempre, animado por duas forças essenciais que animam a sua condição humana, o amor, que une, e o ódio, que separa.

O existencialismo acabou por ser a grande corrente filosófica que projetou a sua reflexão em grande parte na condição humana. O individual, o ser, as suas experiências e singularidades de vida, são o objeto da filosofia existencialista, na sua forte crença na liberdade absoluta. Analisaram, a partir de meados do século XX, principalmente, o problema da existência humana, questionando-a em toda a sua natureza: quem somos, o que fazemos, para onde vamos, o que é que nos move, tantas foram as questões que Sartre, Jasper ou Heidegger, entre outros, lançaram ao mundo acerca da existência, enfim, da condição humana, do sentido da vida. Vendo-a a partir das experiências vividas, para uns é como que uma "náusea" (Sartre), outros consideram-na a "experiência da caminhada para a morte" (Heidegger), ou então a "fragilidade do ser" (Jasper). A reflexão sobre a Condição Humana ganhou grande expressão literária e cultural em meados do século XX, depois da publicação do título que lhe deu o nome, por André Malraux, em 1933. Depois veio a Segunda Guerra Mundial, teatro por excelência das venturas e desventuras da Condição Humana, com toda a reflexão que dela adveio, principalmente na filosofia e na literatura, onde pontificam nomes como Jean-Paul Sartre ou Simone de Beauvoir, os quais beberam as reflexões de Husserl, Heidegger, Nietzsche, Freud, Schopenhauer, Kierkgaard ou Jaspers. O problema da Condição Humana centrou-se, no terceiro quartel do século XX, na consciência e tomada de posição sobre o "absurdo do mundo e da barbárie" sem justificação que resultou da Grande Guerra, já como Malraux debatia no seu livro, nas agruras da existência, dos conflitos, na vida dos que provavam o fel amargo da guerra, da destruição, que a Guerra Civil de Espanha e o grande conflito de 1939-1945 sublimariam, seguidos da Coreia, da Argélia, da Indochina Francesa, do Vietname e das descolonizações sangrentas de África, mundos de crueldade, de dor, de sofrimento, da dura e triste condição humana de tantos seres humanos.

"Vidas largadas ao abandono", na guerra como nos países marcados pelo progresso e pela paz, que também deixam marcas na existência de cada um e do grupo em que se insere, feridas da condição humana. Daí a ideia da solidão, do silêncio, do absurdo, da "morte de Deus"... Uma consciência aguda de abandono do indivíduo, em que já nem Deus o assiste e ampara, numa época em que o mergulho na solidão era cada vez mais gritante, na impotência do indivíduo em superar as contradições da sua existência e das suas ações, que geram morte, destruição, finitude entre o ser humano. A condição humana foi nos anos 50-70 do século XX vista sob a forma de luta contra as guerras, contra a opressão da sociedade de consumo, contra as soluções político-militares resultantes da Segunda Guerra Mundial, contra a destruição do indivíduo, logo da sociedade. Era preciso uma emergência do indivíduo, uma tomada de consciência do seu lugar no mundo, no tempo, na história, no todo. Daí a luta pelos direitos humanos, a luta contra a segregação racial e social, como fez Martin Luther King ou Nelson Mandela, entre outros profetas da Negritude, como Léopold Senghor, o direito à opção para os povos subjugados e para os marginalizados, a luta contra os fantasmas da Guerra Fria e contra o fosso entre países desenvolvidos e aquilo a que se começou a designar por Terceiro Mundo.

 

Fonte: https://www.infopedia.pt/$condicao-humana-(3.-quartel-sec.-xx)

 

e,

 

A condição humana segundo Pascal

 

Uma constante na história da filosofia é o elogio do poder de conhecer que tem o homem. Tal poder identificou-se no mais das vezes a uma das faculdades humanas, a Razão. Seria contudo falsear esta história omitir o aspecto auto-crítico da Razão, ou seja, a capacidade de a filosofia criticar racionalmente a Razão, apontando os limites do conhecimento humano. Tal tarefa foi explorada de modo particular por Blaise Pascal (1623-1662), e é através dela que podemos compreender o papel fundamental da Religião no pensamento deste filósofo.

Lê-se nos manuais que Pascal trata da condição miserável do homem, dilacerado entre o nada de onde saiu e o infinito que o envolve, incapaz de compreender seu princípio bem como seu fim. Vejamos o que isto significa: antes de tudo (e é aí que se situa a crítica ao poder da razão), que a única compreensão real ao alcance do homem pascaliano é a de ser superado por infinitos que ele não pode fixar, mas que sente serem irremediavelmente necessários para a compreensão do mundo e de si mesmo. Afinal, o homem é uma parte do todo, a qual tem infinitas relações com as outras, de modo que a compreensão da parte implica conhecer o todo em que se insere. Na dura visão de Pascal, o homem é profundamente infeliz pois só um bem infinito, e portanto inabarcável, poderia satisfazer seus anseios. De um lado, se a imaginação disfarça esta necessidade de infinitude, o homem perde-se inutilmente nos bens materiais, sofrendo contínuas decepções. De outro, se  compreende esta necessidade (através da humilhação que sente ao ser superado), percebe sua incapacidade de sequer imaginar o infinito. “Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além dos espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas. Esta é uma esfera infinita cujo centro se encontra em toda parte e cuja circunferência não se acha em nenhuma.”  (As citações do texto são do fragmento 72 dos Pensamentos, Abril Cultural).

No extremo oposto, o menor dos objetos (uma lêndea, por exemplo) contém dentro de si infinitos mundos, e dentro deles infinitos seres que vão muito além do que o homem pode imaginar. Logo, os elementos que compõem o universo são tão inabarcáveis quanto o todo dele, ou seja, até o mais desprezível inseto é capaz de derrubar a pretensão humana de conhecer os infinitos, seja o infinitamente grande ou o infinitamente pequeno. Na verdade, a posição natural do homem é de flutuar no meio deles sem entendê-los, de modo que o que extrapola a mediocridade não está em proporção com sua capacidade: quando avança rumo ao todo, sua insignificância o arrasta de volta; quando tenta agarrar o nada, seu pouco ser torna-se gigantesco, fazendo da menor distância um infinito insuperável.

O homem está destinado ao meio, mas não pode perder de vista os dois extremos. Diante deles, tudo é ínfimo, desnecessário, passageiro. A morte é o que o espera pois, comparados à eternidade, oitenta anos ou oitocentos são o mesmo que nada. Tudo que tem uma duração, um limite, do nosso ponto de vista finito é símbolo da morte, e do ponto de vista infinito (a eternidade de Deus) como que já morreu.

Então qual é a saída? Cabe à Razão, cuja força pintou este quadro trágico da existência humana, perceber que deve submeter-se à Religião. Não se trata de renunciar à Razão, mas de perceber racionalmente que as razões da Religião são as únicas capazes de explicar nossa condição e dar-lhe alguma esperança. A miséria não tem sentido se não a virmos como efeito do pecado original. E estaríamos necessariamente enredados nela não fosse a salvação em Jesus Cristo. É fato, diz Pascal, que estes mistérios são incompreensíveis, mas nossa condição é mais incompreensível sem eles do que eles são em si mesmos. Por isso a Razão deve aceitá-los.

Não há espaço para apresentar todo o exame que Pascal faz da Religião Cristã, mas isto não deve levar o leitor a crer que haja um abandono da racionalidade, o que seria abandonar a filosofia. Ao contrário, é a força da Razão que se manifesta ao explorar seus próprios limites.

 

Autor: Luís César Oliva

Mestre e doutor pelo departamento de filosofia da USP, assina mensalmente a seção “Filosofia CULT”

 

Fonte: https://revistacult.uol.com.br/home/a-condicao-humana-segundo-pascal/] (p. 243)

 

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No entanto, a literatura absurdista ainda tinha uma missão – afirmar que a literatura, assim como tudo mais, não tem sentido. (p. 244)

 

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CAPÍTULO 34

 

A poesia do colapso

 

LOWELL, PLATH, LARKIN E HUGHES

 

No início de uma manhã de outubro em 1800, o poeta William Wordsworth saiu para uma caminhada pelos morros relvados de seu amado Lake District.

 

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Nós poetas", refletiu,

 

começamos a vida em alegria pura;

Mas ela vira, no fim, desalento e loucura.*

* (N.T.) (p. 251)

 

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Os menos alegres entre nós poderiam ficar inclinados a pensar que melhor poesia nasce não do espírito animado, mas do espírito (p. 252) deprimido.

 

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O psicanalista Sigmund Freud achava que a grande arte nascia da neurose, não da "normalidade" psíquica (se é que isso existe). Pode ser feita uma comparação com o grão irritante que, na concha da ostra, produz a pérola.

 

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regra de ouro da poesia: "quanto mais perfeito o artista, tão mais completamente serão separados nele o homem que sofre e a mente que cria". A impessoalidade era o filtro pelo qual a poesia devia ser entregue, acreditava o autor de A terra devastada. W.B. Yeats prescreveu algo na mesma linha – a saber, que o poeta precisava escrever atrás de uma máscara ou "persona" (uma personalidade assumida). Ele precisava se manter de fora. Ou se transformar no que o latim chama de "alter ego" – um "outro eu". O equí­voco mais básico na poesia (em especial, na moderna poesia) é deduzir que o eu poético é o poeta. (p. 253)

 

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O "colapso" de Larkin, por assim dizer, teve uma revira­volta distintamente larkinesca. Muito antes de morrer, parou em definitivo de escrever poesia. Foi algo triste para seus milhões de admiradores. Perguntaram-lhe por que tinha abandonado a poesia. "Não fui eu", ele respondeu. "A poesia me abandonou." Podemos chamar isso de um suicídio do espírito criativo. [Osório diz: costumo dizer isso para os políticos que dizem ter abandonado a política, quando, na realidade, foi ela quem os abandonou (os eleitores, no caso).]

 

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O inglês de Yorkshire Ted Hughes (1930-1998) é o mais durão dessa escola moderna da dureza. Ele aceitava o fato de que “o espírito mais íntimo da poesia é no fundo, em todos os casos registrados, a voz da dor”. (p. 256)

 

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Há vários outros poetas que poderíamos incluir na discus­são sobre "a voz da dor" e sobre como a poesia deveria usá-la.

 

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Na poesia, então, há o que os filósofos chamam de “dialética”: um choque e um encontro de forças opostas. [Osório diz: definição de dialética. Protágoras chamou de “duplos discursos sobre qualquer assunto”. Hegel propôs que desse encontro de opostos nasce a síntese] (p. 257)

 


 

CAPÍTULO 35

 

Culturas coloridas

 

LITERATURA E RAÇA

 

A raça é um assunto que esquenta os ânimos. Também na lite­ratura, e nas discussões sobre literatura. É algo que nos coloca em situações desconfortáveis. O retrato que Shakespeare faz de Shylock é antissemita? Ou demonstra, no fundo, solidariedade a uma vítima de preconceito racial? Quem defende a solidariedade vai citar a fala

 

Eu sou um judeu. Judeu não tem olhos? Judeu não tem mãos, órgãos, dimensões, sentidos, impulsos, sentimen­tos? Não se alimenta também de comida, não se machuca com as mesmas armas, não está sujeito às mesmas doen­ças, não se cura pelos mesmos métodos, não passa frio e não sente calor com o mesmo verão e o mesmo inverno que um cristão? Se vocês nos furam, não sangramos?* [Osório diz: a “raça” (no caso religião: judaísmo) não pode acobertar atitudes! Judeu rouba, judeu mata, judeu explora etc. Ocorre que os judeus usam sua condição apenas para se defender, nunca fazem o mesmo com os outros quando de seus ataques. Pegue-se o texto e substitua “judeu” por “palestino”!]

 

*Tradução de Beatriz Viégas-Faria. O mercador de Veneza. Porto Alegre: L&PM, 2007. (N.T.) (p. 258)

 

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Mas Shakespeare, dizemos à guisa de esculpa, não era mais preconceituoso do que a maioria em seu tempo [Osório diz: precisaríamos ver se, no tal tempo de Shakespeare já não existiam aqueles que defendiam o fim dos preconceitos. Em caso positivo, ele não só era um homem de seu tempo como um preconceituoso também! Quando Platão e Aristóteles defendiam a escravidão, era porque ela era condenada pelos Sofistas!]

 

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Uma das altercações mais raivosas dos anos recentes envolveu a cabeça do poeta morto T.S. Eliot. Foi lançada por um livro polêmico do crítico (e advogado) Anthony Julius, que usou, como provas, comentários feitos por Eliot em conferências an­tigas (depois suprimidos) e versos dos poemas para demonstrar que o poeta era antissemita [Osório diz: isso não impede os judeus de: imprimirem e venderem as obras de Eliot!]. As provas, muitos analistas objetivos rebatem, são inconclusivas. Eliot já foi defendido com a mesma ferocidade com a qual foi denunciado. Mas a poeira levantada pela altercação ainda não se assentou, e provavelmente nunca vai se assentar. (p. 259)

 

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Pegue, num exemplo de como a literatura percorre cami­nhos que outras formas de discurso temem trilhar, o romance A marca humana (2000), de Philip Roth.

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Como romancista, Roth não é de ficar inibido.

 

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A América foi construída substancialmente, a partir do nada, por energia escra­va, seres humanos importados da África de forma involuntária (isto é, aqueles que sobreviveram à chamada "travessia"), algo visto agora como um dos grandes crimes da humanidade contra a humanidade. [Osório diz: pelo qual apenas os “alemães” são responsáveis a indenizar!] Toni Morrison, por exemplo, abre seu romance Amada (1987) com a epígrafe:

 

Sessenta milhões e mais

 

Essa epígrafe provocou enorme controvérsia por aludir, como se supôs em geral, aos ("meros") seis milhões de judeus assassinados no Holocausto e sugerir a existência de holocaustos maiores que os americanos optavam por ignorar. A narrativa de Morrison centra-se num fantasma, da era da escravidão, que nunca poderá ser exorcizado e nunca deveria ser ignorado. (p. 260)

 

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Uma sangrenta guerra civil foi travada para abolir a escravidão americana. Supõe-se que Abraham Lincoln tenha comentado, ao conhecer Harriet Beecher Slowe, autora de A cabana do pai Tomás, que gostaria de apertar a mão da pequena mulher que havia iniciado a grande guerra. (p. 261)

 

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Podem uma ficção – ou poesia – assim enraizada, ou autores assim assalariados, ser verdadeiramente independentes? Ou ainda existem grilhões coloniais retinindo ao fundo? (p. 262)

 

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Ornette Coleman foi pioneiro nos anos 1960.

 

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Toni Morrison insistiu em manter uma diferença raivosa. Essa raiva arde em intensidade máxima num de seus primeiros romances, Pérola negra (1981), no qual um dos personagens conclui: "Brancos e negros não deveriam se sentar para fazer uma refeição juntos ou qualquer uma dessas coisas pessoais na vida". Em uma conferên­cia na época, a própria Morrison declarou sem rodeios: "Nunca na minha vida me senti americana. Nunca". Com o passar do tempo, em especial depois de ganhar o Prêmio Nobel de Litera­tura em 1993, seus comentários sobre raça se suavizaram, mas nunca a ponto de ela ter passado a se ver como "americana" em vez de "afro-americana". Um senso raivoso de separação racial incendeia sua obra como um todo. (p. 264)

 

 

CAPÍTULO 36

 

Realismos mágicos

 

BORGES, GRASS, RUSHDIE E MÁRQUEZ

 

O termo "realismo mágico" se tornou corrente nos anos 1980. De uma hora para outra, todos pareciam mencioná-lo com conhecimento de causa nas conversas sobre a última novidade na litera­tura. Mas o que significa esse termo esquisito? À primeira vista, "realismo mágico" parece ser um oximoro, combinando à força dois elementos tradicionalmente irreconciliáveis. Um romance é "ficcional" (nunca aconteceu), mas também "verdadeiro" – isto é, "realista". (...). O mesmo se deu nos Es­tados Unidos, onde a tendência dominante seguiu a determinação de Ernest Hemingway de apresentar a vida "como ela é". [Osório diz: faz tempo que o termo foi cunhado! (será que agora já é ex-cunhado? Kkk] (p. 266)

 

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Na verdade, variedades do realismo mágico já circulavam por quase meio século antes da década de 1980. Podemos iden­tificar um bom número de obras brincando com a ideia de um modo experimental, na fronteira entre a literatura e a arte. Mas foi só na reta final do século XX que o realismo mágico decolou como um gênero literário poderoso. (p. 267)

 

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O argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) foi o primeiro realista mágico a conquistar renome mundial nos anos 1960.

 

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O termo técnico é "hipertimesia", ou "memória autobiográfica superdesenvolvida" (HSAM).**

** Highly superior autobiographical memory. (N.T.) (p. 268)

 

 

(A ficção científica é uma estimada fonte de pilhagem para Rushdie.) (p. 269)

 

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O mais controverso e provocativo dos romances de Rushdie, Os versos satânicos (1988), começa com um avião de passageiros sequestrado que, tendo partido da Índia, explode em pleno ar sobre a Inglaterra. Dois dos passageiros, Gibreel Farishta e Saladin Samsa (um com associações indianas, e o outro, mu­çulmanas) caem na terra de uma altura de nove quilômetros. A primeira frase do romance é "Para nascer de novo ... primeiro você precisa morrer". Eles não morrem. Aterrissam na praia em Hastings, como fizera outro estrangeiro, Guilherme, o Conquistador, em 1066 [Osório diz: quem é?]. (p. 270)

 

Günter Grass parte de um lugar diferente para chegar a um destino similar. Ele nasceu em 1927 e cresceu na era nazista. Quando iniciou sua carreira como autor, dava por certo que a ficção alemã precisava começar, depois de 1945, de uma nova estaca zero. "O passado deve ser superado", disse Grass. Sem o passado, o que pode fazer um escritor?

 

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Saramago (1922-2010) foi um marxista que viveu a maior parte da sua vida na ditadura fascista mais duradoura da Europa, a de Portugal, que durou até 1974. Mesmo após a derrubada (Ia ditadura ele foi perseguido, e terminou a vida no exílio.

 

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Se não é realismo mágico, é algo tão, aproximado que não faz diferença. (p. 271)

 

CAPÍTULO 37

 

República das letras

 

LITERATURA SEM FRONTEIRAS

 

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(a palavra "saga", que quer dizer “história contada” vem do escandinavo antigo que os islandeses falavam e ainda falam). [Osório diz: as coisas se tornam tão fáceis quando explicadas! Tem “bestas humanas” que falam saga para constranger o interlocutor, quando, na verdade, se não fossem tão pedantes...] (p. 273)

 

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Napoleão supostamente comentou em relação à China: "Deixem-na dormir, pois, quando o dragão acordar, vai abalar o mundo". [Osório diz: será que o grande estrategista era também profeta?]

 

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O terceiro exemplo é o de Haruki Murakami. (p. 275)

 

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A empresa não vendia só notícias nesse período: a partir de 1860, administrou uma biblioteca de circulação. Você podia alugar um dos romances de Dickens no estande da Smith na Euston Station, lê-lo na viagem de dez horas até Edimburgo e, na chegada, devolvê-lo no estande da Smith na Waverley Station. [Osório diz: muito bom! O Brasil, acaba de instituir a Política Nacional de Leitura e Escrita por meio da “LEI Nº 13.696, DE 12 DE JULHO DE 2018”, cujo “Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Leitura e Escrita como estratégia permanente para promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas de acesso público no Brasil."  Veja algo sobre a referida lei em http://osoriobarbosa.com.br/index.php/ideia/curisidades/item/1902-lei-da-politica-nacional-de-leitura-e-escrita-alvissaras]

 

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Anthony Trollope, (...) The Way We Live Now,* (1875) um título significativo -, num navio a vapor para os Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia. [Osório diz: a revolta da Cabanagem, ocorrida no Pará, entre 1835-1840, será que usava navios a vapor? Se alguém souber, por favor, me diga.]

* O modo como vivemos agora. (N.T.) (p. 277)

 

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O novo internacionalismo foi selado com acordos internacionais de direitos autorais (Capítulo 11).

 

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Tudo isso soa meio "admirável mundo novo" demais. Mas resta um problema traiçoeiro: a língua. A música popular pode cruzar fronteiras linguísticas e ser apreciada por públicos que não sabem, ou nem querem saber, o que significam as palavras. A literatura não pode. Se lhe tirarmos as palavras, não sobra nada. Tradicionalmente, a literatura costuma ser parada na fronteira, quando a língua muda. Só uma quantidade minúscula de lite­ratura estrangeira consegue atravessar a barreira da tradução.

 

A tradução (a palavra significa literalmente "conduzir além") é uma tarefa complicada e, muitas vezes, ineficaz. Pergunte quem são os escritores mais importantes do século XX: na certa o nome de Kafka será mencionado. Mas a primeira tradução inglesa de um romance de Kafka (um texto incompleto) só se fez dispo­nível dez anos depois de sua morte.

 

...

 

o tradutor, (p. 278)

 

...

 

a tradução é intrinsecamente imperfeita. Anthony Burges – tanto escritor como linguista – escreveu que "Traduzir não é só uma questão de palavras: é uma questão de tornar inteligível toda uma cultura". Um comentário sagaz é atribuído com frequência ao poeta americano Robert Frost: "A poesia é aquilo que se perde na tradução". [Osório diz: bom!].

 

...

 

Num aspecto, para nossa tristeza, a tradução é um proble­ma cada vez menor para a literatura mundial . Os linguistas nos informam que uma língua "morre" a cada duas semanas; suas pequenas literaturas do passado, e de modo mais pungente as do futuro, morrem com elas. Na era moderna, o inglês seguiu o poder mundial e é, agora, a "língua mundial" — tão dominante como foi o latim dois mil anos atrás. O fato de que o século XIX foi o "século da Grã-Bretanha" e o XX foi o "século da América" equivaleu à dominação de duas potências mundiais separadas, como definiu George Bernard Shaw, "por uma língua em co­mum". O século XXI poderá muito bem mudar isso. (p. 279)

 

...

 

Capítulo 38

 

BEST-SELLERS E LIVROS CAÇA-NÍQUEIS

 

Há mais "grande" literatura prontamente disponível a nós agora do que uma pessoa qualquer conseguirá absorver numa vida inteira por mais ambiciosa e aplicada que seja - e a pilha continua aumentando a cada ano que passa. A literatura é uma montanha cujo topo jamais será alcançado por nenhum de nós; teremos sorte se conseguirmos atravessar o sopé mais baixo, seguindo nossa trilha escolhida com o máximo cuidado possível, à medida que o pico acima vai se mostrando cada vez mais alto. Para ficar apenas com os autores mencionados neste livro, até os mais lidos entre nós passarão pela vida sem ter lido todas as 39 peças de Shakespeare (me declaro culpado de vacilar um pouco com Péricles), ou toda a ficção de Jane Austen, ou todas as palavras que Tennyson ou Dostoiévski publicaram. Tanto não podemos ler tudo (ou sequer uma grande amostra) da literatura como não podemos colocar todos os produtos de um supermercado no nosso carrinho. [Osório diz: Péricles?!]

 

Mas há uma magnitude ainda maior a enfrentar: a lite­ratura não tão grande assim. De acordo com o (distinto) autor americano de ficção científica Theodore Sturgeon, "Noventa (p. 281) por cento [da ficção científica] é lixo. Por outro lado, noventa por cento de tudo é lixo. Existem perto de dois milhões de vo­lumes classificados como "Literatura" nas galerias da Biblioteca Britânica e da Biblioteca do Congresso americano. Em média, uma pessoa letrada lê seiscentas obras de literatura ao longo da vida adulta. Se formos honestos, uma grande porção desses seiscentos livros será formada, para a maioria de nós, por aquilo que Sturgeon descarta como "lixo". Se você der uma olhada em volta no salão de embarque de qualquer aeroporto, com as pessoas matando as horas da espera (com, um medo primitivo lhes diz, o que pode ser o último livro que leem na vida), é bem provável que você acabe vendo mais Dan Brown e Jilly Cooper do que Gustave Flaubert ou Virgínia Woolf.

A vencedora de 2012 dos prêmios de ficção Booker e Costa (mais a respeito no Capítulo 39) foi Hilary Mantel, por seu romance histórico O livro de Henrique, que vendeu num espaço de seis meses, perto de um milhão de cópias – nenhum vencedor anterior, em cinquenta anos, gozara de tamanho sucesso nas vendas. Mas façamos uma comparação com as dezenas de milhões de cópias que E.L. James vendeu no mesmo período de seu bonkbuster* (o apelido irreverente do gênero) Cinquenta tons de cinza. Nem é preciso dizer que este último não venceu qualquer prêmio literário importante e só ganhou a zombaria universal. A sra. James, sem dúvida, chorou no caminho todo até o banco (ela confidenciou, de modo um tanto encantador, que usaria seus milhões para reformar a cozinha).

*Mistura de bonk ("transar", "trepar") com blockbuster ("arrasa-quartei­rão"). (N.T.)

 

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Podemos interpretar esses números de duas maneiras. Críticos de espírito puritano veem neles uma evidência da depra­vação cultural incorrigível daqueles que o dr. Johnson chamou de "leitores comuns" (o dr. Johnson, aliás, não os desprezava). (p. 282)

 

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As editoras fazem com que as vendas da literatura "in­ferior" paguem pela "superior". [Osório diz: diz-se que o Victor Civita dizia isto! Ele afirmava, dizem, que o “Tio Patinhas, pagava a coleção Os pensadores”!]

 

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Se mantivermos a mente aberta, fará mais sentido chamar o que não é "superior" (ou "clássico", ou "canônico", ou "de qualidade") de literatura "popular" em vez de "lixo". "Popular" indica "do povo" – isto é, algo que não vem de instituições como a Igreja, as universidades ou o governo. (p. 283)

 

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O romance é o gênero popular por excelência. Quando acerta no alvo, nunca deixa de estimular o consumo "acrítico". Podemos verificar isso nos primórdios do gênero. Quando Samuel Richardson publicou Pamela (1740), sua narrativa sobre uma e bela criada perseguida pelo empregador lascivo, o livro deflagrou uma "febre" – sobretudo entre as leitoras da época.

 

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O termo "best-seller" é de cunhagem relativamente recente (o primeiro uso registrado é de 1912), assim como a lista de mais vendidos. A primeira parada de sucessos do tipo apareceu na América em 1895. Uma das persistentes ansiedades britânicas em relação ao "bestsellerismo" é que ele representa uma "americanização" indesejada – o best-seller é um típico “livro americano”, bom para os Estados Unidos, mas não para o resto do mundo. [Osório diz: exceto no Brasil, onde “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, como disse um certo canalha].

 

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"Stephen King mais recente" (nas capas, o nome dele é invariavelmente maior do que o título de sua obra mais recente) porque gostaram das obras anteriores do autor. [Osório diz: tem sempre alguém para observar os detalhes!]

 

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A lista de mais vendidos, se pensarmos bem, não serve apenas para classificar as vendas, mas também para estimulá-las, colocando em movimento uma espécie de "efeito manada". Você lê um best-seller porque todas as outras pessoas o estão lendo. Com a manada tendo começado a galopar, os mecanismos ha­bituais de escolha e "discriminação" (certa reflexão cuidadosa sobre o que ler) são atropelados. O código Da Vinci, quando publicado em 2005, recebeu resenhas negativas quase universais. No entanto, por dois anos, vendeu mais do que qualquer outro romance. A manada ribombante, como sempre, votou com seus cascos. E com suas carteiras. [Osório diz: opinião sobre os leitores!] (p. 285)

 

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Os miseráveis é um bom exemplo. Victor Hugo publicou sua história da luta épica do prisioneiro 24601 contra o inspetor Javert, com o pano de fundo das intermináveis convulsões políticas francesas, em 1862.

 

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Ninguém definiria Os miseráveis, de Victor Hugo, como qualquer coisa menos do que popular. Tampouco, se formos honestos, poderíamos chamá-lo de "grande literatura". Entra na categoria dos livros que George Orwell chamava de "bons-ruins". Todas as adaptações do romance original, de diferentes maneiras e com diferentes graus de fidelidade, conservam o ele­mento central: a longa rixa entre o prisioneiro e seu carcereiro e a mensagem social do romance original, a "asfixia social" que, segundo Hugo, é a causa dos crimes (no caso de Jean Valjean, o roubo de um pão para sua faminta família).

 

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O que dizer da poesia? De modo irrefletido, podería­mos imaginar que ela é sempre do interesse de uma minoria, confinada a "revistas pequenas", volumes finos e uma elite de leitores altamente qualificados. "Poesia best-seller", poderíamos argumentar, é uma contradição nos termos – como "camarão gigante".

 

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A obra isolada mais influente da história do gênero é provavelmente o volume das Baladas líricas de Coleridge e Wordsworth. É útil desenraizar os significados dessas palavras. "Líricas" remete a um instrumento musical antigo, a lira – precursora do violão (Homero, segundo a suposição tradicional, recitava suas epo­peias com acompanhamento de lira). As "baladas" remontam a "dança" (como remonta também o "balé"). O que são as letras de Bob Dylan, então, cantadas junto a seu violão? O que são os vídeos de dança e música de Michael Jackson, ou de Beyoncé? O que são as gravações de cada nova geração das baladas de Cole Porter? Não é um exagero tão afrontoso assim, para quem tem uma mente crítica aberta, ver tanta "literatura" na música popular quanto havia naquele fino volume de 1802 das baladas de Coleridge e Wordsworth. Dito de outra forma, procure bem e você acaba encontrando pérolas no lixo.  (p. 287) [Osório diz: aqui o autor põe em dúvidas a existência de Homero que, a meu sentir, não difere em nada da de Shakespeare! Melhor: este era inglês!]

 

 

CAPÍTULO 39

 

Quem é o melhor?
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PRÊMIOS, FESTIVAIS E GRUPOS DE LEITURA

 

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Uma coisa que todos esses prêmios têm em comum é que não especificam com grande precisão a qualidade que recompensam, ou por meio de quais critérios realizam seus julgamentos. Os jurados e os comitês dispõem de carta branca para escolher aquele que consideram o trabalho mais meritório.

 

...

 

por que precisamos dessas premiações? Apresentam­-se respostas em bom número. A mais convincente é a de que vivemos numa era de competição, na qual "vencer" é importan­tíssimo. (p. 289)

 

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Outra razão para essa obsessão atual com prêmios é a impaciência. Como George Orwell observou, o único juiz com legitimidade para dizer se uma obra de literatura é boa em qualquer medida ou não é o tempo. No momento em que a literatura nos aparece, somos péssimos avaliadores de quão boa ou ruim ela é. Isso inclui os resenhistas, [Osório diz: o que seria eu, Osório, no caso? Rs.] (p. 290)

 

...

 

Quais são, então, os melhores prêmios literários?

 

O comitê do Prêmio Nobel sempre se viu como tendo influência na política internacional. Optando por conceder prêmios a Boris Pasternak e Alexander Soljenítsin, tinha plena noção de que a URSS nunca lhes permitiria que fossem receber a honraria. [Osório diz: o que Pasternak tem em português?] (p. 292)

 

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Com pragmatismo anglo­-saxão, os organizadores do prêmio não veem o menor problema no acordo que fazem com o capitalismo. [Osório diz: a pureza da impureza!] (p. 293)

 

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"estande de livros".  (p. 294)

 

 

CAPÍTULO 40

 

A LITERATURA ENQUANTO VOCÈ VIVER... E ALÉM

 

O "livro" impresso – uma coisa física feita de papel, tipologia, tinta e papelão – já está por aí há mais de quinhentos anos. Prestou um serviço maravilhoso à literatura: empacotou-a em formatos baratos (às vezes lindos) que ajudaram a sustentar a alfabetização em massa. Poucas invenções duraram mais tempo, ou fizeram mais bem. (p. 295)

 

...

 

Na duração de uma única vida — a minha, por exemplo —, a escassez foi substituída por um embaraço de opções. (p. 297)

 

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Em se tratando de literatura, diz William Gibson (pioneiro do gênero de ficção científica "cyberpunk"), somos "vermes no queijo". Nenhum verme vai consumir o queijo in­teiro, e o túnel que o verme vai abrir sempre será diferente do túnel de qualquer outro verme.

 

...

 

Além de qualquer outra coisa, nos dias de hoje nós precisamos ser educados para o uso e investimento inteligente do empo. Isso, e não dinheiro, é o que vai nos faltar no futuro. De quanto tempo um trabalhador comum dispõe para a cultura, em sentido amplo, numa semana normal? [Osório diz: de quanto? O capitalismo diz que de nenhum! Cultura é coisa que entorta a cabeça das pessoas, tanto assim que elas pensam que podem ter melhores condições de vida!]

 

...

 

Atualmente, estamos num momento de transição, "de ponte", no nosso mundo literário. O formato eletrônico de "livro falso" ao qual nos agarramos é um exemplo daquilo que o crítico Marshall McLuhan definiu em sua teoria do espelho retrovisor. O que ele queria dizer é que nós sempre olhamos para o novo pensando no velho. Não largamos o passado pois ficamos nervosos em relação ao futuro, ou porque somos inseguros ao lidar com ele. Vêm à mente as crianças e seus cobertores inseparáveis. (p. 298)

 

...

 

Por que razão as páginas dos livros têm margens tão amplas – por que é que a impressão não avança mais para perto das quatro bordas? Porque os pri­meiros livros manuscritos deixavam espaço para comentários e anotações marginais. Ainda temos as margens, embora poucos façam uso delas para escrever notas, e as bibliotecas ficam furio­sas quando isso acontece. É um exemplo perfeito da teoria do espelho retrovisor. (p. 299)

 

...

 

 

 

 

 

 

 

A literatura interativa, que exige do leitor mais cooperação do que consumo passivo, já é uma presença. Para o futuro, po­demos esperar aquilo que Aldous Huxley, em Admirável mundo novo (Capítulo 30), chamou de "feelies" – isto é, narrativas, poemas e peças que são multissensoriais: sentidas, cheiradas, ouvidas, vistas.

...

 

A "nova embalagem" é a terceira das grandes mudanças cli­máticas que vão remodelar a literatura. Um dos movimentos mais interessantes nessa direção fica evidente na ascensão explosiva de "fanfics" na web. A fanfic (ficção de fã) é criada, como sugere o nome, por fãs que ou querem mais de suas ficções favoritas ou então querem mais derivações delas. (p. 300)

 

...

 

A fluidez (por assim dizer) original da literatura está sendo recuperada. Acho isso empolgante. [Osório diz: a fluidez pelo fixo (a escrita) é mais uma demonstração do erro de Platão!] (p. 301).

 

(Fonte: John Sutherland (“Uma breve história da literatura”, tradução de Rodrigo Breunig, L&PM, Porto Alegre: 2017, p. xxx)

 

Agora é sua vez, leia a obra para:

 

1 – aprender com ela,

 

2 – gostar dela,

 

3 – concordar comigo,

 

4 – me corrigir e,

 

5 – me criticar.

 

Estou esperando.

 

Boa leitura!

Breve passeio pela história do homem.

Ivana Arruda Leite

 

Ivana 1

 

Amig@ parceir@ de leitura,

 

acabo de ler, praticamente de uma sentada/deitada, o livro “Breve passeio pela história do homem” de autoria de Ivana Arruda Leite, publicado pela Editora Reformatório em 2017 (meu autógrafo é de novembro daquele ano, mas minhas idas a Maraã postergaram o início e fim da leitura)!

 

Perdi tempo, sim, mas, talvez, o aprendizado nesse interregno tenha me permitido colher a fruta mais madura!

 

Gosto de conversar com os autores quando leio suas obras, esta talvez seja a única oportunidade para isso, assim é que sempre faço anotações das minhas dúvidas, exaltações, espantos, elogios e ... críticas!

 

Sim! Críticas!

 

É que sou formado em Direito e “advogado” adora encontrar o erro alheio para poder sobre os escombros construir suas teses.

 

(O crítico geralmente é um incompetente, não sabe fazer, mas adora apontar o que chama de erro e de mau gosto do autor. Entretanto, quem quiser ver a importância do crítico deve assistir o desenho animado “Ratatouille e ouvir a última crônica de Anton Ego {eis um link: https://www.youtube.com/watch?v=wasHFSVP6vQ}).

 

Não foi diferente o meu agir em relação a Ivanka Trump, digo Ivana!

 

Gosto de sonoridades! Daí o nome Ivana ter me remetido a Ivanka filha do infame... rs.

 

Conversei muito com Ivana, vocês verão, primavera, outono e inverno!

 

Eu sempre digo para “mim mesmo” e meus botões, colchetes, fecho eclér, que os afetados chamam de zíper, que, nos relacionamentos, especialmente os amorosos, devíamos conhecer as pessoas “de trás para frente” (de ponta cabeça), do fim para o início!

 

É que os defeitos deveriam ser conhecidos antes para sabermos e decidirmos melhor se entrávamos ou não naquela piroga, canoa, também para os não “selvagens”!

 

Ivana me deu xeque mate, melhor seria cheque só com assinatura, duas vezes!

 

Ao começar ler a obra – e o assunto história da humanidade me interessa muito – comecei as marcações e riscados no livro!

 

Peguei algumas coisitas que não batem com o que dizem as mentirosas ciências e me deletei em marcar para jogar na “cara da autora”, como fazem os advogados que guardam suas cartas na manga para o desfecho final!

 

Mas a moça autora sabia das minhas más intenções para com ela e me deu a volta!

 

É que o título do livro indica, a meu sentir, seguirmos pela esquerda (sempre a ESQUEDAR, não esqueçam!), mas a autora o encerra dizendo que deveria eu ter ido pela direita!

 

Todas as minhas críticas “científicas” ficaram com o sabor amargo da frustração quando li:

 

Este livro é uma obra de ficção que não tem compromisso com a verdade científica dos fatos. Tudo que aqui está é fruto de pesquisas feitas em alguns livros sérios, outros mais ou menos sérios e muitos nada sérios. Muita coisa veio de jornais, revistas, Wikipédia, You Tube e outros derivados virtuais. Nada foi totalmente inventado, mas houve muitos arredondamentos em prol da literatura, soberana do começo ao fim nesta obra.

 

Ivana, Ivana, tu me pagas!

 

Deveria eu, ter começado pelo final, mas esqueci minha própria recomendação, mesmo tendo, em tempos idos, assistido muitas novelas, em cujos capítulos vinha a recomendação acima: “isso é uma obra de ‘fricção’...”, mas não aprendi a lição! Deve ser a chegada do alemão!

 

Mas fiz alguns destaques de trechos do livro que é de um sabor de quero mais incrível!

 

Vamos a eles?

 

“...deve ser judia” [Osório diz: será?]

 

“... com o carbono-14” [Osório diz: comecei a encontrar falhas da autora, pois ela não diz que o tal de carbono-14, para alguns, não data nem a sua própria idade!]

“Há milhões de anos havia duas espécies de Homo. O Homo amorosus e o Homo odiosus. Desde então, essas espécies vêm gerando descendentes, sendo nítidas as diferenças entre elas.

Os Amorosus tendem naturalmente a se doar ao próximo, dar presentes fora de hora e fazer juras de amor ao pé d’ouvido. Em troca o mundo lhes devolve um dilúvio de afetos e beijos enredando-os num círculo virtuoso de flores purpurinadas que reforçam mais ainda seu comportamento.

Os Odiosus, por sua vez, tendem à belicosidade. São especialistas em semear discórdia, levantar lebres do chapéu alheio e trazer à luz o que jaz embaixo dos tapetes. Têm uma fornalha dentro do peito e vivem clamando por justiça e verdade a qualquer preço. Em troca, o mundo lhes devolve um tsunami de ódio, menosprezo e muitos “Se manda daqui”, “Não aguento mais ver sua cara”, o que os deixa muito infelizes.

Machos e fêmeas se distribuem igualmente por ambas as espécies, sendo um pouco maior o índice de fêmeas entre os Odiosus, o que explica os choros frequentes, os gritos histéricos e o espicaçamento nos que estão próximos.” [Osório diz: me identifiquei dom os Amorosus! Por que será?]

[Osório diz: Fiquei preocupado! A autora vai “apanhar” das feministas politicamente corretas (não é redundância, algumas são ainda mais chatas!) ao dizer que o maior número de fêmeas estão entre os Odiosus! Talvez não, pois nem todas as fêmeas são mulheres!]

 

“ – Eu falando em puta e você vem com a Carolina?” [Osório diz: kkkkkkk. A sogra se referindo à nora! Aqui começou meu prazer pela leitura do livro! Fiquei encantado com a sacada maledicente!]

 

“— No começo elas acham que isso faz parte do pacote de excentricidades de escritor, acham engraçadinho. Depois se cansam e pedem penico.

— Não sei de onde vem essa tara das mulheres por escritores. Uma racinha ordinária. A única coisa que vocês têm é lábia pra enrolar as coitadas. Colhão pra levar os relacionamentos pra frente, nem pensar. Basta ver seus amigos. Uns fracassos na vida amorosa.” [Osório diz: se eu fosse escritor processaria a autora por calúnia, injúria e difamação! Rs.)

 

 

“Quando se sentirem tentados a pensar dessa forma, sugiro que deem uma olhada nas fotos de Auschwitz ou das crianças famintas da Somália e recolham-se a sua insignificância.” [Osório diz: as suspeitas da aluna de que a professora é judia, lá da p. 14, aqui mais se concretizam ...]

 

“Os europeus dos séculos XVI, XVII e XVIII, entrando em terras distantes e matando nativos, repetiam um padrão de milhões de anos.” [Osório diz: agora que a conta chegou com os imigrantes eles parecem querer negar as suas próprias existências, ou trajeto que fizeram! É bom sempre relembrar isso, pois a opulência de hoje é fruto de muita coisa ruim feita no passado, e não tão distante assim].

 

“Resumindo, não existe uma linha ascendente que para do macaco e chegue ao homem moderno.” [Osório diz: um dia desses, em um buteco, ouvi alguém dizer sobre este tema: “engraçado que nunca vi um humano com rabinho, nem macaco metade ele mesmo e a outra ser humano”! Achei bem científica (seja lá o que isso signifique) esta tese].

 

“... machados... com a lâmina em forma de lágrima.” [Osório diz: agora a autora pegou pesado! Sua sensibilidade para o belo em algo tão atroz e primitivo me encantou e renovou meu prazer para continuar lendo-a].

 

“... criar meu filho com dignidade, sem precisar de um puto do meu ex-marido.” [Osório diz: aqui ponho reparo, pois a autora não irá desdizer-se desse absurdo cometido por muitas mães (embora algumas façam dos filhos uma poupança!), que é não exigir de pais fdp o cumprimento de seus deveres, dando a esses malandros mau caráter campo para continuarem agindo ignominiosamente contra seus filhos].

 

“Javali cozido no próprio sangue.” [Osório diz: isso não seria javali ao molho pardo, como se faz com as galinhas?].

 

“Nem todos os humanos nascem com o gene do bom humor. Susana pertence ao time dos que não perdem tempo com besteira e só pensam no que interessa. Como sócia, é o ideal, mas fora do trabalho, é insuportável.” [Osório diz: como bem humorado, nem sabia que tinha tal gene! Obrigado. E obrigado também por reconhecer a chatice do mau humor. A falta de humor é pior que todas as chagas daquele galileu! Aff].

 

“Hoje vamos falar dos Australopitecos e dos Parantropus, os primeiros hominídeos a se diferenciar dos primatas antropoides (gorilas, chimpanzés e orangotangos).” [Osório diz: pensei: vamos chegar nos homens ainda com rabinhos!].

 

“... e a língua já se aproximarem dos humanos.” [Osório diz: não sei de onde os estudiosos tiram essa conclusão. Estamos falando de milhões de anos quando não se sabe sequer como se falava o latim há 2.000 anos! Vou pegar a autora, disse o advogado.]

 

Os robustus ... Chegaram a conviver com o Homo habilis, de quem usavam as ferramentas, embora não soubessem fazê-las.” [Osório diz: não sei de onde os estudiosos tiram essa conclusão. Estamos falando de milhões de anos...].

 

“Maldita racionalidade que fez do mundo esse inferno. Junto com ela chegou o sofrimento. Maldita hora em que os sabichões começaram a ter ideias “luminosas” e querer organizar o que ia muito bem, obrigado.

No tempo da ignorância havia somente três regras a ser cumpridas:

1. Divirta-se, você está no paraíso.

2. Sorria, você está sendo filmado.

3. É proibido comer o fruto da árvore do conhecimento.” [Osório diz: amaldiçoar o conhecimento é bem coisa do cristianismo! Mesmo assim formam seus padres em universidades. Pregam isso mas fazem aquilo! Melhor seria quem pensa assim apoiar os pastores que se formam depois de poucos anos de prisão!].

[Osório diz: não permitir o conhecimento é uma forma de perpetuar a dominação, creio no que muitos dizem].

 

“A consciência nos foi dada por castigo, entendem? Castigo!” [Osório diz: eis a razão para o afirmado no parágrafo logo acima!].

 

“Felicidade no casamento, e na vida em geral, é uma invenção recente. A gente casava pra pode transar e sair de casa. Se o cara não fosse psicopata, ladrão, alcoólatra, tarado ou doido varrido, você já estava no lucro.” [Osório diz: nunca fui amigo das leis por serem impostas! As da gramática então, nem se fala! Por que “transar” é com s, já que não está entre duas vogais! Que saco! Mas, “deixando a profundidade de lado eu quero é ficar colado” na autora! Rs. Achei meio incoerente o seguinte: “casa para transar”, depois reclamará se o marido for tarado! Não seria para ai sim, matar a vontade dele e ser mais feliz no “cagamento”, como o chamava meu pai?].

 

“Eu andava desconfiada. Um homem tão metódico e certinho como o Homero, quando começa a se atrasar pro jantar, sumir no meio do dia, chegar em casa com bafo de cerveja e enfiar a cueca no cesto do banheiro antes de ir pro quarto é porque tem mulher na jogada. Eu xingava, berrava, chorava, o cínico dizia que era tudo coisa da minha cabeça.” [Osório diz: E não era? Ele não mentiu! Era da sua cabeça e na sua cabeça! Melhor: mulher não tem chifres! Chamar uma mulher de corna é como ferir a água ao atirar uma pedra!].

 

“Ah, mas deixa estar que eu ainda vou estar viva pra ver o Homero bater na minha porta implorando pra voltar. Essa menina vai levá-lo à miséria. Aí vai ser minha vez de dar risada. Você não disse que ia seguir o que seu coração pedia? Pois, tome. Nessa casa você não entra nunca mais. NUNCA MAIS, entendeu bem?

Homero viveu até o fim da vida com a vaca, com quem teve dois filhos. Morreu se sentindo o homem mais feliz do mundo. Pergunta se algum dia ele se arrependeu e pensou em voltar pra casa.” [Osório diz: mulher é bicho vingativo! Em vez que torcer pela felicidade do ser que ela diz que ama! Não! Quer seu mal!].

[Osório diz: “com a vaca” é ótimo! Kkk. É este e outros sinônimos para a concorrente, quando, se alguém tem culpa (podemos culpar o amor?), é o tal de homem, digo Homero].

 

“Ele já era capaz de fazer ferramentas rudimentares, daí o nome habilis...” [Osório diz: esta informação não é ficção!].

 

“Ele começou, por exemplo, a fazer mapas mentais da região onde vivia.” [Osório diz: quem diz isto não pode ser cientista, mas pai-de-santo!].

 

“Os ossos eram transformados em lanças que chegavam a 42 metros de distância.” [Osório diz: quanta precisão em um media algo que não se sabe de onde foi lançada! Isso depõe contra a tal de ciência, creio!].

 

“Uma ferramenta é uma extensão do seu corpo.” [Osório diz: alguém duvida?]

 

“Os Habilis caçavam em grupo. Os machos jovens e fortes iam pro trabalho enquanto as fêmeas ficavam em casa cuidando das crianças e dos velhos. Além disso, cabia a elas fazer a coleta de alimentos nas proximidades do acampamento. Estava inaugurada a divisão social do trabalho.” [Osório diz: essas narrativas me lembram os diálogos de Platão, o homem que era um gravador antes da existência desse aparelho que nasceu ontem!].

 

“Teria a mulher a marca genética da submissão? Vendo por outro ângulo, teria o homem a marca genética do dominador?

Costumamos atribuir a dominação masculina à cultura, mas estamos falando de povos primitivos, quando a cultura nem cogitava existir.

Sim, o macho, por ser maior e mais forte, traz consigo o gene da dominação e da agressividade. Sem isso nós não estaríamos aqui. Era ele quem lutava contra os inimigos e garantia a segurança do grupo.

As circunstâncias forjam os genomas. O macho precisava ser forte pra defender seu bando. Os indivíduos que se saíam melhor nessa função tinham mais sucesso, mais filhos e espalhavam o gene da dominação e da agressividade ao maior número de indivíduos possível. O grupo que tivesse mais machos dominaria os demais e perpetuaria a espécie. Portanto, o papel da fêmea submissa era conveniente a todos.” [Osório diz: gostei muito dessa proposta de diferenciação entre macho e fêmea! Talvez a Xinfronèsia, minha amiga que parece um caminhoneiro não vá gostar, pois macho é uma criação cultural!].

 

“Um dia perguntei para minha avó:

— A senhora não tem vontade de saber o nome das coisas, quem é, de onde veio, para onde vai?

Ela cuspiu o bagaço da cana que chupava e perguntou com uma cara azeda:

— Ara, qual a serventia disso?

— Serventia nenhuma, vó, é só para não continuar vivendo como bicho.

— Vai catar piolho que eu tenho mais o que fazer — disse ela dando-me as costas e abanando a mão como se espantasse uma muriçoca.

Vendo que não havia a menor possibilidade de entendimento, chamei meu companheiro e sugeri que fôssemos embora. No meio da noite, juntamos nossas coisas e saímos de fininho. Nunca ninguém veio a nossa procura. Devem ter gostado de se ver livres dos chatos que viviam fazendo perguntas absurdas.

Hoje eu os entendo. Nossos filhos também nos torram a paciência com um tal de querer saber que não tem fim. Eles não acreditam que houve um tempo em que as pessoas não tinham resposta para nada, que nem perguntas faziam. A única preocupação era catar piolhos, buscar comida no mato, transar e fugir dos animais perigosos.

— Que vida mais sem graça — diz a caçula.

Quando mostramos as fotografias dos nossos antepassados, eles morrem de rir.” [Osório diz: dizem os sábios são os perguntadores! Mas Sócrates, de tanto perguntar, foi mandado desta para pior antes do tempo!]

“Nos anos 70, o país atravessava uma crise terrível.” [Osório diz: nossa! É mesmo?! Não acredito! A imprensa diz que tudo é culpa do PT e, salvo engano, em 70 essa “organização criminosa” nem existia!].

[Osório diz: em 70 o Brasil vivia sob uma ditadura do qual alguns imbecis sentem saudade dizendo que naquela época é que era bom! Acho que a autora errou no primeiro dígito da data].

 

“Alugou uma casa numa rua de terra e levou a vaca. Os dois cuidavam da casa e da loja sozinhos. Não tinham nem office boy. Nesse miserê, imagina se sobrava dinheiro pra pagar a pensão do filho. A bruxa aqui que se fodesse.”  [Osório diz: “a vaca”! kkkk. A “sina” de muitas mães: assumirem responsabilidades que não são só suas, para felicidade dos calhordas!].

 

“O padrão de vida do Fernão seria mantido nem que eu tivesse que dar a bunda.” [Osório diz: essa é uma ilusão feminina. Dar isso não dá dinheiro! Pelo menos tanto quanto se propaga. Caso fosse assim o mundo seria um grande... Embora, por suas crias, mães se sujeitem a isso.].

 

“O cansaço, as pernas latejando, as varizes que começavam a se desenhar, a dor na lombar, as mãos queimadas, a unha e o cabelo por fazer não tinham a menor importância perto do prazer que eu sentia por não precisar do Homero pra nada.” [Osório diz: o que venho repetindo: mulher tem um orgulho besta e burro e faz isso mesmo, para alegria do malandro fdp].

 

Ergaster quer dizer trabalhador. O nome foi dado justamente porque eles faziam ferramentas, instrumentos, casas, roupas.” [Osório diz: essa definição não é ficção].

 

“Comiam muita carne, especialmente tutano, uma iguaria riquíssima em proteína e que custa uma fortuna nos restaurantes. O tutano fez deles o hominídeo mais inteligente até então.” [Osório diz: como diabos os tais cientistas sabem dessa proeza dos caras comerem tucanos, digo tutano? Em cima de que dados se apoia tal afirmação?].

 

“Mas é bom lembrar que essa inteligência ainda estava longe de ser a nossa inteligência. Estamos falando de espécies que se distanciavam dos primatas, mas eram totalmente desprovidas de racionalidade.”

 

“A proteína animal teve um papel preponderante na nossa evolução. Ela aperfeiçoou o funcionamento do cérebro melhorando as estratégias de sobrevivência.”

 

“O Ergaster foi a primeira espécie a formar casais estáveis. Até então, a fêmea transava com muitos machos para que eles não soubessem quais eram seus filhos e não matassem as crianças dos outros. Já os Ergaster tinham um núcleo familiar estabelecido, com pacto de fidelidade entre o macho e a fêmea. O macho passou a assumir a paternidade e garantir o bem-estar da fêmea e dos filhos.” [Osório diz: fiquei emocionado com a macheza nossa! Mas o homem não perdeu mais aquele sonho de várias fêmeas! Creio que o Engels leu esse povo! É que ele fala do tempo em que os machos não sabiam quem eram seus filhos! O estrago do casamento e da propriedade privada começa aí! Rs.].

 

Os Ergaster eram curiosos e exploradores. Parte deles saiu da África na primeira corrente migratória, há cerca de 600 mil anos, e chegou à Europa, dando origem aos Heidelberguensis e Neandertais. Os que permaneceram em solo africano deram origem aos Rodesianos e ao Homo sapiens.” [Osório diz: com essa informação posso dizer que os arianos são africanos? Kkk. Não corro o risco de ser queimado?].

 

“Não demorou e Fernão veio me contando que a Lurdinha estava grávida. Como alguém que não tem dinheiro pra pagar a pensão do filho é capaz de botar mais uma criança no mundo?

A vaca estava na flor da idade, louca pra ser mãe. Até isso ela me roubou. Eu não seria mais a única mulher a ter um filho do Homero.” [Osório diz: acho tão carinhoso esse tratamento! Rs. Mas envolve uma “certeza”: as mulheres jovens são loucas para serem mãe! Que tara é essa?].

 

“... a vadia.”

 

“... a filha da puta.”

 

[Osório diz: até agora encontrei as seguintes demonstrações de carinho da abandonada para com “a bola da vez”: a vaca, a vadia, a filha da puta!].

 

“... eu não tinha outra ocupação a não ser ficar futricando a vida dele.” [Osório diz: embora isso não seja uma característica feminina, acaba com a vida do corno, digo do abandonado! Em vez de partir para outra, fica futricando para fazer crescer mais ainda a antipatia daquele par que se foi.]

 

“Em 1891, Eugène Dubois encontrou um fóssil que julgou ser do primeiro homem a andar ereto, por isso deu-lhe o nome de Erectus, mas o tempo acabou mostrando que ele estava errado. Nós já éramos bípedes muito antes do Homo erectus.” [Osório diz: esse é um daqueles erros que se tornam verdade! Nunca mais foi abandonado o erectus!].

“O Erectus, bon-vivant, acabou ganhando o mundo. Quem segura um bicho ágil, curioso e com a cabeça a mil?” [Osório diz: aqui nasceria o homem, verdadeiramente falando! Antes não passavam de “formigas” e/ou insetos, pois viviam por instinto].

 

“... a machadinha em forma de lágrima...”

 

“Viviam em grupos de até cem pessoas e cuidavam das necessidades uns dos outros. O esquema era o mesmo de sempre: velhos, mulheres e crianças em casa, cuidando da coleta, machos jovens e adultos caçando, pescando, combatendo os inimigos e cuidando da proteção do grupo.” [Osório diz: como se chegou a essa conclusão! Quais os vestígios que apoiam afirmação tão categórica?]

 

Apesar das semelhanças, o Homo erectus não é considerado nosso ancestral direto. Não trazemos seus genes no nosso corpo. Eles ainda não falavam, mas imagina-se que se comunicavam por meio de gestos e sons mais ou menos articulados. Para as emergências, tinham gritos e grunhidos específicos, como alguns povos seminômades ainda hoje. Os sons que emitiam eram parecidos com os de uma criança de dois anos. Além disso, faziam uso de estalos da língua, palmas e movimentos do corpo para se expressar. Tudo era linguagem. [Osório diz: nossa, fiquei decepcionado, pois o erectus (que aliás sonoramente lembra ereção!) é que era o bon-vivant! Talvez se tivéssemos os genes deles a avareza e a ambição fossem moderadas!].

[Osório diz: a questão da linguagem, aí, é ficção].

 

“Construíam abrigos de pedra, cobriam o corpo com peles de animais e se movimentavam seguindo a rota da temporada de caça e pesca. Usavam fogo para cozinhar, espantar os inimigos e aprisionar animais. Mas como ainda não sabiam manter a chama acesa, o fogo era mais um problema do que uma solução. Qualquer chuvinha e a chama ia embora.” [Osório diz: afirmações ficcionais, mas é o que temos].

 

“... mas ainda deixavam seus mortos pelo caminho, como qualquer animal.” [Osório diz: seguiam a máxima de que “veio do pó e ao pó voltará”!].

“A culpa do seu desaparecimento recai sobre o Homo sapiens. Onde chegávamos, os nativos eram sumariamente eliminados. Nossa experiência em exterminar espécies vem de longa data.” [Osório diz: pensei que a autora falasse da chegada dos europeus na América por volta de 1500!].

 

“Finalmente, temos o Homo cepranensis, que tem esse nome porque foi descoberto na cidade de Ceprano, na Itália, em 1994.” [Osório diz: como são os conteúdos dos livros (as teorias) anteriores a esta data recentíssima? O que diziam?].

 

“A maioria dos cientistas não reconhece o Homo antecessor nem os Cepranensis como espécies à parte, mas como variações do Erectus ou do Ergaster.” [Osório diz: então nem vale a pena citá-los ou isso só serve para demonstrar que a ciência é um verdadeiro Fla-Flu?].

 

“Aos poucos a marcha engrenou. Nosso corpo mudou muito depois disso. Ficamos mais altos, mais magros, mais ágeis. Os pelos caíram quase completamente. A safadeza aumentou muito por estarmos tão expostos. Mas o que mais nos encantou, além de poder andar e carregar coisas ao mesmo tempo, foi olhar o horizonte.” [Osório diz: muito pai d’égua esse parágrafo! Lembrei-me do Eduardo Galeano, que informa que não é de sua autoria, e a utopia! Para que ela serve. Lembrei ainda de um outro poeta que diz que “o caminho se faz ao caminhar”!].

[Osório diz: falou em safadeza lembrei do grande escritor Freud, de quem somente gosto pela genialidade da pena, não do médico e sua teoria cada vez mais contestada, com justa razão].

 

“Para quem passou a vida de cara pro chão, a paisagem era um deslumbramento. Visão panorâmica de 360 graus. Agora víamos o perigo de longe e podíamos fugir a tempo. Por mais que andássemos, nunca chegávamos onde a vista alcançava. No final da tarde, sentávamos numa pedra e aplaudíamos o pôr do sol. O que será que tem atrás daquela árvore? E daquele morro? E do outro lado do rio?”

 

“Foi aí que descobrimos que o mundo era bem maior e ia bem mais longe que o Vale do Rift.” [Osório diz: aqui a autora derrama poesia e filosofia, em uma união que encanta].

 

“Quanto mais longe daquela gente, melhor” [Osório diz: começava a “desfraternidade” universal!].

 

“... os dioramas, aqueles homens e mulheres peludos em tamanho natural...” [Osório diz: acho bacana quando a escritora (ou escritor) se preocupa com o leitor, como foi o caso. Tem autores que jogavam um termo nada comum (como, no caso, diorama) e deixam ao leitor o trabalho de procurar saber, isso quando não acham que o leitor tem a obrigação de saber, já que ela/ele escritora/escritor finge que sabe, já que a máxima “só sei que nada sei” está plenamente em vigor, embora poucos liguem para ela].

 

“Pelo menos essa eu ganhei do Homero.” [Osório diz: Homero é o ex-marido da protagonista com quem ela disputa em guerra sem adversário, já que apenas sabemos da existência de Homero e do que ela diz que ele faz! A Homero foi negado qualquer direito ao contraditório. É condenado sem ser ouvido].

 

“Eu recortava as matérias e mandava pra ele pelo correio. Sempre guardei tudo que saiu. Tenho dezenas de pastas com recortes de revistas e jornais.” [Osório diz: bateu uma saudade de minha mãe! Todas as mães são iguais? Minha mãe guardou, enquanto pode, minhas coisas também!].

“Como se a internet fosse mais confiável que baú de mãe.” [Osório diz: nunca foi e jamais será! Mãe jamais mostraria/publicaria um fake sobre seu filho!].

 

“Hoje veremos mais três espécies Homo: Heidelbergensis, Floresiensis e o famoso Homem de Neandertal.” [Osório diz: se o homo é espécie, qual é o gênero?].

 

“Viveram próximos a Heidelberg, na Alemanha, entre 500 mil e 250 mil anos. Eram loiros de olhos azuis, tinham pele bem clara, mediam em torno de 1 metro e 80 e chegavam a pesar 100 quilos. Um tipão. [Osório diz: OS ARIANOS SÃO AFRICANOS, PONTO].

 

“As mãos eram humanas, demasiado humanas.” [Osório diz: daí serem primos de Nietzsche!].

 

“Os neandertais também possuíam o osso hioide, mas ele ainda não estava no lugar certo, por isso a fala deles era lenta e anasalada.” [Osório diz: quem os ouviu para fazer esta afirmação? Deve ter sido o gravador humano chamado Platão].

 

“Povoaram a Europa, o Oriente Médio, Israel...” [Osório diz: achei engraçada essa afirmação, pois, ao que me recordo, Israel data de 1948 e estamos falando de milhões de anos antes].

 

“Dizimados os animais, levantavam acampamento e iam depredar outro lugar.” [Osório diz: os devastadores vêm de longe e não aprendemos nada ainda com a história].

 

“Neandertais e sapiens conviveram em solo europeu e deve ter tido muitos filhos, mas como eram de espécies diferentes, nasciam todos estéreis. Hoje não existem descendentes dos neandertais entre nós, embora pesquisas genéticas recentes garantam que temos genes neandertais em nosso DNA.” [Osório diz: não é contraditório isso? Se assim fosse, não teríamos o mesmo ancestral, não é? Não temos quase os mesmos genes dos macacos?].

 

“Depois vieram as cantadas. Por mais que eu dissesse pra Ziza não se fiar nas aparências, “eles só querem tirar proveito, esquece esses caras”, ela corria à janela cada vez que um de vocês vinha beber no bar em frente.” [Osório diz: mulher é um ser sem iniciativa no comércio amoroso/sexual!].

 

“... pagou internação no Sírio Libanês...” [Osório diz: tal qual o Lula...].

 

“Ele meteria a mão na minha cara se eu não assinasse. Não tive outra opção. Mas deixei bem claro que a vaca e os filhos da vaca não iriam pra lá de jeito nenhum.

- Fica tranquila. A Lurdinha é muito mais moça que você. Quando ela morrer, você já terá ido há tempos disse com um sorriso cínico antes de me dar as costas e ir embora.” [Osório diz: até você viver um desses arranca-rabo você pensa que é ficção, quando são mais reais que a mais pura realidade.].

 

“600 mil e 30 mil anos.” [Osório diz: são datas que me desconcertam quando ouço falar sobre elas, especialmente do odor do perfume que os homens dessa época usavam! Para a agricultura, que data de 10 mil anos, dizem, as afirmativas já são complicadas, imagem ...].

 

“... antiga Rodésia, atual Zâmbia...” [Osório diz: no caso acima, quando citou Israel, melhor não seria: “Palestina, atual Israel”?].

 

“Muitos consideram os denisovensis e rodhesiensis como subespécies dos heidelbergensis. Mas como a existência dos heidelbergensis também é contestada, ou se aceita os três ou não se aceita nenhum”. [Osório diz: como em ciência tudo é contestado, esse drama serve para tudo o mais!].

 

“... mas eram bonitas e caprichadas demais para dizermos que eram meros objetos ritualísticos. O mesmo se pode dizer dos desenhos geométricos no cabo dos machados. Por que tanto esmero?” [Osório diz: eu diria: para fazer com aquilo que mais tarde chamaremos de arte!].

 

“Além de fazer lanças, casacos, churrascos e pinturas, os Cro-Magnons realizavam uma proeza ainda mais assombrosa: eles conversavam entre si, trocavam informações, perguntavam qual o melhor caminho, espalhavam boatos, contavam piadas, faziam fofocas, enquanto os Neandertais se limitavam a gritar e grunhir.” [Osório diz: isso é platônico, no sentido das invenções que Platão ficcionou.].

 

“Um parêntese sobre a fofoca. Ela surgiu nos bandos primitivos como uma forma de correção. Uma antecipação da punição legal. Quando se queria punir alguém por mau comportamento, espalhavam-se coisas a respeito desse indivíduo para torná-lo risível e ridículo perante o grupo. Dessa forma, ele se emendava e modificava seu comportamento. A fofoca surgiu como medida pedagógica para botar o sujeito na linha antes de castigá-lo.” [Osório diz: por isso que Nelson Rubens e Sonia Abrão têm a aparência que têm, pois já trabalhavam nessa época].

 

“- O que é representar? - perguntaram todos ao mesmo tempo.

- É quando uma coisa de mentira está no lugar de outra, verdadeira. Os bichos que apareceram nas paredes também são representações. Parecem de verdade, mas foram feitos com carvão, cera de abelha e resina de árvore.” [Osório diz: bem didática a explicação, mas, para alguns, melhor seria: é quando uma coisa de mentira está no lugar de outra, também de mentira mas que acordamos ser verdadeira” Rs.].

 

“Uma capivara que o acompanhava, atraída pelo cheiro da carniça, ...” [Osório diz: aqui a coisa ficou ficcional mesmo! É que capivaras, pelo menos as atuais, são herbívoras ou “capinívoras”! Rs.].

 

“ - Por que colocar um morto dentro de um buraco e cobrir com terra? Ainda mais vestido desse jeito.

Eles devem acreditar que a pessoa, ao morrer, vai para algum lugar. Nesse caso, é melhor estar vestido - respondeu Alcides.” [Osório diz: e aí começa o inferno que é ter medo do inferno!].

 

Tamo fudido. Essa gente veio pra ficar - disse alguém.” [Osório diz: esse linguajar chulo (kkkk) é tão idoso assim? Kkk].

 

“- Irmãos, coragem! Não é hora de esmorecer. Por que o desanimo? Cadê a garra e o sangue no olho que sempre tivemos? Somos mais fortes e mais numerosos do que esses farsantes. E temos os pés bem plantados no chão. Não perdemos tempo riscando parede nem fazendo mulher de pedra. Muito menos enterramos gente morta. A realidade é o sol que nos ilumina. Já pensaram o que viraria o mundo nas mãos desses alienados? Vamos dar um tempo e esperar o momento certo pra pegar de volta o que nos pertence. Perdemos a primeira batalha, mas a luta continua. Viva os neandertais!” [Osório diz: com um discurso desse não tem medo que não se transforme em heroísmo].

 

“Eduarda, a bastardinha...” [Osório diz: é assim que as ex tratam as filhas dos ex! Com uma raiva torpe e burra que transfere responsabilidades para quem não lhes deu causa. Que culpa um filho tem pelos erros passados dos pais].

 

“O trouxa do Homero gostava tanto dela que não só a perdoou, como nunca abriu a boca sobre o assunto.” [Osório diz: a mulher sempre parece querer o mal da outra! Homero não era trouxa de abrir a boca, pois, se isso fizesse, estaria passando o atestado de corno!].

 

“Quando foi que nos tornamos humanos?

...

Tudo depende do que se entende por humano e dos critérios utilizados para definir humanidade.” [Osório diz: resumo: não sabemos!].

 

“A segunda pergunta que se coloca é: Se muitos hominídeos eram bípedes, tinham o cérebro avantajado, viviam em grupos organizados, por que só nós nos tornamos humanos e inteligentes? [Osório diz: é! Por quê?].

 

“Acontece que nossos ancestrais faziam tudo isso por instinto, como os animais que nascem programados para se comportar dessa ou daquela forma e repetem o padrão do nascimento até a morte. As colmeias de hoje são exatamente iguais às que as abelhas faziam há milhões de anos. A sociedade das formigas, idem. Os macacos lascam pedras hoje do mesmo modo que sempre lascaram. Eles não sabem nem conseguem fazer diferente.” [Osório diz: como digo: nunca vi casa de joão de barro com elevador ou mesmo escadas!]

 

“Já no nosso caso, organização social, manufatura e linguagem foram e continuam sendo modificadas conforme o interesse, a necessidade e a vontade de cada época e lugar. Nosso comportamento deixou de ser ditado pela natureza e passou a ser resultado de uma escolha. Tudo que somos e fizemos nos últimos 100 mil anos é resultado de escolhas livres e racionais. É isso que nos diferencia dos animais e nos torna únicos.

Nós já éramos bípedes, fazíamos ferramentas, dominávamos o fogo e comíamos carne cozida muito antes de sermos inteligentes. Existe uma máxima antropológica maravilhosa que diz: O machado fez o homem.

O que nos distingue dos nossos ancestrais é o funcionamento do cérebro, nossa capacidade de fazer planos, de desenhar mapas mentais, de sonhar com o futuro, de saber que há futuro, de inventar deuses, contar histórias, fundar nações, viver em sociedade.

Há 100 mil anos, alguém olhou para um cabrito morto e pensou: Eu também vou morrer. Primata nenhum jamais teve ou terá tal pensamento. A consciência da morte nos levou à consciência da vida. Ecce homo. [Osório diz: por que para o cabrito? Rs.]

 

“O Homo sapiens é resultado de mudanças genéticas que ocorreram espontaneamente, sem nenhuma razão particular. A evolução não tem outro propósito a não ser se reproduzir e se perpetuar. Não fomos nem somos uma raça privilegiada eleita para dominar o mundo. Somos o resultado de uma sucessão de acasos bem-sucedidos.

...

Há 50 mil anos começamos a nos expressar simbolicamente, a nos reconhecer no outro, a ter consciência da vida, da morte e de nós mesmos. Tudo que aconteceu depois, a Mona Lisa, a Quinta Sinfonia, Dom Quixote, o Iphone e a chapinha, nasceu dessa primeira e única espécie inteligente que se conhece.

... Segundo Robert Foley, antropólogo britânico, “os humanos anteriores à humanidade são claramente animais”.

A capacidade de buscar comida onde não existe, de se aventurar em mares desconhecidos, de matar bichos enormes, construir casas, de se organizar socialmente não definem o ser humano.

O que nos faz humanos é a capacidade de se perguntar: De onde eu vim e para onde vou? De fazer escolhas, olhar para dentro e pensar: Será que é isso mesmo que eu quero? Tá valendo a pena seguir por esse caminho? Perguntas que não têm nada a ver com o tamanho do cérebro, mas com as sinapses que acontecem dentro dele. É aí que mora o dom. É isso que nos distingue dos animais.” [Osório diz: as páginas 104-106 são incrivelmente belas!].

“Cada pessoa terá um nome e, associado a ele, uma qualidade. O pai dos nossos filhos será Marido. Se ele for bonzinho e nos fizer feliz será Querido, Amor, Coração. Se for estúpido, bater na nossa cara e nos trocar por outra será Ordinário, Cafajeste, Filho da Puta. A mulher que nos roubou o marido será sempre Aquela Vaca, a vizinha fofoqueira será Cascavel. A mãe do marido, Jararaca. O tesão, hoje tão banal e corriqueiro, vai virar moeda de troca de alto valor. Muito sangue vai correr por causa dele.” [Osório diz: nascimento dos rótulos e das metáforas...].

 

“O tesão, hoje tão banal e corriqueiro, vai virar moeda de troca de alto valor. Muito sangue vai correr por causa dele.” [Osório diz: creio que o tesão, especialmente do macho pela fêmea, é a causa de todas as guerras! “Tudo na vida é sexo”, disse Freud, ou, se não disse, deveria ter dito.].

 

“Machos e fêmeas carregarão no pescoço uma coleira invisível chamada Culpa. Ela os impedirá de voltar à bestialidade, que é como seremos vistos no futuro.” [Osório diz: essa coleira – modernamente tornozeleira eletrônica – é boa ou ruim? Depende da visão de quem determina sua colocação e de quem a usa. Rousseau...]. 

 

Tava na cara que ia dar merda. Imagina se o Fernão é homem de deixar passar uma mulher gostosa desfilando o dia inteiro de camisola na frente dele. O paspalho estava de quatro pela bastardinha.

...

- Jura mesmo que você tá pensando que eu vou aceitar essa palhaçada? Não basta o que a vaca da mãe dela me fez, agora vem a filha e leva você de mim? A única coisa que me restava! Se o objetivo era desgraçar minha vida, parabéns, você não podia ter feito coisa melhor. Nem pense em aparecer com ela na minha frente. Eu te proíbo até de pronunciar o nome dela na minha presença. Essa moça vai te ferrar igualzinho a mãe dela fez com seu pai.” [Osório diz: as mães e o ciúme dos filhos! Seria um complexo de Édito com vias trocadas? Também parece que as mães querem descontar nos filhos os malfeitos dos pais deles. Lembro que minha mãe, as vezes, quando brigava com meu pai, meu lombo pagava a conta!].

 

“Alguns dizem que o uso do fogo começou há 40 mil anos, outros há 200 mil, outros há 500 mil anos. Afirmam até que o Homo erectus comia  carne assada há 1,8 milhão de anos. Nós vamos ficar nos 200 mil anos que é a data mais aceita pela maioria dos cientistas.” [Osório diz: assim são construídas as “certezas” ou “verdades” científicas! Na base do chutômetro, que se aceito pela comunidade...].

 

[Osório diz: Nas páginas 117-118 tem uma teoria banca sobre a origem dos mens!].

 

“Acabei ficando um ano e meio no estaleiro.” [Osório diz: gosto desse emprego do estaleiro desde que o ouvi pela primeira vez, e já faz muitos anos.].

 

“Passei por duas operações, químio, dores, enjoos, queda de cabelo, o kit completo.” [Osório diz: esse humor na desgraça é muito legal!].

 

“Precisa ficar doentes pra acreditar que meu filho gostava tanto de mim quando do pai. Acho que foi isso que me curou.” [Osório diz: a crueldade da dúvida se deve ao ciúme desnecessário! Espero que outras mães não precisem passar por isso para descobrirem o que não é nenhuma América, pois está na cara, basta abrir os “zolhos”.].

 

“Nossa espécie surgiu de um único grupo e nunca mais sofreu mutação genética importante. Todos os humanos nascidos de 160 mil anos para cá (idade do fóssil mais antigo de Homo sapiens) pertencem à mesma espécie, a humana, uma espécie que nunca mais se subdividiu. Não existem diferentes raças na nossa espécie, daí a incorreção de se falar em raça negra, raça amarela, raça branca. Muito menos a superioridade de uma delas sobre as outras. As teses racistas, além de abomináveis, são incorretas.” [Osório diz: mas não basta serem incorretos, os homens criaram coisas bem piores que isso! Não que tal seja uma justificativa, mas apenas uma acusação a mais.].

 

“Se uma mulher de qualquer lugar da terra transar com um homem do lado oposto do mundo, eles vão ter um filho que vai gerar outro filho, o que prova que são da mesma espécie. Machos e fêmeas de espécies diferentes têm filhos estéreis.” [Osório diz: mas os filhos, já que filhos de pais que são irmãos, não deveriam nascer raquíticos, sifilíticos e outras coisitasdoençais” a mais que, segundo me recordo, são argumentos para vedar o incesto? Adianto: minha mãe e minhas irmãs são muito “feias” para defender tal coisa!].

 

“A diversidade dos grupos humanos se deve às condições geográficas, climáticas e de insolação que cada grupo teve de enfrentar para sobreviver.” [Osório diz: ainda terei de ouvir o que diz a biogenética comportamental sobre isso!].

 

“... o surgimento da agricultura, supostamente na Síria.” [Osório diz: implicante que sou, vejo que a autora duvida mais de algo de recente dez mil anos que de algo de 600 milhões de anos atrás {usei o verbo haver no sentido de tempo passado? Rs.}].

 

“Aí se levanta a seguinte questão: a evolução humana parou quando nos tornamos Homo sapiens ou ela continua acontecendo? Se continua, por que não nos modificamos substancialmente nem demos origem a nenhuma outra espécie?” [Osório diz: Bingo! O cara do buteco tinha razão! Onde estão os homens de rabinhos?].

 

“Não existe mais o isolamento necessário para o surgimento de mutações.” [Osório diz: nem em uma tribo Yanomami?]

 

“... a menopausa foi ‘inventada’ para que as mulheres parassem de se reproduzir e ajudassem suas filhas a cuidar dos filhos dela. É a chamada hipótese da avó.” [Osório diz: não esqueçam, mulheres, esta é uma obra de ficção! Caso contrário é dar azo a falta de safadeza e ao aumento da safadeza! A falta por tirar mulheres do mundo do sexo; aumento por incentivarem as filhas a parirem e não terem responsabilidade com seus filhos! “Quem pariu Mateus não foi a vovó”, deve ser o lema].

 

“Se somos todos filhos de uma única mãe, somos todos irmãos. E não por determinações filosóficas ou religiosas, mas por imposição genética.” [Osório diz: por isso, como disse acima, essa raça de doentes que somos! E o incesto seu Édito?].

 

Paro aqui!

 

[Osório diz: não cheguei aos homens com rabinhos! Mas, não perco as esperanças, pois sei que existem rabinhos, especialmente aqueles que enlouquecem os homens: os de saia!].

 

[Osório diz: diz aquele colombiano lá que em Maraã, digo Macondo, nasciam crianças com rabinhos! Como ele era comunista e comunista comem crianças, velhos e adúlteros, não acredito nele!].

 

O livro, certamente, é bem melhor e mais claro e prazeroso que estas breves citações e, evidentemente, bem mais claro que as minhas observações, que, se são minhas, só as compartilho pelo desejo de, depois que você o ler, mostrar-me as suas.

 

Inté,

 

 

 

Distância de resgate

Samanta Scheweblin

Resgate

Empurrado pela crítica

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