Sofística
(uma biografia do conhecimento)
22.2 – O homem medida justificado por Aristóteles.
É Barbara Cassin quem diz:
“Enquanto relativismo consequente, o discurso de Protágoras se fenomenologiza a ponto de ser, como testemunha Aristóteles, simplesmente irrefutável:
Se tudo não é relativo, mas se algumas coisas são também elas mesmas nelas mesmas, tudo que aparece não pode ser verdadeiro. Com efeito, o que aparece aparece para alguém; de forma que aquele que diz que tudo o que aparece é verdadeiro torna todos os entes relativos a alguma coisa. É também por isso que aqueles que procuram a coação no discurso, mas que estimam ao mesmo tempo dever sustentar seu discurso, têm que tomar cuidado com o fato de que não é o que aparece que é, mas o que aparece para quem isso aparece, e quando, na proporção em que, da forma pela qual isso aparece" (1011a 17-24).
Dito de outra forma, em uma fenomenologia tão tirânica, as categorias aristotélicas tornam-se aquilo mesmo que, ao invés de servir para constituir o fenômeno em objeto, serve de operador à difração das aparições. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 232).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
22.1 – Aristóteles e sua hostilidade aos sofistas.
“Quando encontramos Aristóteles contando a mesma história — a arte sofista, diz ele, consiste em aparente sabedoria que não é, de fato, sabedoria, e o sofista é alguém que ganha dinheiro com "sabedoria aparente, não real" (Sophistici Elenchi 165a22-23; Metafísica, 1, 1004b25ss.)[Osório diz: tenho tentando me insurgir contra a tal sabedoria aparente e a real! É que a real eu não conheço, nem conheço quem a conheça e a não real é, portanto, igual a real! Ademais, não consegue discursar/dialogar sobre um determinado assunto quem não o conheça, pelo menos minimamente, já que no fundo ninguém o conhece!] — não é de surpreender que essa tenha permanecido a visão corrente nos dois mil anos seguintes. Por impossível que pareça, a reputação dos sofistas piorou ainda mais — eles forneceram o que parecia ser material prontinho para interpretações cristianizadoras e moralizadoras da história [Osório diz: os verdadeiros adversários dos Sofistas nas eras pós platônicas-aristotélicas, embora trabalhando com esses autores: cristãos e moralizadores!]. Chegaram a ser vistos como [15]
impostores ostensivos, adulando e ludibriando a juventude rica em benefício próprio, solapando a moralidade pública e privada de Atenas e encorajando seus discípulos na busca inescrupulosa de ambição e cupidez. Dizem até que conseguiram corromper a moralidade geral, de modo que Atenas se tornou miseravelmente degenerada e viciosa nos últimos anos da guerra do Peloponeso, em comparação com o que era no tempo de Milcíades e Aristides1.” [Osório diz: a moralidade da guerra e da aristocracia ninguém quer ver!] (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 15-16).
“Alguém pode levar a sério, seriamente, as acusações acima?
Aristóteles, ao vir em socorro de Platão, somente aumenta o rol de tolices, em especial por que, passados 2.500 anos, qual a sabedoria real ensinada pelos dois?
Ou seja, o próprio tempo está aí a demonstrar que a sabedoria ensinada por Platão e Aristóteles não é real, pois tudo que eles disseram está em aberto. Tudo se transformou ou é aporia, como as próprias questões levantadas por Sócrates permanecem irrespondidas, e não foram respondidas nem pelo próprio, não porque ele soubesse mas, ironicamente, dissesse que não sabia, mas pelo fato de nada saber mesmo, como, de resto, ninguém sabe nada.
As 7 acusações platônicas são risíveis, em especial se olharmos para o Sócrates amado, que vivia na companhia do próprio Platão, rico e Alcibíades, também rico, por exemplo.
“Parecia ser material prontinho”, mas não era, basta que não se dê a interpretação cristianizada que foi dada!
Aliás, como se verá, os sofistas arrasaram com as religiões, logo estas os têm como perniciosos e seus inimigos. Daí em transformá-los em demônios é um passo simples.
Tais críticos agem com tamanha má-fé que chegam a esquecer o próprio Péricles, apenas para tentarem apagar a influência que ele recebeu ao ter buscado pelos sofistas, que o assessoravam, embora não esqueçam, sempre por conveniência de seus propósitos mesquinhos, do chamado “Século de ouro grego” ou do “Século da Grécia Clássica”, que é, justamente, o Século V antes da era atual.
Aliás, Platão e Aristóteles já são fruto da Grécia decadente, e não da época Gloriosa de Atenas!”
É Barbara Cassin quem diz:
“Por sua vez, Aristóteles refuta aqueles que pretendem, com Protágoras, que "todos os fenômenos são verdadeiros", e acreditam poder assim recusar-se se submeter ao princípio de não-contradição: simplesmente eles confundem, como Heráclito, o pensamento com a sensação e a sensação com a alteração (5,1009b12s.). Ora, fiar-se exclusivamente no sensível e na sensação, e buscar traduzir em palavras fiéis esse devir incessante, só poderia levar a contradição, aos paradoxos, ao silêncio mesmo como o de Crátilo que se contenta em agitar simplesmente o dedo [Osório diz: o personagem Crático, no diálogo que leva o seu nome, não fala, contenta-se em, simplesmente, agitar o dedo]. Com isso, Aristóteles não se contenta em reduzir a sofística à sombra, nociva, [9] trazida pela filosofia: ele elabora uma verdadeira estratégia de exclusão. Pois o sofista, se persevera na sua suposta fenomenologia, se condena ao mutismo; e, se pretende ainda falar, fala então para não dizer nada, "pelo prazer de falar", fazendo simplesmente ruído com sua boca. Se é possível na verdade desfazer a maior parte dos sofismas distinguindo as significações, graças às categorias por exemplo, ou dissipando as homonímias e as anfibolias23, é preciso renunciar a refutar os que se situam somente no plano "do que é dito nos sons da voz e nas palavras" (5, 1009a 21s.), no plano do significante: esses, só podemos reduzi-los à insignificância. Aristóteles, fazendo equivaler exigência de não-contradição e exigência de significação, chega a marginalizar os refratários e a relegá-los, "plantas que falam", aos confins não apenas da filosofia, mas da humanidade. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 9-10).
1 GROTE, History of Greece, nova ed., Londres, 1883, vol. VIII, p. 156. Esta, naturalmente, não é a opinião pessoal de Grote.
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2 3 Anfibolias - “Em Aristóteles (El. sof., 4, 166 a), é um dos sofismas in dictione, mais precisamente a falácia (v.) que provém do fato de que uma frase torna-se ambígua pela construção gramatical defeituosa. Mais genericamente, o termo A. foi entendido como uma palavra que significa duas ou mais coisas (Sexto Empírico, Pirr., hyp., II, 256). Em Kant, o termo A. é usado na expressão "A. dos conceitos de reflexão" para indicar a confusão entre o uso empírico intelectual e o uso transcendental dos conceitos de reflexão como "unidade" e "multiplicidade", "matéria", "forma" e semelhantes (Crítica R. Pura, An. dos princ., Apênd.)” Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano, Martins Fontes, São Paulo, p. 60. [Osório diz: muito confuso!]. “Sofisma verbal”.
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
22 – Aristóteles: um “quase” sofista.
Nos diz Guthrie sobre Aristóteles:
“Nasceu na Macedônia.
Aristóteles (…) sua fé na teleologia. (...) "a natureza nada faz sem propósito" (De caelo 291b 13, De an 432b21 etc. ).84 (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 200).
“O idealismo de Platão ocupou o dia, e, uma vez que ele próprio quisera suprimir o ensino de seus oponentes, seus seguidores propriamente o suprimiram; ou pelo menos, como filosofias contrárias se entrincheiraram, ninguém viu razão para preservar o que se considerava geralmente ideias não-ortodoxas e censuráveis. Assim ocorreu, para citar Havelock (L. T. 18), que "a história da teoria política grega, assim como também da política grega, escrita nos tempos modernos exatamente como Platão e Aristóteles teriam querido que fosse escrita".
Ademais, uma vez que muito de suas obras era educacional, do tipo do manual, ficaria naturalmente incorporado nos manuais de mestres posteriores, inclusive Aristóteles, que se poderia dizer que tomou o seu lugar. Aristóteles, além de escrever sua própria Arte da Retórica, compilou um sumário das "artes" anteriores, desde sua origem em Tísias em diante, do qual Cícero escreveu que não só ele explicou lucidamente os preceitos de cada mestre, mas também superou os (p. 53) originais em brevidade e estilo atraente, de sorte que mais ninguém os consultou, preferindo ler Aristóteles como expositor muito mais prático de seu ensino.
Mas, e quanto a Aristóteles, também se deve advertir contra falar de "Platão e Aristóteles" de um só fôlego, 60 como se sua oposição ao empirismo sofístico fosse igual e idêntico. Nos assuntos em que os sofistas estavam primariamente interessados, o ponto de vista de Aristóteles estava de muitas formas mais próximo ao deles que o de Platão.
Pois ele fez distinção explícita entre os fins, e em consequência entre os métodos, da pesquisa científica de um lado e a inquirição dos problemas do comportamento humano de outro. Nos primeiros, deve-se exigir os mais exatos padrões de exatidão, mas estes seriam inadequados para o estudo do material humano, que é empreendido não para fins teóricos mas práticos.
Na Ética ele faz a observação muitas vezes, talvez mais convincentemente ao afirmar que exigir prova lógica estrita de um orador não é mais ajuizado que permitir a um matemático usar das artes de persuasão. [(o carpinteiro não busca a mesma exatidão que o geômetra) (1098a26ss ).]
No campo da ética, o abandono das normas ou modelos morais absolutos e autoexistentes de Platão tinha consequências de longo alcance, pois tornava possível um divórcio entre teoria e prática, conhecimento e ação, que para Platão teria sido impensável. Aristóteles pode escrever (1103b27): "O objeto de nossa inquirição não é saber o que é virtude, mas nos tornar homens bons", ao passo que no modo de ver socrático-platônico "saber o que é virtude" é essencial pré-requisito para se tornar bom. Ele prefere claramente o método de Górgias de enumerar virtudes separadas à exigência socrática de uma definição geral de virtude, que ele chama de autodecepção (p. 54) (Pol. 126a25), e no primeiro livro da Ética, que contém um de seus ataques mais argumentados e eficazes à teoria platônica das formas, encontramos uma defesa da relatividade e multiplicidade de bens quase poderia ter sido escrita por Protágoras. [A brevidade das observações acima pode expó-las à acusação de supersimplificação. Enquanto Aristóteles cria na relatividade da bondade, era apenas no primeiro dos dois sentidos enumerados à p. 157, abaixo, e ele era bastante socrático para combiná-lo com uma crença numa só função do homem como tal, resultando de nossa natureza humana comum e dominando as diversas funções subordinadas de indivíduos e classes. Este e pontos correlates são bem expostos no artigo de Lloyd sobre analogias biológicas de Aristóteles em Phronesis, 1968, em que, porém, fica-se cônscio todo o tempo de figura influente que está no fundo embora nunca mencionada: Protágoras.” [Osório diz: Aristóteles, aí, é totalmente protagórico].] (p. 55) (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 54-55)
Kerferd ensina:
“Cícero, no Brutus (46-47), nos presta mais informações valiosas que extraiu de uma obra perdida de Aristóteles, provavelmente sua coleção de antigos manuais de retórica conhecidos como a Technôn Synagogê:
Protágoras preparava discussões escritas de assuntos importantes, agora chamados lugares-comuns (loci communes). Górgias fazia o mesmo, compondo elogios e invectivas contra determinadas coisas, porque considerava que era especialmente função do orador ser capaz de aumentar o mérito pelo louvor e diminuí-lo de novo pela invectiva. Antífon de Ramnonte tinha composições semelhantes escritas por extenso. [Osório diz: o uso da escrita pelos sofistas!] [Osório diz: foram os sofistas os criadores dos lugares-comuns, e não Aristóteles, como diz o Prof. Tercio]
Não há por que duvidar de que sejam lugares-comuns desse tipo que os alunos de Górgias eram obrigados a apren- [56] der de cor (DK 82B14), em vez de discursos inteiros como às vezes se afirma, e é de se supor que seriam, depois, desenvolvidos em exercícios práticos sob a supervisão do mestre [Osório diz: os lugares comuns].
Isso a que Cícero se refere, em latim, como locus é, em grego, o topos ou "lugar"; no seu sentido mais geral é provável que originalmente significasse a posição ou ponto de vista a partir do qual se ataca o oponente ou se defende a própria tese. Outros, contudo, restringem-no a designar simplesmente o lugar onde o orador encontra um argumento necessário. Aristóteles, no seu tratado Tópicos, apresenta uma espécie de cartilha de dialética, mostrando como se pode defender uma tese tomando como pontos de partida premissas apropriadas que já eram geralmente aceitas [Osório diz: Aristóteles sofista!]. Tópicos são, para ele, linhas de argumento, tais como argumentos tirados dos contrários, argumentos tirados de definições e argumentos tirados de enganos. Sua abordagem é formal, e seus tópicos não são os mesmos que os loci communes a que se refere Cícero. Mas a conclusão do Sophistic Elenchi mostra que ele estava bem consciente da existência deles também, e seu Retórica II, 23 dá exemplos, tais como a citação de Eurípides, do Tiestes: "Se os homens têm o hábito de dar crédito a afirmações falsas, deve-se também crer no contrário, que os homens muitas vezes descrêem do que é verdadeiro". (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 56-57).
Aristóteles sofista!
Quem diz é Barbara Cassin:
“Ao final dessas análises, não é difícil constatar tudo o que o Aristóteles político, antiplatônico, deve à sofística.
O primeiro traço, que pode parecer (voltaremos a isso com Hannah Arendt) o mais grosseiro, mas sobre cuja interpretação se impõe a maior prudência, é a importância do lógos em política. O lógos é, para um sofista, a virtude política por excelência. Ora, Aristóteles apresenta, desde o início de sua Política, duas definições do homem: o homem como "animal de cidade", ou "animal político", e o homem como "animal dotado de logos” (I, 2, 1253a 7-l0). É porque o homem é capaz, não apenas de sons vocais expressivos, mas de lógos, quer dizer, ao mesmo tempo de efeitos convencionais, ou palavras, e de articulação sintática, ou julgamentos, que ele é "mais político" que os outros animais políticos. Todavia o emprego do lógos na Política faz dele menos uma téchcé, uma competência retórica, do que um télos, a finalidade mesma de nossa natureza (VII, 15, 1334bl5)17. Dito de outro modo, uma retórica de tipo sofístico — a mesma que sabe infletir [Osório diz: dobrar, curvar] a decisão dos juízes e as escolhas da assembleia ou, através do elogio, criar valores comuns — tem como objetivo político em Aristóteles nos tornar lógicos in actu; ela deve fazer com que antes de tudo cada um de nós, mediante noutética [Osório diz: por em mente, admoestar, exorar] e educação, possa se tornar aquilo que é, orientado para e por lógos e noûs, algo, para dizer a verdade, que se aproxima de um governante platônico: na medida em que vivemos em uma cidade, somos todos filósofos, ao menos em potência.
O segundo traço comum é a percepção imediata, "física", do homem como cidadão, e da cidade, qualquer que seja sua constituição, como pluralidade, quer dizer, pluralidade de dessemelhantes.
O terceiro traço ligado a isso é a apreensão da homónoia, ao menos num tal plêthos [Osório diz: pluralidade], como puro efeito de uma stásis [Osório diz: discórdia interior, sedição] contínua.
Em Aristóteles, qualquer que seja a complexidade da articulação entre política e ética, parece-me que se pode em todo caso reconhecer nesses dois últimos traços uma certa especificidade do político. A ela corresponde, assim como testemunha o início da Ética a Nicômaco, uma autonomia, até mesmo uma [p. 95]
Assim sendo, proporia dois critérios que permitissem diferenciar dois modelos de consenso. O primeiro diz respeito à autonomia relativa do político: será esse um domínio que tem seu fundamento, sua razão de ser, em outro lugar que não nele mesmo, na ética por exemplo como em Platão, ou será antes uma potencialidade por si só, arquitetônica se quisermos, como na sofística e em Aristóteles? O segundo diz respeito à autonomia relativa do indivíduo em relação ao todo: trata-se de uma subordinação hierárquica onde a singularidade não é jamais considerada como tal, jamais relacionada a ela mesma, ou antes é um livre jogo de diferenças, uma articulação da concorrência?” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 95-96).
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(uma biografia do conhecimento)
21.1 – Antístenes e a impossibilidade de dizer o falso.
Disserta Fausto dos Santos:
“Proclo nos deixou um depoimento que confirma e esclarece a posição de Antístenes. Este teria dito "[...] que não se pode contradizer. Porque cada palavra expressa o verdadeiro; pois o que fala diz algo, e quem diz algo diz o ser; e quem diz o ser, exprime o verdadeiro" (PROCLO. Crat., 37).” (67) [Osório diz: a tese de Antístenes]. (Fonte: Filosofia Aristotélica da Linguagem, Fausto dos Santos, Ed. Universitária Argos. Capecó-SC, 2002, p. 67).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
21 – Antístenes era um sofista?
Nos diz Guthrie sobre Antístenes:
“Fundador da escola cínica.
Todavia viveu no auge dos tempos sofísticos, provavelmente um pouco mais velho do que Pródico e Hípias, e, como vimos, esteve envolvido profundamente no debate sobre o uso da linguagem e sobre a possibilidade de contradição que formava parte do contexto teórico da retórica do séc. V, no qual Protágoras desempenhou papel de liderança. [Osório diz: a própria disposição dos sofistas na casa de Cálias, mostra que não formavam uma escola, pois estava cada qual no seu canto fazendo a “sua” exposição]
Antes de entrar sob a influência de Sócrates, era retórico e aluno de Górgias. [Osório diz: fez o mesmo que Crítias?]
O veredito de Popper, segundo o qual ele foi o único sucessor digno de Sócrates, o último da “Grande geração” (…) foi prefigurado por Grote: “Antístenes, e seu discípulo Diógenes, foram em muitos aspectos aproximações mais estritas de Sócrates do que Platão ou qualquer outro dos companheiros de Sócrates”. [Osório diz: quem retrata mais fielmente Sócrates?]
Schmid [sobre Antístenes, diz que] “sua filosofia andou pela vereda de livre-pensador indisciplinado contra o qual Platão teve que enfaticamente se precaver” (Gesch. 272s).
Diz-se que era filho de ateniense e escrava trácia, e, sendo assim, não era cidadão ateniense.
Cerca de 455 a 360 não deve estar longe da duração de sua longa vida.
Foi retórico e aluno de Górgias, a quem depois atacou.
Mais tarde se tornou amigo e admirador fanático [Osório diz: fanatismo que se tornou contagiante!] de Sócrates.
Nunca houve uma escola cínica no sentido literal em que a Academia, o Liceu e a Stoá eram escolas. [Osório diz: como também nunca existiu uma escola sofística antes, mas o autor não esclarece esse pormenor fundamental].
Cinosargers (p. 282) [Este era o ginásio destinado a bastardos, ou homens de descendência mista (Demóst. 23.213 e fontes posteriores), que corresponde ao relato de sua origem meio estrangeira. Mas D.L. ou sua fonte [p. 282] tenta por todos os meios apresentá-lo como o fundador do cinismo. "Cinosarges" introduz-se como origem alternativa para o nome, e D.L. imediatamente continua dizendo que o próprio Antístenes era chamado Haplokyon (da mesma forma como foi chamado Kyon por Heródico no séc I a.C. ap. Aten. 216b), ao passo que pode haver pouca dúvida de que o Cão original foi Diógenes. Aristóteles já o conheceu pelo nome (Ret. 1411a24), mas falou dos seguidores de Antístenes como Antistheneioi. A estória em D.L. (loc. cit.) segundo a qual tinha poucos alunos porque, como ele disse, "os afugentava com uma vara de prata", se tiver base no fato, implica que, apesar de seu socraticismo, cobrava tanto que muitos não queriam pagar. Teria aprendido a agir desta maneira como retórico e aluno de Górgias. [Osório diz: D.L = Diógenes Laércio / Tudo que não presta vem dos Sofistas! Ainda bem que, cada vez mais me convenço que Sócrates era um deles, e isso é uma prova de tal entendimento]]
Cínicos [ (Os cínicos eram notoriamente caracteres “difíceis”).]
Ele se chamou o mais rico dos homens, porque a riqueza residia nas almas dos homens, e não em seus bolsos, e equiparava pobreza com independência. Dos homens que faziam tudo para aumentar suas fortunas ele tinha dó como se fossem doentes. Sofriam como se fossem homens cujos corpos nunca estavam satisfeitos por mais que comessem. A felicidade não está em ter grandes posses, e sim em perder o desejo delas.
Existe um toque especialmente cínico em sua referência ao sexo como uma necessidade meramente corporal, para cuja satisfação qualquer mulher serviria. [Osório diz: esta deve ser a primeira manifestação da “mulher objeto”!]
Quando, ao falar do apetite sexual – ele diz que preferiria satisfazê-lo sem prazer, uma vez que o prazer intenso derivado dele é prejudicial. De modo semelhante, devia-se comer e beber somente para afastar a fome e a sede. O único prazer que se pode recomendar é o que segue do trabalho duro (fr. 113) e que não traz nenhum arrependimento. (p. 283) [Osório diz: A briga contra o prazer! Isso me lembrou de um episódio do “Hora de aventura”, no qual o homem Banana diz: “não posso namorar, pois isso vai gastar o tempo em que eu podia estar trabalhando”!]
Através dos cínicos supôs-se também ter sido fundador do estoicismo antes de Zenão, e os escritores que sucederam, como nos apresenta Diógenes Laércio, adotaram uma linha direta de mestre e aluno: Antístenes-Diogenes-Crates-Zenão. Se, como em geral se supõe hoje, isso não é estritamente histórico, provavelmente é certo que ele deu impulso a uma característica saliente de cada um deles: isto é, como o apresenta Diógenes Laércio, “a indiferença de Diógenes, o autodomínio de Crates, e a resistência de Zenão” – todos traços que ele próprio afirmara ter encontrado em Sócrates. Com sua doutrina da virtude como o fim da vida (fr. 22) certamente antecipou Zenão. A virtude pode ser ensinada e uma vez adquirida não se pode perder (frs. 69, 71). [Osório diz: o ensino da virtude/arete, diz Antístenes] É ensinada pela ação e pelo exemplo mais do que pela argumentação e erudição, e é suficiente em si mesma para assegurar a felicidade. A virtude não precisa de longos discursos.
O sábio é auto-suficiente, pois sua riqueza abarca a de todos os homens.
Não há nenhum traço de teoria sistemática nem de qualquer conexão com sua doutrina lógica tal como a encontramos em alguns sofistas.
O homem sábio não age de acordo com as leis estabelecidas, mas de acordo com as leis da virtude. [Osório diz: daí para ele a existência das leis serem indiferentes e, até, prejudiciais! São submetidos a tratamentos destinados a suspeitos. Todos passam a ser suspeitos, como ocorre no caso das portas giratórias dos bancos].
O seu Politikos Logos, como se nos diz, atacou "todos os demagogos de Atenas", e fez de Alcibíades alvo particular (frs. 43, 29, 30). [ ...seu conselho de que deviam elevar pelo voto asnos à posição de cavalos.]
[Este Arquelau era o tirano da Macedônia que o aluno de Górgias, Pólus, afirmou para Sócrates no Górgias de Platão (470d ss) que era homem malvado e não obstante sumamente feliz. Argumentava contra o ensino socrático que era melhor ser vítima do mal do que cometê-lo (Fr. 42.). (Dümmler, com tendência quellenkritisch, afirmou ter encontrado o conteúdo do Arquelau no discurso décimo de Dio Crisóstomo. Veja seu Akad. 1-18).]
Ele pode ter afirmado que a retórica não só era a criadora da persuasão, mas também o critério e o veículo da verdade 94 (p. 284) [Osório diz: no que está correto, já que até hoje não sabemos o que é a verdade].
Não há nada mais, a não ser o relato da réplica bombástica à afirmação de Parmênides da impossibilidade do movimento: não sendo capaz de responder aos argumentos com palavras, ele simplesmente se pôs de pé e andou. [Osório diz: será que andou mesmo?]
A interpretação da poesia, em geral por causa de suas lições morais, formava parte da ocupação de todo mestre grego, e Antístenes não foi exceção. [Osório diz: a poesia na formação dos gregos]
Disse que a razão pela qual o velho Nestor pôde levantar a taça (Il. 11.636) não era porque era excepcionalmente forte, mas porque era o único que não estava bêbado.
Em longa análise de epíteto polytropos aplicado a Ulisses, ele disse que se aplicava tanto ao caráter como ao discurso, o que lhe deu ocasião de introduzir a definição contemporânea do sophos como locutor habilidoso, e daí polytropos porque mestre de muitos tropoi ou jogos de linguagem e argumentos.
Também atualizou Homero introduzindo nos poemas a distinção entre verdade e opinião. [Osório diz: o que não é lá tão distinguível, mas é um início].
Embora não concordasse com Protágoras e Górgias que a opinião era tudo e não havia nenhum critério objetivo de verdade. (p. 285)
Antístenes [e] Platão (…); há boa razão para admitir hostilidade entre os dois. [Osório diz: Platão era desagradável aos seus próprios colegas socráticos].
Muitos estudiosos, sobretudo na Alemanha, pretenderam descobrir ataques velados a Antístenes em vários diálogos de Platão, às vezes sob outros nomes, e, por este meio, reconstruir muita coisa do seu ensino. Gastaram-se grande esforço e considerável ingenuidade nesta tentativa, e há boa razão para admitir hostilidade entre os dois. [Osório diz: como Guthrie chega a esta conclusão? E se há, por que a ingenuidade em procurá-los?]. Além de anedotas, Antístenes escreveu um dialogo insultando Platão sob nome ignominioso de Sathon. [… Sathon, aplicado aos nenês, era diminutivo de sathe significando pênis.]
O mesmo se pode dizer da teoria de Joël segundo a qual a descrição que Xenofonte faz de Sócrates não tem nenhum valor histórico, porque fazia dele uma figura essencialmente antistenesiana e cínica. [Osório diz: para o fanático Joël, somente Platão, nada mais que Platão! Mas, isso casa com o que diz Arsitófanes]
[Joël, Der echte u. d. Xenoph. Sokr. Joël sustentou a notável teoria de que Pródico tanto em Xenofonte como em Platão não era Pródico, e sim máscaras para Antístenes, para quem até a fábula da escolha de Hércules se deve transferir. (Veja sobre isso H. Mayer, Prod. 120). O livro foi criticado por muitos, inclusive pelo próprio Joël (v. sua Gesch. 731, n. 3), e uma reavaliação da questão foi agora empreendida por Caizzi, Stud. Urb. 1964, 60-76. [Osório diz: o malcaratismo de Joël].]
Platão não diz mais sobre ele senão mencionar o seu nome entre os amigos íntimos que estiveram presentes com Sócrates na prisão até o momento de sua morte. [Osório diz: Por que?]
Diógenes Laércio faz uma lista de cerca de setenta e quatro títulos divididos em dez volumes.
Ajax e Ulisses
Hércules
Ciro
Aspasia continha (p. 286) ataques grosseiros a Péricles e seus filhos.
Sathon,
Arquelau,
Politicus.
[Escreveu sobre o] monoteísmo e ‘sobre a educação e os nomes’”. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 281 a 287).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
20 – Quais os sofistas do período clássico grego (ou da primeira sofística, os únicos)?
Nos ensina Guthrie:
“Platão; [p. 14]
[Dois pontos se devem notar aqui. (1) Em fase posterior será necessário determinar mais precisamente quem eram os sofistas, e qual é o sentido da palavra. No presente permito-me usá-lo em [p. 14] sentido lato para significar certas tendências de pensamento que os homens chamados sofistas certamente tiveram, se bem que não exclusivamente. (2) É usual ligar Sócrates e Platão nesta conexão porque é pela boca de Sócrates que Platão desfecha a maioria de seus ataques aos sofistas nos diálogos. A posição de Sócrates, porém, é mais complexa, e no presente será preferível falar de Platão sozinho como polo oposto do pensamento sofista. [p. 15]]
A História de Zeller em sua primeira edição (1844-52) talvez tenha sido a última a sustentar sem desafios a ideia de que o ensino, até o do melhor dos sofistas, visava afinal a reduzir tudo a assunto de preferência e preconceito individual, convertendo a filosofia da busca da verdade em meio de satisfazer às exigências do egoísmo e da vaidade; e que a única maneira para evadir foi a de Sócrates, que buscou reobter pela razão fundamento mais profundo e mais seguro para o conhecimento e a moralidade (ZN, 1439). Esta visão tem sido sustentada de forma particularmente forte na Alemanha, a que Grote se opôs no vigoroso capítulo lXVII de sua História da Grécia. Os historiadores alemães da filosofia, queixa-se ele, "erigem um demônio chamado 'A Sofística', que afirmam ter envenenado e desmoralizado, por ensinamentos corruptores, o caráter moral dos atenienses". Grote era utilitarista e democrata, numa época em que, ao descrever o surgimento da democracia ateniense, viu-se constrangido a observar que "acontece que a democracia é intragável para a maioria dos leitores modernos". Sua defesa dos sofistas foi saudada como "descoberta histórica do mais alto alcance" por Henry Sidgwick em 1872, que assim sintetizou a opinião corrente acerca dos sofistas:
Eram uma súcia de charlatães surgida na Grécia no séc. V, ganhando muito bem a vida impondo-se à credulidade popular: professando ensinar a virtude, ensinavam na verdade a arte do discurso fanático [Osório diz: isso depõe contra Platão que, sob o pálio de dizer que a virtude não era passível de ser ensinada, vedada o ensino de qualquer coisa! Ou será que ele dizia que apenas o que é ruim é passível de ser ensinado?], propagando doutrinas práticas imorais. Gravitando em redor de Atenas, o pritaneu da Grécia, Sócrates os encontrou aí e os derrotou, expondo o vazio de sua retórica, revirando de dentro para fora os seus sofismas, e defendendo triunfalmente princípios éticos sadios contra seus sofismas perniciosos. [p. 16]
Ao ler estes estudiosos de uma geração passada, é-se tentado a demorar em citações longas. Seria desproporcionado, mas pelo menos é importante mostrar que o retrato feito por Platão dos sofistas, tão calidamente em debate hoje, foi com razão posto em juízo pelos grandes vitorianos, muitos dos quais não só foram finos estudiosos mas também homens de negócios com experiência nos campos político, educacional e outros. Não é preciso dizer que suas conclusões, como a de seus sucessores, não foram inafetadas por suas crenças pessoais, políticas e filosóficas. Karl Joël em [p. 17]
… Mais surpreendentemente à primeira vista, Joël acrescenta do mesmo lado o "intelectualismo hegeliano", que os saudou como "mestres do raciocínio reflexivo", e, "a partir de sua filosofia da história entendeu e perdoou a todos" [Osório diz: Hegel e os sofistas!]. [p. 18]
(Platão e a sinuca com Crítias);
Crítias não era com certeza sofista no sentido pleno de mestre pago.” [Osório diz: esta é uma sinuca de bico para Platão! Ele condenava apenas o pagamento, então?]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 14 a 18).
Kerferd ensina:
“Conhecemos os nomes de mais de vinte e seis sofistas do período entre mais ou menos 460 a 380 a.C., quando sua importância e sua atividade estavam no auge. No século IV eles foram efetivamente substituídos por escolas mais organizadas, mais sistemáticas, frequentemente com prédios próprios mais ou menos permanentes, como no caso da Academia de Platão, do Liceu de Aristóteles e de um bom número de outras. Dos sofistas cujos nomes conhecemos, talvez oito ou nove eram muito famosos, e a esses deveríamos acrescentar os autores de duas obras anônimas, a Dissoi Lcgoi e o chamado Anônimo Jâmblico. Seria conveniente dizer alguma coisa sobre cada um deles separadamente. O testemunho se encontra em geral convenientemente apre- [75] sentado na coleção de Testemunhos e Fragmentos, por Diels-Kranz, citada como DK.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 75-76).
Estamos falando, especificamente dos Sofistas gregos do século V antes da era atual. São eles, fundamentalmente:
19.1 – Protágoras.
Pais: Meândrios ou Artemão.
Local de nascimento: Abdera.
Data de nascimento e morte: 492/0-422/1 a.C.
Esposa:
Filhos:
Obras: Arte da Erística, Da Luta, Da Matemática, Do Estado, Da Ambição, Das Virtudes, Da Situação Originária, Sobre os que Estão no Reino de Hades, Dos Erros Humanos, Discurso Imperativo, Acção Judicial sobre o Pagamento de Honorários, livros primeiro e segundo das Antilogias. Estes são os seus livros 30..
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Demócrito.
Contribuição fundamental: defende que para tudo há dois discursos que se contradizem um ao outro, ou seja, para todo caso há um discurso de ataque e um outro de defesa. Propõe o homem como medida de todas as coisas. Ensinava a arte política.
Guthrie diz sobre Protágoras que:
“Protágoras, que se gloriava do título de sofista e anunciava orgulhosamente sua habilidade de ensinar ao jovem “o cuidado adequado de seus negócios pessoais, para poder administrar melhor sua própria casa e família, e também dos negócios do Estado, para se tornar poder real na cidade, quer como orador, quer como homem de ação”.
Para Protágoras, qualquer discussão é “batalha verbal”, na qual deve sair vencedor e o outro vencido, em contraste com o ideal expresso de Sócrates da “busca comum”, um ajudando o outro para que ambos possam chegar mais fácil à verdade. (...) Tucídides contrapõe-se aos sofistas quando diz que sua obra não visa a ser "peça de competição para uma só ocasião" mas possessão para todo tempo. Como amiúde, Eurípedes faz suas personagens falar em verdadeiro estilo contemporâneo sofista como quando o arauto de Crêon canta o elogio da monarquia como oposta à democracia e Teseu responde (Sup. 427s): "Uma vez que tu mesmo começaste esta competição, ouve-me; pois foste tu que propuseste uma batalha de palavras".41 (p. 45) . (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 45).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Protágoras, nascido em Abdera, viveu aproximadamente entre 492/0-422/1 a.C.
Filho de Ártemon ou, segundo fontes mais credíveis, de Meândrio. Este teria sido um homem rico que tivera a oportunidade de receber em sua casa Xerxes, rei da Pérsia, quando ocorreu a invasão da Grécia (480 a. C.). Reconhecido pela hospitalidade, o rei proporcionara a Protágoras desfrutar, na sua juventude, da educação dos magos persas. O contacto com aquela cultura influiu nas suas ulteriores posições religiosas. [Osório diz: embora haja muitas dúvidas sobre tal ensinamento recebido dos magos, veremos, mais adiante, que tal ensino pode, realmente, ter ocorrido!].
Em Atenas frequentou o círculo dos intelectuais e artistas que privavam com Péricles. Na sequência desta relação de amizade, foi encarregado, em 444-443 a.C., de redigir a constituição de Túrio, empreendimento pan-helénico que simbolizava os ideais das elites bem pensantes daqule tempo. [Osório diz: essa relação é pouco explorada e, menos ainda, apontada pelos sectários críticos de Protágoras e elogiadores de Péricles, numa total incoerência].
Por causa das opiniões que expressou no começo do tratado Dos Deuses, foi movido contra ele um processo por impiedade e no prosseguimento do mesmo, terá sido expulso de Atenas e banido do território grego, ao mesmo tempo que os seus livros eram confiscados e queimados na praça pública.
Segundo um relato recorrente em múltiplas fontes, morreu afogado num naufrágio no decurso da viagem marítima que se seguiu à condenação.
O prestígio de que gozou entre os seus contemporâneos e, posteriormente, na época helenística, explica que a sua estátua figurasse no grupo dos filósofos ilustres, diante de um conjunto de estátuas de poetas igualmente famosos, descobertas no Egito, em 1951, nas escavações arqueológicas de Mênfis.
Protágoras foi o representante mais proeminente da Sofística.
Filóstrato, na sua Vidas dos Sofistas, assim resume a vida do sofista: Protágoras de Abdera foi discípulo de Demócrito, no seu próprio país38. Também travou conhecimento com os magos persas, na altura da expedição de Xerxes contra a Hélade. O seu pai era Meândrio, que superava em riqueza muitos que viviam na Trácia; por ter recebido Xerxes em sua casa e ter recorrido a presentes, conseguiu para o filho o ensino dos magos. Com efeito, os magos persas não educam os que não são persas, a não ser por ordem do rei. [1, 10, 1 e segs.37].
Platão atribui-lhe, no diálogo homónimo Protágoras (317 b e segs.), uma auto-apresentação em que ele reconhece ser um sofista, mestre na arte política (techne politike), ensinando aos seus discípulos a forma de excelência (arete), que se manifesta na prudência (euboulia), que torna os homens capazes de intervir com êxito nas diversas situações correntes da vida, no plano doméstico e no plano público, não só através das palavras proferidas como através das ações. Com efeito, ao comprometer-se a educar os jovens para o exercício da cidadania, o modelo de paideia que orienta o seu magistério assenta no primado da cultura geral e das artes do logos, tidas como indispensáveis aos participantes nas actividades da polis.
Quanto as fontes, para levar a cabo uma hermenêutica ajustada de Protágoras, o eventual estudioso deverá fundamentar-se nos testemunhos de Platão, de Aristóteles e de Sexto Empírico, não podendo deixar de atender aos condicionalismos dos diferentes autores. Tem sido incisivamente sublinhado que a abordagem que estes filósofos fazem das posições de Protágoras e aquilo que salientam na transmissão das suas doutrinas reflecte, de maneira determinante, a problemática a que cada um deles é mais sensível.
No que respeita a Platão, a doutrina segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas perspectiva-se no âmbito da problemática epistemológica do conhecimento verdadeiro. No atinente a Aristóteles, a discussão da tese acerca da possibilidade de formular discursos antitéticos sobre quaisquer realidades era encarada à luz da preocupação de salvaguardar o princípio da não contradição, condição sine qua non da ontologia e da ciência. Na óptica de Sexto Empírico, representante do cepticismo nos séculos II-III d.C., o que se punha em causa, de forma mais premente, eram as consequências corrosivas que, no plano metodológico, a defesa da verdade de todas as opiniões trazia consigo, quanto ao critério de distinção entre o verdadeiro e o falso.
Assuntos que foram atribuídos como tendo sido objeto de estudo de Protágoras e formam suas famosas teses:
a) a preocupação com a correcção dos nomes;
b) a tese de que não é possível contradizer; tudo é verdadeiro;
c) a defesa da enunciação de juízos antitéticos sobre todas as coisas;
d) a doutrina do homem como “medida” das coisas;
e) a arte de tornar mais forte o argumento mais fraco.
Protágoras foi o primeiro a afirmar que sobre todos os assuntos existem dois argumentos antitéticos entre si e utilizou-os, arguindo mediante perguntas e respostas, prática que ele iniciou. Além disso, uma das suas obras começava desta maneira: “De todas as coisas o homem é a medida das que são que são, das que não são que não são”.
Mario Untersteiner traduz o fragmento acima assim:
"(...) O homem é o dominador de toda a experiência, seja em relação à fenomenalidade de tudo quanto é real, seja em relação a nenhuma fenomenalidade de tudo aquilo que é privado de realidade (...) ", [“(…) l’uomo è dominatore di tutte le esperienze, in relazione alla fenomenalità di quanto è reale e alla nessuna fenomenalità di quanto è privo di realtà (…)”].
Dizia ainda que a alma nada mais é do que as sensações, conforme afirma Platão no Teeteto10.
Uma outra obra de Protágoras começava deste modo: “Não posso saber se os deuses existem ou não existem nem que forma têm. Muitas coisas impedem esse saber: a obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana”.
Foi Protágoras o primeiro a distinguir os tempos do verbo.
Protágoras foi quem explorou, ao que se saiba, pois a expôs, a importância do momento oportuno, o Kairos.
Organizar os debates e a introduzir artifícios lógicos para os que se dedicam às disputas também são obra de Protágoras.
Organizar debates é, mais precisamente, “combates de argumentos” ou “discursos”.
Protágoras foi o primeiro a dividir o discurso em quatro partes: pedido, pergunta, resposta, ordem (para outros, pelo contrário, em sete: narração, pergunta, resposta, ordem, exposição, pedido, intimação), a que também chamou fundamentos dos discursos.
Protágoras, pondo de parte o sentido, centrou-se nos nomes e assim criou este gênero de discursos erísticos.
Foi o primeiro a propor o gênero socrático de argumento [Osório diz: se foi o primeiro a propor, por que não chamá-lo de gênero protagórico?!].
Foi também o primeiro a usar na discussão o argumento de Antístenes que tenta demonstrar que não é possível contradizer, conforme Platão diz no Eutidemo.
Protágoras foi o primeiro a inventar a chamada “rodilha de transporte”, sobre a qual se colocam os fardos, como diz Aristóteles na obra Da Educação; era de facto um carregador, como também diz algures Epicuro 24; e, deste modo, foi enaltecido por Demócrito que o viu a juntar lenha [Osório diz: eram da mesma cidade].
Os livros que se conservam são os seguintes: Arte da Erística, Da Luta, Da Matemática, Do Estado, Da Ambição, Das Virtudes, Da Situação Originária, Sobre os que Estão no Reino de Hades, Dos Erros Humanos, Discurso Imperativo, Acção Judicial sobre o Pagamento de Honorários, livros primeiro e segundo das Antilogias. Estes são os seus livros.
Sobre a morte de Protágoras temos os testemunhos de: Filócoro31 conta que, durante a viagem que fez por mar, em direcção à Sicília, o seu barco se afundou; a isto alude Eurípides no seu Ixíon. Alguns dizem que morreu na viagem, depois de ter vivido cerca de noventa anos (56). Apolodoro afirma, pelo contrário, que morreu com setenta anos e que exerceu o ensino sofístico durante quarenta anos, estando no seu apogeu por alturas da 84ª Olimpíada.
Protágoras foi professor de retórica, prometia a seus alunos a vitória nos debates, razão pela cobraria seus honorários por ditas vitórias. Conta-se que uma vez, depois de ter reclamado o pagamento ao seu discípulo Evatlo que lhe respondeu: “mas eu ainda não alcancei uma vitória”, ele retorquiu: “mas se eu vencer esta disputa contigo devo receber o pagamento, porque a venci; se a venceres tu, devo receber pagamento do mesmo modo, porque tu a venceste”.
O homem de Abdera foi o primeiro a introduzir o uso da discussão mediante remuneração. Foi o primeiro a cobrar honorários por seu ensino! Fato que não é censurável, pois esforçamo-nos mais pelas coisas que pagamos do que por aquelas que obtemos gratuitamente.
Platão, na sua obra Protágoras, assim diz que se apresentava o sofista: “Eu segui um caminho inteiramente diferente destes e reconheço que sou um sofista e que educo homens. Já há muitos anos que estou neste ofício (se juntar todos os anos, não há dúvida de que já tenho muitos). Pela idade eu poderia ser pai de todos vós, sem excluir ninguém. Ó jovem, se te associares a mim, ser-te-á possível, logo no dia em que começares a conviver comigo, regressares a casa melhor por causa disso e exactamente o mesmo no dia seguinte; e em cada dia ser-te-á possível progredires para melhor. Os outros tratam mal os jovens. Tendo estes fugido das ciências, os seus mestres reconduzem-nos às ciências contra a sua vontade, ensinando-lhes Cálculo, Astronomia, Geometria e Música. (E, ao mesmo tempo lançava o olhar para Hípias). Pelo contrário, o que vier até mim não aprenderá outra coisa senão o que quer. Aquilo que aprende é a prudência nos assuntos domésticos, a fim de administrar da melhor maneira a sua própria casa, e a prudência nos assuntos da cidade, para que seja o mais capaz quer no plano das ações quer no das palavras”. Sócrates acrescenta: “Parece-me que falas da arte política e prometes tornar os homens bons cidadãos”. E Protágoras conclui: “É pois esse mesmo, ó Sócrates, o compromisso que assumo”. Sócrates retoma a palavra dizendo: “Ao reivindicares publicamente, diante de todos os Gregos, o nome de sofista, apresentaste-te como mestre de educação e de excelência e foste o primeiro a julgar-se merecedor de pagamento por isso”. [317 b e seguintes].
Como se dava o “contrato” entre o professor Protágoras e seu aluno nos diz Platão, no Protágoras: “Por essa razão, eu determinei a seguinte maneira de combinar o pagamento: sempre que alguém aprender comigo, se quiser, dá-me o dinheiro que eu estipulo; se não quiser, entrará num templo, sob juramento, e deixará tanto quanto declara corresponder ao valor dos ensinamentos”. [328 b] [Osório diz: não que isso signifique muito, para mim não significa nada, mas não sei por que as pessoas insistem em dizer que Protágoras era ateu.].
Sobre o método de Protágoras, diz Platão, no Protágoras: Protágoras aqui presente é capaz de proferir longos e belos discursos, como se torna evidente, e é também capaz, quando interrogado, de responder com brevidade; e, se é ele o que interroga, é capaz de aguardar pacientemente e aceitar a resposta, mérito manifestado por poucos. [329 b].
Qual a reputação de Protágoras? Nos diz Platão, no Ménon: Eu sei que um só homem, Protágoras, adquiriu mais riquezas por causa do seu saber do que Fídias, que, de forma brilhante, produziu obras belas, e do que outros dez dos escultores. Mas Protágoras, às ocultas de toda a Grécia, corrompia os discípulos e mandava-os embora piores do que quando os recebia; fê-lo durante mais de quarenta anos. Penso que este homem morreu perto dos setenta anos, tendo passado quarenta na sua profissão. E durante todo este tempo, até ao dia de hoje, não deixou de gozar de uma boa reputação. [91d.] [Osório diz: essa mesma acusação será assacada contra Sócrates! Mas, o impressionante, que leva a duvidar-se da veracidade do deste escrito é: o tempo, o valor, a corrupção dos alunos e a sua não aprendizagem, mas mantendo a boa reputação! Considerando que a Grécia, e Atenas, em especial, tinha uma pequena população, onde os boatos se espalhavam rapidamente, pois os gregos eram tidos por tagarelas, parece que seria simples, num reles boca a boca, toda a Grécia repudiar o homem que tinha boa reputação].
Sobre a amizade ou a importância de Protágoras como conselheiro político, Plutarco, em Péricles, nos diz que: Quando um determinado indivíduo, no pentatlo, atingiu involuntariamente com um dardo Epítimo de Farsália e o matou, Péricles passou um dia inteiro a discutir com Protágoras se, segundo o juízo mais correcto62, se deviam considerar como culpados do funesto acontecimento o dardo, o lançador de dardo ou os organizadores dos jogos. [36] [Osório diz: como o político admirado por todos, o pai da democracia passaria um dia inteiro discutindo com um homem sem valor, como querem alguns? Reflita melhor!].
Diz-se que Êupolis, na peça Aduladores, representa Protágoras como físico, rendo dele no seguinte verso: “Este é o infame que se arma em charlatão sobre os fenómenos celestes, enquanto come os produtos que vêm da terra”. “Protágoras exortava-o a beber, para ter o pulmão bem lavado antes da canícula [o período mais quente do ano].”
Platão, Eutidemo, faz seu Sócrates dizer: “Mas tendo eu ouvido de muitos e muitas vezes este argumento de que não é possível a contradição, fico sempre admirado. Também os discípulos de Protágoras e os pensadores ainda mais antigos faziam uso dele. A mim parece-me que ele é estranho e que subverte não só os outros argumentos como também se subverte a si próprio. [286 b-c].
Sobre o mesmo tema, Aristóteles, na Metafísica, expõe: Por outro lado, se todas as declarações contraditórias são verdadeiras ao mesmo tempo e em relação ao mesmo assunto, é evidente que todas as coisas serão uma só. Uma trirreme, um muro e um homem serão o mesmo, se de todas as coisas é permitido afirmar ou negar qualquer coisa, como devem necessariamente admitir os que sustentam o argumento de Protágoras. Se a alguém parece que o homem não é uma trirreme, é evidente que não é uma trirreme; de modo que também o é, se a declaração contraditória for verdadeira. E acrescenta: aquele que disse que o homem é a medida de todas as coisas, não dizendo outra coisa senão que o que parece a cada um é seguramente isso. Mas, sendo assim, a mesma coisa é ser e não ser, má e boa e o mesmo se diz em relação às afirmações opostas, pelo facto de que muitas vezes uma coisa parece bela a uns e o contrário a outros e a medida é o que aparece a cada um. [b 18 e 11, 6,1062 b 13].
Clemente de Alexandria, em Miscelânea, assevera: Os Gregos afirmam, segundo Protágoras, que se pode contrapor um argumento a qualquer argumento. [6, 65]. E prossegue Séneca informando que: Protágoras diz que se pode argumentar a respeito de todas as coisas, com o mesmo sucesso, tomando qualquer um dos dois lados, mesmo sobre este princípio de todas as coisas serem defensáveis, tomando qualquer um dos lados. [Cartas, 88, 43.].
Segundo conta Eudoxo, Protágoras, criou o argumento mais forte e o argumento mais fraco e ensinou os seus discípulos a censurar e a elogiar a mesma pessoa.
Protágoras era espirituoso, conta-se o seguinte: Quando um fazedor de poemas o insultava por ele não aprovar seus poemas, Protágoras respondeu: “Meu caro, é melhor para mim ouvir insultos da tua parte do que ouvir os teus poemas”.
Uma das partes importante da educação, para Protágoras, segundo nos diz Platão, no Protágoras, que ele ponderava é: Eu penso que, para o homem, uma parte muito importante da educação é ser hábil na poesia; isto significa ser capaz de compreender as expressões ditas pelos poetas, as que estão correctamente formuladas e as que não estão, assim como saber distingui-las e, quando interrogado, explicá-las”. [339 a].
Protágoras foi o primeiro a distinguir os gêneros das palavras, segundo diz Aristóteles, na Retórica: Em quarto lugar, há que distinguir os géneros das palavras, tal como Protágoras: masculino, feminino e neutro120. [3, 1407 b 6].
Protágoras foi o primeiro a tratar dos géneros gramaticais, no âmbito dos requisitos que devem ser respeitados, com vista ao uso correcto da linguagem: a sua motivação seria, pois, predominantemente prática. Assim, o estudo das questões relativas à linguagem explicar-se-ia à luz da importância social e política atribuída ao domínio das artes do logos.
O que é solecismo para Protágoras explica Aristóteles, nas Refutações Sofísticas: Pode cometer-se um erro, não o cometer e parecer que se cometeu e não parecer e cometê-lo; por exemplo, como dizia Protágoras, se “enfurecimento” e “elmo” são masculinos, quem diz “funesta” comete um solecismo segundo este, mas não parece aos outros, enquanto aquele que diz “funesto” parece que comete um solecismo e não o comete. [14, 173 b 17].
Protágoras como crítico literário nos é apresentado por Aristóteles, na Poética, ao dizer: Quem aceitaria as críticas que Protágoras dirige a Homero, quando este, pensando que está a fazer uma prece, dá uma ordem, no verso: “Ó deusa, canta a cólera”? Na sua opinião, exortar a fazer ou a não fazer algo é uma ordem. [19, 1456 b 15.].
Segundo Sexto Empírico, Contra os Matemáticos, Protágoras teria abolido o critério: Alguns incluíram também Protágoras de Abdera no grupo dos filósofos que aboliram o critério, porque afirma que todas as aparências e todas as opiniões são verdadeiras e que a verdade é algo de relativo, pois que tudo o que é aparência ou opinião para um indivíduo existe para ele. [7, 60].
Sobre a aprendizagem e os dons naturais, Protágoras disse, numa obra intitulada Grande Tratado, que: “O ensino requer disposição natural e exercício” e “é preciso aprender começando desde jovem.” Não teria dito isto, se ele próprio tivesse sido um tardio, como pensava e dizia Epicuro em relação a Protágoras.
Informa Eusébio, em Preparação Evangélica, que Protágoras, tendo-se tornado discípulo de Demócrito, adquiriu reputação de ateu. Diz-se que, no tratado Dos Deuses, usou esta introdução: “Não sei.... a forma que os deuses podem ter”. [14, 3, 7].
A frase completa é:
“Não posso saber se os deuses existem ou se não existem ou que forma podem ter; muitos são os obstáculos desse saber: a obscuridade e a brevidade da vida humana”.
Afirma Diógenes Laércio que: Protágoras foi o primeiro a sustentar que em todos os assuntos existem dois argumentos antitéticos entre si. [9, 51]. [Osório diz: é o que dizem e como agem, também, os advogados!]
Favorino, nas suas Histórias variadas, afirma que também A República de Platão se encontra quase toda em Protágoras, nas Antilogiais.
Essa acusação de plágio movida contra Platão poderia explicar-se pelo fato de Protágoras se ter ocupado do conceito de justiça e porventura da caracterização de uma polis ideal em obras que não chegaram até nós.
Protágoras era um homem múltiplo, o que o levava a ter conhecimentos em todos os ramos do saber, Veja-se o que diz Aristóteles, na Metafísica,. Nem isto é verdade, que a geodesia trate das grandezas sensíveis e corruptíveis, pois, destruídas estas, também aquela seria destruída. Mas, por outro lado, a astronomia não trata nem das grandezas sensíveis nem do céu que vemos. As linhas sensíveis não são tais como o geómetra as define; nenhuma das coisas sensíveis é recta ou curva desse modo, o círculo toca a tangente não apenas num ponto, como Protágoras sustentou, ao refutar os geómetras. [3, 2, 997 b 32].
Sobre a importância do treino, da prática, segundo Estobeu, Florilégio, Protágoras dizia que: não existia prática sem arte, nem arte sem prática. [3, 29, 80].
Da educação, Plutarco, em Do Exercício, afirma que Protágoras disse: “A educação não germina na alma, se não se aprofunda muito”. [178, 25].
Em escrito de autenticidade duvidosa, mas muito belo e harmônico com o pensamento de Protágoras, nos textos Greco-Siríacos, traduzidos por Ryssel, Protágoras disse: “O esforço, o trabalho, a instrução, a educação e a sabedoria são a coroa de glória que é tecida a partir das flores de uma língua eloquente e colocada na cabeça dos que a amam. O uso da língua não existe sem esforço; também as suas flores são copiosas e sempre novas: os espectadores, os que aplaudem, os mestres alegram-se; os estudantes fazem progressos e os tontos aborrecem-se, ou talvez nem sequer se aborreçam, pois não são suficientemente inteligentes”. [Rheinisches Museum, LI, 1896, p. 539, n. 32].
Os bens com que Zeus presenteou os homens segundo Protágoras: Então Zeus, temendo que a nossa espécie perecesse toda, manda Hermes levar aos homens um sentimento de respeito e de justiça.
19.2 – Górgias.
Pais: Carmântides.
Local de nascimento: Leontinos, colônia grega na Sicília.
Esposa: é celibatário.
Filhos: não tem.
Obras: “Elogio de Helena”, “Defesa de Palamedes”, “Tratado sobre o não-ser ou sobre a natureza”, “Oração fúnebre”, “Discurso olímpico”, “Discurso pítico”, “Elogio dos Elisinos”, “Elogio de Aquiles”, “A Arte oratória” e “Onomástico”.
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Empédocles.
Contribuição fundamental: nega que alguma coisa exista e, caso exista, não pode ser conhecida, e se existir e puder ser conhecida, não pode ser ensinada pelo homem. Afirma que o discurso é um “o discurso é um grande e soberano senhor, o qual, por meio de um corpo pequeníssimo e invisibilíssimo, opera diviníssimas ações”.
Sobre Górgias diz Kerferd:
“Górgias veio de Leontini, na Sicília, e consta que chegou a uma idade bem avançada. Pausânias (DK 82A7) nos diz que Górgias conquistou ainda mais respeito, em Atenas, do que o famoso Tísias, e que Jasão, quando se tornou tirano de Tessália, pôs Górgias acima de Polícrates, embora a escola de Polícrates tivesse uma boa reputação em Atenas. Daí se infere que ele viveu na corte de Jasão de Férai depois que este se tornou tirano, não antes de 380 a.C. Mas a inferência é totalmente sem fundamento, visto que a história meramente relata uma comparação entre o tipo de retórica de Górgias e a de seu aluno, Polícrates. Tudo o que podemos dizer com alguma probabilidade é que seu nascimento foi talvez por volta de 485 a.C. e que ele ainda vivia no século IV a.C.
Há uma clara tradição de que ele foi discípulo do filósofo siciliano Empédocles, e fez uma famosa visita a Atenas, em 427 a.C., como líder de uma embaixada de Leontini, para persuadir os atenienses a fazer aliança com sua cidade natal contra Siracusa. Discursou na Assembleia e consta que foi muito admirado pela sua habilidade retórica. Essa pode ter sido sua primeira visita a Atenas. Mas isso não é dito em nenhuma fonte, por conseguinte a inferência é muito incerta. Ele, certamente, viajou muito, sem se estabelecer em nenhu- [79] ma cidade em particular; há registro de ter falado em Olímpia, em Delfos, em Tessália, em Boécia e em Argos, onde foi tão detestado que seus alunos foram sujeitos a uma penalidade qualquer. Em Atenas ele fez discursos "epidícticos" e teve alunos que rendeu consideráveis somas em dinheiro.
Em tudo isso, Górgias claramente funcionava como sofista e era claramente conhecido como tal. As sugestões modernas de que ele não deveria ser classificado como sofista repousam em um estreitamento arbitrário do conceito de sofista e não tem, também, nenhuma base em testemunhos antigos.[Osório diz: será que isso decorre do fato de dele termos alguns escritos?]
Acredita-se que seu tratado Sobre natureza foi escrito na 84ª Olimpíada. Isto é, em 444-441 a.C. (DK82A10). Sumários, ou partes, ou referências sobrevivem em discursos intitulados Oração fúnebre, Oração olímpica, Elogio aos eleanos, Elogio a Helena, Apologia de Palamedes. É provável que tenha um tratado técnico sobre retórica, cujo título seria simplesmente Arte ou, possivelmente, Sobre o momento certo no tempo (Peri Kairou) [Osório diz: será que Maquiavel estudou Górgias?]. Finalmente não há por que duvidar da atribuição que se faz a ele do Onomastikon mencinado por Pólux, no prefácio do seu próprio Lexicon, no qual se utiliza dele (IX, l p. 148 Bethe), mas não incluído, creio eu, em nenhum livro sobre os sofistas antes de 1961. [80] O título era também aparentemente o de uma obra de Demócrito (DK 68A33, XI, 4). (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 79 a 81).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Górgias, filho de Carmântides, nasceu em Leontinos, colónia da cidade jônica Cálcis na Sicília, por volta de 490-485 a. C., e os testemunhos provam de forma unânime que viveu até uma idade avançada, tendo morrido com mais de 100 anos. São vários os factores que explicam essa longevidade. Além de se ter mantido solteiro, sem encargos familiares e concomitantes preocupações, o próprio Górgias atribuiu a sua excelente saúde e o perfeito autodomínio das suas faculdades aos benefícios de uma dieta frugal, e a uma vida afastaa dos prazeres2.
Os diversos testemunhos convergem em imputar-lhe uma vida longa e uma produção literária abundante, assim como atestam o montante elevado dos seus honorários, indício dos seus reconhecidos méritos e do sucesso obtido junto dos coetâneos.
Seu irmã Heródico, era médico, sendo que esta profissão irá se refletir em seus ensinamentos.
Foi influenciado pelos ensinamentos de Empédocles.
Viajou bastante pelo mundo grego, tem-se notícias dele nas cidades de Olímpia, Delfos, Beócia, Argos, Tessália e claro, Atenas.
Chegou em Atenas em 427 ao chefiar uma missão diplomática enviada pela sua cidade natal, cujo objectivo era solicitar a aliança dos Atenienses conta Siracusa.
Na visita a Atenas, Górgias impressionou todos ouviram discursar perante a assembleia popular, pela eloquência que demonstrou na sua exposição e pelos efeitos da prosa artística que ficaria ligada ao seu nome sob a designação de “gorgianizar”.
Segundo os estudiosos, mais do que inventar novos procedimentos, soube utilizá-los de forma adequada aos fins pretendidos, tirando partido do ritmo e da harmonia formal, dos paradoxos e das antíteses, explorando as simetrias e as consonâncias e mobilizando a verosimilhança (eikos) e o sentido da oportunidade (kairos).
A intuição do kairos, enquanto captação qualitativa da ocasião propícia ou do que é conveniente fazer ou não fazer, aqui e agora, numa determinada situação, não é um saber redutível a regras e susceptível de ser ensinado.
O sucesso alcançado manifesta-se nos elevados honorários auferidos, embora lhe seja censurada a má gestão desses proventos, já que não acumulou, ao longo dos anos, uma avultada. [Osório diz: ao contrário, o prazer, que ele adorava, levou-o a gastá-la!].
Górgias escreveu numerosas obras entre as quais se destacam as seguintes: Tratado do Não Ente ou da Natureza; Elogio de Helena, Defesa de Palamedes; Discurso Fúnebre; Discurso Olímpico; Discurso Pítico; Elogio dos Habitantes de Élis; Arte (Retórica).
Há, todavia, alguns tópicos particularmente controversos na interpretação da figura de Górgias: terá sido um orador especialista na arte da eloquência ou um sofista? Terá sido primordialmente um retórico que se serve da filosofia ou um filósofo que se serve da retórica?
Não dispomos de nenhuma indicação concludente que confira a Górgias um estatuto particular no âmbito da sofística, em que a doxografia antiga o situa. A sua apresentação como um orador que confinou a sua actividade ao domínio da arte retórica, demiúrgica, da persuasão, desvinculando-se de qualquer pretensão relativa ao ensino da arete, baseia-se sobretudo nas posições que Platão lhe atribui, nos diálogos Górgias e Ménon.
A discussão alargada da influência da retórica nas suas obras prende-se a avaliação da índole filosófica das teses aí sustentadas e da seriedade da respectiva argumentação7. Ora a tendência que prevalce na hermenêutica actual vai no sentido de reconhecer o interesse filosófico dos tratados e dos discursos, estabelecendo uma aproximação entre as diferentes classes de textos que permite integrá-los numa mesma doutrina coerente, em que pontos de vista aparentemente díspares se tornam compatíveis. Assim, o Tratado do Não Ente, embora seja fulcral para o estudo do pensamento de Górgias, no ue respeita aos conteúdos, é também muito elucidativo no plano formal da argumentação. E os discursos que exemplificam a arte retórica, nomeadamente o Elogio de Helena e a Defesa de Palamedes, não são destituídos de problemática especulativa e dão-nos importantes contributos para a reconstituição da filosofia de Górgias.
Núcleos temáticos que Górgias abordou:
- retórica,
- física e
- psicologia,
- questões relativas ao conhecimento e
- questões relativas à ontologia.
Segundo a hipótese hermenêutica de H. Diels8, a atenção dada por Górgias a estes assuntos sofreu uma evolução. Numa primeira fase predominou a reflexão sobre a natureza em geral e sobre a natureza da mente, e foi marcante a influência de Empédocles. Na fase seguinte implementou-se a erística e a dúvida em relação ao alcance do conhecimento e da linguagem, no âmbito da discussão das teses eleatas. Por fim, assiste-se à valorização da retórica, como um eficaz instrumento de poder, em que o orador se apropria de elementos já existentes.
Aspectos da filosofia de Górgias que são hoje objecto de relativo consenso. Em primeiro lugar, importa levar a cabo uma leitura da sua filosofia, que tenha na devida conta a importância da retórica no plano global posições teóricas e práticas. Em segundo lugar, não deverá ser descurada a íntima relação entre os diversos escritos gorgianos, mais precisamente entre o Tratado do Não Ente e os discursos que surgem como “modelos” aparentes da arte de bem falar, ao serviço da praxis docente. Assim, nem o referido tratado nem os discursos devem ser encarados como “jogos” em que predomina o exercício formal da argumentação, mas devem ser analisados no plano dos conceitos e das doutrinas em que estes ganham sentido. [Osório diz: tentou-se, por falta de argumentos para respondê-lo, dizer-se os escritos de Górgias eram apenas “jogos”, brincadeiras, daí a importância do que se acaba de afirmar].
No Tratado do Não Ente, Górgias utiliza os procedimentos específicos da dialéctica eleata, para demonstrar as tres teses enunciadas no começo do mesmo:
nada existe;
se algo existe, não pode ser conhecido;
se algo pode ser conhecido, não é transmissível aos outros.
Górgias tinha amor pelo paradoxo, tom inspirado, com um estilo grandiloquente para as coisas grandiosas, frases destacadas e começos improvisados, tudo coisas que tornam o discurso mais harmonioso e mais solene.
Com efeito, incitando os Atenienses contra os Medos e os Persas e defendendo o mesmo pensamento no Discurso Olímpico, não desenvolveu nenhuma ideia de concórdia entre os Gregos, visto que estava perante os Atenienses, desejosos de um poder que não podiam alcançar, a menos que tomassem medidas de violência.
São mais precisamente os meios correspondentes à atividade eficaz, envolvendo o recurso à força. O passo ilustra a versatilidade gorgiana patente na formulação de diferentes discursos, segundo as circunstâncias: enquanto aconselhava os Gregos a não lutarem entre si, dirigindo antes a sua agressividade contra os bárbaros, não fazia diante dos Atenienses a apologia do ideal de concórdia, pois sabia bem que a renúncia aos expedientes enérgicos, baseados no uso do poder, era incompatível com o desejo de supremacia que os animava.
Górgias teve contactos diversificados com os meios cultos da época. No entanto, quando visitou Atenas em 427, Péricles já tinha morrido (429). Foi influenciado, na sua formação, pelos filósofos da natureza, a pelos pitagóricos em especial por Empédocles, e teve como discípulos e seguidores figuras ilustres como Alcidamante, Isócrates, Licínio, Licofronte, Ménon, Pólo, Protarco, Proxeno, entre outros.
Górgias foi o primeiro a dar poder expressivo e elaboração técnica ao aspecto retórico da cultura. Utilizou tropos, legorias, hipálages, catacreses, hipérbatos, anadiploses, epanalepses, apóstrofes e párisos.
O Górgias foi ele o primeiro a recuperar a arte dos discursos.
Em um Epigrama do começo do Século IV, pode-se ler:
...
b. Para exercitar a alma em combates de excelência
nenhum mortal descobriu, antes, melhor arte do que Górgias.
A sua estátua ergue-se no vale de Apolo,
não como exemplo de riqueza,
mas como exemplo da piedade do seu carácter.
Platão, na sua Apologia, faz seu Sócrates dizer: – Isso parece-me belo que algué seja capaz de educar homens como Górgias de Leontinos, Pródico de Céos e Hípias de Élis. [19 e].
Tendo-lhe sido perguntado qual a causa de ter vivido mais de cem anos, Górgias disse: “Nada ter feitos em sacrifício de outrem [?]”.
Quintiliano informa que: Os escritores mais antigos de tratados de oratória foram Córax e Tísias da Sicília, a quem sucedeu um homem desta mesma ilha, Górgias de Leontino: [3, l, 8 e segs].
Górgias de Leontinos, no fim da vida e já com uma idade avançada, deitou-se e entregou-se pouco a pouco ao sono. Quando um dos seus familiares se aproximou para o ver e lhe perguntou o que fazia, Górgias respondeu: “O sono começa já a entregar-me à sua irmã!”, nos diz Eliano, em Histórias Variadas, 2, 35.
Ateneu conta que Górgias, tendo lido o diálogo seu homónimo, disse aos amigos: “Que bem que Platão sabe satirizar!”. [11, 505 d]
Quando, acima, citou-se e disse-se da importância da medicina praticada pelo irmão de Górgias, tal deveu-se ao fato de o próprio Górgias, segundo nos diz Platão, em seu Górgias, dizer: Várias vezes, eu estive com o meu irmão e com outros médicos, junto de um doente que não queria tomar o remédio nem permitia que o médico cortasse ou cauterizasse; e, quando o médico não o conseguia persuadir, persuadia-o eu sem outra arte para além da retórica. [456 b].
Tratado do Do Não Ente ou Da Natureza.
Como o Tratado do não ente ou da Natureza não chegou até nós, uma paráfrase, a partir de duas versões com pequenas diferenças que temos, é esta:
Górgias diz que nenhuma coisa é. Se é, é incognoscível. Se tanto é quanto é cognoscível, não pode ser evidenciado aos demais. E conclui que não é ao reunir as coisas ditas por outros – isto é, todos os que, dizendo coisas contrárias acerca do-que-é, denunciam-se (como parece) uns aos outros. Alguns, ao dizerem que o ser é uma e não múltiplas coisas. Outros, ao dizerem que é múltiplas coisas e não uma. Alguns, ao dizerem que elas não são geradas. Outros, ao dizerem que são geradas.
Górgias raciocina segundo ambas as partes. Pois é necessário, diz ele, que, se alguma coisa for, mas não seja nem uma nem múltipla, nem não-gerada nem gerada, então coisa nenhum é. Pois se alguma coisa fosse, seria uma ou outra dessas coisas.
Depois de sua primeira e original demonstração, na qual diz que não há ser nem não-ser, Górgias tentar mostrar, como Melisso e Zenão, que o ser não é uma coisa nem múltiplas coisas, que não é não-gerado nem gerado.
Com efeito, se o não-ser é não-ser, o-que-não-é seria tanto quanto o que o-que-é. Pois tanto o-que-não-é é o-que-não-é quanto o-que-é é o-que-é, de modo que as coisas são e não são. Entretanto, se o não-ser é, o ser – a sua antítese – não é, diz ele. Pois se o não-ser é, cabe ao ser não ser. De modo que assim, diz Górgias, nada seria, a menos que ser e não-ser fossem o mesmo. Mas se são o mesmo, ainda assim nada seria, pois tanto o-que-não-é não é quanto o-que-é [não é], já que justamente é o mesmo que o-que-não-é. Eis aí, pois, o argumento dele.
[...]
Depois de seu argumento, Górgias diz que, se algo é, é ou não-gerado ou gerado. Admitindo as afirmações de Melisso, se é não-gerado, é infinito. Mas o infinito não pode ser em parte alguma, pois nem seria em si próprio nem em outro, já que, de acordo com o argumento de Zenão acerca do espaço, haveria dois infinitos, tanto aquele-que-é-em quanto aquele-no-qual-é – e coisa nenhuma seria em parte alguma.
Com efeito, em razão do seguinte o ser não é não-gerado nem gerado. Nada seria gerado a partir do-que-é nem a partir do-que-não-é. Pois se fosse gerado a partir do-que-é, se transformaria, o que é impossível, já que, se o-que-é se transformasse, não mais seria o-que-é. Do mesmo modo, se o-que-não-é fosse gerado, não mais seria o-que-não-é. Certamente nada poderia ser gerado a partir do-que-não-é. Se, com efeito, o-que-não-é não é, nada pode ser gerado a partir do nada. Mas se o-que-não-é é, nada poderia ser gerado a partir do-que-é, porque nada é gerado a partir do-que-não-e. Se é necessário que, se algo for, que seja não-gerado ou gerado, então é impossível também que algo seja.
E ainda, se algo é, é ou uma coisa ou múltiplas, diz Górgias. Se não é nem uma nem múltiplas coisas, coisa nenhuma seria. E – diz ele – certamente uma não seria, porque o um seria verdadeiramente incorpóreo, na medida em que não possui nenhuma grandeza, o que é confirmado pelo argumento de Zenão. [...]
Pois se o ser não é uma coisa nem múltiplas, nada se moveria. Pois não seria movido por nada, ou não mais seria nem se manteria do mesmo modo, mas, por um lado, não seria e, por outro não viria a ser. E ainda, se também se modificasse, não seria contínuo, quer se mova, quer seja movido: seria dividido o ser, não estaria em parte alguma. De modo que, movendo-se todas as suas partes, em todas as suas partes seria dividido. Mas se é assim, tudo não é. Pois falta ser aí onde é dividido, diz Górgias, e chama isso de dividido ao invés de vazio, do mesmo modo que está escrito nos chamados Argumentos de Leucipo.
Então se nada é, essas demonstrações o dizem por completo.
Pois é preciso que as coisas pensadas sejam, e o-que-não-é, já que não é, não pode ser pensado. Mas se fosse assim, ninguém diria nada falso, diz Górgias, nem mesmo se disser que bigas de guerra combatem no mar, pois assim todas essas coisas seriam. Com efeito, as coisas vistas e as coisas ouvidas serão por isso: porque cada uma delas é pensada. Mas se não é assim, do mesmo modo que não vemos as coisas que são, assim também não são as coisas que vemos ou pensamos. Com efeito, mesmo que muitos as vissem e muitos também as pensassem, não seria evidente que tipo de coisas é verdadeiro, de modo que, se tais coisas também são, para nós serão incognoscíveis.
Mas se são cognoscíveis, como, diz Górgias, poderia alguém evidenciá-las a outro? Pois, diz Górgias, como alguém poderia evidenciar, por meio da palavra, as coisas que vê? Ou como poderia evidenciá-las para alguém que as escute e não as veja? Pois do mesmo modo que a visão não conhece os sons, assim também a audição não ouve as cores, mas os sons. E aquele que fala não fala a cor nem a coisa. Então como poderia alguém que não tem determinada coisa no espírito vir a tê-la por intermédio de outra pessoa através da palavra ou do signo, que é diferente da coisa, a não ser que ou a veja se for uma cor ou a escute se for um som? Pois, primeiro, ninguém diz o som nem a cor, mas a palavra, de modo que não é possível pensar a cor, mas vê-la, bem como não se é capaz de pensar o som, mas ouvi-lo. Mas se é possível perceber, ouvir e ler a palavra, como o que escuta terá no espírito a mesma coisa? Pois não é possível o mesmo estar simultaneamente em numerosas pessoas e ser um ente separado, pois um seria dois. Mas se, diz Górgias, fosse em muitos e o mesmo, nada impede que não lhes pareça semelhante, não sendo neles semelhantes em cada lugar e em si mesmo. Se houvesse algo de tal qualidade, seria um e não dois. Porém, um mesmo ser humano não parece perceber coisas semelhantes ao mesmo tempo, mas coisas diferentes pela audição e pela visão, e diferentemente tanto agora quanto antes, de modo que dificilmente alguém perceberia uma coisa idêntica a outra.
Assim, o ser não é. Ninguém pode evidenciar o que conhece a outro, pois tanto o não-ser é coisa dizível quanto porque ninguém conhece o mesmo que outro.
Todos os filósofos, incluindo este Górgias, consideram os problemas dos filósofos mais antigos, de modo que, na investigação acerca daqueles também será preciso examinar a fundo os problemas destes.
Planudes, em A Hermógenes, perservou um exemplo do estilo dos discursos de Górgias, onde ele louva os Atenienses que se mostraram mais deodados na guerra):
O que falta a estes homens daquilo que os homens devem possuir? E o que está, pelo contrário, presente do que não deve estar presente? Possa eu dizer o que quero, queira eu dizer o que devo, escapando à indignação divina e fugindo à inveja humana. Estes possuíram uma excelência divina e uma mortalidade humana, preferindo muitas vezes a brandura da equidade à inflexibilidade da justiça, a justeza dos raciocínios à exactidão da lei, pensando que esta era a lei mais divina e mais universal: na altura devida o dever dizer, calar, fazer [e deixar por fazer], exercitando sobretudo duas qualidades das que são devidas: a razão [e a força], uma para deliberar, a outra para actuar, cuidando dos que sãs injustamente infelizes, arrogantes de acordo com a sua conveniência, com bom carácter em relação ao que é ajustado, capazes de deter com a sensatez da razão a insensatez [da força], insolentes com os insolentes, honestos com os honestos, intrépidos com os intrépidos, terríveis nos momentos terríveis. Como testemunho disto, ergueram os troféus dos inimigos, oferendas a Zeus, oferendas votivas da sua parte, não sendo inexperientes do inato sentido bélico, nem dos amores legítimos nem da luta armada nem da paz amiga da beleza, reverentes para com os deuses pela justiça, piedosos para com os pais pelos seus cuidados, justos para com os cidadãos pela igualdade, leais para com os amigos pela sua fidelidade. Por conseguinte, depois de estes morrerem, não morre a saudade que deixaram, mas vive, imortal, nos corpos mortais, embora eles já não vivam. [5, 548 Walz].
O Elogio de Helena:
A harmonia, para uma cidade, é a coragem dos seus cidadãos; para um corpo, a beleza; para uma alma, a sabedoria; para uma acção, a excelência; para um discurso, a verdade, e os contrários destas coisas são formas de desarmonia. É preciso honrar com luvor o que é digno de louvor e censurar o que for indigno: uma mulher, um discurso, um feito, uma cidade. De facto, é igualmente erro e ignorância censurar o louvável e louvar o censurável.
É dever do mesmo homem dizer correctamente o que é devido e refutar o que se disse erradamente. Importa refutar os detractores de Helena, mulher a respeito da qual se tornou uníssono e unânime quer o testemunho dos poetas que falaram das coisas que ouviram93 quer a fama do seu nome, que se tornou um símbolo de calamidades. Portanto, eu quero, desenvolvendo o discurso segundo um certo raciocínio, libertá-la da acusação que a difamou e, ao demonstrar que os detractores mentem e ao mostrar a verdade, por termo à ignorância.
Não é desconhecido nem para alguns que, pela natureza e pela estirpe, a mulher que é objecto deste discurso sob entre os primeiros homens e as primeiras mulheres. Com efeito, é sabido que sua mãe foi Leda e seu pai um deus, Zeus, embora alegadamente fosse um mortal, Tíndaro; um teve a reputação de ser, porque o era de facto, e o outro foi contestado, porque didiz-se que era; um foi o mais poderoso dos homens e o outro foi o senhor do Universo.
Nascida de tais pais, herdou uma beleza divina que recebeu e não deixou ficar escondida. Ela despertou, em muitos, muitas paixões; com um só corpo, atraiu inúmeros corpos de homens que alimentavam grandes ideias de grandes feitos. Destes, uns tinham grandeza de bens, outros o prestígio de uma nobreza antiga, outros o vigor da têmpera individual, outros a força da sabedoria adquirida. E todos vinham movidos pelo amor ávido de vitória ou por uma avidez invencível de glória.
Porquê e de que forma alguém satisfez o seu amor com Helena, não o direi. De facto, informar os que sabem dá credibilidade, mas não traz prazer. Por conseguinte, ultrapassando agora com o discurso o tempo de outrora, avançarei para o princípio do discurso que me proponho fazer e exporei as causas pelas quais se tornou verosímil a viagem de Helena para Tróia.
Com efeito, ela fez o que fez ou por vontade do Destino e pelas decisões dos deuses e pelos decretos da Necessidade ou arrebatada à força ou persuadida pelos discursos ou submetida pelo amor. Se foi pela primeira causa, o responsável merece ser responsabilizado, pois é impossível deter a providência divina com a previdência humana. Não é próprio da natureza das coisas que o mais forte seja detido pelo mais fraco, mas que o mais fraco seja governado e conduzido pelo mais forte; que o mais forte chefie e o mais fraco siga. Deus é mais forte do que o homem em força e em sabedoria e noutros aspectos. Se se deve atribuir a culpa ao Destino ou a um deus, deve libertar-se Helena da ignomínia.
Se foi arrebatada à força e violentada ilegitimamente e ultrajada com injustiça, é evidente que o raptor, ao ultrajá-la, procedeu injustamente e que a raptada, ao ser ultrajada, sofreu infortúnio. O bárbaro que levou a cabo um empreendimento bárbaro merece ser responsabilizado pelo discurso, pela lei e pela ação: pelo discurso merece a acusação; pela lei, o ostracismo; pela acção, o castigo. Mas a que foi violentada e arrancada à pátria e privada dos amigos não deveria ser mais lamentada do que difamada? De facto, ele fez coisas terríveis e ela sofreu-as. É justo compadecermo-nos dela e detestá-lo a ele.
Mas, se foi o discurso que a persuadiu e enganou a sua alma não será difícil defendê-la em relação a isso e libertá-la desta acusação. O discurso é um tirano poderoso que, com um corpo microscópico e invisível, executa ações divinas. Consegue suprimir o medo e por termo à dor e despertar a alegria e intensificar a paixão. Ora eu vou mostrar que isto é assim.
É preciso também prová-lo perante os ouvintes. Considero e denomino toda a poesia um discurso com medida. Daqueles que a ouvem apodera-se um arrepio de terror, uma compaixão comovida e uma saudade nostálgica; pelas palavras, a alma experimenta um sofrimento particular em relação aos sucessos e infortúnios de acontecimentos e de pessoas que lhe são alheios. Pois bem, vou passar a um outro argumento.
Os encantamentos inspirados pelas palavras levam ao prazer e libertam da dor. Na verdade, a força do encantamento, misturando-se com a opinião da alma, sedu-la, persuade-a e transforma-a por feitiçaria. Descobriram-se duas artes de feitiçaria e de magia que são, uma os erros da alma e a outra os enganos da opinião.
E quantos, modelando um falso discurso, persuadiram e persuadem tantos a respeito de tantos assuntos! Se, de facto, todos possuíssem a respeito de tudo memória do passado, conhecimento do presente e previsão do futuro, o discurso não seria exatamente igual96; mas agora não lhes é fácil nem recordar o passado nem ponderar sobre o presente nem prever o futuro. Deste modo, a maior parte dos homens, sobre a maior parte dos assuntos, oferece à alma a opinião como conselheira. Todavia, a opinião, que é vacilante e insegura, lança em situações vacilantes e inseguras os que dela fazem uso.
Que motivo nos impede de pensar que também Helena terá sido seduzida igualmente pelos discursos, não de sua livre vontade, mas como se tivesse sido raptada pela força de poderosos? É possível ver como a força de persuasão prevalece; a persuasão não tem a aparência de necessidade, mas tem a sua força. O discurso persuasor da alma persuade-a e força-a a acreditar nas coisas ditas e a aprovar o que foi feito. Portanto, quem persuade é quem age mal, porque coage; a persuadida, porque foi coagida pelo discurso, é erradamente difamada.
Para compreender que a persuasão, quando acrescentada ao discurso, molda a alma como quer, é preciso estudar, em primeiro lugar, os discursos dos astrônomos, que, ao substituírem uma opinião por outra ou ao criarem uma nova opinião, fazem o incrível e o obscuro parecerem evidentes aos olhos da opinião; em segundo lugar, os debates compulsórios conduzidos por meio de discursos, em que um único discurso, escrito com arte, mas não inspirado na verdade, encanta e persuade uma grande multidão98; em terceiro lugar, os debates filosóficos, nos quais se mostra que a rapidez do pensamneto também torna mutável a credibilidade da opinião.
A força do discurso em relação à disposição da alma é comparável às prescrições dos medicamentos em relação à natureza dos corpos. Assim como os diferentes medicamentos expulsam do corpo os diferentes humores e uns põem termo à doença e outros à vida, assim também de entre os discursos uns entristecem e outros alegram, uns amedrontam e outros incutem coragem nos ouvintes, outros há que envenenam e enfeitiçam a alma com uma persuasão perniciosa.
Foi também explicado que, se ela foi persuadida pelo discurso, não agiu erradamente, teve sim uma má sorte. Vou expor a quarta causa com um quarto argumento. Com efeito, se foi o amor quem fez todas essas coisas, não será fácil escapar à acusação da falta que lhe foi imputada. De facto, as coisas que vemos não têm a natureza que nós queremos, mas a que cabe a cada uma. Através da vista, a alma é moldada até no seu carácter íntimo.
Por exemplo, sempre que a vista vir formações inimigas e um equipamento inimigo com o armamento inimigo de bronze e de ferro, um de defesa e um outro de ataque, fica imediatamente transtornada e transtorna a alma, a ponto de, muitas vezes, os homens fugirem, em pânico, do perigo futuro como se ele estivesse presente. Neste caso, o forte hábito de obediência à lei é destruído pelo medo produzido pela vista, cuja intervenção faz desprezar quer o que é belo, segundo a lei, quer o que a vitória proporciona de bom.
Alguns há que, ao verem coisas temíveis, perdem, nesse preciso momento, a presença de espírito que ainda possuiam; o medo extingue e expulsa assim o pensamento. E muitos caem em sofrimentos vãos, em doenças terríveis e em loucuras insanáveis; deste modo, a vista regista na mente imagens das coisas vistas. E omitem-se muitas impressões terríveis; mas as omitidas são semelhantes às mencionadas.
Além disso, os pintores, quando, a partir de muitas cores e corpos, compõem, de modo perfeito, um só corpo e uma figura, deleitam a vista. A criação de figuras humanas e a cinzelagem de estátuas proporcionam aos olhos uma contemplação agradável105. É, pois, natural que a vista se inquiete com umas coias e deseje outras. Muitas coisas despertam, em muitos, amor e desejo de muitas acções e corpos.
Se o olhar de Helena, deleitado com a figura de Alexandre, despertou na sua alma desejo e combate amoroso, será de admirar? Se o amor, sendo um deus tem a força divina dos deuses, como poderia um ser inferior repeli-lo e resistir-lhe? E, se é uma doença humana e uma ignorância da alma, não é de censurar como culpa, mas de considerar como uma desventura. De facto, vem como vem, pela armadilha da sorte e não pela deliberação da mente, pelos constrangimentos do amor e não pelos preparativos da arte.
Como, por conseguinte, se deve julgar justa a censura de Helena que, em todos os casos, está isenta de culpa, se fez o que fez dominada pelo amor ou persuadida pelo discurso ou arrebatada à força ou constrangida pela necessidade divina? [Osório diz: as quatro causas].
Com este discurso, afastei a má reputação de uma mulher, e respeite o procedimento que me propus no início do discurso. Procurei por termo à injustiça da difamação e à ignorância da opinião; quis escrever um discurso que fosse um encómio de Helena e uma diversão para mim.
A defesa de Palamedes:
“A acusação e a defesa não se tornam um juízo sobre a morte. A natureza decretou a morte com um voto manifesto a todos os mortais, no dia em que surgiu. O perigo existe em relação à desonra e à honra, se é necessário que eu morra segundo a justiça ou que eu morra violentamente, com os maiores ultrajes e sob a mais vergonhosa acusação.
Existindo estas duas possibilidades, uma tende-la vós em vosso poder, a outra, tenho-a eu: do meu lado, está a justiça; do vosso, a força. Se quiserdes, podereis facilmente matar-me, pois tendes poder sobre estas questões, em relação aos quais me encontro sem poder algum.
Se o acusador Ulisses tivesse feito a acusação por amor à Grécia ou por saber claramente que eu tinha traído a Grécia junto dos bárbaros ou por calcular de algum modo que as coisas se passavam assim, ele seria o melhor dos homens; e como não, se ele salva a pátria, os pais e toda a Grécia e, além disso, castiga o culpado? Mas, se foi por inveja ou por fraude ou por perfídia que inventou esta acusação, do mesmo modo que, por causa daqueles motivos, seria o melhor dos homens, assim também por causa destes será o pior.
Ao falar sobre estas coisas, por onde começarei? O que dizer em primeiro lugar? Para onde hei-de dirigir a defesa? A acusação não demonstrada produz o aturdimento evidente e, por causa do aturdimento, é forçoso que me sinta embaraçado no meu discurso, a não ser que depreenda alguma coisa a partir da própria verdade e da necessidade presente, tendo-me encontrado com mestres mais perigosos do que providos de recursos.
De fato, sei com clareza que o acusador me acusou sem conhecer o assunto com clareza; sei, com clareza para mim mesmo, que não fiz tal coisa. Nem sei como alguém poderia saber o que não aconteceu. Mas, se fez a acusação presumindo que as coisas eram assim, demonstrar-vos-ei de duas maneiras que não diz a verdade, pois eu nem, mesmo que quisesse, teria podido nem, mesmo que pudesse, teria querido empreender tais ações.
Abordarei, em primeiro lugar, este argumento de que me é impossível fazer isso. Com efeito, era preciso que surgisse algum princípio de traição, e o princípio poderia ser uma conversa, pois, antes de haver a ação, é necessário que primeiro haja conversações. E como poderia ter havido conversações sem um encontro? E como poderia ter havido um encontro, sem que aquele tivesse enviado alguém até mim ou que da minha parte alguém tivesse ido ao seu encontro? Uma mensagem escrita não chegaria sem um portador.
Mas isto pode suceder pela conversa. E, nesse caso, ele ter-se-ia encontrado comigo e eu com ele. De que modo sucedeu? Quem foi ter com quem? Um grego encontra-se com um bárbaro. Como nos entendemos e como falávamos? Sozinhos? Mas não compreenderíamos as palavras um do outro. Com um intérprete? Então uma terceira pessoa tornar-se-ia testemunha de coisas que tinham de ser secretas.
Mas, admitimos também que isso aconteceu, embora não tenha acontecido. Era preciso, depois disto, dar e receber mútuas garantias. Qual seria a garantia? Um juramento? Quem estaria disposto a confiar em mim, um traidor? Mas se fossem reféns? Quais? Por exemplo, eu poderia ter dado o meu irmão (não tenho, na verdade, outro) e o bárbaro poderia ter dado um dos seus filhos. A garantia seria assim muito segura, tanto da parte dele em relação a mim, como da minha parte em relação a ele. Mas isto, se tivesse sucedido, ter-se-ia tornado evidente para todos vós.
Alguém dirá que concluímos o pacto mediante pagamento em dinheiro, aquele dando-o e eu recebendo-o. Porventura por pouco dinheiro? Mas não é verossímil receber pouco dinheiro por importantes serviços prestados. Ou por muito dinheiro? Mas qual foi o transporte? Como poderia um só transportá-lo? E muitos? Se tivessem sido muitos, muitas seriam as testemunhas da traição, mas se foi um só, não seria muito o dinheiro transportado.
Transportaram-no de dia ou de noite? Mas os guardas são muitos e densamente colocados e não seria possível passar despercebido por eles. Então de dia? A luz certamente é inimiga de tais empreendimentos. Seja. Fui eu que saí e recebi o dinheiro ou aquele que chegou que o transportava? Efetivamente, em ambos os casos existem dificuldades. Se eu o tivesse recebido, como o poderia ter escondido dos de dentro e dos de fora? Onde o teria posto? Como o teria guardado? Ao servir-me dele, ter-se-ia tornado evidente, se não me servisse, que proveito tiraria desse dinheiro?
Pois bem, admitamos que aconteceu o que não aconteceu. Encontramo-nos, falamos, entendemo-nos, recebi o dinheiro da parte deles, passei despercebido com ele, escondi-o. Era preciso, sem dúvida, fazer aquelas coisas por causa das quais isso aconteceu. Isso é ainda mais impraticável do que as coisas referidas. Ao fazê-lo, atuei sozinho ou com outros. Mas a ação não foi obra de um só. Foi todavia com outros? Com quais? É evidente que com os que se encontram comigo. Homens livres ou escravos? Vós, entre os quais me encontro, sois homens livres. Quem é que, de entre vós, sabe alguma coisa? Que fale. Quanto aos escravos, como seria verossímil que recorresse a eles? Estes acusam deliberadamente com vista à liberdade ou por necessidade, quando pressionados.
E quanto à ação, como teria ocorrido? Era preciso ter introduzido forças inimigas evidentemente mais fortes do que vós, o que era impossível. Como é que eu as introduziria? Através das portas? Mas não me cabia a mim nem fechá-las nem abri-las, mas cabia aos guardas que têm essa incumbência. Porventura por cima dessas muralhas, por meio de uma escada? Não teria eu sido visto? Na verdade, está tudo cheio de guardas. Através de uma brecha na muralha? Ter-se-ia tornado evidente para todos. Com efeito, a vida militar é ao ar livre; são acampamentos, em que todos vêem tudo e todos são vistos por todos. Era-me totalmente impossível, sob todos os pontos de vista, fazer isso.
Examinai em conjunto também isto: por que motivo me conviria querer fazer estas coisas, mesmo que, em absoluto, as pudesse fazer? Ninguém quer com certeza correr os maiores perigos gratuitamente nem ser o mais pérfido em questões da maior perfídia. Então por que razão? Volto de novo a esta questão. Talvez para exercer um poder absoluto? Sobre vós ou sobre bárbaros? Mas sobre vós seria impossível, pois vós sois tantos e de tal índole que os maiores dons são vosso apanágio: as virtudes dos antepassados, a copiosidade de riquezas, os altos feitos, a força de alma, o governo de cidades.
Sobre os bárbaros então? Mas quem haveria de o permitir? Com que poder, eu, um grego, me apoderarei de bárbaros, sendo eu um só e eles muitos? Persuadindo ou usando a força? Com efeito, nem eles quereriam ser persuadidos nem eu os poderia forçar. Talvez estivessem dispostos a entregar-se a quem está disposto a aceitá-los, dando-me isso como recompensa pela minha traição? Mas tanto acreditar como aceitar isto seria uma grande loucura. Quem, de fato, escolheria a escravidão em vez da realeza, o pior em vez do melhor?
Alguém poderá dizer que, desejando dinheiro e riquezas, eu empreendera tais atos. Acontece que possuo uma fortuna satisfatória e não preciso de mais. Os que precisam de muitas riquezas são os que gastam muito, são não aqueles que dominam os prazeres da natureza, mas os que são escravos dos prazeres e procuram adquirir honras a partir da riqueza e da magnificência. Mas nada disto se aplica a mim. Apresentarei a minha vida passada como testemunho fidedigno de que falo a verdade; vós sois testemunhas deste meu testemunho. De fato, convivestes comigo e por isso sabeis estas coisas.
E um homem medianamente prudente não empreenderia tais atos por causa das honras. As honras provêm da virtude e não da perfídia. E que honra poderia existir para o homem que traísse a Grécia? Além disso, acontece que a mim não me faltam honras, pois eu era honrado por causa dos méritos mais honrosos pelos homens mais honrados e honrado por vós por causa da minha sabedoria.
Por segurança também ninguém cometeria tais atos. O traidor é inimigo de tudo, da lei, da justiça, dos deuses, do conjunto dos homens; de fato, transgride a lei, subverte a justiça, corrompe as massas, ultraja o sagrado e não goza de segurança aquele cuja vida decorre entre os maiores perigos.
Seria, então, por querer auxiliar os amigos ou prejudicar os inimigos? Por essas razões uma pessoa poderia cometer uma injustiça. Mas a mim tudo sucedeu ao contrário: fiz mal aos amigos, auxiliei os inimigos. Por conseguinte, a ação não envolvia qualquer aquisição de bens, nem existe ninguém que trame algum malefício pelo desejo de sofrer prejuízos.
Resta saber se eu atuei para fugir a um temor ou a um trabalho penoso ou a um perigo. Ninguém poderia dizer em que é que isto me diz respeito. São, pois, duas as razões pelas quais todos fazem tudo o que fazem: para conseguir um lucro ou para evitar uma perda; e tudo o que se maquina de mau, para lá destas razões costuma envolver o que atua em grandes males. Que eu terei feito mal a mim mesmo, atuando assim, está fora de dúvida. Com efeito, ao trair a Grécia, traía-me a mim mesmo, traía os pais, os amigos, a honra dos antepassados, os templos ancestrais, as sepulturas, a pátria, a maior da Grécia. E teria entregue nas mãos dos que me tinham prejudicado aquilo que para todos está acima de tudo. [Osório diz: embrião da teoria dos jogos?]
Examinai também isto. Não se tornaria insuportável a minha vida, se tivesse feito tais ações? Para onde me havia de dirigir? Talvez para Hélade (Grécia)? Para ser castigado por aqueles que foram injustiçados por mim? E quem, dos que tinham suportado injustiças, me pouparia? Mas, e se permanecesse entre os bárbaros, descurando tudo quanto há de mais importante, privado da mais bela honra, constrangido a viver na mais ignominiosa infâmia, abandonando os esforços feitos na minha vida passada pela virtude? E isto, por minha própria culpa, o que é precisamente o mais ignominioso para um homem: ser infeliz por sua própria culpa.
Mas não teria podido viver de modo tranquilo entre os bárbaros, pois eles sabiam que eu tinha cometido a maior deslealdade ao entregar os amigos aos inimigos. E, privada de lealdade, a vida não é suportável. Quem tenha perdido as riquezas ou tenha sido derrubado do poder ou tenha fugido da pátria poderia recuperar tudo isto; mas quem perca o sentimento de lealdade não poderá jamais readquiri-lo. A partir do que foi dito, fica demonstrado que, mesmo podendo, não quereria, e que, mesmo querendo, não poderia trair a Grécia.
Quero, depois disto, dirigir-me ao acusador. Em quem é que confiaste, sendo tu quem és, ao acusares-me a mim, sendo eu quem sou? Vale a pena examinar com cuidado que tipo de homem és e que coisas tu dizes, como uma pessoa indigna contra alguém que não é digno de ser acusado. Porventura me acusas com um conhecimento preciso ou baseado em conjecturas? Se é com um conhecimento preciso, sabes, por teres visto ou por teres participado ou por te teres informado junto a alguém que participou? Se foi por teres visto, diz a estes juízes a maneira, o lugar, a altura, quando e onde e como viste; se foi por teres participado, estás sujeito às mesmas acusações; se foi por teres ouvido de quem participou, que essa pessoa avance, se mostre, testemunhe, seja ela quem for, pois a acusação baseada num testemunho é, assim, mais digna de crédito; mas, até agora, nenhum de nós está a apresentar testemunhos.
Dirás talvez que o não apresentares tu testemunhos de coisas que, em tua opinião, aconteceram equivale ao fato de não os apresentar eu, relativamente a coisas que não aconteceram . Mas não é o mesmo. É, de certo modo, impossível testemunhar acerca do que não aconteceu; mas, sobre o que aconteceu, não só é possível, como é fácil, e não só é fácil, mas também indispensável. Mas tu não conseguiste encontrar um único testemunho, nem sequer falsos testemunhos; quanto a mim, não me é possível encontrar qualquer um, nem de uns nem de outros.
É claro que tu não conheces com precisão aquilo de que me acusas; resta, portanto, que tu, sem saber nada ao certo, te baseias em conjecturas. Tu, o mais audacioso de todos os homens, confiando numa opinião (a coisa menos fiável), ousas acusar um homem de um delito susceptível de pena de morte. Que delito desse gênero te consta que ele tenha cometido? De fato, fazer suposições é comum a todos, sobre todas as matérias, e nisto tu não és, em nada, mais sábio do que os outros. Mas não se deve confiar nos que se fundamentam em suposições, mas nos que sabem; nem se deve considerar a opinião mais digna de crédito do que a verdade; pelo contrário, há que se considerar a verdade muito mais digna de crédito do que a opinião.
Acusaste-me, nas palavras que proferiste, de duas características opostas, sabedoria e loucura, que o mesmo homem não consegue ter. Assim, quando dizes que sou engenhoso, hábil e rico em recursos, acusas-me de sabedoria; quando dizes que eu traí a Grécia, acusas-me de loucura. Loucura é tentar empreender ações impossíveis, inúteis e desonrosas, a partir das quais uma pessoa prejudicará os amigos, será útil aos inimigos e tornará a sua própria vida censurável e perigosa. E, na verdade, como se deverá confiar num homem que, no mesmo discurso, ao falar aos mesmos homens sobre as mesmas coisas, diz coisas totalmente contrárias?
Gostaria que me informasse se consideras os homens sábios insensatos ou dotados de senso. Se os consideras insensatos, o discurso é novo, mas não é verdadeiro; se os consideras dotados de senso, não é próprio de pessoas sensatas cometer os maiores erros e preferir o mal aos bens presentes. Se, portanto, sou sábio, não errei; se errei, não sou sábio. E, assim, em ambos os casos, tu serás mentiroso.
Ora, embora te possa acusar de teres sido antes tu a praticar muitas e graves ações, antigas e recentes, não quero fazê-lo, pois quero ser absolvido desta acusação não graças à tua má conduta, mas graças à minha boa conduta. Para ti, era isto.
A vós, senhores juízes, quero falar-vos de mim, dizer-vos algo detestável, mas verdadeiro, não apropriado a quem não foi acusado, mas conveniente a quem foi acusado. Vou agora dar-vos conta da minha vida passada e da sua razão de ser. Peço-vos, portanto, se eu vos recordar algumas boas ações realizadas por mim, que ninguém leve a mal as minhas palavras, mas que considereis necessário que quem foi acusado de modo terrível e falsamente diga também coisas verdadeiras e boas, diante de vós que as conheceis. E isto é o mais agradável para mim.
A primeira coisa e a segunda e a mais importante é que, absolutamente, a minha vida passada, desde o princípio ao fim, é irrepreensível, isenta de toda a culpa. Ninguém poderia, diante de vós, proferir a meu respeito uma acusação verdadeira de perfídia. Nem o próprio acusador forneceu qualquer prova do que disse. Assim, o seu discurso tem o impacto de uma difamação sem prova.
E poderia também afirmar e, tendo-o afirmado, não mentiria nem seria contestado que sou não só irrepreensível como também um grande benfeitor vosso, dos Gregos e de todos os homens, dos contemporâneos e dos vindouros. De fato, quem teria tornado a vida humana bem provida de recursos, em vez de desprovida, e ordenada, em vez de desordenada, inventado táticas de guerra, aspecto muito importante para a superioridade militar, e leis escritas, guardiãs da justiça, caracteres escritos, instrumento da memória, medidas e pesos, meios eficazes de trocas comerciais, o número, guardião dos bens, os sinais luminosos, mensageiros muito poderosos e muito rápidos, e o jogo dos dados, inofensivo passatempo dos tempos livres? Por que razão vos recordei tudo isto?
Para vos fazer ver, por um lado que dedico a minha atenção a este tipo de coisas; para fornecer uma prova, por outro lado, de que me mantenho afastado de ações vergonhosas e perversas. É impossível que quem entretém o espírito com isto se dedique a esse tipo de atos. E julgo que é justo que eu não seja prejudicado por vós, já que eu não vos prejudico.
Nem mesmo mereço um mau tratamento por causa de outros atos, nem por parte dos mais novos nem por parte dos mais velhos. Não sou motivo de desgosto para os mais velhos, não sou inútil aos mais novos, não invejo os afortunados, compadeço-me dos infelizes. Não desprezo a pobreza, nem prefiro a riqueza à virtude, mas a virtude à riqueza. Não sou sem préstimo nas assembleias, nem inativo nos combates, faço o que me está destinado e obedeço aos chefes. Não me cabe a mim louvar-me; no entanto, a presente ocasião constrange-me a defender-me com todos os meios, acusado como sou de tais culpas.
Resta-me dirigir-vos uma palavra a vosso respeito; dita esta, porei termo à defesa. A compaixão, as súplicas, os pedidos dos amigos são imprescindíveis, quando o juízo depende da multidão. Perante vós, que sois e tendes a fama de ser os primeiros de entre os Gregos, não é preciso que vos persuada, nem com pedidos de ajuda aos amigos nem com súplicas nem com palavras que movem à piedade; mas preciso de me libertar desta acusação pela máxima evidência do justo, informando-vos da verdade e não vos enganando.
É preciso que não presteis mais atenção às palavras do que aos fatos, nem preferirais as acusações às contestações nem considereis que o tempo breve é um juiz mais sábio do que o tempo longo nem julgueis mais fiável a calúnia do que a experiência. Em todos os assuntos, os homens bons têm a grande preocupação de não errar, mais ainda nas coisas irreparáveis do que nas reparáveis: estas podem evitar-se com a previsão, mas são irremediáveis com o arrependimento. Verifica-se uma questão deste gênero, sempre que se julga um homem por um delito capital, como é o caso agora diante de vós.
Se, por meio das palavras, fosse possível a verdade dos fatos tornar-se pura e manifesta aos ouvintes, seria fácil a sentença a partir do que já foi dito. Mas, como não é esse o caso, protegei a minha pessoa, aguardai mais tempo; decretai, no entanto, a sentença segundo a verdade. Ao mostrar-vos injustos, correis um grande risco de destruir uma reputação e adquirir outra. Para os homens bons, a morte é preferível a uma reputação desonrosa: aquela é o fim natural da vida, esta é a doença em vida.
Se me condenardes à morte injustamente, isso tornar-se-á evidente para muitos, pois eu não sou um desconhecido e a vossa perversidade tornar-se-á conhecida e manifesta para todos os Gregos. Sereis vós e não o acusador que recebereis a responsabilidade da injustiça, manifesta a todos, pois que em vós está a decisão final do julgamento. Maior erro do que este não poderia existir. Ao decidirdes injustamente, não só cometereis um erro em relação a mim e a meus pais, mas também ficareis vós próprios com a consciência de ter levado a cabo um ato terrível, ímpio, injusto e contrário às leis, por condenardes à morte um homem que é vosso companheiro de luta, útil a vós, benfeitor da Grécia (Gregos contra um grego), sem terdes provado contra ele uma injustiça manifesta ou culpa credível.
Estão ditas as ideias. Pela minha parte, termino. Recapitular brevemente o que longamente se expôs só se justifica diante de juízes medíocres. Mas não é justo pensar que os Gregos, que são os primeiros de entre os primeiros, não prestem atenção, nem recordem o que foi dito”.
Aristóteles, na Retórica, afirma que Górgias disse que “se tem de destruir a seriedade dos adversários com o gracejo e o gracejo com a seriedade” e tinha razão. [3, 18, 1419 b 3].
Sobre o estilo de Górgias, é ainda Aristóteles, também na Retórica, quem regista a frieza do estilo que encontra-se no uso da metáfora. Por exemplo, Górgias fala em “assuntos pálidos (trémulos) e exangues”. Diz: “Semeaste isto vergonhosamente e colheste-o miseravelmente”. Este estilo é demasiado poético. [3, 1406 b 4].
Aristóteles, ainda na Retórica, registra que: No género epidíctico, convém que o discurso introduza elogios episódicos como faz Isócrates, que sempre introduz algum. E o que Górgias dizia, que a palavra nunca o abandona, é o mesmo. De facto, se fala de Aquiles, faz o elogio de Peleu, depois o de Éaco, depois o da divindade, do mesmo modo, o da coragem que faz realizar isto ou que é de tal natureza. [3, 17, 1418 a 32]. [Osório diz: epidíctico – dizia-se do gênero ou estilo demonstrativo que emprega ostentação.].
Plutarco no seu Das Virtudes das Mulheres,. Górgias afigura-se-nos mais refinado, ao exigir que deve ser conhecida por muitos não beleza, mas a reputação das mulheres. [p. 262 a].
Ainda Plutarco, no Da Glória dos Atenienses, registrou: A tragédia floresceu e ficou célebre, tornando-se um admirável recital e um espetáculo para os homens de então e proporcionando, com os seus mitos e afectos, uma ilusão; como diz Górgias, aquele que iludiu é mais justo do que aquele que não iludiu e aquele que é iludido é mais sábio do que aquele que não foi iludido. Quem é iludido é mais justo, porque fez o que prometeu. Quem é iludido é mais sábio, pois quem se deixa impressionar pelo prazer das palavras não é insensível. [5, p. 348 c].
19.3 – Antifonte
Pais:
Local de nascimento: Atenas.
Esposa:
Filhos:
Obras: “Verdade”.
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre:
Contribuição fundamental: defende a igualdade entre os povos. Critica as leis que se opõem à natureza. Funda a ciência a interpretação dos sonhos e a terapêutica dos desgostos.
Sobre Antifonte diz Gilbert Romeyer-Dherbey:
“Antífon, o sofista, como o sublinha Guthrie é, pelo contrário, um adepto da democracia, que denuncia os preconceitos nobiliárquicos e exalta o igualitarismo ao ponto de se opor à clivagem tradicional entre Gregos e Bárbaros. Ignora-se quase tudo da vida e da pessoa de Antífon, a não ser que era ateniense.
A obra principal de Antífon é um tratado intitulado Verdade. (p. 91)
A isso há que acrescentar uma obra particularmente interessante, que hoje chamaríamos psicológica, intitulada Da interpretação dos sonhos. Levantou-se a pergunta de se o Antífon onirocrítico era exatamente o nosso sofista; com efeito, argumentava-se que não se podia negar a providência, como o faz o sofista, e entregar-se à adivinhação pelos sonhos; mas Untersteiner refutou esta objeção, demonstrando que o caráter de interpretação de Antífon dos sonhos não era religioso, mas já científico e racional.
Há que espantar-nos, isso sim, para concluir esta evocação de Antífon, da teimosia posta pela História em apagar o rasto de um pensador desta têmpera. Da sua pessoa nada sabemos (ou apenas que ele não era outro), talvez porque Platão nunca o citou [Osório diz: por ele ser o único ateniense e político de seu grupo?]. Ora, de todos os Sofistas ele é, talvez, o maior. Uma profunda unidade de inspiração atravessa os fragmentos que dele restam; em todos os campos da sua análise, encontramos o que se podia chamar um pensamento dos fundamentos, da força das bases. As figuras dos seres da natureza procuram dar contorno e fixar o caos germinador do arrythmiston, mas este retoma incessantemente a sua liberdade de estrutura. As leis tentam travar os seus movimentos naturais, mas estes subterraneamente fazem estourar a carapaça das leis. As palavras querem dominar as realidades perceptíveis de modo a decretar que só existe o que elas dizem, mas elas conseguem quebrar a rede verbal que as fecha, a desfazer a linguagem fazendo outra [Osório diz: linguagem. Fantástico!]. Tal é o segredo da vida natural, da vida política, da vida individual, um eterno combate entre a superfície e o fundo.” (p. 108). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 91 a 108 ).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Antifonte de Atenas não despertou grande interesse como pensador antes da descoberta dos papiros de Oxyrinchus (em 1915 e em 1922), contendo importantes fragmentos do tratado intitulado Da Verdade, que trouxeram elementos decisivos para a apreciação das suas posições ético-políticas, além dos relativos às obras Da Concórdia e Político. Posteriormente, em 1984, mais um fragmento dos referidos papiros veio enriquecer o espólio do sofista. Também lhe foi tradicionalmente atribuída a autoria de outros escritos sobre a interpretação dos sonhos (Peri Kryseos Oneiron) e sobre a arte de combater o sofrimento (Techne Alupias). Havia muito que se gerara polémica acerca da identidade de Antifonte, discutindo-se se Antifonte sofista era o mesmo que Antifonte de Ramnunte, o orador. Sobre este último, a partir das narrativas de Tucídides (História da Guerra do Peloponeso), dispomos de um conjunto apreciável de informações: sabe-se que, tendo feito parte da oligarquia dos “Quatrocentos”, exerceu o poder em Atenas durante um curto período de tempo (cerca de quatro meses) e, na sequência da queda desse governo, foi acusado de traição por conluio com Esparta e condenado à morte (411 a. C.). Como orador, alcançou notoriedade enquanto autor das Tetralogias, tendo também composto outros discursos judiciais avulsos, dos quais três chegaram até nós.
As diversas obras eram conhecidas na Antiguidade sob a designação única de “Antifonte”, e a hipótese da separação entre os dois autores homónimos foi equacionada pela primeira vez por um gramático de Alexandria, Dídimo (século I a. C.), com base em diferenças de estilo e de conteúdos; mas a discussão mantém-se em aberto até os nossos dias. [Osório diz: Jaqueline de Romilly põe termo a esse rio de tinta gasto ao dizer: “É possível, uma vez mais, que tenham existido, com efeito, dois homens com esse mesmo nome. Porém, as razões nas quais nos baseamos para dizê-lo revelam claramente o mal-entendido que tentamos denunciar aqui. E este mal-entendido é tão grave que é preciso determo-nos um momento sobre este modo de separar entre um Antifonte e outro e, eventualmente, um terceiro’.
Se diz o seguinte: o orador era um decidido partidário da oligarquia (o sabemos por Tucídides) e pagou com a morte suas ideias políticas; porém, o sofista expressa ideias que não podem ser mais democráticas: não é, pois, o mesmo homem! Ai, três vezes ai!, o texto no qual se expressariam estes sentimentos tão “democráticos” é simplesmente aquele em que o autor mostra que a distinção entre pessoas nobres ou de origem humilde depende das convenções humanas: uma vez mais, trata-se de uma constatação de fato irrefutável, e querem ler nela que o autor está a favor disto e contra aquilo... (Esta observação lhe faz, inclusive, ser tratado por alguns como homem “de esquerda”!).
Do mesmo modo, converte-se em argumento o fato de que o orador demonstra respeito pelas leis, enquanto o sofista está contra elas. Ai, três vezes ai! Não está contra nada; pode-se muito bem respeitar uma convenção, reconhecida como tal, se lhe parece útil.
E se ao menos o assunto não passasse daqui! Porque os fragmentos de Sobre a verdade são revolucionários e porque Sobre a concórdia expressa a preocupação de um moralista, há quem sugira que são de autores diferentes. Para alguns (Nestle, por exemplo), Sobre a concórdia seria do “orador”, o que pelo menos nos economiza um Antifonte. Se não, já temos três! E como se fala também de tragédias e de uma obra sobre a interpretação dos sonhos, pode-se dividir à vontade, se não se preferir continuar multiplicando. Decide-se em função de uma interpretação orientada e deformada dos fragmentos.”.].
Ressalta na obra de Antifonte o primado do político.
Áreas nas quais Antifonte demonstrou interesse, também:
a) preocupação com a linguagem, na linha da problemática da correcção dos nomes,
b) investigações no domínio das ciências matemáticas e da física.
Importa acentuar o impacto do contexto ético-político no pensamento de Antifonte, e é nessa perspectiva que ganha sentido a definição de justiça (dikaiosyne) e do justo (to dikaion), como o não transgredir as leis que a cidade reconhece e impõe. O indivíduo, na qualidade de membro da comunidade política, situa-se no plano da polis e do exercício da cidadania, comprometendo- se, sem condições, a respeitar as leis, enquanto tais. Mas o regime da utilização que o homem deve fazer das leis vigentes muda substancialmente, consoante este se encontra numa situação pública (com a presença de testemunhas) ou numa situação privada (na ausência de terceiros e sem a possível interferência destes). Avulta, aí, a oposição entre as prescrições impostas pela legalidade e as que advêm da necessidade da natureza, e a utilidade de que umas e outras se revestem para aqueles que delas fazem uso e a elas se subordinam. De forma inequívoca, Antifonte pronuncia-se a favor da superioridade das prescrições da natureza em relação às prescrições legais, pois as primeiras são as que estão na linha do interesse próprio do sujeito. Divergem, além disso, de maneira determinante, nas sanções susceptíveis de atingir aqueles que as desrespeitam: no caso das normas legais, impostas pela cidade, a sanção depende de o acto praticado ter sido presenciado por outrem; no caso das normas da natureza, a infracção ao prescrito envolve a correspondente sanção, haja ou não testemunhas. Não se trata, contudo, de uma modalidade de “direito natural” ou de valorização implícita das normas “não escritas”, em detrimento das disposições expressamente reconhecidas no direito positivo vigente, mas de um naturalismo que apela para a universalidade associada à condição do indivíduo humano, na sua especificidade de sujeito criador de cultura. É nessa qualidade que o povo grego se assume a si mesmo na consciência daquilo que o distingue dos demais povos, e não nas características que relevam de uma natureza biológica comum. Numa mesma ordem de ideias, a superioridade dos Gregos radica na respectiva paideia, cuja condição sine qua non é o princípio de que os cidadãos se comprometem a obedecer às leis. Assim se compreende que o exercício correcto da cidadania seja considerado indispensável à concórdia, esteio fundamental da política, à margem do qual não são possíveis a paz e a felicidade que devem reger a convivência social.
Antifonte era um dos raros sofistas nascidos em Atenas! Não era, aí, portanto, um estrangeiro e, segundo a Suda, era adivinho, poeta épico, orador, professor de retórica e sofista; era chamado “o cozinheiro de discursos”. Era, ainda, intérprete de sonhos, o que o levou a escrever Da Interpretação dos Sonhos. [Léxico, 1, 245, 21-28 A].
Conta-nos Xenofonte, nas suas Memoráveis, o seguinte: Nas críticas dirigidas por Antifonte a Sócrates, realça-se o contraste dos géneros de vida do filósofo e do sofista, um tema muito em voga na época. Sócrates apresenta-se, na óptica de Antifonte, como mestre de “infelicidade”, pela pobreza em que vivia e pela manifesta falta de sucesso político, mas responde às críticas deste com uma contra-argumentação consequente, em que se destaca a divergência de fundo sobre o que se entende por “felicidade”. [l, 6, l e segs]. [Osório diz: o Sócrates que imagino!]
Sobre as actividades de Antifonte adivinho, acerca das quais não dispomos de informações pormenorizadas, estavam ligadas à prática de interpretação dos sonhos. Untersteiner, na sua obra O Sofista, salienta que o cunho racionalista dessa adivinhação (divinatio artificiosa), contraposta a uma outra de cunho religioso (divinatio divina), que, na linha da praticada por Demócrito, permitia explicar de maneira favorável um sonho funesto e vice-versa. Enquanto os defensores da concepção naturalista, segundo a qual uma ordem inexorável regia todas as coisas, acreditavam numa espécie de providência divina que governava tudo, os apologistas da adivinhação assente na arte, com um sentido mais aberto da variação das normas e dos costumes, admitiam que o conteúdo dos sonhos pudesse ser objecto de interpretações de sentido diferente. A teoria da interpretação dos sonhos está, por conseguinte, em consonância com as concepções filosóficas de Antifonte, assim como a mântica reconduz, na sua perspectiva, a uma modalidade de exercício racional como “conjectura do homem sábio”. [I Sofisti, II, cit., pp. 322-325].
É Plutarco, na Vida dos dez Oradores, quem diz-se que Antifonte, em Corinto, arranjou um quarto junto da praça; afixou um aviso de que, por meio da palavra, podia curar os que se afligiam e, procurando saber as causas, consolava os doentes. [l, p. 832 c-833].
Filóstrato, na Vida dos Sofistas, informa que Antifonte era muito persuasivo e foi cognominado Nestor por persuadir a respeito de tudo o que dissesse; anunciava “lições que dissipam a dor”, sustentando que nenhuma dor havia tão terrível que não conseguisse arrancá-la da consciência. [1, 15, 2].
Segundo Écio, para Antifonte e Critolau: o tempo é pensamento e medida, não substância. [1, 22, 6]
Segundo Écio, para Antifonte, a Lua brilha com a sua luz própria, mas, estando na natureza de um fogo mais forte obscurecer o mais fraco, a luz da Lua é ocultada e obscurecida pela projecção do Sol sobre ela, o que acontece também com os outros astros. [2, 28, 4].
Fragmentos de Antifonte (fragmento A):
“... Justiça consiste em não transgredir as normas da cidade, onde se vive como cidadão. Assim, um indivíduo usará melhor a justiça no seu interesse próprio se, na presença de testemunhas, considerar as leis como importantes e, estando sem testemunhas, se respeitar as leis da natureza. Com efeito, as exigências das leis são adventícias [ocasionais] e as da natureza são necessárias. E as exigências das leis são o resultado de um acordo e não de uma disposição natural, enquanto as da natureza são o resultado de uma disposição da natureza e não de um acordo. Assim, se um indivíduo, ao transgredir as normas, passar despercebido aos que estabeleceram as leis, escapará à desonra e ao castigo, mas, se não passar despercebido, não escapará. Se, pelo contrário, alguém excede o possível e violenta alguma das exigências inerentes à natureza, se passar despercebido a todos os homens não é menor o mal; bem como, se todos assistirem, não é maior o mal. Sofre dano não na aparência, mas na verdade. Este é essencialmente o objecto desta investigação: mostrar que muitas das disposições justas segundo a lei estão em conflito com a natureza. As leis estipulam o que os olhos devem [...] e não devem ver, o que os ouvidos devem e não devem ouvir, o que a língua deve e não deve dizer, o que as mãos devem e não devem fazer, e até onde os pés devem e não devem ir, e o que o espírito deve e não deve desejar. Nada está mais próximo nem é mais afim da natureza sejam as coisas de que as leis afastam os homens sejam as coisas para as quais os encaminham. Tanto o viver como o morrer são próprios da natureza; a vida é uma das vantagens que os homens têm, a morte é uma das desvantagens.
“As vantagens estabelecidas pelas leis são cadeias impostas à natureza, enquanto as estabelecidas pela natureza são livres. Por isso, de modo nenhum as coisas que provocam dor beneficiam com justa razão a natureza humana mais do que as que deleitam. Nem mesmo as coisas que provocam tristeza são mais vantajosas do que as que alegram. De facto, as coisas verdadeiramente vantajosas não devem prejudicar, mas ajudar. Assim, as coisas que são vantajosas por natureza... [col. 5] são... do que estas. E todos aqueles que, ofendidos, se defendem não tomando eles próprios a iniciativa da acção e todos os que procedem bem para com os pais, mesmo que estes sejam maus para eles, e todos os que aceitam testemunhar sob juramento, não testemunhando eles próprios sob juramento, muitos destes que se referiram estão, como se descobrirá, em conflito com a natureza. De facto, é-lhes inerente um maior sofrimento, sendo possível um menor, um menor deleite, sendo possível um maior, e sofrer dano, sendo possível não sofrer 85. Ora, se existir alguma protecção nas leis para quem aceita tais exigências e um castigo para quem não as aceita, mas as refuta, a obediência às leis não será inútil. Mas é evidente para quem aceita tais exigências que a justiça segundo a lei não basta para proteger, já que, em primeiro lugar, permite que o ofendido sofra o dano e o ofensor ofenda; e não impede o ofendido de sofrer o dano e o ofensor de ofender. Quanto à punição, não está mais do lado do ofendido do que do ofensor. De facto, tem de persuadir os que lhe vão fazer justiça de que sofreu um dano e tem de reclamar poder obter um veredicto justo. Cabe igualmente ao ofensor refutar isto...
Fragmentos de Antifonte (fragmento B):
Os que descendem de pais ilustres nós respeitamos e veneramos, mas os que não descendem de casa ilustre nem respeitamos nem veneramos. Nisto, comportamo-nos, uns em relação aos outros como bárbaros, já que, por natureza, todos, quer bárbaros quer Gregos, temos uma natureza semelhante em tudo. Basta examinar as coisas que são necessárias por natureza a todos os homens. Elas estão ao alcance de todos da mesma maneira e em todas não há distinção entre um bárbaro e um grego; todos respiramos o ar pela boca e pelo nariz e todos comemos com as mãos...
A versão do fragmento apresentada por Diels-Kranz constituiu o suporte para a interpretação tradicional, segundo a qual Antifonte critica a discriminação no tratamento dos indivíduos com base na sua condição social, privilegiando os que tenham ascendência ilustre. A descoberta de um novo fragmento (fr. 3647), que veio completar o anterior (fr. 1364), permitiu introduzir emendas no corpo do texto, susceptíveis de alterar a sua leitura. A reconstituição proposta é a seguinte: “nós conhecemo-las e veneramo-las. Mas nós não conhecemos nem veneramos [as leis?] daqueles que moram longe. Nisso, de facto, comportamo-nos como bárbaros uns em relação aos outros, enquanto, por natureza, em tudo, da mesma maneira, nos encontramos aptos a ser Gregos tal como a ser bárbaros”.
[De um outro livro Da Verdade (o texto e a sequência do mesmo é diferente do papiro 1364; estão publicados no Pap. Oxyrh. 15, 120, pap. 1797, as duas colunas seguintes — comentário Aly a. O. S.).]
[col. 1] Se a justiça é reputada como conveniente, testemunhar a verdade uns em relação aos outros é considerado justo e não menos útil ao modo de vida dos homens. Certamente o que faz isto não será justo, se é justo não causar dano a ninguém que não nos tenha feito mal. É pois necessário que aquele que testemunha, mesmo que testemunhe a verdade, cause dano de alguma maneira a outrem e, ao mesmo tempo, venha a sofrer mais tarde ele próprio dano por causa do que disse, na medida em que, devido ao seu testemunho, o visado por aquele testemunho é condenado ou perde as riquezas ou a própria vida por causa daquele a quem não causou nenhum dano. Portanto, nisso causa dano àquele contra quem testemunha, porque causa dano a quem não lhe causa dano; e ele sofre dano por parte do que foi visado pelo seu testemunho, porque é odiado por ele [col. 2], ao ter testemunhado a verdade. E não só é prejudicado devido ao ódio, mas também porque tem de se proteger continuamente daquele contra quem testemunhou. Assim, este torna-se para si um inimigo tal que lhe faz mal, sempre que puder, quer em palavras quer em actos. E tanto os males que sofre como os que provoca não parecem ser pequena injustiça. Não é possível que o testemunhar contra outrem seja justo, bem como o não causar dano e o não sofrer dano (?); mas é necessário que uma destas atitudes seja justa ou que sejam ambas injustas. É claro que proferir sentenças, julgar e ser árbitro com vista a uma decisão final não são coisas justas, pois beneficia uns e prejudica outros e, neste caso, se os beneficiados não sofrem qualquer dano, sofrem os prejudicados.
Sobre o que pensa Antifonte sobre o casamento, diz Estobeu: “Pois bem, que a sua vida progrida e deseje casamento e mulher. Esse dia e noite dão início a uma nova vida e a um novo destino, o casamento é uma grande prova para o homem. Se, de facto, acontecer que a mulher não seja adequada, como lidar com a desgraça? O repúdio é difícil: tornar os amigos inimigos, pessoas com mesmas ideias e os mesmos sentimentos, depois de os considerar dignos de si e de ter sido considerado digno por eles. Mas é difícil também manter tal aquisição, passar por sofrimentos, quando se julgava obter alegrias. Ora bem, não falemos dos aspectos conflituosos, fale-se antes dos aspectos mais vantajosos de entre todos. Que maior prazer pode o homem ter do que uma mulher que corresponda aos seus desejos? O que há de mais doce sobretudo para um jovem? Mas próximo do prazer está também o sofrimento. Os prazeres não surgem por si próprios, acompanham-nos as dores e as fadigas. [4, 22]
Assim, também, as vitórias olímpicas, as vitórias píticas e outras competições desse género, os saberes e todos os prazeres exigem ser conquistados com grandes cuidados. As honras, os prémios, os engodos que o deus oferece aos homens conduzem à necessidade de grandes fadigas e suores. Se eu tivesse outro corpo como este de que fosse responsável, tal como sou responsável por mim mesmo, não conseguiria viver, tendo em conta as muitas preocupações que tenho com a saúde do meu corpo, com o sustento do dia-a-dia, com a honra e o saber, com o bom nome e com a reputação. O que seria se eu tivesse outro corpo como este de que fosse responsável, tal como sou responsável por mim mesmo? Não é pois evidente que a mulher, mesmo que corresponda aos seus desejos, não causa ao homem menos prazeres e menos aflições do que ele causa a si mesmo? É que o homem passa a ter de cuidar da saúde, do sustento da vida, do saber e do bom nome de duas pessoas! Suponhamos que lhes nascem filhos. Então a vida fica cheia de preocupações, e o espírito perde o impulso da juventude e a expressão do semblante deixa de ser a mesma”.
Sobre a brevidade da vida, segundo Estobeu, disse Antifonte: “O viver assemelha-se a uma vigília efémera, e a duração da vida é, por assim dizer, um só dia, em que, mal levantamos os olhos para a luz, damos lugar aos outros que vêm depois”. [34, 63].
Ainda sobre a vida, Antifonte pontifica: “toda a vida é surpreendentemente fácil de acusas, meu caro; não tem nada de notável, nem de grande nem de solene, mas tudo é pequeno, fraco, efémero e com grandes sofrimentos à mistura”. [121 S.].
Sobre economizar, segundo Estobeu, pontou Antifonte: “Há alguns que trabalham, economizam, sofrem privações e acumulam património, experimentando assim tanto prazer quanto se pode imaginar que experimentem. Mas, quando se separam do dinheiro e o utilizam, sofrem como se se separassem da própria carne”. [3, 10, 39].
Diz mais, Antifonte, sobre o economizar: “Alguns há que não vivem a vida presente, mas que se preparam com muito esforço para viver uma outra vida, em vez da vida presente; e, entretanto, o tempo passa sem darmos por isso”. [12, 20].
De Antifonte temos esta historinha: “Conta uma história um homem, vendo que outro tinha acumulado muito dinheiro, pediu que lho emprestasse a juros. Mas ele não quis; tinha tendência para desconfiar e para não ajudar ninguém. Levou o dinheiro e depositou-o algures. E um homem, ao saber o que ele fizera, roubou-o. Passado algum tempo, o depositante veio e não encontrou a riqueza. Sofreu então muito por causa da sua desventura, sobretudo por não ter emprestado o dinheiro a quem lho tinha pedido, pois nesse caso teria sido conservado por ele e teria rendido mais. Ao encontrar-se com o homem que um dia lhe pedira o empréstimo, lamentou o seu infortúnio, dizendo que tinha errado e se arrependia de não lhe ter concedido o favor e de, pelo contrário, ter sido desagradável para com ele, já que o dinheiro estava completamente perdido. O outro exortou-o a não se preocupar, mas a considerar que possuía o dinheiro e que não o tinha perdido, pondo uma pedra no mesmo lugar. 'Quando o possuías, não o usaste; por isso, agora não penses que estás privado dele’. Efectivamente, quando uma pessoa não se serve nem se servirá de alguma coisa, quer ela exista quer não exista, não é nem mais nem menos prejudicado. Quando a divindade quer conceder ao homem bens mas não de forma demasiado generosa, proporciona-lhe muito dinheiro e torna-o pobre em bom senso; ao retirar-lhe um destes bens, deixa-o privado de ambos”. [12, 20].
Por que, segundo Antifonte, o homem tem que experimentar a torpeza: “Quem não desejou nem experimentou o que é torpe ou mau não é prudente. Na verdade, não tem nada que dominar de forma a ficar em harmonia consigo próprio”. [5, 57].
Como Antifonte via a disciplina: “Nada é pior para os homens do que a falta de disciplina”.
Antifonte e a educação pela convivência: “É inevitável que a criança se torne semelhante em carácter àquele com quem convive a maior parte do dia”. [31, 41].
Ainda sobre o tempo, Plutarco afirma que Antifonte disse: “gastar e desbaratar com os prazeres, a riqueza mais preciosa – o tempo”. [António, 28].
“Pedra-de-toque”, em " Antifonte: assim é chamada a pedra com a qual se testa o ouro por fricção”. [157 B., 161 S.].
“Homem sensível”, para Antifonte, é aquele: “que se aflige com tudo, mesmo que seja coisa pequena e insignificante. [163 B., 166 S.].
19.4 – Hípias
Pais: Diopeithes/Diopites.
Local de nascimento: Élis.
Esposa: Platané.
Filhos: teve 3 filhos.
Obras: “Diálogo troiano”, “Nomes dos povos”, “Lista dos vencedores nos jogos olímpicos“ e “Elegias”.
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Hegesidamo.
Contribuição fundamental: instaura oposição categórica entre a natureza (physis) e a lei (nomos), fazendo defesa veemente da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em questão.
Segundo Gilbert Romeyer-Dherbey:
“Hípias nasceu em Elis, cidade próxima de Olímpia.
Ignoramos a data do nascimento do sofista. Untersteiner fixa-a em 433.
O ano 343 como a data da morte de Hípias. (p. 77)
Sua concepção das relações entre nomos e physis.
Escolhido como embaixador da sua cidade natal; assim é um homem itinerante que foi enviado várias vezes em missão a Esparta; vem também a Atenas (fr. A 6) e à Sicília (A 7) [Osório diz: mais um embaixador. Grandes escritores brasileiros foram tais!].
Sabemos, finalmente, no que diz respeito a Hípias que foi casado com uma mulher chamada Platané e que teve três filhos. [Osório diz: esta informação é raríssima!].
Suas obras:
Diálogo troiano. (p. 78)
Nomes dos povos, que virá a ser uma das primeiras obras de etnologia.
Lista dos vencedores nos jogos olímpicos.
Coleção.
Elegias. (p. 79)
Para concluir, vemos que Hípias não era de modo algum o faz-tudo superficial que, por vezes, se julgou ver nele; espírito aberto e sistemático, construiu uma doutrina de que infelizmente só podemos entrever, através de escassos fragmentos que nos foram legados, as amplas perspectivas e originalidade. (p. 90). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 76 a 90).
Já segundo Guthrie:
“Hípias, filho de Diopeithes.
Proveniente de Elis, ele era, como Nestle frisou, diversamente da maioria dos sofistas, dórico. (p. 260)
Sua filha viúva casou-se com Isócrates na velhice deste último.
Os que, portanto, estão convencidos de que Platão estava possuído pelo ódio dos sofistas que o cegava para o seu caráter real podem ignorar este fato e concluir que sabemos pouco ou nada sobre ele [Hípias]. [Osório diz: Guthrie, ao dar voz aos que criticam Platão, faz um milagre que não será levado a diante!] [Osório diz: A luta de Platão contra os Sofistas é, na verdade uma briga pelo poder! Os sofistas eram democratas, ou muitos deles o eram, e Platão aristocrata e tirânico empedernido. A síndrome de Siracusa o explica! Já a psicanálise explica seu amor por Sócrates e ódio pelos demais que também galanteavam Sócrates, bem como explica seu amor à escravidão].
[Osório diz: Platão é um teórico do poder! O quel queria o poder para sua classe e seus fins]
De outro lado, existe marcada diferença em sua [Osório diz: de Platão] exposição deles [Osório diz: dos sofistas] como indivíduos. Quando se pensa no respeito que devota a Protágoras, seu trato diplomático de Górgias, no que o ataque violento ao que para Platão eram os efeitos desastrosos de seus ensinamentos [Osório diz: dos sofistas] foi reservado a outras personagens menos simpáticas, e até sua atitude [Osório diz: de Platão] suavemente irônica para com o lado pedante das distinções semânticas de Pródico, a consistência com que caçoa de Hípias certamente justifica a suspeita de que ele [Osório diz: Hípias] era de fato caráter um tanto bombástico, sem humor e insensível [Nestle tirou conclusão diferente da variedade de tratamento (VMzuL, 360): porque Platão gostava de Protágoras, mas sentia profunda antipatia por Hípias, a descrição deste nos diálogos de Hípias não passa de caricatura, embora (admite Nestle) Platão o leve mais a sério no Protágoras. Isto, pensou ele, torna o caráter de Hípias o mais difícil de se captar de todos os sofistas, mas a dificuldade parece ser de sua própria feitura [Osório diz: feitura dos diálogos por Platão, quero crer!].]. [Osório diz: isso o diz Platão, o teatrólogo?] É dado a observações empolgantes como “Nunca encontrei ninguém que me fosse superior em alguma coisa”, e a inocência, que não desconfia, com que lambe a bajulação mais espalhafatosamente irônica de Sócrates, é quase encantadora [Osório diz: o personagem é construído para ser assim, mas não significa que o homem também o fosse! Já o Sócrates das Nuvens era aquilo mesmo! Ou não era?]. Certamente foi homem de quem seria difícil ficar com raiva.(p. 261)
Que tinha algo de que se gabar também é certo. Platão fala de sua memória prodigiosa, pela qual podia reter uma lista de cinqüenta nomes depois de uma só lida, e sua extraordinária versatilidade. Bem o pôde chamar Xenofonte de polímata. Era evidentemente alguém que absorvia aprendizado fácil e rapidamente, o que exigia dons altamente intelectuais em alguns aspectos. Assuntos que estava preparado para ensinar incluíam astronomia, geometria, aritmética, gramática, ritmo, música, genealogia, mitologia e história, inclusive história da filosofia, e matemática. 38 Também escreveu declamações sobre os poetas. [Osório diz: temas sobre os quais estudaram os sofistas]
[Osório diz: existem tais homens na atualidade? Existem uns com mente fotográfica, como no filme “Rain man”, mas tem problemas mentais gravíssimos! O que parecia não ser o caso de Hípias]
Como historiador,
Na mitologia
pronunciamento astronômico
técnica deliberada de mnemônica
escreveu também tragédias de ditirambos,
Era toa habilidoso com as mãos como com o cérebro, (…) ele apareceu em Olímpia usando somente o que ele mesmo fizera, não só roupas, mas também anel, cantil e almofaça.
Era leitor onívoro [Osório diz: aquele leitor que lê ou leu tudo!] e incorporou os resultados de suas leituras na obra compreensiva chamada a Synagogé, ou seja, coleção ou miscelânea. (p. 262) [que resultou na acusação de plágio, veja-se:] obra [Fr. 6, de Ciem. Strom. 6.15 (11, 434 St.). Clemente se compromete não mais a que hode pos legonta, mas o dá como citação direta. (Seu objetivo era provar que os gregos são plagiários incorrigíveis). A frase en syggraphais ta men Hellesi ta de barbarois é interessante. Também se, como pensou Nestle (VMuzL, 364), Hípias só soubesse do último em segunda mão, talvez de Hecateu, desafia a afirmação muitas vezes repetida, mas improvável, de que os escritores gregos não sabiam nenhuma língua além da sua. Para o título veja fr. 4 (Ath. 608s).].
Atribui-se a Hípias uma descoberta matemática que, se a atribuição for correta [Osório diz: dos sofistas duvida-se de tudo! O que não está errado, o erro é não duvidar de todos], “diferencia-o”, como diz K. Freeman (Companion, 385) “de todos os outros sofistas e o coloca no rol dos descobridores científicos”. É a curva chamada quadratrix (tetragonitzousa), que, como o seu nome implica, era usada para esquadrar o círculo, e também para trissecar um ângulo e dividi-lo de acordo com qualquer razão dada. (…) A mas a maior parte das opiniões modernas está em favor da atribuição ao sofista.
Grote observou (History, 1888 ed., VII, 63s) que Platão, apesar de toda sua "provocação desdenhosa", jamais acusa Hípias, como acusou alguns outros sofistas, de pregar "uma moralidade baixa ou corrupta". [Osório diz: na verdade, quem ele acusa? Ele não acusa ninguém, mas, aparentemente, um gênero, daí ninguém poder se defender, sequer! Quando ele quer acusar alguém ele “cria” um personagem, como é o caso de Cálicles. Bom parágrafo]
Ele foi um dos que opunham lei e natureza e defendia esta última por motivos morais e humanitários, e não egoísticos e ambiciosos. Defendeu uma forma da teoria (p. 263) de contrato social da lei: a lei positiva, sendo assunto de acordo humano e freqüentemente alterado, não se devia considerar como fornecendo padrões fixos e universais de comportamento. Podia ser “um tirano fazendo violência à natureza”. Acreditava, porém, que havia leis não-escritas, divinas de origem e universais na aplicação, referentes a coisas tais como a adoração dos deuses e o respeito para com os pais. Com a crença em leis naturais universais (e para Hípias natural e divino parece ser o mesmo) ia a crença na unidade básica do gênero humano, cujas divisões são apenas assunto de nomos, isto é, lei positiva e convenções e hábitos estabelecidos, mas errados.
Há, disse Hípias, dois tipos de inveja, uma certa e outra errada. É certo sentir inveja quando as honras vão para os homens maus, e errado quando vão para os bons. De mais a mais, os invejosos têm dupla porção de sofrimento: são molestados, como todos os homens, por seus próprios sofrimentos, mas também pela boa sorte dos outros. Da calúnia disse que era maldição porque a lei não prescreveria nenhuma punição para ela como o faz para o roubo, embora seja de fato o roubo da melhor coisa da vida, a saber, amizade e afeição (philia). Sua natureza oculta a faz pior que violência aberta. Temos aí um exemplo concreto de sua censura ao nomos, e, pelo menos quanto a isso, ele consideraria as leis de hoje como melhoria. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 260 a 263).
Por sua vez, Kerferd, escreve:
“Hípias de Élis é mencionado no Protágoras da mesma forma que Pródicos e é razoável supor que podiam ser da mesma idade. Ele aparentemente estava vivo em 399 a.C. e provavelmente morreu cedo no século IV — não há a menor probabilidade de que tenha vivido até a metade desse século, como tem sido sugerido. Como outros sofistas, viajou bastante e ganhou muito dinheiro. [82]
Ele dizia estar à vontade em toda a ciência de seu tempo e, por isso, não é de estranhar que Sócrates se refira a ele como um polímata (DK86A14). Nisso era, sem dúvida, ajudado por excepcional capacidade de memória, aparentemente desenvolvida por técnicas especiais, que ensinou também a outros, e que o habilitava a lembrar cinquenta nomes depois de ouvi-los uma vez só. É interessante ler, embora provavelmente não seja verdade, que sua habilidade de memória era ajudada com a bebida de certas poções.
Além de exposições "epidícticas", parece que era tido como sempre pronto a ensinar astronomia, matemática e geometria, genealogia, mitologia e história, pintura e escultura, a função das letras, sílabas, ritmos e escalas musicais. Além disso, escreveu versos épicos, tragédias e ditirambos, assim como muitos tipos de prosa. Tudo isso já seria bastante extraordinário. Mas há bons indícios de que seu conhecimento não era apenas superficial, nem tampouco baseado numa fluente facilidade de falar, sem preparação, sobre qualquer assunto. Pelo contrário, devemos concluir que era baseado numa erudição ao mesmo tempo ampla e profunda. [Osório diz: daí eu pensar que, para ensinar é preciso saber e, assim, inexiste falsidade no conhecimento. O que pode haver é “erro”, discordância].
A prova disso é de dois tipos. Primeiro, há indicações de que Hípias desenvolveu algum tipo de posição filosófica geral própria. Embora seja de difícil reconstrução, parece ter sido baseada numa doutrina de classes de coisas dependentes de um ser que é contínuo ou que passa através dos corpos físicos sem interrupção, de forma igual, nos dizem, à das fatias de bife cortadas ao longo do lombo e servidas a um hóspede muito importante, como especial privilégio, [83] num banquete, em Homero (ver Hípias Maior 301d5-302b4, não em DK, infelizmente). Mais importante, contudo, porque dificilmente pode ser contestada, é a prova de um interesse excepcionalmente douto no estudo de tais assuntos, inclusive da história deles. Hípias parece ter virtualmente inaugurado esse tipo de estudo. Neste ponto antecipou o tipo de pesquisas sistemáticas encomendadas por Aristóteles no Liceu. O que é realmente notável, no caso de Hípias, é que ele foi capaz de fazer tanta coisa sem o auxílio de bibliotecas públicas e de uma escola organizada de estudantes pesquisadores.
Ele produziu uma lista de vencedores olímpicos, baseado em registros locais, em Olímpia, o que provavelmente permitiu a Tucídides dar datas precisas, ao passo que Heródoto não fora capaz de fazer isso7. Uma citação da lista, direta, pode ser encontrada no que resta de um papiro Oxyrhynchus datado do século III d.C. (n. 222). Certamente isso fez parte do testemunho para a lista posterior que conhecemos através de Eusébio. Helânicos produziu uma lista semelhante das sacerdotisas de Heras, e Aristóteles (frags. 615-617) produziu uma outra lista dos vitoriosos délficos. Aqui pode-se mencionar uma outra lista, se é que era isso mesmo, de nomes de pessoas compilados por Hípias sob o título Ethnón Onomasiai (DK 86b2). [84] [Osório diz: daí antonomásia? “Substituição de um nome próprio por um nome comum (ex.: o Historiador por Alexandre Herculano), ou de um nome comum por um nome próprio (ex.: Hipócrates por médico)”.].
O conjunto de sua obra foi fundamental para o estabelecimento de uma cronologia básica para a história grega. Mas isso não era tudo, de forma alguma. Na matemática foi-lhe atribuída a descoberta da curva chamada quadratriz, usada para a trissecção de um ângulo e nas tentativas de quadratura do círculo. Pela maneira como a isso se referem autores posteriores, é razoavelmente certo que ele deixou, por escrito, um relato de sua descoberta (ver Proclo, Commentary on the First Book of Euclid's Elements, p. 356, uma passagem que não está em DK). Nesse mesmo comentário, Proclo nos dá (p. 65-8) um esboço da história da geometria, aparentemente baseada, direta ou indiretamente, numa cópia, que não chegou até nós, da história escrita por Eudemo de Rodes, discípulo de Aristóteles. Proclo deixa claro que pelo menos algumas das informações de Eudemo, sobre o período antes de Platão, foram derivadas de Hípias. Como o ponto específico citado é pequeno, e desconhecido fora daí, parece que Hípias, na sua pesquisa (Proclo diz historéseri), entrava em grande detalhe.
Finalmente parece que uma outra obra, conhecida simplesmente como a Synagogue ou Coleção [Osório diz: vem daí sinagoga?], foi de muito maior importância do que comumente se pensava há não muito tempo. Clemente de Alexandria, argumentando que os gregos eram incorrigíveis plagiários [Osório diz: mas não mostra as obras plagiadas, infelizmente! Daí...], cita o que pode ter sido parte da própria introdução de Hípias à obra (DK 86B6):
Pode ser que algumas dessas coisas tenham sido ditas por Orfeu, algumas, brevemente, aqui e ali por Musaios, algumas por Hesíodo, algumas por Homero, algumas por outros dentre os poetas, algumas escritas em prosa, seja [84] por gregos ou por bárbaros. Mas eu reunirei as passagens mais importantes e inter-relacionadas de todas essas fontes, e assim farei esta peça ao mesmo tempo nova e mais variada.
Isso sugere que a Synagogue era uma coleção de várias passagens, histórias e peças de informação relacionadas com da religião e assuntos semelhantes. Por aí ficou a questão até 1944, quando Bruno Snell, num artigo notável, mostrou que a passagem acima indicava que Hípias foi o mais antigo doxógrafo sistemático, ou compilador das opiniões de autores mais antigos dos quais temos algum conhecimento. Em seguida, ele passou a demonstrar, a meu ver com uma abordagem tão próxima da certeza quanto possível em assuntos desse tipo, que Hípias era a fonte que fizera a conexão entre a doutrina de Tales - que todas as coisas eram feitas de água e que a terra repousa na água — com as afirmações cosmogônicas de Homero, Hesíodo e outros, de que Oceano e Tétis eram a fonte de todas as coisas. Certamente Platão estava familiarizado com a esquematização do pensamento dos pré-socráticos, segundo a qual uma linha de pensadores, que se estende de Homero, Hesíodo e Orfeu, através de Epicarmo, Heráclito e Empédocles, sustentava que todas as coisas são produto do fluxo e do movimento, e outra linha de pensadores ainda mais antigos, através de Xenófanes, Parmênides e Melissos, sustentava que todas as coisas são uma só e estacionária em si mesma (Crat. 402a4-c3, Teeteto. 152d2-e10, 180c7-e4, Sof. 242d4-6). Embora não se possa provar, começa-se a pensar não ser impossível que essa sistematização também tenha vindo de Hípias. Sem dúvida, está claro que [86] Hípias está no princípio mesmo do registro escrito da história da filosofia8.” [Osório diz: e Platão era contra a escrita!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 82 a 86).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Era um sofista famoso à data do processo de Sócrates (399 a. C.).
O traço mais marcante da sua personalidade é o enciclopedismo (polymathia), que decorre de interesses polifacetados e polivalentes, que abrangiam, além das temáticas antropológicas, de cariz ético-político, as ciências da natureza e as matemáticas. Hípias reivindicava o domínio de técnicas variadas; assim, aliava o “saber fazer” relativo às artes artesanais, de que se vangloria no diálogo platônico homônimo, como, por exemplo, o fabrico do vestuário, do calçado ou dos adornos, a competências, de índole muito diversificada, como a gramática, a música, a métrica, a composição de todo o tipo de discurso, a pintura, a escultura, as ciências que eram objeto de estudo por parte dos sábios do seu tempo (a astronomia, a geometria, a aritmética). Deste modo, Hípas é um exemplo muito significativo para se compreender que a formação dos sofistas estava longe de se limitar aos aspectos formais das artes da palavra; ele envolvia uma preparação complexa em vários domínios, embora houvesse diferenças consideráveis na formação dos indivíduos que se inserem no denominado “movimento sofístico”. É de notar a importância conferida à história das genealogias e dos eventos respeitantes aos heróis e dos homens ilustres, assim como o levantamento dos nomes dos vencedores nos Jogos Olímpicos, o que teria especial sucesso entre os Espartanos, mas revela, ao mesmo tempo, uma incipiente sensibilidade à arqueologia das tradições e a uma forma de consciência colectiva em relação ao passado. Nesta ordem, os dados inventariados, as listas de nomes, as informações sobre as histórias dos deuses e dos cultos e sobre a evolução das matemáticas proporcionaram elementos relevantes para estabelecer as bases cronológicas da história grega em geral e da história religiosa e da história das ciências matemáticas em particular. Também se reporta à reputação deste sofista uma memória invulgar, fortalecida pelo exercício de técnicas específicas adequadas à memorização eficaz (arte mnemônica, mnemotecnia) que constituíam também matéria de ensino. O objectivo principal de uma formação tão exaustiva, no plano especulativo e no plano prático, visava o ideal de auto-suficiência ou autarcia (autarcheia), em que não estaria em jogo diretamente a indiferença ao que não depende de nós e a concomitante defesa em relação às eventuais agressões de factores extrínsecos, mas a autonomia de se bastar a si mesmo, acautelando as soluções para as carências do dia-a-dia, no âmbito quer da subsistência individual quer das necessidades da vida social.
Desempenhou frequentemente funções de embaixador, representou sua cidade natal junto dos governos de Atenas, Esparta e Sicília.
Auferiu avultados proventos com o exercício da sua atividade profissional, se dermos crédito às notícias dos elevados honorários por ele recebidos, comparativamente a outros sofistas de reputação consagrada, como Protágoras.
Não dispomos de fontes que confirmem a hipótese de Hegesidamo ter sido mestre do sofista.
Posiciona-se na controvérsia sobre a oposição entre nomos e physis, sustentando a superioridade das “leis não escritas”, baseadas na natureza universal e consonantes com a vontade dos deuses, sobre o direito positivo, assente nas particularidades das normas impostas pela polis.
Platão, no Hípias Menor, faz Sócrates dizer, sobre a autarcia hipiana, o seguinte: — Tu és, sem dúvida, o mais sábio de todos os homens no maior número de artes, como eu uma vez te ouvi vangloriar, enquanto exibias o teu grande e invejável saber na praça pública, junto às bancas do mercado. Disseste, ao chegar um dia a Olímpia, que tudo o que levavas sobre o teu corpo era obra tua: primeiro era o anel que tinhas no dedo, porque sabias cinzelar anéis; obra tua, também, o sinete de outro anel, tal como a raspadeira [a raspadeira é uma escova] e o lécito [o lécito uma pequena ânfora, que servia para transportar o óleo com que os atletas se massajavam, depois da exibição física] que tu próprio fizeste. Depois, as sandálias que usavas tu dizias tê-las moldado na forma do sapateiro, e também teceras o manto e a túnica. E o que pareceu a todos mais extraordinário e prova de maior saber foi quando disseste que a faixa que levavas a prender a túnica (uma dessas faixas à moda persa) tinha sido confeccionada também por ti. Além disso, trazias contigo poemas — epopeias, tragédias, ditirambos — e muitos discursos em prosa sobre os mais variados assuntos. E apresentaste-te como um perito sem igual não só nas artes que acabei de referir como nos ritmos, harmonias e propriedades das palavras e em muitíssimas outras matérias para além destas, tanto quanto julgo lembrar-me. A propósito, já me ia esquecendo dessa tua arte — a da mnemónica — em que parece que pensas ser o mais brilhante. [368 b]. [Osório diz: Vejam que o persongem não assume de todo tudo que diz! Ele diz que Hípias diz que... Entretanto, parece que, por não ter como dizer que não conhecia as artes das quais Hípias se vangloriava, Platão diz: “E apresentaste-te como um perito sem igual não só nas artes que acabei de referir como nos ritmos, harmonias e propriedades das palavras e em muitíssimas outras matérias para além destas, tanto quanto julgo lembrar-me”. Ou seja, implicitamente ele admite (“E apresentaste-te como um perito sem igual não só nas artes que acabei de referir como nos”), mas, depois, aberta e explicitamente, fonfessa: “nos ritmos, harmonias e propriedades das palavras e em muitíssimas outras matérias para além destas, tanto quanto julgo lembrar-me”! Não que o apoio de Platão seja importante, para mim seria até o contrário, mas o que se quer demonstrar é a má vontade em pura e simplesmente reconhecer os méritos de Hípias e dos demais sofistas.].
Estobeu, no seu Florilégio, informa, a partir de Plutarco, na obra Da Calúnia que: “Hípias diz que existem duas espécies de inveja: uma justa, quando se invejam os maus pelas honras que recebem; outra injusta, quando se invejam os bons. Os invejosos angustiam-se duas vezes mais do que os outros, pois sofrem não só com os seus próprios males, mas também com o bem-estar alheio.” [3, 38, 32].
Na mesma obra, Estobeu, narra que: a partir da obra de Plutarco, Da Calúnia: “Hípias diz que a calúnia é uma coisa terrível; considera-a assim porque as leis não estipulam nenhum castigo para os caluniadores, como fazem para os ladrões. Todavia os caluniadores roubam o melhor bem do homem, a amizade; a violência, apesar de ser malfazeja, é mais justa do que a calúnia, por não estar escondida”. [Florilégio, 3, 42, 10].
Platão, no Protágoras, consigna: depois de Pródico, falou o sábio Hípias: “Homens aqui presentes, creio que todos vós sois parentes, familiares e concidadãos por natureza, e não por convenção. Por natureza o semelhante é parente do seu semelhante 63, enquanto a convenção, tirana dos homens, constrange-os de muitas maneiras contra a natureza. [337 c].
19.5 – Pródico.
Pais:
Local de nascimento: Julis, na ilha de Céos, que faz parte do arquipélago das Cíclades.
Esposa:
Filhos:
Obras: “As estações”, “Sobre a natureza”, “Sobre a natureza do homem”.
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Protágoras.
Contribuição fundamental: defende que o desenvolvimento da civilização faz-se essencialmente por meio de tudo o que se relaciona com a terra e com a agricultura. Por isso, relaciona intimamente culto e cultura; não opõe, portanto, lei (nomos) e natureza (physis), mas faz derivar, em continuidade de uma com a outra, a lei da natureza.
Segundo Gutrie:
“Nasceu na cidade jônica de Julis em Ceos nas Cíclades.
460 é o ano atribuído para o seu nascimento.
414 [Osório diz: ano de sua morte]
Foi sofista nos sentido pleno de educador profissional independente, cujo nome se associa com o de Protágoras no ensino da arte do sucesso na política e na vida privada.
A todo leitor de Platão o nome de Pródico relembra inevitavelmente antes de qualquer outra coisa o retrato do professor infeliz "que sofre penas atrozes" como o sugere a alcunha de Tântalo, deitado em seu leito envolvido em peles de carneiro e cobertores ("e muitos deles"), suas palavras abafadas pelos ecos de sua voz sussurrante no pequeno quarto na casa de Cálias onde ele exibe para um grupo seleto de ouvintes. Traçar tal retrato, pensou Sidgwick, foi um ato de "refinada barbaridade" da parte de Platão, ao passo que Joël, tomando o retrato de Platão como verdade [Osório diz: prática comum, habitual dos seguidores de Platão, diga-se!], negou que esta criatura miserável pudesse provavelmente ter sido o autor da fábula heróica de Hércules na encruzilhada. 25 Na psicologia de Joël, um escritor [p. 254] sobre Hércules devia estar envolvido não em pele de carneiro, mas de leão [Osório diz: eis uma razão pela qual os alemães são sempre associados a “imagem” do nazista]. Como quer que seja, uma vez que não há nenhuma outra documentação sobre as idiossincrasias pessoais de Pródico, somos livres para aceitar a de Platão, se o quisermos, como um exagero impensável (assim pelo menos me parece) de traços verdadeiros.[Osório diz: seria o caso do Sócrates de Aristófanes?]
Parece ter havido uma brincadeira permanente sobre a diferença entre a conferência de uma dracma e sua conferência de cinqüenta dracmas (ou curso? v. p. 44, n. 35, n. 4) sobre semântica. No Crátilo (384b), Sócrates diz que, se ele pôde sustentar as cinqüenta dracmas seria agora bastante perito sobre a "correção dos nomes", mas infelizmente ele tinha de se contentar com a conferência de uma dracma. [Osório diz: ninguém considera o fato de um miserável/pobre (Sócrates, no caso, que se dizia indigente) pagar 1 dracma que seja já é um abalo financeiro!]
Abordagem um tanto irônica de sua insistência sobre distinções exatas de sentido entre palavras comumente consideradas como sinônimas. [Osório diz: vindo de um sofista a insistência e a ironia difere totalmente do “sofista” Sócrates! Coitado dos gramáticos, antigos e atuais!]
Sócrates (de cujas relações com Pródico já se disse algo, p. 207) chama- [p. 255] se de seu aluno nesta habilidade, e alhures no diálogo fala dele como homem de "sabedoria inspirada", que ele pensa que pode ser "antiga e dada pelos deuses, remontando a Simônides ou mesmo antes". No Meno ele fala também de si como tendo sido treinado por Pródico como Meno por Górgias, e em Cármides diz que ele ouviu "inumeráveis discursos" de Pródico sobre a distinção dos nomes. No Hippias Major ele o chama de seu amigo e companheiro. No Teeteto, depois de explicar sua habilidade maiêutica de ajudar as dores de parto dos homens cujas mentes estão entumecidas de idéias, ele acrescenta que quando julgou que as pessoas não estavam grávidas (isto é, presumivelmente, sem grande idéia em suas cabeças), e, sendo assim, não tinham necessidade dele, ele passou muitas delas a Pródico e a outros "homens extraordinariamente sábios" que eram mais capazes de ajudá-las [Osório diz: catálogo das obras em que Platão “perde” tempo com Pródico!]. A influência não é lisonjeira [Osório diz: e Platão e o autor perdem tempo com o nada!]. Sem dúvida, Sócrates pensava em sua própria dialética, pela qual um homem pode ajudar o outro a amadurecer e formular suas próprias ideias, como o único método genuinamente filosófico, e a implicação é que a educação sofista, tal como exemplificada por Pródico, trata o aluno antes como recebedor passivo de fatos e teorias já feitos [Osório diz: com isso Sócrates não confirma Protágoras e seu homem-medida? Penso que sim! Ademais, o ensino de Sócrates não deixa de ser um ensino, também].
Para Sócrates, como para Confúcio (Sócrates, p. 159, n. 11), a linguagem correta, “a retificação dos nomes”, era o pré-requisito para o viver correto e também para o governo eficiente, e pode muito bem ser que esta verdade tenha primeiro se iluminado para ele ao ouvir o discurso de uma dracma de Pródico. Mas Pródico, embora seu ensino lingüístico sem dúvida incluísse distinções semânticas entre termos éticos, parara na soleira da porta [Osório diz: parece que, para os seguidores fanáticos de Platão/Sócrates, todos pararam na soleira! Todos que não são do seu agrado, pois, quando é conveniente às suas teses o assunto era corriqueiro/vulgar/batido em Atenas! E Xenofonte, parou na soleira para deixar Platão passar? Sócrates faz o mesmo com Anaxágoras.]. Ele era como os oradores que “quando aprenderam os preliminares necessários à retórica pensam que descobriram a arte mesma, e que, ensinando-os a outros, deram-lhes instruções completa sobre a retórica” [Osório diz: esta é uma opinião de Platão, no Fedro, 269b-c).
A arte completa dos logoi abarca nada menos que o todo da filosofia [Outras referências para este parágrafo: Platão, Prot. 341a, 315e, Meno 96d, Cárm. 163d, Hipp. Maj. 282c, Teet. 151b, Laches 197d. Concordar ou não com Joël e Momigliano (veja este último em Atti Torino, 1929-30, 104) que o "mito" de Pródico como mestre de Sócrates seja cínico em sua origem depende, com certeza, de como se escolhe interpretar as muitas referências a suas relações as quais, uma vez que vêm de Platão, estão livres de suspeitas desta origem. Contudo, Momigliano foi mais longe do que me aventurei aqui, atribuindo a Pródico uma consciência das consequências deste ensino semântico enquanto atingia tanto a ética como a epistemologia, aproximando-o assim muito mais de [p. 256] Sócrates. (Para mais sobre isto v. pp. 209s, acima). Dizer que o levou a renunciar ao ceticismo e relativismo de seus irmãos sofistas é prestar-lhe homenagem que eu estaria inclinado a reservar a Sócrates. Para resumo da descrição socrático-platônica de Pródico veja também Mayer, Prod. 18-22, o qual pensou que o Prot. apresenta distorção, caricatura e ironia; alhures Platão reconhece o valor científico do procedimento de Pródico. [Osório diz: interessantíssima esta nota!]]. [Osório diz: é com isso que venho insistindo: não se faz filosofia sem retórica. Sem discurso! Daí os dois palhaços proporem uma diferenciação entre a “boa” e a “má” retórica! Mas, quero crer, esse o maior ódio de Platão contra os Sofistas que falavam e se propunham os demais a falar, o que era fundamental na democracia, mas ele era partidário da oligarquia e da tirania, e o discurso ensinado ia ajudar na conquista do poder. O exemplo do maior discusador platônico, Sócrates, acabou como acabou! Não convenceu o tribunal] (p. 256)
Isso tem certa confirmação contemporânea em Aristófanes, que nas Nuvens (360) chama-o de meteorosophistes, "perito em astronomia", [Não se pode deixar inteiramente de levar em conta isso pelo motivo de que aplicou a mesma palavra a Sócrates, pois há toda probabilidade que os primeiros anos de Sócrates tenham sido marcados de fato pelo interesse pela filosofia natural suficiente para dar alguma base real à descrição. (Veja Sócrates, 96ss). Para a referência de Cícero a Pródico, juntamente com outros sofistas, como tendo escrito etiam de natura rerum, v. p. 47, acima. Gélio, de outro lado, o compara com Anaxágoras como rhetor, e não como physicus (15.20, DK, A 8). [Osório diz: é a minha tese! Perfeito![Osório diz: é a minha tese! Para falar algo sobre ele teve que aprender antes. Perfeito!]] e nos Pássaros (692) implica que produziu uma cosmogonia.
O elogio entusiasmado de Grote [para Pródico]:
Quem não leu a fábula muito conhecida chamada “A escolha de Hércules"...? Quem não sabe que seu objetivo expresso é entusiasmar a imaginação da juventude em favor de uma vida de trabalho em vista de objetivos nobres, e [p. 257] contra uma vida de vício? Se ela é de notável simplicidade e eficácia mesmo para leitor moderno [Osório diz: leitores modernos mesmo foram os gregos, tanto assim que os autores que eles liam no século V, por exemplo, não se repetiram!], quanto mais vigorosamente teria agido sobre o auditório para cuja crença estava especialmente adatada, quando pronunciada pelas expansões orais do autor?
Para crítica mais equilibrada ver Grant, que faz algumas observações notáveis. Não quer dizer negar que pode ter-se tornado, como Schmid o chama, "uma das peças mais influentes na literatura universal" (Gesch. 41; v. o seu n. 9 para a bibliografia). Sua idéia básica de dois caminhos na vida, a vereda florida e a árdua subida rumo à virtude, já se achava em Hesíodo (Erga 287-92). O artigo de Schultz Herakles am Scheidewege, em Philol. 1909, vai adiante nas afinidades míticas do conto, especialmente sua relação com o símbolo Y como (a) encruzilhada e (b) árvore da vida (Ethics, 1, 145s,). [Osório diz: para o autor, Guthrie, apenas as repetições de Platão são originais! E olha que ele escreveu a posteriori, ou seja, depois dos sofistas que ele tenta contestar. Hesíodo não parou na soleira!]
Quando Hércules como jovem pondera que caminho de vida tomar, aproximam-se dele duas mulheres altas representando a Virtude e o Vício, que lutam por sua dedicação. Cada um é adequadamente descrito, a virtude é bela e nobre de aparência, o seu corpo vestido com pureza e seus olhos são modestos, toda sua aparência sugere autodomínio, o Vício é nédio e macio, com aspecto não deixado à natureza, olhar vadio, e veste revelando antes que ocultando seus encantos. Este fala primeiro, e o prazer e a facilidade que promete podem-se imaginar. A Virtude, ao invés, promete vida de duro treinamento, muito trabalho e simplicidade, que, todavia, será recompensado com honras, verdadeiras amizades e, se se quiser, riqueza e poder, que só se pode ganhar pela labuta e suor. A preguiça, o prazer e o vício, por outro lado, enfraquecerão o corpo e destruirão a mente. Os seus últimos anos ser-lhe-ão um peso, ao passo que se tiver seguido a Virtude poderá gozar na memória glórias passadas e gozar da felicidade que seus esforços mereceram. [p. 258] [Osório diz: resumo do pensamento de Pródico]
[Osório diz: Não existe crítica de obra inexistente! Os sofistas, portanto, foram os pioneiros! Que obras eles criticaram, tirando a de Homero e Hesíodo? Já Platão e Aristóteles pegaram tudo nas chochas!]
A perspectiva de Pródico, como a de outros sofistas, era humanística [Osório diz: mas isso não é privilégio de Sócrates?], e teve uma visão puramente naturalista da religião (pp. 222ss acima). Sua teoria era que o homem primitivo, para o qual muitos aspectos da natureza deviam parecer hostis, estava tão impressionado com os dons que ela fornecia para o sustento de sua vida, bem-estar e gozo — tais como o sol, a terra e a água, o ar e o fogo, alimentos e o vinho — que acreditava que eram ou descoberta e benefício especial dos seres divinos ou que eles mesmos incorporam a divindade. A teoria não só era notável por seu racionalismo, mas tinha também o mérito adicional de discernir estreita conexão entre religião e agricultura [Osório diz: milagre esse elogio! Mas isso depois de muito esculhambar Pródico]. Isso se baseava em fato observado [Osório diz: dito pelo autor, Guthrie, milênios depois! Não esqueçamos], uma vez que cultos de fertilidade não só estão difundidos numa fase primitiva de civilização, mas também eram especialmente comuns na Grécia, onde, de mais a mais, se costumavam reconduzir todos os benefícios da vida civilizada a uma origem na invenção da agricultura.
Os únicos títulos atestados de obras de Pródico são: Sobre a natureza, Sobre a natureza do homem, e Horai. (p. 259)
A doutrina dos sinônimos [Veja Untersteiner, Sophs. 207 e (para a reconstrução de Nestle) 225, n. 74. Para Untersteiner as Horai foi "sua maior obra, na qual o ciclo das coisas e a lei ética que governa tudo encontrou uma de suas visões unificantes". Seria difícil prová-lo. Sua insistência no uso correto das palavras permeava toda a sua obra, mas Platão deixa claro que o ensinamento sobre o tema se dava numa conferência ou numa série de conferências. A inclusão da fábula de Hércules envolve, como Gomperz diz francamente (S. u. R. 100s), admitir que muito da descrição de Xenofonte dela como uma epideixis é ficção. [Osório diz: para as descrições de Sócrates tudo vale! Para os demais tudo é vedado!]].
No Axiochus (366c ss) [Osório diz: Axíoco é um diálogo socrático atribuído a Platão, mas considerado ilegítimo], “Sócrates”, depois de (p. 259) uma crítica, grosseira e de mau estilo. [Osório diz: Já imaginou um Sócrates grosseiro e de mau estilo!? Um santo jamais faria isso! Daí Guthrie ter usado o Sócrates entre aspas].
Quando se disse tudo, porém, as únicas facetas de sue ensino, sobre que sabemos bastante para fazer dele um interesse filosófico, são sua paixão pelo uso exato da linguagem e sua teoria sobre a origem da religião. [Osório diz: Portanto, não considerem, leitores de Guthrie, o moralizante mito de Héracles!].
O intenso interesse pelas possibilidades e pelos limites da linguagem deu início ao estudo gramatical (distinção de gêneros, partes do discurso e assim por diante), do que existem traços de Protágoras em diante.
O objetivo não era de fato científico, distinguir e codificar o uso existente, mas prático, reformar a linguagem e aumentar sua eficácia por correspondência mais estreita com a realidade ["A grammatike grega antiga era uma techne, arte ou habilidade, um estudo visando à prática; a fitologia [Osório diz: botânica.] moderna não é uma techne, mas ciência física. Toma o fenômeno universal do discurso humano por objeto, e só se interessa por certificar-se e coordenar os fatos". Este texto é do ensaio muito agradável de Murray sobre Os inícios da gramática grega (em Greek stud), onde também frisa a enorme diferença resultante do fato de que a grammatike só se interessa pelo discurso grego: "Os fenômenos que os grammatikoi gregos tratavam não era toda a língua humana. Era o Logos".]. [Osório diz: bela concessão! Mas isso prova que os filósofos com (distinguir e codificar) não são práticos. Contudo, Guthrie, insiste em dizer que Sócrates era prático, com o que, absolutamente, concordamos. Péricles deve ter percebido isso, daí ter optado por Protágoras para dar leis à Túrio]
Protágoras, diz-se-nos, foi o primeiro a dividir o discurso (logos) em quatro tipos básicos (phythemenes logon): pedido (ou prece) [Osório diz: embora se insista que Protágoras era ateu, e isso debe ser uma honra para qualquer racional, ver-se que ao falar em prece se pode perguntar: a quem se faz prece? Mas melhor mesmo que o tenhamos como ateu! Caso contrário poderia ele ter-se tornado um fanático, e assim, perdido sua racionalidade aguda!], pergunta, resposta, ordem; ou, segundo outras autoridades, em sete: narração, pergunta, resposta, ordem, relato, pedido, intimação. Pouco mais tarde Alcidamas disse que os quatro logoi eram afirmação, negação, pergunta e comunicação. Isto vem de uma fonte tardia, mas Aristóteles se refere à divisão quando na Poética (p. 205) (…) lembra que Protágoras criticou a Homero por escrever “Canta, deusa”, porque isso era uma ordem quando o que se requeria era uma prece. [Osório diz: Protágoras versus Homero. Crítica fulminante para os inícios, e mesmo depois, do pensamento dito racional, que se iniciava]
A distinção entre nome e verbo (rhema) ocorre em Platão, e, como observa Cornford (PTK, 307), introduz-se no Crátilo (425a) sem explicação como algo familiar, e, sendo assim, provavelmente foi feita antes por Protágoras ou algum outro sofista. [Osório diz: a quem Platão plagiou?]
Literalmente, rhema significa apenas “uma coisa dita”, e um nome é contraposto a ele como aquilo de que coisas são ditas. [Osório diz: ?]
Nomes e verbos são construídos de letras e sílabas, e de nomes e verbos compomos "algo de grande, belo e completo, o Logos, formado pela arte de nomear ou retórica ou o que quer que seja, da mesma forma como uma figura viva é composta pela arte do pintor". [Osório diz: a importância da retórica!]
O interesse de Protágoras pelo gênero dos nomes é atestado por um contemporâneo. Aristóteles nos diz que foi ele que dividiu os nomes em masculino, feminino e neutro (Arte Poética, 1407b7).
E isto se reflete nas Nuvens de Aristófanes. (p. 206) A peça contém, sob o nome de Sócrates [Osório diz: mas era Sócrates mesmo, basta querer vê-lo!], um ataque à pretensão de Protágoras de fazer do argumento mais fraco ("injusto") o mais forte e Strepsíades, que veio a Sócrates para aprender o argumento injusto para evitar o pagamento de suas dívidas [Osório diz: aparentemente, Aristófanes foi o primeiro deturpador! Nem Platão, nem Aristóteles chegaram a tanto! É que ele, filhadaputalmente, trocou fraco por injusto, quando a doutrina é: fazer do mais fraco o melhor. O mais fraco nem sempre é injusto! Os advogados vivem disso: tornar os argumentos de seus clientes os melhores. Um miserável, que embora seja a vítima, mas que não saiba expressar sua causa (a melhor, obviamente) a terá conhecida como a pior, a mais fraca!], fica desanimado ao descobrir que deve primeiro aprender "sobre nomes, quais deles são masculinos e quais femininos" [Osório diz: fantástico isso, pois Platão e Aristóteles apresentam os sofistas como “apenas ensinando a falar, sem se preocupar com o conteúdo da fala”, mas, aqui, ao contrário, demonstra-se que, para poder falar com a eficiência com a qual os sofistas faziam Atenas e Platão tremer, é necessário todo um preparo/conhecimento profundo e anterior, obviamene]. Sua falha (em comum com todos os seus compatriotas gregos) de distinguir animais de sexo diferente por terminações diferentes, e seu uso de artigo masculino com nomes que têm o que é comumente uma terminação feminina, lhe vale uma aguda censura de "Sócrates" [Osório diz: quem é mesmo que faz censuras agudas aos “ditos sábios que nada sabem”? Sócrates, por certo]. Esta crítica da gramática da linguagem comum que a corrige como ilógica e imprecisa aparece de novo na afirmação de Protágoras de que as palavras gregas para "fúria" e "capacete", que são femininas, deviam ser masculinas.
Pródico 102 é mencionado no Eutidemo (277e) como alguém que insistiu na importância capital da "correção dos nomes", que Sócrates aí chama a primeira fase da iniciação nos mistérios dos sofistas. Sua especialidade era precisão no uso da linguagem e distinção acurada do significado das palavras comumente consideradas sinônimos.
Ele [Osório diz: Pródico] me censura, diz Sócrates no Protágoras (…) por usar uma expressão como “terrivelmente sagaz”. “Terríveis” (deinos) deve qualificar coisas desagradáveis como pobreza, doença ou guerra. [Osório diz: ela é terrivelmente linda! Nunca! Jamais!]
O mesmo diálogo [Osório diz: Eutidemo] contém uma paródia de seu ensino, um discurso um tanto pomposo em que ele distingue entre discussão e disputa, estima e louvor, prazer e gozo. No Laches (…) ele é mencionado, em conexão com a distinção entre coragem e falta de medo, como "o melhor dos sofistas em traçar distinções deste tipo". Aristóteles o apresenta listando gozo, deleite e satisfação como subdivisões de prazer, e em conexão com isso um comentador tardio lhe credita a "invenção" da "exatidão verbal" [Segundo o comentador, terpsis era o prazer pelos ouvidos, chara prazer da mente, e euphrosyne prazer visual; uma classificação que, se realmente de Pródico, mostra uma vez mais o caráter normativo antres que descritivo deste tipo de ensino, pois dificilmente corresponde ao uso ordinário. (No discurso de Pródico no Protágoras, euphrainesthai é contrastado por hedesthai, e é [p. 207] definido como o gozo resultante do exercício do intelecto). O comentador, porém, provavelmente terá introduzido uma classificação estóica. Cf. Alex. em DK, 84 A 19, e veja sobre isto Classen em Proc. Afr. C. A 1959, 39s. Classen pensa que até Aristóteles confundiu Pródico com diairesis platônica (terpsis, chara e euphrosyne, Ar. Top. 112b22; cf. coment. sobre Phaedr. = Hermias, p. 283 Couvreur (não em DK, mas acrescentado por Untersteiner, Sof. II 173s): Pródico ten ton onomaton euren akribeian.).].
Talvez a coisa mais interessante a este respeito seja a evidência de relacionamento pessoal entre Pródico e Sócrates, que se refere a ele várias [p. 207] vezes em Platão como aluno e amigo de Pródico [Concordo com H. Gomperz (S. u. R. 93) que estas alusões não se podem descartar como gracejos sem nenhum fundamento histórico. [Osório diz: de onde se tira tal conclusão? Deveria Guthrie explicar, já que quer explicação de tudo, com justa razão]]. A insistência de Pródico em distinguir precisamente entre palavras de significado estreitamente relacionadas tem afinidades óbvias com o hábito socrático de apertar o interlocutor e obrigá-lo a dizer o que é coragem, temperança, virtude, ou qualquer coisa que seja objeto de sua discussão [Osório diz: embora ele mesmo não diga, mas seja, por isso, aplaudido por muitos] — qual seja sua forma ou ser; e o ensino de Pródico pode bem ter tido influência em dirigir seu pensamento por estas linhas. Se, como escreveu Calógero, "a diferença entre as duas aproximações é muito aguda", Pródico, preocupando-se apenas pelo "falar correto" e Sócrates interessando-se pela "coisa real" [Osório diz: acima tem-se as coisas reais! Coragem, temperança, virtude...], ou se, como o propõe W. Schmid, a arte de divisão de Pródico foi uma "fertilização científica da esfera socrática de pensamento" e "sua tentativa de aguçar e regulamentar o uso da linguagem por exigências lógicas uma preparação, sem dúvida, valiosa para o esclarecimento conceitual da linguagem literária”, [Osório diz: bem melhor a avaliação de Pródico] é questão que será tratada mais tarde [Para estimativas ulteriores do valor da obra lingüística de Pródico v. Grant, Ethics, 1, 124s. ("Devemos reconhecer o mérito desta primeira tentativa de separar os diferentes matizes da linguagem, e de fixar uma terminologia" etc.) [Osório diz: esse tal de Grant só podeia estar bêbado ao valorizar o sofista! Daí o nome do uísque!]; H. Gomperz, S. u. R. 124-6 (o objetivo da instrução era retórica – de outra forma jovens não lhe teriam pago 50 dracmas por vez para ouvi-lo! — todavia "aus der Bedeutungslehre des Prodikos ist die Begriffsphilosophie des Sokrates erwachsen" [Osório diz: tradução?]); e outras autoridades referidas em Untersteiner, Sophs. 225, n. 66. Untersteiner não está muito correto ao dizer na p. 215 que "todos os estudiosos estão de acordo" sobre a questão.]. Pode-se acrescentar aqui, porém, que Pródico como os sofistas tinha alta reputação como orador político e deu exibições públicas pagas de eloqüência, e também, como Protágoras, empreendeu o ensino da arte do sucesso na política e na administração de Estados. É, portanto, provável que sua insistência em linguagem precisa tenha ocorrido no contexto do ensino da retórica [Osório diz: e qual o problema nisso, como transparece da insinuação de Guthrie?].
1) Pródico e Tucídides. (…) Influências em Tucídides em geral, mas [p. 208] (…) alguns lugares onde a distinção entre sinônimos próximos se faz de modo que lembra muito Pródico no Protágoras, que, com certeza, devem sua inspiração a ele [diz Mayer]. [Eis alguns exemplos]:
Em 1.23.6 temos a famosa distinção entre a causa (prophasis) verdadeira, mas disfarçada da guerra e as razoes (aititai) que eram dadas abertamente. [Osório diz: lembra da guerra movida contra o Iraque]
1.69.6, aitia e kategoria. “Por favor, não apenas que nossa exposição de razões nasce de quaisquer sentimentos hostis. Exposição de razões (aitia) é o que se emprega para com amigos que erraram, e acusação (kategoria) para com inimigos que enganaram alguém”.
2.62.4, auchema e kataphronesis. “Qualquer covarde pode se gabar por ignorância e sorte, mas altivez propriamente dita vem de confiança arrazoada na própria superioridade sobre o inimigo”.
3.392, epanastenai e apostenai. Os mitilenos não “são tanto revolucionários – uma palavra que se aplica a pessoas que sofreram tratamento duro e áspero – como insurgentes deliberados tramando com nossos inimigos para nos destruir”.
4.98.6, Hamartema e paranomia. “Faltas involuntárias [afirmavam os atenienses] ganharam santuário no altar dos deuses, e onome de crime devia ser reservado para os atos errados cometidos gratuitamente, não sob a pressão das circunstâncias”. [Osório diz: princípio de Direito Penal]
6.11.6, epairesthai e tharsein. “O que importa não é sentir exaltação pelo recuo ocasional de nossos inimigos, mas antes confiança em nosso próprio planejamento superior”.
Belas distinções. Podem ser, com efeito, notavelmente eficazes.
2) Sinonímia e filosofia. Momigliano tem uma teoria interessante das possíveis influências da distinção sinonímica de Pródico sobre a filosofia da linguagem e sobre a ética. As palavras "teoria" e "possíveis" são minhas, pois Momigliano apresenta suas conclusões como certas. Pelas provas que temos, é difícil ter tanta confiança, mas mesmo com visão mais cautelosa a interpretação é muito interessante para que se possa omitir. É a seguinte (em Atti Torino, 1929-30, 102s):
Demócrito dissera que as palavras não refletem a realidade porque (entre outras razões) nem toda palavra tem um objeto que lhe corresponda [Osório diz: esta afirmativa serve para o debate no Teeteto!]. … A única maneira de refutá-lo era mostrar-lhe que corresponde, isto é, que dos assim chamados sinônimos … cada um tem de fato seu objeto em (p. 209) separado. O que Pródico faz com seu aparente pedantismo é opor-se ao ceticismo prevalente [Osório diz: Pródico contra o ceticismo, e ainda pega-se a todos os sofistas como iguais! Isso quando é para fim escuso]. E, uma vez que ceticismo teórico levava a relativismo prevalente contra "o exército dos Trasímacos e dos Cálicles". Isso explica como Pródico, o criador de distinções sutis, é também o autor da fábula moralizante da Escolha de Hércules (pp. 257 abaixo) [Osório diz: que sempre se quer tirar dele!]. A arte de distinguir sinônimos teve importantes influências sobre a ética, implicando a separação de agathos de kreitton, dikaion de sympheron. (Estes exemplos particulares não ocorrem, enquanto sei, no registro que nos chegou da atividade de Pródico). Sua reação, continua Momigliano, é a mais interessante por não ser simplesmente uma defesa de crenças tradicionais. Sobre o perigoso tema dos deuses foi ousado e original (v. sobre isto p. 222 abaixo), embora sentisse a necessidade de sustentar sãos princípios morais na vida diária [Osório diz: uma coisa é razão, outra é fé. Uma coisa é sua ação, outra coisa é a ação de celerados, que, para eles, talvez tenham sido inventado os deuses: necessidade de temer algo, mesmo estando sozinhos]. Ocupa, pois, como conclui Momigliano, um lugar especial entre os sofistas, diferente de um lado do ceticismo de Górgias, Protágoras e Trasímaco, e, de outro, de Antífon e Hípias com suas antíteses entre moralidade natural e convencional. [p. 210] [Osório diz: mas tudo isso mostra que os sofistas tiravam as coisas do lugar, mas colocavam outras para substituí-las! Faziam “tábula rasa” de tudo, como diz Romilly, e depois construíam. Portanto, não eram os “imorais” (pejorativo) que supõe a plebe ignara a partir de ensinamentos daqueles que o distorcem para que prevaleça seus interesses, em especial os religiosos].
Platão.
"Como credo dogmático, consistindo na negação de toda espécie de poder sobrenatural, o ateísmo não foi com frequência sustentado seriamente em qualquer período do pensamento civilizado". (p. 219) [Osório diz: e onde o foi no incivilizado? / Seriamente para quem?]
Que tais ateístas ("que não criam inteiramente na existência dos deuses", 908b) eram comuns pela época de Platão é certo por sua menção deles nas Leis, onde os distingue cuidadosamente dos que afirmam (a) que existem os deuses, mas não têm nenhum interesse pela conduta humana, (b) que eles podem ser comprados por oferendas. [Osório diz: as oferendas!]
Diágoras (...) A única razão alegada para ele, e que está nas fontes tardias, é moral: diz-se que começou como poeta ditirâmbico temente aos deuses, e que depois se convenceu da não-existência dos deuses pelo espetáculo da injustiça com bom êxito e não-punida, neste caso uma ofensa específica feita a ele próprio, embora sua natureza seja narrada de várias formas. Além de sua descrença, o único outro fato registrado sobre ele por seus contemporâneos é que foi condenado por acusação de impiedade pelos atenienses, e oferecido um prêmio por sua cabeça em sua ausência da cidade.
[Osório diz: piedade: cumprimento dos deveres para com os pais, a pátria, os deuses. 1. Prática das leis religiosas. = DEVOÇÃO. 2. Vontade de diminuir ou se solidarizar com o sofrimento alheio. = COMPAIXÃO, DÓ, LÁSTIMA, MISERICÓRDIA].
Jacoby está certo quando diz que todas as testemunhas igualmente lhe atribuem "um repúdio puro e simples de todo o conceito de deuses, um ateísmo radical, extremo e sem compromisso". [Osório diz: e deveria ter compromisso com o que? Deveria ser um ateu temente a deus?]
Pródico (…) diversamente de Demócrito, viu a origem da crença religiosa na gratidão, e não no medo [Osório diz: origem da crença religiosa]. Temos as referências seguintes: (p. 221)
(a) “Perseu evidencia-se destrutivo, ou ignorante, do divino ao declarar em seu livro sobre os deuses que não era improvável o que escreveu Pródico, ou seja, que as coisas que nos alimentam e beneficiam eram as primeiras a ser consideradas deuses e honradas como tais, e, depois delas, os descobridores de alimentos e abrigo e as outras artes práticas tais como Demétrio, Dionísio e os...” [Osório diz: crítica estúpida! / Guthrie, na outra obra, explica isso e a idiotice não é tão idiota assim!]
(b) “Pródico diz que foram aceitos como deuses os que em suas viagens descobriram novas plantações, contribuindo assim para o bem-estar humano”.
(c) Cícero, N. D. 1.37.118: "Que espécie de religião nos deixou Pródico de Ceos, que disse que coisas úteis à vida humana foram contadas como deuses?"
(d) Ib. 15.38: "Perseu diz que os que foram considerados deuses foram os que descobriram o que era especialmente útil para a vida civilizada, e que as coisas úteis e salutares foram elas mesmas chamadas com os nomes de deuses".
(e) Sext. Math. 9.18: Pródico de Ceos diz: "Os antigos consideraram como deuses o sol e a lua, os rios, as fontes, e em geral todas as coisas que ajudam nossa vida, por causa do auxílio que elas dão, da mesma forma como os egípcios deificam o Nilo". Ele acrescenta que por esta razão o pão foi chamado Demétrio, o vinho Dionísio, a água Posêidon, o fogo Hefesto, e assim por diante com tudo o que prestava serviço. (Repete-se isso com palavras um pouco diferentes no capítulo 52).
(f) Ib. 51 inclui Pródico numa lista de ateístas "que dizem que não existe nenhum deus".
(g) ib. 39-41 critica “os que dizem que supuseram que todas as coisas que beneficiam a vida são deuses – sol e lua, rios e lagos e semelhantes”, pelo motivo de que (a) os antigos não podiam ter sido tão estúpidos para atribuir divindade a coisas que viam parecer ou mesmo comiam e destruíam eles mesmos, e (b) com este argumento deve-se também crer que homens, especialmente filósofos, são deuses, e mesmo animais e utensílios inanimados, pois todos estes trabalham por nós e melhoram nossa sorte. (p. 222) [Osório diz: crítica estúpida! O crítico é Sexto Empírico, como se vê na página seguinte.]
Sexto, é verdade (passagem g), (p. 223)
O traço da teoria de Pródico que mais impressionou foi que a origem da religião está na tendência do homem primitivo de considerar as coisas úteis para sua vida — incluindo sol, lua e rios bem como pão e vinho — como deuses. 37 Esta teoria viria facilmente à mente de um grego racionalizante, pois em sua literatura, de Homero em diante, encontraria o nome do deus respectivo para a substância mesma, como Hefesto para fogo ("Espetaram as entranhas e as puseram sobre Hefesto, Il. 2.426), e o sol, a lua e os rios eram deuses. "Meu noivo foi um rio", diz Deianeira muito naturalmente (Soph. Trach. 9), e, sendo um deus, podia tomar qualquer forma que quisesse — de touro, de homem ou de serpente, como também da água. Empédocles deu nomes de deuses aos quatro elementos, e (pelo que possa valer) Epifânio diz que Pródico os chamou de deuses, como também o sol e a luz, "porque a vida de tudo depende deles". 38
Uma passagem notável nas Bacchae (274ss) mostra quão facilmente a mente grega podia escorregar da idéia de uma substância enquanto incorporando um deus vivo à do deus como seu inventor ou descobridor. Tentando acalmar a ímpia hostilidade de Penteu para com Dionísio, Tirésias lhe diz que
duas coisas são primárias na vida humana: primeiro, a deusa Demeter — ela é Terra, mas chama-a com qualquer nome que queiras [e com certeza Ge, a terra, era também grande deusa por aquele nome]. Ela dá aos homens todo alimento que é de natureza sólida. Para balancear isto veio o filho de Sêmele, que descobriu a substância fluida da uva... Ele, sendo deus, é derramado para os deuses.
Aí Dionísio, o deus do vinho, é descrito ao mesmo tempo, sem nenhuma percepção de incongruência, como o descobridor do vinho e o próprio vinho. Está, pois aí, com toda probabilidade, a chave para a doutrina de Pródico. No piedoso profeta Tirésias ele veria um exemplo perfeito (e, uma [p. 224] vez que é certo que Eurípedes conheceu seu ensino, também viu um exemplo) da mentalidade de que surgiu a religião: perguntar se os homens imaginaram seu alimento, bebida ou outras coisas que dão e sustentam a vida como deuses, ou alternativamente os seres que os descobriram e forneceram, era fazer distinção psicologicamente irreal. Dionísio era ao mesmo tempo vinho e doador do vinho, Hefesto fogo e doador do fogo.
Foi Pródico ateísta? Crer que vinho e pão são deuses com certeza não é ateísta, é precisamente a crença que Pródico disse que “os antigos” tinham e da qual surgiu a religião. Para o próprio Pródico eles eram apenas vinho e pão.
A afirmação de que a própria concepção de deuses resultou da prática da agricultura não soa como se viesse de crente neles.
Pródico pode ser justamente saudado como um dos mais antigos antropólogos, com uma teoria sobre a origem meramente humana da crença em deuses que não teria envergonhado o séc. XIX.
Pródico, como era de se esperar de alguém que era tanto sofista como filósofo natural [Osório diz: isso também era Sócrates, acredito, por Aristófanes] e que escreveu sobre cosmogonia, evidentemente defendia uma teoria do desenvolvimento humano como “progresso” e não “degeneração” [Osório diz: isso é darwinismo antes de Darwin?!]... e, como Protágoras, ele pensou na religião, junto com condições sedentárias, construção de cidades, o governo da lei e o avanço do conhecimento, como um dos frutos da civilização e essencial à sua preservação. Para defender estas idéias não é (p. 225) necessário crer na existência de deuses como objetos de adoração independentemente da concepção dos homens sobre eles [Frederic Harrison, que “considerou todas as religiões falsas, mas insistiu na necessidade humana da adoração”.]. [Osório diz: bom!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 204 a 226 e 255 a 259).
Já para kerferd:
“Pródicos veio da ilha de Quios, nas Cíclades, que era também o lugar de nascimento do poeta Simônides. Nasceu, provavelmente, antes de 460 a.C. e ainda vivia por ocasião da morte de Sócrates, em 399 a.C. Foi em muitas embaixadas de Ceos a Atenas, e numa ocasião discursou perante o Conselho. Como Górgias, deu palestras "epidícticas" e, também, aulas particulares com as quais ganhou muito dinheiro. Visitou muitas cidades, não só Atenas. Segundo Filostratos, Xenofonte estava certa vez preso em Beócia, mas obteve liberdade sob fiança a fim de ouvir um discurso de Pródicos. Xenofonte ficou certamente muito impressionado com uma epideixis de Pródicos, sobre a Escolha de Hércules, tanto que a resumiu, na boca de Sócrates, no seu Memoráveis II, 1.21-34. Esse discurso veio de uma obra intitulada Horas (Horae) que incluía panegíricos de outras pessoas ou personagens, assim como de Hércules, segundo Platão (DK 84B1). Ele também escreveu um tratado Sobre a natureza do homem.
Pródicos foi sobretudo famoso por sua obra sobre a linguagem, e a sátira de Platão sobre ele no Protágoras sugere, para alguns, que ele possa ter deixado escritos específicos Sobre a correção dos nomes. A importância filosófica dessa faceta de sua obra é muito grande, mas não temos nenhuma referência concreta a qualquer outra coisa além de sua série de palestras. Mas foi baseado nessas palestras e seus conteú- [81] dos que Sócrates se considerava aluno de Pródicos (Platão, Prot. 341a4, Meno 96d7) e diz ter mandado muitos alunos, que não estavam em condições de se associar consigo, por não estarem filosoficamente grávidos, para se ligarem com proveito a Pródicos e a outros homens sábios e inspirados (Teeteto 151b2-6). Que as suas teorias linguísticas tinham uma clara base metafísica é o que sugere o novo fragmento de papiro discutido abaixo.
Há uma tradição em fontes tardias (DK 84A1) segundo a qual Pródicos teria morrido em Atenas, bebendo cicuta, aparentemente após condenação por "corrupção dos jovens". Isso é, com razão, comumente descartado como uma confusão entre Pródicos e Sócrates — se fosse verdade, certamente teríamos ouvido falar disso em fontes mais antigas. Mas havia uma história, preservada no pseudo-platônico Eryxías (398e 11 - 399bl), segundo a qual Pródicos foi expulso de um ginásio por falar inconvenientemente diante de jovens, de modo que não é impossível que, de fato, tenha enfrentado o tipo de oposição que Protágoras disse ser a sorte comum de todos os sofistas. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 81).
Informa-nos Gilbert Romeyer-Dherbey:
“A vida e as obras
Pródico nasceu em Iulis, na ilha de Céos, que faz parte do arquipélago das Cíclades. Ignora-se a data do seu nascimento; uma conjectura comumente admitida localiza-o entre 470 e 460.
O retrato de Pródico fornecido por Platão é manifestamente uma caricatura. (p. 59) [Osório diz: regra geral é sempre assim!]
Quanto às obras de Pródico: … As estações.
Discursos de circunstância (epideixeis).
Estudo dos sinônimos, de que Pródico era o especialista.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 60).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Pródico, originário da ilha de Ceos, no arquipélago das Cíclades, nasceu provavelmente entre 470 e 460 a. C. e vivia ainda à data da morte de Sócrates, em 399.
Exerceu a atividade de embaixador e nessa condição esteve várias vezes em Atenas.
Na sua qualidade de professor, leccionou em diversas cidades, proferindo conferências e dando lições individuais ou em pequenos grupos, com o que terá ganho muito dinheiro. Entre os seus discípulos, constam personalidades famosas do seu tempo, de formação diversifica, como o orador Isócrates, o político Terâmenes, o historiador Tucídides e o tragediógrafo Eurípides.
No Protágoras platônico, fere-se a sua voz cava e o reconhecido virtuosismo , com que distingue termos aparentemente semelhantes. De facto, Pródico empenhou-se na análise semântica de expressões afins, distinguindo as diferentes acepções de vocábulos como sinônimos, quer os de uso corrente quer sobretudo os de registo ético. Fazia as referidas distinções a partir de noções opostas, e a destrinça de significações (diairesis), em que foi exímio, terá sido apresentada, por alguns estudiosos, como um antecedente do método de divisão, procedimento decisivo da dialética platônica, no período da maturidade. Mas o objectivo de Pródico não visava diretamente inquirir a essência correspondente a um determinado nome e dividir cada noção, dicotomicamente; em subespécies; procurava, antes, demonstrar que não eram sinônimos os termos vulgarmente considerados como tal, baseando-se no confronto dos mesmos e investigando o que os [155] diferenciava entre si, para lá das semelhanças. Essa comparação entre nomes afins, que poderiam ser dois ou em número superior, tinha como finalidade mostrar que a cada um desses nomes correspondia um sentido próprio, o que, de certa maneira, redundava na pesquisa das respectivas definições. Pródico defendia, tal como Antístenes, que a aprendizagem da correcção dos nomes é princípio de toda a educação. A referida “correcção” inseria-se no âmbito da busca de exactidão (akribologia) no uso da linguagem, como instrumento ao serviço de um determinado modelo de paideia, a que não seriam alheios os motivos ético-políticos.
Para lá dos seus interesses linguísticos, as preocupações de carácter moral avultam na obra de Pródico intitulada Estações. Nesta é ressaltado o elemento dramático inerente à opção por um género de vida, manifesto na escolha de Héracles entre a Virtude (Arete) e o Vício (Kakia). Essa escolha nos é relatada por Xenofonte, e a exporemos mais adiante.
São-lhe imputadas duas teorias respeitantes às origens dos deuses:
1º os homens primitivos teriam encarado como divinas as coisas que os alimentam e as que, de alguma forma, lhes são benéficas, incluindo nesse inventário o Sol, a Lua, os quatro elementos, o pão, o vinho etc.;
2.° também constituíram em objeto de culto aqueles que descobriram formas de fazer progredir a vida humana, novos procedimentos técnicos, com particular destaque para a introdução de novos cultivos e novas práticas agrícolas.
As características peculiares da religião grega, sem um conjunto unitário de dogmas, sem um sacerdotal, sem qualquer tipo de estrutura eclesiástica rígida, permitiam a eclosão de formas diversificadas de culto e de versões mitológicas, sem que as críticas racionais ao politeísmo antropomórfico implicassem uma recusa frontal na crença da existência
A Suda confunde Pródico com Sócrates, ao afirmar que aquele teria morrido em Atenas ao beber cicuta, por ter sido acusado de corromper os jovens. [Osório diz: mantive esta informação apenas para mostrar-lhe como uma mentira é duradoura, sem que as pessoas – escritores, historiadores – alentem o leitor para isso, de modo que, assim, ela se perpetua].
Filóstrato, na Vidas dos Sofistas, diz que Pródico deiva-se seduzir facilmente pelo dinheiro e entregava-se aos prazeres! [l, 12] [Osório diz: vivendo no mundo capitalista/consumista que vivemos hoje, sendo os prazeres a única coisa que se leva da vida, será que o tom de condenação ao sofista é adequado? E as Igrejas que vivem na opulência para os prazeres de seus membros? E são estes, regra geral, ou seus porta-vozes, que condenam Pródico!].
No diálogo platônico Teeteto, Sócrates diz: — Teeteto, de muito auxilio como casamenteiro os jovens que não me parece de forma alguma grávidos: reconheço que não precisam de mim e, para falar ao lado de um deus, consigo muito bem adivinhar de que companhia haverão de tirar proveito. Eu enviei muitos a Pródico, muitos também a outros homens sábios e admiráveis [151 b]
Sócrates elogia, ironicamente, as vantagens de que os jovens menos dotados para a filosofia podem usufruir na convivência com Pródico. Por um lado, o ensino de Pródico, nas áreas da sua competência específica, é objecto de referência positiva; por outro lado, isso não impede que seja sublinhado o contraste entre a educação filosófica e a educação sofística e os méritos de cada uma delas. A primeira obriga a que o discípulo seja capaz de se expressar, por uma elaboração pessoal, as definições das verdades que tem na alma. Na segunda, na educação sofística, o discípulo recebe passivamente os ensinamentos que lhe são transmitidos do exterior. [Osório diz: primeira coisa: a dita ironia socrática era “dizer que nada sabia”, mas ficando subentendido que ele sabia, mas apenas fingia não saber! Isso é de uma idiotice atroz! E o é pelo seguinte: ele não sabia mesmo, como, de resto, ninguém sabe, mas os fanáticos de Sócrates deixam a entender que ele sabia a verdade, quando, até agora, nunca uma “verdade” dita por Sócrates chegou a ser “verdade”! Segunda coisa: ninguém consegue a desenvoltura que conseguiram os sofistas e seus alunos se apenas “recebessem ensinamentos passivamente”, sem deles saberem fazer uso e usá-los, pois é justamente isso que incomoda Platão: o sucesso dos Sofistas e alunos! O simples fato de escrever tantos diálogos para combatê-los é prova suficiente do seu fracasso!].
Marcelino, na Vida de Tucídides, diz que Tucídides procurou imitar, em pequena medida, como diz Antilo, os isocolos e as antíteses de palavras usados por Górgias de Leontinos, nessa altura muito em voga entre os Gregos, assim como também o rigor dos termos de Pródico de Ceos. [36]
Sinónimos: Platão mostra um discurso de Sócrates em que ele diz: Depois de ele dizer isto, Pródico retorquiu: “Parece-me que tens razão, Crítias. Os que se apresentam nestes debates devem ser imparciais para ambos os adversários, mas não devem ser neutros, pois não é o mesmo. É preciso que ouçamos imparcialmente ambos os lados 25. Não convém que façamos igual juízo dos dois, mas que atribuamos mais crédito ao mais sábio e menos ao menos avisado. Também eu próprio penso que é correcto que vós, Protágoras e Sócrates, vos ponhais de acordo e que discutais um com o outro, sem disputardes. É com benevolência que os amigos discutem com os amigos; rivais e inimigos, pelo contrário, já disputam entre si26. E, assim, a nossa reunião tornar-se-á muito agradável, pois vós que falais encontrareis antes de tudo em nós, que vos escutamos, estima e não louvores. A consideração encontra-se, de facto, nas almas dos ouvintes sem fingimento, enquanto o louvor está não raro nas palavras dos que se pronunciam falsamente contra a sua opinião. E nós que ouvimos sentiremos sobretudo regozijo em vez de prazer 27. O regozijo relaciona-se com a aprendizagem ou com a participação da inteligência na própria mente, enquanto o prazer está relacionado com a alimentação ou com a experiência física”. Depois de Pródico acabar de falar, muitos dos que estavam presentes aplaudiram. [Protágoras, 337 a] [Osório diz: como deve comporta-se o julgador e os debatedores].
Pródico distingue dois conceitos cuja significação afim é susceptível de ser confundida: koinos (imparcial) não significa o mesmo que isos (neutro).
Importa compreender a diferença entre amphisbetein (“discutir”) e erizein (“disputar”): o primeiro procedimento é o que mais convém nas conversas entre amigos; o segundo é adoptado pelos “erísticos”, que apenas se interessam por “vencer” nas lutas de argumentos.
Hedu (“agradável”) pode ser designado como “o que dá prazer”, terpnon, ou como “o que causa regozijo”, charton.
O interesse dos sofistas pela questão da linguagem centrava-se, de forma privilegiada, na problemática da correcção dos nomes.
Eis um exemplo dessa busca pela correção:
Sócrates: — Diz-me, tu não empregas da mesma maneira “executar” e “fazer”?
Crítias: — Certamente que não. Nem sequer trabalhar é o mesmo que executar. Aprendi-o com Hesíodo, que diz que o trabalho não é uma desonra. Pensas que, se ele chamasse trabalho a “trabalhar” e “fazer”, como tu referiste, afirmaria que não é uma desonra para ninguém o ofício de sapateiro ou de comerciante de peixe salgado ou do que está deitado na alcova? É necessário que não penses nisso, ó Sócrates. Também ele, penso, julgava que a execução é diferente da acção e do trabalho e que a obra executada é uma ignomínia sempre que não existe o belo. O trabalho, todavia, jamais é uma ignomínia. Chamava trabalhos ao que era executado com beleza e utilidade, sendo trabalho e acção a execução de tais coisas.
Sócrates: — Eu ouvi bem umas mil vezes Pródico a distinguir os termos. [18. Cármides, 163 a-b e 163 d.] [Osório diz: veja como o trabalho era visto pela aristocracia ateniense, à qual pertencia Platão! Daí dá para se ter uma ideia de como eles viam os sofistas, que trabalhavam para sobreviver, pois não tinham escravos para sustentar-lhes, e eram esses escravos que, pelo que ensinam os sofistas, o bom uso da palavra, poderiam derrabar a aristocracia que os escravizava].
Aristóteles, nos Tópicos, e seu intérprete Alexandre de Afrodísio, dizem que: “e ainda há o caso de alguém tomar uma característica acidental como diferente dela própria, por o nome ser diferente, como Pródico fez ao distinguir os prazeres, “alegria”, “deleite” e “satisfação”; tudo isto são designações do mesmo, do prazer. Pródico tentou atribuir a cada um destes termos a sua particularidade distintiva, como fazem os estóicos, ao dizer que a alegria é uma exaltação em consonância com a razão, enquanto o prazer é uma exaltação contrária à razão; o deleite, um prazer relacionado com a audição; a satisfação, um prazer relacionado com as palavras. Isto é próprio daqueles que estabelecem normas, mas que nada dizem de sensato. [2, 6, 112 B 22 e 181, 2]
Platão nos diz, no Fedro: Ouvindo-me dizer isto um dia, Pródico riu-se e afirmou ter descoberto sozinho a arte dos discursos que é necessária: os discursos não devem ser nem longos nem breves, mas de justa medida. [267 b 40]
No domínio da arte retórica, valoriza-se a habilidade em controlar a duração das intervenções, consoante as circunstâncias e as exigências dos diferentes contextos.
Xenofonte, nas suas Memoráveis, nos informa que: também o sábio Pródico na obra acerca de Héracles, que recitou a um largo público, mostra a mesma atitude em relação à virtude, dizendo mais ou menos, tanto quanto me lembro, o seguinte: “Héracles, ao sair da infância e ao entrar na adolescência, altura em que os jovens, sendo já auto-suficientes, mostram caminharem na vida pela senda da virtude ou do vício, dirige-se a um lugar tranquilo e senta-se, sem saber para qual dos dois caminhos se voltar. Então aproximaram-se duas mulheres de elevada estatura: uma tinha uma aparência esbelta e nobre de nascimento, a cor da pele adornada com pureza, recatada no olhar, modesta nos adornos e uma veste branca; a outra era bem nutrida em carnes lânguidas, com a pele empoada para parecer mais branca e rosada do que era, uma figura mais esguia do que era próprio da sua natureza, tinha os olhos provocantes e uma veste na qual facilmente transpareciam as suas formas juvenis. Observava-se a si mesma com cuidado e observava também se alguém olhava para ela: muitas vezes desviava os olhos para ver a sua própria sombra. Quando ficaram mais perto de Héracles, a primeira avançou mantendo os mesmos modos, e a outra, querendo antecipá-la, correu em direcção a Héracles e disse-lhe: 'Vejo-te, Héracles, sem saber para que caminho te deves voltar na vida. Se me fizeres tua amiga e me seguires, conduzir-te-ei pelo caminho mais agradável e mais fácil; não existirá prazer que não experimentes e viverás sem conhecer a dificuldade. Primeiro, não te preocuparás com guerras, nem com negócios, mas estarás sempre ocupado a descobrir o prazer quer da comida quer da bebida, o que apraz à tua vista ou ao teu ouvido, o que apraz ao teu olfacto ou ao teu tacto, com que jovens te dará mais satisfação ter intimidades, como te deitarás para dormir com todo o conforto, como obterás tudo isto sem nenhum esforço. Se algum dia tiveres uma suspeita de falta dos meios que proporcionam estes bens, não tenhas receio, que eu te levo a consegui-los sem penares e sofreres no corpo e na alma; servir-te-ás do produto do trabalho dos outros e não te absterás de nada que te possa trazer algum proveito. Eu ofereço aos que convivem comigo a possibilidade de desfrutar de todos os lados. Então Héracles, depois de ouvir isto, perguntou: 'Mulher, como te chamas?' Ela respondeu: 'Os meus amigos chamam-me Felicidade, os que me odeiam, para me irritar, dão-me o nome de Vício'. Entretanto a outra mulher aproximou-se e disse: 'Venho também ao teu encontro, Héracles, por saber quem te gerou e ter observado o teu carácter durante a tua educação. Por isso tenho esperança de que, se tomares o caminho que te conduz a mim, te tornarás egrégio autor de belas e veneráveis obras, e eu aparecerei ainda mais honrada e mais ilustre pelos meus bens. Não te iludirei com promessas de prazer, mas com verdade te contarei a realidade, conforme os [166] deuses a estabeleceram. Nada do que é bom e belo os deuses concedem aos homens sem esforço e empenho, mas, se queres que os deuses te sejam propícios, deves honrá-los; se queres ser estimado pelos amigos, deves agir bem com os amigos; se desejas ser homenageado por alguma cidade, deves prestar serviços à cidade; se pretendes ser admirado por toda a Hélade pela tua virtude, deves tentar fazer bem à Hélade; se queres que a terra produza copiosos frutos, deves semear a terra; se pensas que precisas de enriquecer com o gado, deves cuidar do gado; se ambicionas granjear renome com a guerra e queres ter o poder de libertar os amigos e submeter os inimigos, deves aprender as artes bélicas com os que as conhecem e exercitar o seu uso, como é necessário; se queres ter o domínio do teu corpo, deves habituar-te a submeter o corpo ao espírito e a exercitá-lo com fadigas e suores.' Então o Vício retomando a palavra disse, segundo Pródico afirma: 'Compreendes, Héracles, como é penoso e longo o caminho de que esta mulher te fala para chegares à bem-aventurança? Eu conduzir-te-ei à felicidade por um caminho mais fácil e mais curto.' A Virtude retorquiu então: 'Desgraçada, que bem é que tu possuis? Que prazer conheces, se não queres fazer nada por isso? Tu que não aguardas sequer o desejo de prazer, mas antes de sentir desejo te enches de tudo; tu que comes antes de sentir apetite; tu que bebes antes de ter sede; e, para comeres com prazer, providencias cozinheiros; e, para beberes com prazer, providencias requintados vinhos e andas às voltas à procura de neve no Verão; e, para dormires com prazer, não só providencias colchas macias, como leitos e robustas traves que sustentem os leitos; desejas o sono não por aquilo que penaste, mas por não teres nada que fazer; forças o prazer sexual antes da sua altura própria, recorrendo a Ioda a espécie de estratagemas e servindo-te de mulheres e de homens; assim educas os teus amigos, induzindo-os a excessos de noite e fazendo-os dormir no período mais útil do dia. Apesar de imortal, foste afastada do convívio com os deuses e és desprezada entre os homens de bem. Aquilo que é mais agradável de se ouvir, o teu próprio elogio, jamais o ouves, aquilo que é mais agradável de se ver jamais o vês: nunca viste uma bela acção feita por ti. Quem poderá acreditar nas tuas palavras? Quem virá em teu socorro quando necessitares de algo? Quem, em pleno juízo, ousará pertencer ao teu cortejo? Os teus seguidores, sendo jovens, são débeis de corpo, ao tornarem-se velhos ficam insensatos de espírito; tendo sido criados quando jovens na abundância, sem conhecerem fadigas, passam a velhice na indigência, em fadigas, [167] envergonhados com as acções passadas e carregados com o fardo das acções presentes; durante a juventude correram em busca dos prazeres, para a velhice reservaram as dificuldades. Pelo contrário, eu convivo com os deuses e convivo com os homens bons; não há uma bela acção, seja divina seja humana, em que eu não participe. Sou a mais honrada de todos, quer entre os deuses quer entre os homens de bem. Para os artesãos sou uma ajudante estimada; para os senhores, uma fiel guardiã das casas; para os escravos, uma benévola protectora; uma boa auxiliar nos trabalhos da paz; uma firme aliada nos feitos da guerra; uma excelente companheira na amizade. Os meus amigos desfrutam tranquilamente da comida e da bebida, pois contêm-se quando ficam saciados. Gozam de um sono mais doce do que o dos preguiçosos; não lhes custa interrompê-lo, nem por causa dele negligenciam o que têm de fazer. Os jovens alegram-se com os elogios dos mais velhos, os mais velhos rejubilam com as honras prestadas pelos jovens. Recordam-se com prazer das acções passadas e comprazem-se em realizar as acções presentes; graças a mim, são amigos dos deuses, estimados pelos seus amigos, honrados pelos concidadãos. Sempre que chegar o inevitável fim não jazem esquecidos e sem honras, mas a sua memória floresce para todo o sempre através de hinos. É-te possível, Héracles, filho de nobres pais, alcançar a suprema felicidade se te esforçares por isso'.” Mais ou menos do mesmo modo, Pródico expõe a educação de Héracles ministrada pela Virtude; porém, adornou os seus pensamentos com expressões mais solenes do que eu usei agora. [2, l, 21-34]
A fábula acima, da escolha de Héracles, que fazia parte de Estações (Horai), exorta um modelo de vida baseado na excelência (arete) e na disciplina do trabalho. A obra continha os principais temas pelos quais o sofista se interessou, tais como a natureza das coisas, os deuses e a ética. A problemática da bifurcação dos caminhos era antiga, e o modelo preconizado ligava-se, de maneira muito próxima, ao de Hesíodo (Os Trabalhos e os Dias, pp. 287-293), como refere o próprio Xenofonte, e estas ideias eram também afins dos modos de ver deste último. É de ressaltar a índole conservadora das opiniões de que Pródico se constitui porta-voz, e os pontos de contacto entre os seus procedimentos metodológicos e as posições defendidas. Nessa perspectiva, destaca-se a harmonia entre os elementos formais, no plano lógico e linguístico, e os conteúdos do ensino ministrado, bem como a subordinação das suas actividades a objectivos genéricos de índole moral. [Osório diz: e ainda se generaliza dizendo que os sofistas eram imorais!].
Pródico também se interessava pela medicina, como, aliás, os sofistas se interessavam por tudo! Eis o que registrou Galeno, em Das Faculdades Naturais: Pródico, na sua obra Da Natureza do Homem, chama phlegma à porção de humores submetida ao calor e como que recozida; deriva o termo do verbo “queimar” (pephlechthai), utilizando-o numa acepção diferente, todavia conhece o significado que encontramos noutros autores. Também Platão exemplifica bem as inovações lexicais deste homem. Mas o que todos os homens chamam phlegma, sendo de cor branca, Pródico chama blenna, trata-se de um humor frio e húmido e acumula-se em grande quantidade nos velhos e naqueles que, por qualquer razão, estão constipados, e ninguém, nem que estivesse louco, diria que é uma outra coisa a não ser frio e húmido. [2, 9].
Sexto Empírico, em Contra os Matemáticos, registra que: Pródico de Ceos diz “Os antigos consideravam deuses o Sol, a Lua, os rios, as fontes e, em geral, tudo aquilo que é vantajoso à nossa vida por causa da sua utilidade, tal como os Egípcios consideravam o Nilo um deus. E por isso Deméter era considerada o pão, Dioniso, o vinho, Posídon, a água, Hefesto, o fogo, e assim cada uma das coisas de que nos servimos. Os que são denominados ateus dizem que não existe nenhum deus, tal como Evémero... e Diágoras de Melios e Pródico de Ceos e Teodoro. Pródico diz que o que é útil à vida foi concebido como divindade, por exemplo o Sol, a Lua, os rios, os lagos, os prados, os frutos e tudo o que seja deste género. [9, 18, e seguintes].
Segundo o testemunho de Minúcio Félix, Pródico defendeu uma teoria naturalista e sociológica da origem dos deuses. Em primeiro lugar, os homens primitivos consideraram divinas todas as coisas que lhes eram benéficas na vida quotidiana: os alimentos, os astros e as realidades naturais como os quatro elementos (fogo, água, terra e ar). E não só as julgaram “divinas” como também as aproximaram dos deuses, chegando a confundir-se com eles por serem designadas pelos seus nomes. Em segundo lugar, os homens honraram como seres divinos aqueles que fizeram descobertas que conduziram a uma melhoria nas condições de vida, nomeadamente no plano da agricultura e das inovações técnicas. Em ambos os casos, prevalecia o critério pragmático do reconhecimento da utilidade.
O recurso a explicações naturalistas acerca da origem dos deuses desencadeou sobre os seus defensores a acusação de “ateus”. Mas a matéria é complexa, já que a religião grega é caracterizada pela abertura às crenças e à pluralidade das formas de culto, por um lado, e pela inexistência de uma classe sacerdotal, por outro. A religião oficial constituía o suporte de cultos que tinham uma função eminentemente cívica e cultural, pois procuravam inculcar determinados comportamentos exteriores, descurando uma conversão intelectual e moral. O desenvolvimento das doutrinas da physis implicava um distanciamento, mais ou menos implícito, da religião tradicional, que levava à acusação de “ateísmo”. Com efeito, está ainda por determinar o alcance, teórico e prático, do referido “ateísmo”, e saber se o que estava em causa era, de facto, a negação da existência dos deuses. Confira sobre este assunto, G. B. Kerferd, The Sophistic Movement, cit., p. 163-172.
Temístio, no seu Discursos, afirma que: Estamos já próximos dos cultos e introduziremos nos nossos discursos a sabedoria de Pródico. Ele deriva todos os sacrifícios da humanidade e os mistérios e os cultos dos benefícios da agricultura, pois pensa que a ideia dos deuses chegou aos homens por esta via e... garante todos os actos de piedade. [30, p. 422].
“O dobro do desejo é o amor, e o amor a dobrar é a loucura”, foio o que disse Pródico, segundo Estobeu [4, 20, 65.].
Platão, no Eríxias, diz, por seu personagem Sócrates: — Há bem pouco tempo, um homem sábio, Pródico de Ceos, proferiu este discurso no Liceu e parecia estar a dizer fanfarronadas tais que não conseguia persuadir nenhum dos presentes de que falava verdade... Um jovenzinho perguntou-lhe de que forma pensava que ser rico era um bem e de que forma era um mal. Respondeu-lhe, como tu agora, que era um bem para os homens honrados e bons, que sabiam como deviam usar os recursos, e era um mal para os malvados e para os que não possuíam aquele conhecimento. E disse o mesmo é verdade relativamente a tudo o resto: as coisas são necessariamente em conformidade com a natureza de quem as usa. [ 397 d].
No fragmento estabelece-se a distinção entre a posse de determinado bem e o saber respeitante ao seu uso adequado. Assim, a ênfase incide na sabedoria que permite gerir os recursos disponíveis, pelo que “viver bem” depende, em última instância, do conhecimento e da escolha.
Por fim, diz Galeno, em Dos Métodos Médicos: O leite é melhor se se mamar directamente da teta, como pensam Êurifon, Heródoto e Pródico. [10, 474].
19.6 – Licofronte.
Pais:
Local de nascimento:
Esposa:
Filhos:
Obras:
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Górgias
Contribuição fundamental: põe em questão o caráter restrito da polis (cidade) tira à lei todo o caráter sagrado, todo o valor ético. Ela é uma criação puramente humana, uma convenção; não tem, pois, algum fundamento na natureza. A sua legitimidade encontra-se na mera utilidade que dela extraem os cidadãos, enquanto ela é “garante dos direitos recíprocos”.
Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:
“Da vida e das obras de Lícofron nada sabemos.
Sua teoria do conhecimento, a sua teoria política. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 53).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Licofronte, orador e sofista, foi um discípulo de Górgias, e as informações de que dispomos a respeito das suas ideias se em referências de Aristóteles ou de comentadores daste último. Teve um particular interesse nas questões relativas à predicação no contexto das dificuldades ligadas à atribuição do “multiplo” ao “uno”. No plano epistemológico disse que a ciência é a associação do conhecimento à alma, concebendo a unidade da pessoa a partir da percepção sensorial e da actividade intelectual complementares entre si. No âmbito das reflexões sobre a sociedade atribui-se-Ihe uma das primeiras referências à doutrina do contrato social; ao dizer que a lei consistia numa convenção (syntheke), que, embora acautelasse a garantia dos direitos mútuos no seio da polis, não assegurava de modo algum que os cidadãos se tornassem em bons e justos. É tal como os sofistas Hípias e Antifonte um dos defensores da ideia de igualdade entre os homens na perspectiva das semelhanças que os unem independentemente das condições de nascimento.
Diz Aristóteles, na Metafísica, que uns falam de participação mas não sabem qual é a causa da participação e o que é participar. Outros falam de “comunhão” [da alma] como Licofronte que diz que “a ciência é comunhão do conhecimento e da alma”. [8, 6, 1045 b 10.]
Ainda Aristóteles, agora na Física, afima que os mais recentes dos antigos pensadores ficaram desconcertados por a mesma coisa se tornar para eles simultaneamente uno e múltiplo. Por isso, uns suprimiram o verbo “é” como Licofronte, outros alteraram a expressão dizendo não que o homem “é branco”, mas que “se apresneta” branco... para que, ao juntar o verbo “é”, não tornassem o uno múltiplo [l, 2,185 b 25]
Aristóteles refere que Licofronte abandonou o uso da cópula [Osório diz: “Cópula é o verbo que une o sujeito ao nome predicativo do sujeito”] “é” para evitar atribuir predicados “múltiplos” a um sujeito “uno”, o que causa a identidade do próprio ser do sujeito.
Prossegue Aristóteles, agora na Política, afirmando que... a sociedade tornou-se uma aliança diferente apenas do ponto de vista topográfico dos tipos de aliança estabelecidos entre povos que vivem distantes . A lei é uma convenção e, como dizia o sofista Licofronte “um garante dos direitos recíprocos”, mas incapaz de tornar bons e justos os cidadãos. [3, 9,1280 b 8]
Aristóteles, nossa principal fonte, consigna: Pretendo dizer o seguinte: é ela própria de pessoas ilustres e empenhadas ou corno escreveu Licofronte, o sofista, algo completamente vão? Aquele contrapondo-a aos outros bens diz: “a beleza da nobreza é invisível, a sua magnificência encontra-se nas palavras” já que a preferência por esta tem como objectivo o renome, mas, na verdade, em nada diferem os não nobres dos nobres. [Frag. 91 Rose 7 (Estobeu, Florilégio, 4 29 p. 710 H.)]
Na Retórica, Aristóteles informa que as expressões insípidas encontram-se em quatro casos: nos nomes compostos de dois elementos, por exemplo, quando Licofronte diz “o multiforme céu da terra de pontiagudos cimos” e “o promontório de passagem estreita” ... esta é uma causa, outra causa é o uso de certas expressões, por exemplo, quando Licofronte designa Xerxes “gigante humano” e Ciro “assolador humano”. [3, 3, 1405 b 34]
Ainda Aristóteles, agora nas Refutações Sofísticas, diz: tem de se argumentar algumas vezes num sentido diferente do tema proposto derivando-o deste, se não se conseguir argumentar sobre o tema estabelecido, como fez Licofronte quando lhe foi proposto fazer o elogio da lira.
19.7 – Trasímaco.
Pais:
Local de nascimento: Calcedônia, no Bósforo, colônia de Mégara.
Esposa:
Filhos:
Obras: “Discursos deliberativos”, “Grande tratado de retórica”, “Recursos oratórios”, “Discursos de circunstância”, “Discurso a favor dos Larissianos”.
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Platão e Isócrates.
Contribuição fundamental: defende que a justiça é o interesse do mais forte, e que o governo só faz lei em seu próprio interesse.
Sobre Trasímaco, nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:
Trasímaco é originário da Calcedônia, na Bitínia. Untersteiner fixa em 459 o terminus post quem do seu nascimento.
Não se conhece a data da sua morte.
Exerce em Atenas, já antes de 427 a profissão de advogado.
Trasímaco reivindica claramente o título de sofista; lê-se no seu túmulo, por baixo do seu nome: “saber é a minha profissão”.
Redigia discursos para outrem.
A dar crédito a Platão e a Aristóteles, revela-se um mestre da eloquência patética [Osório diz: . que ou o que tem capacidade de provocar comoção emocional, produzindo um sentimento de piedade, compassiva ou sobranceira, tristeza, terror ou tragédia.
2. que ou o que traduz comoção emocional, piedade, pesar, terror ou tragédia.
Observação: é comum associar Patético com a palavra "pathetic", do Inglês. Porém essas possuem origens diferentes. Patético deriva de pathos, relacionado com o clímax na tragédia grega. A confusão existe porque os Ingleses deram outro significado a pathos que também está na origem da palavra paixão (sofrimento, amor, sofrimento por amor) que em seu tempo eram motivo de gozo as pessoas que sofriam pelo pathos, tavez conotadas, coloquialmente, como idiotas. (fonte: Wikipédia)
1. o patético de uma cena
2. gesto patético
o patético de seu gesto
e,
7. Patético
Por Pedro Americo Neto (RS) em 23-03-2010
Patético | adj. | s. m.
gr pathetikós; O adjetivo patético deriva-se do vocábulo grego páthos = “sentimento”
lat. Patheticus
1. Que move os afectos!.
2. Que incita as paixões.
3. Tocante.
s. m.
4. Sentimento.
5. Arte de comover.
adj. Que comove a alma;
Que enternece;
Tocante; triste: cenas patéticas.
Desculpas patéticas: inadequado ou impróprio:
Anatomia. Músculo patético, o músculo oblíquo do ôlho.
s.m.
1.Aquilo que comove; comoção. O que fala ao coração;
Arte de despertar nos outros os sentimentos ou afetos de que estamos possuídos.
2.Caráter do que é patético.
3.Gênero patético.
Caráter do que é patético:
Joel Silveira é que conta: uma vez, estava na redação, diante da máquina de escrever, entregue à tarefa de ordenar com graça e leveza sujeitos, verbos e predicados num pedaço de papel em branco. Dedilhava o teclado da Remington jurássica com ar grave, como se estivesse descrevendo a volta de Cristo. De repente, Nélson Rodrigues pára diante de Joel, fica observando a cena em silêncio e pronuncia apenas uma palavra, antes de sumir do mapa:
- Patético!
Joel - que nunca foi fanático por Nélson Rodrigues - me conta a história com ar de quem, no fim das contas, décadas depois, terminou concordando com a exclamação rodrigueana.
Gênero patético:
Sinfonia n.º 6 (Tchaikovsky)
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A Sinfonia n°6 de Tchaikovsky foi composta entre Fevereiro e Agosto de 1893 tendo sido a ultima obra publicada do compositor (as restantes são obras publicadas após a sua morte). A Sexta Sinfonia foi também a ultima obra que o compositor dirigiu, precisamente a estreia da mesma em São Petersburgo no dia 28 de Outubro de 1893, uns escassos dias antes da sua morte. A sinfonia é dedicada ao seu sobrinho Vladimir Davydov. As circunstâncias que a envolvem e a própria característica da composição – sombria quase sempre com explosões de fúria e de grande lirismo - só poderiam levar a imaginação humana a atribuir-lhe u significado quase autobiográfico. Os poucos fatos que se conhecem e que nos podem ajudar na procura de uma verdade mais fatual, ainda que porventura menos romântica, são relativamente escassos. Sabe-se que o próprio compositor a nomeou de “Pathétique” (apesar de ter sido aparentemente sobre proposta do irmão Modest). A palavra portuguesa “Patética” no seu uso atual não traduz a intenção do compositor que nos queria dar com esta indicação a noção de que esta era uma obra para ser ouvida “com o coração”, uma obra que pretendia desencadear emoções fortes. A segunda pista que temos quanto ao “programa” de Tchaikovsky relativo esta peça pode ser encontrada numa carta que enviou ao seu sobrinho: “Sabes que destruí uma sinfonia que compunha neste Outono. Durante minha viagem tive uma idéia para uma outra sinfonia, desta vez com um programa, mas uma programa que vai ser enigma pra todos – Deixem-os adivinhar; a sinfonia terá o nome ‘Sinfonia com Programa’... O Programa em si mesmo estará cheio de subjetividade e chorei bastantes vezes na minha viagem enquanto a compunha mentalmente. [...]” Como podem ver por esta carta Tchaikovsky chegou a pensar num outro nome para a sinfonia, mas resolveu aceitar a
ou,
comovente.]. (p. 69)
As suas obras:
Discursos deliberativos(),
um Grande tratado de retórica,
Recursos oratórios,
Discursos de circunstância,
Discurso a favor dos Larissianos. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 70).
Diz mais Guthrie:
“Trasímaco veio de Calcedônia no Bósforo, colônia de Megara.
Como professor de retórica, no que era até certo ponto inovador, [Osório diz: quem foi inovador antes dele? Os sofistas (assim como Platão, mas deste nada se diz!) trabalharam material (conhecimentos) já existentes, apenas deram-lhe toques diferenciadores! É a história do “ovo de Colombo”! Depois de posto de pé todos acharam que era fácil!] (p. 272)
"Estilo médio" (fr. 1). O único fragmento considerável de seus escritos que sobreviveu foi preservado por Dionísio de Helicarnasso apenas como um exemplo de seu estilo. [Osório diz: outros usam exemplo do que não se deve fazer, exemplo negativo.]
Era sofista no sentido pleno, que cobrava por suas instruções [Osório diz: o critério para ser sofistas, para Guthrie, é cobrar? Hoje o mundo é sofista!].
A passagem que se conservou de suas obras (fr. 1) é a introdução de um discurso à Assembleia ateniense. O locutor sente necessário começar desculpando por sua juventude.
A norma de que os jovens deviam manter silêncio era boa enquanto a geração mais velha administrava adequada e competentemente os negócios, mas aqueles para os quais a prosperidade da cidade é apenas rumor e seus desastres sua própria experiências? — desastres de mais a mais de que não se pode culpar o céu ou o acaso, mas somente a incompetência dos que estão no poder — devem falar alto. [Osório diz: o mesmo vale para os pais! Por que se debe participar da vida política da cidade, mesmo sendo jovem / Os sofistas e a participação da juventude na política].
[68 Isso está de acordo com a ideia grega comum de que koros causa hybris, mas Tucídides não concordaria com o locutor. Cf. 3.82.2: "Na paz e na prosperidade as cidades e o indivíduos comportam-se mais sensatamente porque não são forçados a agir contra sua vontade, mas a guerra, que os priva de seu ânimo diário, é um mestre-escola duro e reduz a têmpera da maioria dos homens ao nível de suas circunstâncias". [Osório diz: a influência da guerra e não dos sofistas no caráter de alguns dos atenienses no século v].].
Os partidos lutam simples e impensadamente por poder. Podem pensar que suas políticas são opostas, mas de fato não há diferença real entre elas [Osório diz: quanta atualidade!].
Em primeiro lugar está a questão da "constituição dos antigos" que os lança em confusão, embora seja a coisa mais fácil de captar e mais do que tudo o interesse de todo o corpo cidadão. Depois, na última sentença do extrato, presumivelmente com sua própria juventude relativa em mente, o locutor diz que para assuntos que vão além de nossa experiência [p. 273] devemos nos apoiar nas narrativas de gerações anteriores ou, quando estão na memória de pessoas mais velhas, aprender diretamente delas. [Osório diz: a importância da experiência!]
O discurso é sobretudo de interesse político, e a referência à "constituição avita [Osório diz: antiga, quero crer]" sugere que foi escrita por oligarca, "algum jovem aristocrata de simpatias espartanas". [Osório diz: de que Platão é o exemplo acabado]
O seu conselho não seria menos valioso hoje, e a observação de que luta partidária se baseia na sede de poder antes que em diferenças fundamentais de política tem tom inconfortavelmente familiar. [Osório diz: quanta atualidade!, repita-se].
Explosões de rudeza e mau horror [Osório diz: Platão, que não gosta dele, o acusa na sua República.].
Amarga desilusão assim como também de oposição ao que a seu ver é o otimismo fácil de Sócrates, e se descontarmos certo exagero devido ao desejo de Platão de apresentar dois caracteres humanos em contraste dramático, a incompatibilidade entre o diálogo e o discurso é pelo menos mitigada. [Osório diz: o fato de Trasímaco ser contraditíro em um discurso e em um diálogo, este da lavra de Platão, não quer dizer que ele realmente o seja, mas que pode atender aos propósitos do dramaturgo Platão. Lembremos, ainda, dos duplos discursos dos sofistas!]
Os governos, ele declara no primeiro, governaram para seu próprio engrandecimento e justiça é o nome dado à obediência a suas leis: significa servir aos interesses de outros. De acordo com sua lógica irada, se alguém busca o poder para si mesmo, é injustiça. Para ser justo, ele deve obedecer às leis que os governantes estabeleceram para servir a seus próprios interesses. Se, porém, sua “injustiça” tem êxito e ele se torna governante e legislador por sua vez (e o tirano, diz Trasímaco, é o supremo exemplo de injustiça), todos haverão de bajulá-lo antes que culpá-lo. [Osório diz: perfeito e atual!]
A traição nunca prospera. Qual a razão?
Pois se ela prospera, ninguém ousa chamá-la de traição. (p. 274)
A justiça, pois, não vale a pena, e o homem que a observa é nobre, mas simplório. Estes, diz brutalmente, são os fatos [Osório diz: é o que se vê no dia a dia da vida e desde aquela época], e não podes sair deles. Ele apenas descreve, com realismo cínico, o que vê a seu redor. Atenas, como Tucídides lembra constantemente, atingiu o clímax do poder e se esforçou por mantê-lo agindo na crença de que “a única lei na terra ou no céu é que o forte deva subjugar o fraco”. [Osório diz: E que nação, país, Estado fez diferente?] Mas, pelos últimos anos da guerra do Peloponeso, a busca desta filosofia nas relações externas e políticas internas ameaçava levar à derrota vinda do exterior e à desintegração interna. A política de dominação e opressão não mais funcionava em vantagem de Atenas, e, quando ela sucumbiu, facções e lutas internas pelo poder só tornaram piores as coisas. O Trasímaco do discurso político não nega que a política anterior estava certa para o seu tempo, e na verdade ele a chama de sophrosyne – “nos tempos bons nós mantivemos nossas cabeças” – mas ela não mais funciona. Ele não passa de realista, mas os atenienses devem aprender a adatar-se à mudança de circunstancias. Não podem suportar o luxo de uma luta interna pelo poder. [Osório diz: a guerra e a mudança de comportamento dos atenienses]
Havelock (L.T. 234):
Para começar, afirma que a meta do governo é ter sucesso e eficiência; é este o critério pelo qual deve ser julgado... Admite que a prosperidade e o desastre não são criações dos deuses, mas obras de mãos humanas; e, em segundo lugar, que é a meta de qualquer governo preservar uma e evitar o outro... Parece que se rejeitam a piedade tradicional e o fatalismo arcaico do temperamento grego.” [Osório diz: se ninguém tem piedade para com eles! Ou Alexandre Magno foi piedoso?]
Se os deuses se incomodassem com os negócios humanos, não permitiriam que se desprezasse a justiça como é desprezada.” [Osório diz: quem discorda disso, honestamente?]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 272 a 275).
Acrescenta Kerferd:
“Trasímaco de Calcedônia, na Bitínia, tornou-se famoso para nós por um único motivo, seu encontro com Sócrates, no primeiro livro da República de Platão. Ele era muito conhecido como orador e mestre de retórica em Atenas, em 427 a.C., e fez um discurso A favor do povo de Larisa que deve ser posterior a 413 a.C. Fora isso, nada se sabe sobre a sua vida. Vários exercícios e tratados retóricos lhe são creditados, e sabemos, pela República, que ele viajou muito e recebeu honorários. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 91).
Seus fragmentos que sobreviveram:
“Pouco se sabe sobre a vida e a obra de Trasímaco. Veio da Calcedônia, na Bitínia, onde morreu, ou, pelo menos, foi sepultado, pois aí se encontra um monumento em sua memória. Do ponto de vista cronológico, discute-se a sua relação com outros oradores e eventos cuja data se conhece. Era mais jovem do que Lísias e mais velho do que Fedro. As posições que defendeu, no âmbito da política e da ética, nomeadamente a ideia de justiça, são-nos dadas a conhecer pelos diálogos platônicos, em particular pelo primeiro livro da República; mas a relevância desses testemunhos depende da credibilidade que se reconheça a essas obras como fontes históricas. [Osório diz: sobre a credibilidade de Platão, tem-se esta interessante postura: “Enquanto não conseguirmos levar Aristófanes a sério e Platão comicamente, não conseguiremos compreender nenhum deles. Apenas a nossa pedanteria arrogante nos leva a ignorar as incontáveis alusões de Platão a Aristófanes. Para nós, acadêmicos, não podem, pura e simplesmente, ser importantes. O professor Platão só pode falar com os seus colegas professores. A minha resposta é que temos de olhar para onde Platão nos diz para olharmos e não para onde julgamos que devemos olhar.”, em “Aristófanes e Sócrates: uma resposta a Hall” (Allan Bloom, Gigantes e Anões, Ensaios, 1960-1999. Publicações Europa-América LDA, 1990, p. 178/193.)].
Em Atenas, teve reputação de orador e sofista, sendo famoso pelo seu domínio das artes do discurso, o que se pode inferir das alusões que lhe são feitas na comédia de Aristófanes, Convivas, representada em 427. Usufruiu de grande prestígio e cobrou elevados honorários pelos saberes e competências que ensinava aos seus discípulos. Pronunciou discursos epidícticos [Osório diz: discurso epidíctico, ou seja, pomposo, luxuoso, lauto - estilo demonstrativo que emprega a ostentação. Tem por objetivo o elogio ou a censura de fatos passados, principalmente.] e especializou-se na elaboração de argumentações judiciais, que tinham muita procura numa época em que eram constantes os processos nos tribunais, sem que houvesse a profissão de advogado, propriamente dita. O discurso dirigido aos habitantes de Larissa, exortando-os a revoltarem-se contra o domínio de Arquelau da Macedónia, situa-se no período em que este governou (entre 413 e 399 a. C.).
A Suda informa que Trasímaco da Calcedónia, sofista, nasceu na Bitínia na Calcedónia; foi o primeiro a ensinar o uso do período e dos colos e introduziu o estilo oratório agora em moda; foi discípulo do filósofo Platão e do orador Isócrates; escreveu Discursos Deliberativos, Arte Oratória, Exercícios Dialécticos, Recursos Retóricos.
Aristóteles, nas Refutações Sofísticas, diz: aqueles que são agora reputados na arte retórica receberam-na de muitos que a desenvolveram, sucessivamente, parte por parte, e ampliaram-na assim: depois dos primeiros, Tísias, depois de Tísias, Trasímaco, depois deste, Teodoro, e muitos outros reuniram muitas partes. [34, 183 b 29].
Aristóteles enfatiza a ideia de “herança”, transmitida nas diversas gerações de retóricos, da qual ele mesmo se beneficiou ao elaborar a sua famosa Retórica. Segundo este filósofo, Córax e Tísias são os primeiros inventores desta arte, e Tísias, autor de um manual, foi discípulo do primeiro. Trasímaco, que também escreveu um tratado de retórica intitulado Arte oratória, situa-se na continuidade de Tísias e é antecessor de Teodoro de Bizâncio, orador em Atenas, nos finais do século V a. C. Desta forma, a dita arte desenvolveu-se a partir de vários contributos parciais, partilhados, ao longo dos tempos, por uma pluralidade de oradores. [(fr. 137 Rose)]
“Quereria, ó Atenienses, ter pertencido àquele tempo de outrora em que para os jovens era suficiente estarem calados, pois os assuntos da cidade não os obrigavam a falar em público e os mais velhos governavam bem a cidade. Mas, uma vez que a sorte nos pôs num tempo em que obedecemos [a outros que são senhores] da cidade e nós próprios [sofremos] infortúnios, que não são obra dos deuses nem do acaso, mas dos que se ocupam do governo, é preciso falar. De facto, ou é insensível ou muito paciente aquele que se dispuser a receber injustiças da parte de quem as quiser fazer e, ao mesmo tempo, aceitar carregar sobre si mesmo as culpas da traição e da perfídia de outrem. Basta-nos o tempo passado, e, em vez de paz, termos estado em guerra e, através dos perigos, [termos entrado] neste tempo, satisfeitos com o dia de ontem e receosos do amanhã, e, em vez de concórdia, termos chegado à inimizade e aos conflitos. E, enquanto a abundância de bens torna os demais insolentes e conflituosos, nós, na prosperidade, mostramo-nos sensatos e é na adversidade, que costuma tornar os outros sensatos, que perdemos a cabeça. Porque hesitaria em dizer [o que] tem em mente, aquele a quem [sucedeu] afligir-se pelas circunstâncias presentes e que pensa conhecer um meio para que nada venha a ser assim?
Em primeiro lugar, mostrarei o que experimentaram os que divergem entre si, fossem oradores ou outros, numa altura em que se visaram mutuamente, e o que necessariamente experimentam aqueles que querem vencer sem reflexão. Ao pensarem que dizem o contrário dos outros, não se apercebem de que fazem o mesmo e que o argumento dos adversários está contido no seu próprio argumento.
Examinai, pois, desde o começo, o que procura cada um deles. Em primeiro lugar, a nossa constituição ancestral perturba-os, apesar de ser muito fácil de compreender e apesar de ser comum a todos os cidadãos. Em relação a tudo quanto está para lá do nosso conhecimento, temos de ouvir as palavras dos mais velhos e temos de aprender com quem viu tudo quanto os mais velhos viram...”
Hérmias sobre Platão, diz que, numa das suas obras, [Trasímaco] escreveu algo como isto: “os deuses não dão atenção aos assuntos humanos ou não teriam negligenciado o maior dos bens entre os homens: a justiça”. Vemos, de facto, que os homens não fazem uso desta. [Fedro, p. 239, 21].
A ideia de que Trasímaco foi discípulo de Platão não faz sentido no âmbito da cronologia admitida, assim como também não é aceitável, pelas mesmas razões, que Trasímaco tenha frequentado a Academia.
19.8 – Crítias.
Pais: Calesco.
Local de nascimento: Atenas.
Esposa:
Filhos:
Obras: “Constituição dos Lacedemônios”, “Da natureza do amor ou das virtudes”. Tragédias: “Tenes”, “Radamento”, “Pirithoüs”. Drama: “Sísifo”.
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre:
Parentesco ilustre: era tio de Platão.
Contribuição fundamental: exalta o esforço da formação voluntária em detrimento da espontaneidade natural, opõe a fragilidade da lei, que se pode tomar em todos os sentidos pela retórica, ao caráter que, quando presente em alguém, é inabalável.
Sobre Crítias diz Gilbert Romeyer-Dherbey:
“A vida de Crítias mostra-nos que foi um homem de ação mais do que teórico. Nascido por volta de 455.
Parece não se ter comprometido no governo dos Quatrocentos, e a sua táctica parece ser, como a de certos jovens nobres, fazer o jogo da democracia seduzindo o povo e controlando o seu voto pelo prestígio do verbo. [Osório diz: essa opinião destoa das demais, em especial em relação aos quatrocentos? Guthrie?]
[Sobre ele temos] dois testemunhos contraditórios, o de Xenofonte e o de Filóstrato. (p. 109)
A condenação de Teramenes parece, assim, provar perfeitamente que as suas acusações pareceram sem fundamento aos restantes Trinta. (p. 110) [Osório diz: Vale para Sócrates?]
A vitória de Esparta sobre Atenas em 404 consagra a derrota da democracia. Crítias que é, como a maioria dos oligarcas, pro-lacedemônio, [Osório diz: Platão e família dentre eles / Atenas tinha traidores (a democracia sempre os tem e os permite) nas suas próprias hostes! Dentre eles, Platão] e que redigiu uma Constituição dos Lancedemônios muito elogiosa, regressa a Atenas para estabelecer um governo oligárquico. Este governo, de fato, depressa vai se transformar numa tirania colegial, a dos Trinta Tiranos que, apesar de defendida pelo Espartano Lisandro, não durará senão alguns meses. Crítias salienta-se como um dos mais arrebatados oligarcas e torna-se culpado de atrocidades. Antes de mais – vimo-lo antes –, obtém a condenação à morte de Teramenes, um dos Trinta, que preconiza uma política mais moderada. Depois, com Cáricles [Osório diz: não confundir com Cálicles, se é que este existiu] e Cármides, elimina pela força os opositores do regime oligárquico instalando um verdadeiro terror [Osório diz: até nisso o iluminismo francês copiou o grego, também! Portanto, o cretino do Platão ainda culpa a democracia pelo terror imposto por seu grupo!] que, sublinha Karl Popper, “fez mais vítimas em oito meses do que a guerra do Peloponeso em dez anos”. Também, segundo Filóstrato, mandou destruir as Longas Muralhas que ligavam Atenas ao porto do Pireu, e que eram um dos símbolos da democracia comercial e da sua força naval. [Osório diz: antidemocrático igual ao sobrinho]
Mas a resistência dos democratas organizou-se e reforçou-se devido ao horror que os massacres suscitaram [Osório diz: suprema contradição! A desordem foi promovida pelos aristocratas, defendidos por Platão (sua classe), e não pelos democratas. Os fdp impingem à democracia algo que foi feito por seus opositores! Canalhas]. Trasíbulo concentra combatentes em File e investe contra o Pireu. No decorrer dos (p. 110) combates, Crítias é morto em 403, pouco antes do desmoronamento do regime oligárquico e do restabelecimento da democracia [Osório diz: todos comemoram o restabelecimento da democracia e Platão! Mas, este era conta aquela! Caralho!].
Das obras de Crítias, em verso, Elegias, Constituição da Lacedemônia; três tragédias, Tenes, Radamanto, Pirithoüs e um drama satírico, Sísifo, falsamente atribuído a Eurípedes.
Por estas Constituições em prosa, Crítias parece antecipar-se às investigações do mesmo tipo de Aristóteles e da sua escola. Crítias foi também, no gênero, pensa Untersteiner, o primeiro a escrever Aforismos, assim como Conversações e um tratado perdido Da natureza do amor ou das virtudes. [Osório diz: Crítias antecipou Aristóteles. Os sofistas e os aforismos]
O pensamento de Crítias acaba por nos aparecer menos embebido de contradições do que se disse. O preconceito aristocrático do seu pensamento vai a par do compromisso pró-oligárquico da sua vida [Osório diz: como seu sobrinho, Platão, de quem ninguém diz nada sobre isso! Exceto Popper]. Certamente que Crítias parece professar uma visão antilógica do real, quando declara: “para os homens, o rosto mais belo é o rosto feminino; para as mulheres, pelo contrário, é o inverso.” Mas o fragmento não afirma explicitamente a duplicidade radical do ser; antes sugere, segundo o que sabemos de Crítias, a idéia de uma dominação: o que é belo é o homem dominando os traços femininos que estão nele, a mulher os traços masculinos, da mesma maneira que é belo o domínio das sensações pelo pensamento e o dos bons sobre os maus, isto é (segundo Crítias), dos oligarcas sobre o (p. 115) povo. Sem tensão não há beleza, mas é uma mistura sem graça. Pensamento da contradição, sem dúvida, mas de uma contradição estabilizada no mesmo sentido pela vitória de um dos contrários – vitória, como o demonstra o fragmento sobre os Espartanos e os Hilotas, sempre afirmada por uma vigilância sem falha. (p. 116). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 109 a 115).
Acrescenta Guthrie:
“Crítias [Osório diz: tio de Platão!]... era rico aristocrata que teria desprezado com altivez ser sofista profissional, mas partilhava da perspectiva intelectual que veio a ser conhecida como sofística. Em sua peça Sísifo descreveu a crença religiosa como deliberada impostura imposta pelo governo para assegurar uma sanção última e universal para o bom comportamento de seus súditos. [Osório diz: sofista por perspectiva intelectual] [Osório diz: religião como objetivo de manter o bom comportamento].
Portanto, se a lei impedia os homens de ações públicas de violência e eles continuavam a cometê-las em segredo, creio que homem de mente muito sagaz e sutil inventou para os homens o temor dos deuses, a fim de que houvesse algo para aterrorizar os maus ainda que agissem, falassem ou pensassem em segredo. Para isso introduziu a concepção de divindade. Existe, dizia ele, um espírito que goza de vida sem fim, que ouve e vê com sua mente, excessivamente sábio e onividente, portador de natureza divina. Ouvirá tudo o que se fala entre os homens e verá tudo o que se faz. Se estiveres tramando em silêncio o mal, este não ficará escondido aos deuses, pois são muito sagazes. Com esta estória apresentou o mais sedutor dos ensinamentos, dissimulando a verdade com palavras mentirosas. Por moradas, ele lhes deu o lugar cuja menção mais vigorosamente golpeia os corações dos homens, donde sabia ele, medos e temores caem sobre os mortais e vem ajuda para suas vidas ignóbeis, donde percebia os relâmpagos e os estrondos (p. 226) temerosos dos trovões, e a face e forma estrelada do céu bem trabalhada pela arte do tempo, donde também o meteoro incandescente faz o seu percurso e a chuva líquida desce sobre a terra. Com tais temores ele cercou a humanidade, e, dando, assim, por sua estória, à divindade uma bela casa em lugar apropriado, eliminou a falta de lei por ordenações... Assim sobretudo, penso eu, alguém persuadiu os homens a acreditar que existe a raça dos deuses. [Osório diz: para as ações humanas visíveis por testemunhas, a lei; para as não vistas, deus! Origem divina da lei. / Quando não tem lei, deus! Criação da religião]
É a primeira ocorrência na história da teoria da religião como invenção política para assegurar bom comportamento, que foi elaboradamente desenvolvida por Políbio em Roma e reviveu na Alemanha do século XVIII. Não há nenhuma outra menção dela nesta época, e, sendo assim, pode muito bem ter sido original como era ousada, e engenhosa na maneira como se subsume sob a teoria mais geral do ensino de Demócrito e Pródico de que a crença nos deuses foi produto do medo ou gratidão causados por certos fenômenos naturais. A teoria reverte ao mesmo tempo o volume crescente de críticas que atacavam os deuses por motivos morais, insistindo em que, se existissem ou merecessem o nome de deuses, deveriam ser os guardiões do código moral aprovado. Foi a exigência de sanção sobrenatural para o comportamento moral, diz Crítias, que deu antes de tudo existência aos deuses. [Osório diz: muito bom! “A teoria da religião como invenção política para assegurar bom comportamento”]
[47 … Contudo não é o mesmo que as teorias da exploração por políticos de crenças religiosas já existentes, correntes no Renascimento e depois, e que culminaram no marxismo.].
[48 ...embora dizer: “o medo conduz ao culto dos deuses” não seja o mesmo que dizer que o culto baseado no medo leve ao bom comportamento e seja inventado para este objetivo. E expressar descrença no mais incrível dos mitos (...) não era certamente ateísmo. Não há absolutamente nenhuma prova para a alegação de Nestle (V MzuL, 416) de que o ateísmo de Diágoras baseava-se na mesma teoria que o de Crítias, e era na verdade sua fonte.].
O segundo tipo de erro de Platão, segundo o qual os deuses existem, mas não se interessam pelos homens. [Osório diz: acho que há um erro quanto a Platão, ver!!!!!]
O orador Lísias falou dele junto com outros três formando uma espécie de "clube do fogo do inferno" ou bando de satanistas ("kakodemonistas", como se chamavam a si mesmos), que escolhiam de propósito dias agourentos e proibidos para cear entre si e caçoar dos deuses e das leis de Atenas. [Osório diz: eu passo debaixo de escadas quando o pintor não está lá em cima! Acho que tira o azar ou a superstição de que se tirou o azar ao não passa sob ela]
Crítias [fr. 9] diz que mais homens se tornam bons pelo estudo (melete) do que pela natureza.
Rico, de nascimento ilustre e belo, também era ricamente dotado de dons filosóficos e literários, e atento ouvinte de Sócrates, mas se afastou dele para praticar a política do poder, terminando como membro mais cruel e inescrupuloso dos Trinta. Estes homens, eleitos no fim da guerra para elaborar uma constituição tornaram-se, ao invés, tiranos e massacraram os seus opositores [Osório diz: traíram a democracia!].
Oligarca [Osório diz: tal como Platão, que era seu sobrinho]
Parece se ajustar exatamente ao papel de Cálicles [Osório diz: Cálicles seria o tio Crítias de Platão?],
Mas Platão fala dele assim? Pelo contrário, apresenta-o apenas como íntimo membro do círculo socrático, sem nenhuma insinuação de que era pior do que os restantes, e com todo indício de genuíno interesse pela filosofia. No Timeu e no Crítias ele tem papel de liderança, e toda a história de Atlante é narrada por seus lábios. Embora escrevendo anos depois de sua morte, Platão ainda pensa em seu tio Crítias com respeito e afeição. [Osório diz: Platão sempre tratou bem e foi subserviente aos tiranos? Siracusa? Este parágrafo deve ser sempre lido antes de qualquer julgamento do valor das obras de Platão! Ele foi capaz de encobrir, ou tentar encobrir toda a tirania, crueldade, traição, vilania, de seu tio oligarca, só por ser seu tio e da sua classe! O que ele seria capaz de escrever a respeito de uma pessoa pela qual estivesse apaixonado, Sócrates, por exemplo?]
Platão ainda pensa em seu tio Crítias com respeito e afeição [Osório diz: sendo incapaz de fazer qualquer repreensão às suas atitudes, preferindo culpar os sofistas por tudo que houve de ruim, quando o pior saiu de dentro de sua casa! De seu clã, se sua família! Talvez, aliás, isso explique seu comportamento dúbio: aproveita-se das criações dos sofistas para depois negá-las!].
Se crermos com Karl Popper que Platão “traiu Sócrates, da mesma forma que seu tio o fizera...” [Osório diz: traiu o pensamento ou a pessoa? Se Crítias era sofista e foi aluno de Sócrates, com quem ele aprendeu sofística?]
Há, porém, certas observações que se devem levar em conta, a começar com seu relacionamento. A família era família antiga e distinta, incluindo Sólon entre suas gerações mais antigas, e o sentimento familiar seria forte. Crítias era filho de Calesco e primo de Peritione, a mãe de Platão, cujo pai Gláucon era irmão de Calescro, e quando Gláucon morreu o irmão dela Cármides tornou-se tutor de Crítias [Osório diz: genealogia de Platão! A família pode não explicar tudo, mas explica muito! No caso de Platão (admirava e era partidário de Esparta contra Atenas, foi ter com os tiranos de Siracusa e fez catecismo de sua República) parece que explica tudo!]. Platão, também teria sido atraído por sua inteligência brilhante e seus dons literários e artísticos, e sem dúvida tinham em comum a convicção de que a democracia sem rédeas era a ruína do Estado. Aristóteles pensava o mesmo [Osório diz: de onde o autor, Guthrie tirou esse “democracia sem rédeas”? O que seria isso? Creio que a democracia comandada por um tirano, segundo entendo Platão]. (p. 276)
Xenofonte em sua Helênica (…) é a nossa única fonte contemporânea para o papel de liderança de Crítias.
Na Política (1305b26) menciona Cálicles. [Osório diz: Aristóteles, diz Guthrie, menciona Cálicles na sua Política. Romilly, contudo, diz que Cálicles somente é citado por Platão e em um único diálogo! CONFERIR AMBOS]
Sua filosofia não foi levada a sério pelos gregos porque era difícil conciliar suas palavras com seu caráter. [Osório diz: um homem é a sua obra?]
Ele e Alcibíades se consumiam pela ambição, e, sabendo da mestria em argumentar de Sócrates, pensaram que seu ensino os ajudaria a atingir seus fins. Não tinham nenhum desejo de se converterem ao seu modo de viver, e o abandonaram logo que pensaram ter aprendido bastante para alcançar suas ambições políticas. (…) O rompimento veio quando Sócrates censurou publicamente Crítias por tentar seduzir um jovem de seu círculo, uma mágoa que Crítias nunca lhe perdoou. [Osório diz: se converter ao modo de viver (sujeita e pobreza e perambular pelas ruas) de Sócrates? Só os limítrofes se impõe tal! E tinham ou não aprendido? Aprenderam depois? Com quem? Como chegaram às maiores magistraturas de Atenas? E Alcibíades por duas vezes! Isso depois de ter comandado Esparta! Ciúmes? Qual a fonte onde está o rompimento?]
Considerando tudo isso, Platão pode, com efeito, ter pensado nele como o tipo de jovem brilhante que descreve na República, com raízes filosóficas e uma imensa capacidade para o bem, mas também para o mal se o seu meio ambiente o corrompesse [Osório diz: meio ambiente que era a sua importante família]. Infelizmente o corrompeu, e o relato de seus últimos dias maus estava nos lábios de todos. Para remediar o balanço, e por pena por alguém que era seu parente e em certa época companheiro de seu mestre Sócrates, Platão, nesta hipótese, concentrou-se nos primeiros e mais felizes anos de esperança e promessa [Osório diz: o canalha não dedurou a própria família! E Guthrie ainda o elogia por isso! Afinal, as bostas de Platão são sempre mais cheirosas!]. Ele reservou o seu ataque para as forças corruptoras [Osório diz: sua família, diga-se de passagem] que ele considerava responsáveis pela queda de jovens tão promissores, a licenciosidade e a oratória das massas prevalecente na democracia e os mestres de retórica que pretendiam que a arte de falara não tinha a ver com padrões morais. (p. 277) [Osório diz: somente é possível ensinar a “desvirtude”? Ensina-se o mal, o bem, não! De quem ele era aluno mesmo? Sócrates!].
[Segundo Filostrato, ep. 73 (Crítias A 17), Crítias aprendeu de Górgias, mas voltou seu ensino para seus próprios objetivos.].
Crítias morreu na guerra civil contra os democratas em 403, quando se crê, em geral, que tinha cerca de cinqüenta anos. [Osório diz: morreu com cinquenta anos! Velho sem vergonha cujas maldades seu sobrinho e admirador, Platão, esqueceu-se de narrar!].
Mutilação de Hermes. [Osório diz: Estátuas do deus Hermesc, com grandes Pênis! Elas foram mutiladas, tiveram os pênis quebrados, e a acusação caiu, dentre outros, sobre Alcibídades e Crítias, que foi preso por isso]
Era implacável opositor da democracia e violentamente pro-espartano. [Osório diz: tal qual o seu sobrinho Platão!]
Ajudou a projetar a volta de Alcibíades. [Osório diz: que tinha, fugido para Esparta. Alcibíades voltou!]
Mais tarde a democracia o exilou e ele foi para a Tessália, onde, se ele não se associou pessoalmente com Górgias, a intelligentsia se mergulhou em seu ensino.
[Platão ...Xenofonte ...afirmou que foram os tessálios que o corromperam. A opinião de Platão sobre o país era que estava cheio de ataxia kai akolasia ...Mas Filostrato concluiu ...que foi antes Crítias que corrompeu os tessálios. [Osório diz: Muito boa! Platão, o fdp! Tem tese no Brasil de que foram os índios (os nativos) que corromperam os colonizadores europeus! Talvez tenha nascido de Platão].]
Crítias não era com certeza sofista no sentido pleno de mestre pago. [Osório diz: esta é uma sinuca de bico para Platão! Ele condenava apenas o pagamento, então?]
Partilhou com Protágoras, Demócrito e outros da crença na evolução progressiva da humanidade por seus próprios esforços, que pensou que as leis não eram nem inerentes à natureza humana desde o início nem eram dons dos deuses, e a religião era mera invenção visando prevenir comportamento ilegal. A religião era para o súdito, para assegurar a obediência, e não para o governante ilustrado.
Seu interesse por progresso técnico manifestou-se também numa série de elegíada onde atribui invenções a povos e países em particular. Incluem carruagens, cadeiras, camas, trabalho de ouro e bronze, escrita, navios, a roda do oleiro e (bastante curioso) o jogo de Kottabos (fr. 2). Talvez por este motivo, associado com o estreito relacionamento entre arete em geral e a habilidade do artesão, suas simpatias aristocráticas não o impediram de dizer que mais homens se tornavam bons pela prática do que por dote natural.
Sua potência literária foi grande e diversa, incluindo a prosa e a poesia. O seu poema em louvor de Alcibíades revive a elegia política de seu antepassado Sólon e de Teógnis, (p. 278)
Elogia os efeitos eugênicos do duro regime imposto a homens e mulheres igualmente. [Osório diz: isso era mal de família na família de Crítias e seu sobrinho Platão: a eugenia!]
Atribuindo a Chílon o dito “nada demais” (frs. 6-8).
[Uma “Constituição de Atenas" em prosa tem-se inferido como o lugar mais provável para duas citações não-atribuídas. Numa, Crítias caracteristicamente dá a soma exata da fortuna feita na política por Temístocles e Clêon, e no outro ele tem a impudência de criticar Címon por sua política pró-espartana. (Frs. 45 e 52. Veja Diehl em RE, XI, 1908, e Nestle, VMzuL, 405). [Osório diz: fortuna na política! Já!? Vem de longe, então!]].
Combina-se com orgulho aristocrático quando no fr. 44 ele censurou Arquíloco por expor em seu verso o seu nascimento humilde e sua fraqueza.
Trata da relação entre a mente e os sentidos. (…) “Se te esforças para ficar forte no intelecto, serás menos enganado por eles”.
“Nem o que ele percebe com o resto de seu corpo nem o que ele sabe com sua mente”. [Osório diz: aforismo de Crítias].
“Os homens têm consciência quando se acostumaram ser sãos na mente”. ...(p. 279) [Osório diz: daí deve vir o dito popular “tenha consciência” ou “ponha a mão na consciência”.
Crítias também escreveu dramas. Temos excerptos de três tragédias: Tenes, Radamântis e Perithous, ...e a sátira Sísifo …
Cronos (Tempo) aparece como primevo poder criativo.
[Ainda que ignoremos nossa completa ignorância do contexto do drama e dos locutores. [Osório diz: a importância do contexto e de quem dialoga!].]
“Não tinha de maneira nenhuma mente inexperiente quem disse que a fortuna luta do lado do sábio”. [Osório diz: aforismo de Crítias].
“Melhor não viver absolutamente do que viver miseravelmente”. [Osório diz: aforismo de Crítias].
Restou-nos o retrato de homem dotado de brilhantes talentos intelectuais e artísticos, inserindo-se com avidez nas discussões filosóficas do seu tempo, tanto mais que muitas delas tiveram influência direta sobre a vida política. Mas algumas das doutrinas mais impetuosas conspiraram com seu caráter ambicioso, obstinado e instável, produto de gerações de políticos (p. 280) e poetas, para afastá-lo da sabedoria de Sócrates e levá-lo à violência, à crueldade e à morte na guerra civil.” [Osório diz: como se o próprio Sócrates não tivesse sido morto!] [Osório diz: Crítias, para Guthrie, seria a prova pronta e acabada de que não é possível ensinar a virtude, mas o seu inverso, a “desvirtude”, sim! Francamente!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 226-227 e 276 a 280).
Conclui Kerferd:
“Crítias era primo da mãe de Platão [Osório diz: os primos eram iguais, sendo Popper], e um implacável adversário da democracia em Atenas [Osório diz: o que demonstra que nem todo sofista era democrata, como era o caso, também, de Antífon]. Depois do fim da Guerra do Peloponeso, em 404 a.C., foi eleito para a comissão dos Trinta, familiarmente conhecida como os Trinta tiranos. Foi pessoalmente responsável pela morte de Teramenes, e ele mesmo foi morto na guerra civil de 403 a.C. Não foi pago para ensinar, nem ensinou; ficou, antes, à margem dos classificados como filósofos, segundo um comentador anônimo (DK 88A3) [Osório diz: não ensinou, cobrando honorários, por que era rico!]. Mas escreveu, e foi mencionado como presente na reunião de sofistas na casa de Cálias, que serve de cenário para o diálogo Protágoras de Platão. Em certo sentido, foi aluno de Sócrates e de outros sofistas, mais do que propriamente um sofista [Osório diz: aluno de Sócrates (e outros sofistas), juntamente com Alcibíades!]. Mas foi incluído por Filóstrato no Vidas dos sofistas. Talvez fosse por essa razão que foi incluído por Diels em seu Fragmente der Vorsokratiker quando outros, com maior direito, foram excluídos. Desde então ele tem sido sempre discutido como parte do movimento sofista. Talvez agora seja tarde demais para que isso seja facilmente alterado.
Escreveu muito, tanto em prosa como em verso. Este último incluía elegias políticas e hexâmetros sobre temas políticos e literários. Mas seu interesse pela história dos sofistas está realmente restrito ao conteúdo de três peças satíricas: Tenes, Radamantis, Piritos e Sísifo, principalmente desta última. Todas foram geralmente atribuídas a Eurípides, na Antiguidade, mas uma Vida de Eurípides, de autor anônimo, diz que as três primeiras são espúrias (DK 88B10). E Ateneu diz do Piritos: "quer seja de Crítias ou de Eurípides". O fragmento [92] de Sísifo (Dk 88B25) é atribuído a Crítias por Sexto Empírico e a Eurípides por Aécio. Wilamowitz-Moellendorff investiu o peso de sua grande autoridade na opinião segundo a qual nenhuma delas era de Eurípides, mas está começando a parecer que ele estaria provavelmente errado. O fragmento de Sísifo dá uma explicação naturalista das origens da religião que é de considerável interesse e de inspiração certamente sofista. Mas se não for da autoria de Crítias, não sobra muita coisa para justificar a sua classificação entre os sofistas. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 92-93).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Crítias pertenceu a uma das famílias mais ilustres de Atenas, sendo bisneto de Drópides, contemporâneo de Sólon, e estava ligado a Platão por laços de parentesco muito próximos [Osório diz: era tio de Platão].
É Diógenes Laércio quem fornece-nos informações sobre os laços de parentesco de Crítias com uma das famílias mais ilustres de Atenas e sobre o facto de o mesmo ser tio de Platão. [Osório diz: o que é confirmado pela omissão do sobrinho, Platão, para com os atos do tio].
Admirador do regime de Esparta, lutou como opositor da democracia ateniense, integrando o partido oligárquico [Osório diz: nesses aspectos seu sobrinho era igual a ele].
Foi acusado de envolvimento no escândalo da mutilação das estátuas de Hermes, na noite que antecedeu a partida da frota ateniense contra Siracusa, em 415 a. C [Osório diz: Alcibíades veio a se destituído do cargo de estratego por conta desse escândalo, oportunidade em que refugiu-se em Esparta].
No final da Guerra do Peloponeso, em 404 a. C., foi eleito membro da Comissão dos Trinta e participou no governo de Os Trinta Tiranos, que se tornou famoso pelos atropelos à justiça e pelos excessos cometidos. [Osório diz: seu sobrinho Platão nda escreveu contra isso!].
Crítias foi responsável pela morte de Terâmenes, seu anterior aliado político, e, na sequência destas convulsões e intrigas, morreu em 403 a. C., no decurso das lutas civis que deram lugar à restauração da democracia [Osório diz: como seu sobrinho Platão, ele também era inimigo da democracia].
Juntamente com Alcibíades, membro do partido democrático, frequentou o círculo de Sócrates, o que levou a que ambos fossem considerados discípulos deste [Osório diz: vejam o arrudeio que é dado para admitir um fato: eles foram discípulo de Sócrates! Mas, como aprontaram todas, quer-se dá a Sócrates um alvará para livrá-lo da “má” influência exercida, pois esta é coisa de Sofista, como se Sócrates não fosse um deles, como se verá ao longo deste escrito, embora, diga-se de passagem, Sócrates não faz falta alguma oa movimento sofístico!]. À má reputação que sobre eles recaiu, devido aos desmandos a que se entregaram, afectou indirectamente o bom nome do seu alegado mestre [Osório diz: daí os seguidores tentarem apagar isso!], e esse terá sido um dos fundamentos para a acusação dirigida contra o filósofo de corromper os jovens da sua cidade. [Osório diz: Platão nunca dirá nada sobre o tio!].
Xenofonte, nas Memoráveis, informa que o acusador de Sócrates dizia que Crítias e Alcibíades, que foram discípulos de Sócrates, fizeram os maiores males à cidade.
Eis um conselho de meste para discípulo: “ao aperceber-se de que Crítias estava enamorado de Eutidemo e tentava tirar partido dele, como aqueles que desfrutam dos prazeres do corpo, Sócrates esforçou-se por dissuadi-lo, dizendo que era grosseiro e impróprio de um homem honesto insistir junto do amado, a quem pretende aparecer como muito digno, suplicando como os mendigos e pedindo-lhe para ceder; e isto não é próprio de alguém íntegro”. [Memoráveis, l, 2, 12 e segs.]
Crítias, além de participar no convívio com Sócrates, foi discípulo dos sofistas, sem que ele mesmo, em sentido restrito, fosse um sofista. De facto, não exerceu ensino remunerado, nem foi professor (não obstante a formação transmitida a partir da sua obra escrita).
O estatuto de Crítias, na qualidade de sofista, é discutível atendendo ao facto de não ter sido nunca um professor itinerante, nem exercer qualquer actividade remunerada, no plano específico da docência.
Escreveu em prosa e em verso.
De entre os textos poéticos, destacam-se os elogios de personalidades ilustres e outras composições, em hexâmetros, sobre temas políticos e literários.
Assinalam-se fragmentos das tragédias, Tenes, Radamanto e Pirítoo, e excertos da peça satírica Sísifo. Discute-se a atribuição destas obras a Crítias [Osório diz: que a disputa com Eurípides], mas hoje parece ultrapassada a discussão, no sentido de reconhecer o sofista como autor das mesmas.
Crítias redigiu, como muitos dos seus contemporâneos, modelos de constituções, com amplas referências às constituições de Atenas, de Esparta e da Tessália, onde viveu exilado durante alguns anos. Como muitos sábios daquele tempo, defendeu a educação e a importância da disciplina, o que não impediu que desse relevo ao papel determinante da physis no processo pedagógico.
Informa-nos Filóstrato, na Vidas dos Sofistas, que mesmo que o sofista Crítias tenha destruído a democracia dos Atenienses, não é ainda assim um homem perverso: a democracia destruir-se-ia a si mesma, quando se tornou de tal forma orgulhosa que não se submetia aos que exerciam a função de magistrados segundo as leis [Osório diz: Filóstrato não considerou a morte de Terâmenes?]. Mas, porque tomou claramente o partido dos Espartanos, traiu o sagrado, arrasou as muralhas por meio de Lisandro, retirou aos Atenienses que exilara a possibilidade de se fixarem nalgum lugar da Hélade, ameaçando com a guerra espartana todos aqueles que acolhessem um ateniense em fuga; sobrepujou os Trinta em crueldade e em espírito sanguinário e colaborou com os Espartanos num plano inconcebível: que a Ática, esvaziada de rebanhos humanos, se tornasse um campo de pasto. Parece-me a mim o pior de todos os homens que adquiriram reputação por maldade. E se, por falta de cultura, tivesse sido conduzido a isto, corroborar-se-ia o argumento daqueles que dizem ter sido corrompido pela Tessália e pelas ligações com esta. Com efeito, naturezas incultas são muito facilmente induzidas em erro quanto à escolha do tipo de vida. Mas, uma vez que fora educado da melhor maneira, interpretara numerosos temas filosóficos e proclamara-se descendente de Drópides, que governou os Atenienses depois de Sólon, não poderia escapar, segundo a maioria, à acusação de ter cometido esses erros por maldade de carácter. [1, 16] [Osório diz: por isso e por tudo isso seu sobrinho Platão finge-se de morto!].
Quando se restaurou a democracia, Crítias procurou colaborar com os vencedores e fez uma proposta de votação contra o oligarca Frínico [morto em 411.], acusando-o de traição. Teria assim manifestado uma habilidade sem escrúpulos [Tucídides, 8, 92, 2.].
Durante a sua permanência na Tessália, Crítias promoveu a revolta dos servos contra os seus senhores, apoiando os democratas locais contra os oligarcas.
A morte de Crítias, seugndo Xenofonte, nas Helénicas, ocorreu assim: “Depois disto, os Trinta, considerando que a situação já não era segura para eles, quiseram apoderar-se de Elêusis, de modo que aí tivessem um refúgio, se fosse necessário. Depois de terem dado instruções aos cavaleiros, Crítias e o resto dos Trinta chegaram a Elêusis. Na sequência disto, Trasibulo, levando consigo os já cerca de mil homens de File que tinha reunido, chegou de noite ao Pireu... Os de File... marcharam em coluna em direcção a Muníquia. Dos Trinta, Crítias e Hipómaco morreram aí”. [2, 4, 8].
Elegia de Crítias
Para Alcibíades
Era lacedemónio o sábio Quílon, que disse o seguinte:
“Nada em excesso”. Ao momento oportuno está ligado tudo [o que é belo. (Diógenes, l, 41).
Dramas de Crítias
Sísifo, assim como Tenes, Radamanto e Pirítoo foram atribuídas a Eurípides por muitos estudiosos. Sexto Empírico menciona Crítias como seu autor, e o fragmento de Sísifo é particularmente interessante pela forma como explica a origem das religiões, no âmbito da controversa oposição entre nomos e physis. A doutrina exposta coaduna-se com as posições sofísticas acerca do carácter convencionalista das crenças e das normas. Ressalta a preocupação moralista de precaver o desrespeito pelas leis, quando não existem testemunhas. A concepção de uma divindade que tudo observa e a quem não escapam as más acções cometidas às ocultas vem reforçar o receio do castigo e acautelar o cumprimento do que é justo. É de notar a antítese entre “público” e “privado” que, constantemente, surge em discussões deste tipo. Ao referir a necessidade de “inventar” a existência de deuses, para proteger a ordem pública, Crítias posiciona-se pragmaticamente perante o fenómeno religioso, o que levou a que o considerassem como ateísta, desde tempos antigos. Os modos de ver este assunto são divergentes e muitos exprimem reservas de que se possa falar de ateísmo, em sentido próprio, nesta época. Veja-se, nesta linha, G. B. Kerferd, The Sophistic Movement, cit, pp. 163-172.
Em Radamanto:
Na vida temos vários amores.
Um deseja adquirir nobreza;
outro não se preocupa com isso, mas quer
ser chamado senhor de muitas riquezas em casa.
Agrada a outro, em cujos pensamentos nada há de saudável,
persuadir o próximo com malévola audácia.
Há ainda entre os mortais os que procuram
lucros vergonhosos em vez do belo;
assim a vida humana vai andando errante.
Eu [por mim] não desejo conseguir nada disto,
mas gostaria de desfrutar da glória da boa reputação. (Estobeu, 2, 8, 12. IV 20, II, 61.).
Pirítoo, que inspirou o poeta, era filho de Zeus e de Dia, esposa de Ixíon, tomou parte na luta contra os Centauros. A tradição mitológica refere a amizade que ligou os dois heróis, Teseu e Pirítoo, e as peripécias em que estiveram envolvidos. Desceram ao Hades para raptar Perséfone e, segundo uma versão, não pu deram abandonar os Infernos, condenados a uma pena eterna (cf. Odisseia, 11, 631). Numa outra versão, Teseu é libertado por Héracles, recaindo sobre Pirítoo a hybris e respectivo castigo. Crítias ressalta a amizade dos dois heróis: é por pura amizade e não por ser constrangido pêlos deuses que Teseu fica junto de Pirítoo, no reino de Hades, até que Héracles os liberta, servindo-se de persuasão, para convencer a deusa do mundo subterrâneo a deixá-los partir.
No drama Pirítoo, aparece Éaco que diz a Héracles:
Oh! O que é isto? Vejo alguém que caminha apressado
para aqui com desenvoltura e com uma atitude muito arrojada.
É justo, ó estrangeiro, que digas quem és tu,
que te aproximas destes lugares, e por que razão o fazes.
Plutarco nos diz, em Das Amizades, que “são poucos os que, não tendo obtido qualquer benefício dos amigos quando eles eram prósperos, estão dispostos a perecer com eles na desventura. E sofrem sobretudo assim os homens cultos e gentis como Teseu, que a Pirítoo, castigado e acorrentado, ‘foi preso, com cadeias de honra nos pés, não com cadeias de bronze’.” [7, p. 96 c]
Estoubeu, ainda nos informa que no Pirítoo, consta:
Não fora com um espírito inexperiente que, pela primeira vez, se exprimira, aquele que criara a seguinte frase:
a sorte alia-se aos que pensam [2,8,4.]
Do drama satírico Sísifo, consta:
Houve um tempo em que a vida humana era desordenada
e serva de uma força selvagem,
quando nem existia nenhuma recompensa para os indivíduos honestos
nem havia castigo para os maus.
E parece-me que, em seguida, os homens instituíram leis
punitivas a fim de que a justiça fosse soberana
[de todos igualmente] e que fizesse da insolência uma escrava.
Se alguém cometesse uma falta seria penalizado.
Em seguida, uma vez que as leis os impediam
de praticar manifestos actos de violência
e eles os praticavam às ocultas, parece-me que nesta altura, pela primeira vez, um certo homem, ousado e sábio na maneira de pensar
inventou o receio dos deuses para os mortais, para que
os malvados tivessem receio de fazer
ou dizer ou pensar algo às ocultas. Por isso, introduziu o divino:
“Há uma potestade florescente, com vida indestrutível,
que, com o espírito, ouve e vê, e, com suma inteligência,
vigia estas ações, dotada ela própria de uma natureza divina.
Ouvirá tudo o que se disser entre os mortais
e poderá ver tudo [o] que é feito.
Se, em silêncio, planeares algum mal,
isso não passará despercebido aos deuses. A inteligência é nela suma.” Fazendo esta afirmação,
introduziu a mais agradável das doutrinas
e encobriu a verdade com um discurso falso.
Defendia que os deuses habitavam num lugar que,
só de o mencionar, assustava imenso os homens.
Sabia que daí partiam os receios para os mortais
e os consolos para a sua vida desditosa,
vindos da esfera celeste, onde via
existirem relâmpagos e terríveis estrondos
de trovão e o estrelado corpo do céu,
obra admiravelmente variegada do sábio artífice, o tempo.
Daqui avança a massa incandescente da estrela
e a tempestade de chuva sai em direção à terra.
Em tais medos envolveu os homens,
pelos quais ele integrou bem a divindade
no discurso e num local conveniente;
e com as leis destruiu a ausência de leis.
E um pouco adiante, acrescentou:
Penso que foi desta maneira que alguém, pela primeira vez, persuadiu os mortais a pensarem que existia uma raça de deuses.
Eis, para Crítias, a invenção dos deuses!
Sobre a amizade com servidão desmedida, afirma Crítias:
Aquele que na relação com os amigos faz
tudo para agradar transforma o prazer imediato
que causa em ódio no momento seguinte.
Uma pergunta desconsertante de Crítias:
É melhor ter como companheira em casa
inabilidade rica ou pobreza sábia?
Pólux nos diz: também chamam “calções” às calças largas tipicamente persas. Este termo encontra-se em Críticas nas Contituições. [7, 59]
Neste fragmento e em outros, as informações sobre o uso dos termos mostram, por um lado, o interesse em registar os usos linguísticos dos diversos grupos e povos e, por outro lado, a preocupação com a correção dos nomes, nota característica da abordagem sofística da problemática da linguagem.
Crítias na sua obra Da Natureza do Amor ou das Virtudes explica assim o nome: “Um insatisfeito é uma pessoa que se aflige com os pequenos e os grandes problemas em um grau maior ou durante mais tempo do que os outros homens.”
Nos conta Élio, História Variada, que Crítias censura Arquíloco por ter falado muito mal de si mesmo: “Se ele não tivesse divulgado uma tal opinião sobre si mesmo entre os Gregos, depois de abandonar Paros, por causa da pobreza e da dificuldade, não teríamos sabido nem que ele era filho da escrava Enipo nem que chegou a Tasos nem que, ao chegar, se tornou inimigo dos que aqui vivem nem mesmo que disse igualmente mal dos amigos e dos inimigos. Além disto, não teríamos sabido que era adúltero. 44. [10, 13] (Nabukowisk não é novidade!)
Crítias diz que Temístocles, filho de Néocles, antes de ter começado a carreira política, tinha o património paterno de três talentos. Mas, quando ficou à frente da democracia, fugiu a seguir e foi-lhe confiscado o patrimônio: descobriu-se que tinha um patrimônio de mais de cem talentos. Do mesmo modo também Cléon, antes de entrar nos negócios públicos, não tinha bens disponíveis, mas deixou depois uma fortuna de cinquenta talentos. [Osório diz: vejam como o tema corrupção é antigo e a prática mais antiga ainda! A coisa vem de longe!].
Sobre os discursos de Crítias diz Aristides na sua Arte Retórica. Se o seu discurso tivesse começado com uma expressão afirmativa do tipo “parece-me, com efeito”, ganharia em força e pareceria mais de Crítias do que de tais pessoas. [2, 15].
Sobre a morte, nos disse Críticas, citado por Pseudo-Dionísio, na Arte da Retórica: “para o homem que nasce, segundo o filho de Calescro, um dos Trinta Tiranos, “nada é certo senão o morrer, depois de nascer, e, enquanto está vivo, é impossível escapar à fatalidade...” [6, 2, 277,10].
19.9 – Alcidamas.
Pais:
Local de nascimento: Eléia, porto de Pérgamon.
Esposa:
Filhos:
Obras:
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Górgias.
Contribuição fundamental: defende que Deus fez todos os homens livres, e a Natureza não fez nenhum homem escravo”.
Sobre Alcidamas no diz Guthrie:
“Alcidamas nasceu na cidade eólica de Eléia, o porto de Pérgamon.
Foi aluno de Górgias.
Ainda temos uma breve peça de Alcidamas intitulada "sobre os que compõem discursos escritos, ou sobre os sofistas” onde ele começa atacando alguns dos assim chamados sofistas por negligenciarem pesquisa e cultura (ou educação) e não terem nenhuma técnica de falarem público [Osório diz: então, o que ele diz é que vale a pena investir em pesquisa e cultura, bem como para saber falar em público! Era moda atacar os sofistas? Podisa ser, pois ninguém estava disposto a defender essa “visagem”. Então podia-se atacá-los a vontade, como fez o “próprio sofista Alcidamas”, Isócrates e Platão, este justamente a pretexto de defender o sofista Sócrates! Apenas Protágoras, no Protágoras, e por ser quem era, “teria” ousado dizer-se sofista! Todos os outros, mesmo sendo o que se entende como sofistas, negavam tal qualidade]. Eles ostentam sua destreza em palavras escritas e se pensam mestres da retórica quando possuem uma pequena fração da arte. Ele os censurará não porque a palavra escrita seja alheia à oratória mas porque não deve ser mais que um parergon [Osório diz: “parergon — termo grego que pode ser entendido como ornamento, como algo que, não pertencendo ao objeto nem sendo sua parte integrante, ainda assim participa do objeto como acréscimo — é uma denominação que poderia ser usada para as epígrafes. Parergon é pensado por ele como um elemento fora da obra que participa da obra, um suplemento, embaralhando as distinções entre o dentro e o fora da obra...” KAKFA, BENJAMIN E DERRIDA: DIANTE DA LEI, Carla Rodrigues], não uma coisa sobre que se alardear, e os que gastam suas vidas nela ignoram muito da retórica e da filosofia e não merecem o nome de sofistas. [Osório diz: Sofista contra Sofista! O sofista verdadeiro/bom, contra o falso/ruim! Bem platônico-aristotélico isso!]
Quando se compara isso com passagens das obras de Isócrates, torna-se óbvio que são rivais e adversários conscientes.
Alcidamas adquiriu grande fama, e talvez justificável, entre os modernos por sua ousada afirmação de que “Deus fez todos os homens livres, e a Natureza não fez nenhum homem escravo”. [Osório diz: pode e deve ser considerado o pai do humanismo! Tivesse Sócrates, Platão ou Aristóteles, contra o pensando dos quais ele afirma, seriam mais deuses ainda, já que sendo escravocratas, e no mesmo período, somente recebem elogios e fama “justificável”!!!]
Definiu a retórica como [p. 284] "o poder da persuasão".
Quase todas as citações dele ocorreram na Retórica de Aristóteles, que cita a maioria delas não por seu conteúdo, mas como exemplos de estilo falho. Como exemplo de metáfora inadequada ele menciona “filosofia, um baluarte contra as leis (nomoi)”.
Alcidamas desejava ser sofista da velha escola, onde a retórica e a filosofia andavam de mãos dadas, e foi comparável a Antífon como paladino da natureza contra a convenção. [Osório diz: quem eram os novos sofistas, dos quais ele não queria a companhia?].
[Nestle (VMzul, 344s) constrói uma teoria da relação entre política e filosofia em Alcidamas traduzindo uma leitura pouco atestada nominomous por nomous em Ar. Ret. 1406a23. Nenhum editor imprime isso, e enfraqueceria a observação de Aristóteles sobre a redundância, mas Nestle o adota sem comentar ou indicar outra leitura. (Ele de fato a tomou silenciosamente de Salomon em Savigny-Stift. 1911, 154).]
(Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 284-285).
Já Kerferd completa:
“Assim, segundo um relato, Protágoras teria sido o primeiro a dividir o discurso (logos) em desejo, questão, resposta e ordem; segundo outro, em narração, questão, resposta, ordem, narrativa indireta, desejo e apelos; ao passo que o sofista Alcidamas propunha uma classificação diferente, em quatro divisões: asserção, negação, questão e discurso (DK 80A1, parágrafos 53-54). Além disso, Protágoras distinguia os três gêneros dos nomes como masculino, feminino e os que se referem a objetos inanimados (DK80A27). (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 120).
Seus fragmentos que sobreviveram:
Como Protágoras “foi o primeiro a dividir o discurso em quatro partes: pedido, pergunta, resposta, ordem (para outros, pelo contrário, em sete: narração, pergunta, resposta, ordem, exposição, pedido, intimação), a que também chamou fundamentos dos discursos” 25. “Mais tarde, Alcidamante fala de quatro partes do discurso: afirmação, negação, interrogação, alocução”.
Alcidamante, discípulo de Górgias e um pouco mais velho do que Isócrates, defendeu, na teoria e na prática, a improvisação nos discursos orais e escritos. Amante da compilação de saberes diversos, aquilo que dele conhecemos fez parte de uma obra de grande amplitude, intitulada Motxreíov. [Fr. 8, Orai. Att., II 155 b 36.] (p. 62)
19.10 – Anônimo de Jâmblico.
Pais:
Local de nascimento:
Esposa:
Filhos:
Obras:
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre: Contribuição fundamental:
Nos diz Guthrie:
Anonymus Iamblichi […]: A arete deve-se manifestamente adquirir pela aplicação diligente a ela por longo período de tempo.
O “Anonymus Iamblichi”
autor [Osório diz: sobre autoria do “anônimo” ver Barbara Cassin]
A. T. Cole recentemente argumentou fortemente por uma modificação do modo de ver de Cataudella, segundo o qual o escritor é "um seguidor ateniense de Demócrito, muito mais influenciado que seu mestre pela retórica do séc. V". O seu artigo interessa-se especialmente pela influência do "Anon" [Osório diz: Anon aí é o Anônimo!] sobre a filosofia posterior (em HSCP, 1961).
Os últimos anos da guerra do Peloponeso, a época da "extremada democracia depois de Péricles" (Nestle, op. cit. 430; Dodds, Gr. and Irrat. 197, n. 27, faz conjetura semelhante). (Fonte: W. K. C. Guthrie, Os sofistas, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 291).
Já Kerferd doutrina:
“Sabe-se que o Protrepticus de Jâmblico contém muito material tirado, palavra por palavra, de autores mais antigos. Contém uma considerável porção do Protrepticus de Aristóteles, que se perdeu, e em 1889 Friedrich Blass demonstrou que umas dez páginas do texto grego impresso, de Jâmblico, foram tiradas virtualmente de um escrito, de outra forma desconhecido, do século V ou do século IV a.C. Que ele envolve discussão de um tema sofista, hoje se aceita sem discussão, visto que defende a causa do nomos, ou lei convencional, e moralidade, contra os que pretendiam depor nomos em favor da natureza. Mas todas as propostas de o atribuir a um determinado autor conhecido, ou mesmo à sua escola, têm fracassado por falta de qualquer tipo de testemunho sólido. A tentativa de identificar uma outra “peça” sofista em defesa de nomos tem, contudo, sido menos bem-sucedida do que a hipótese de Blass. Em 1924, Pohlenz afirmava que três seções distintas no Discurso contra Aristogiton, encontradas [95] nos manuscritos de Demóstenes (Or. XXV), a saber, os parárafos 15-35, 85-91 e 93-96, constituíam o que ele chamou de um tratado anônimo, Peri Nomôn, ou Sobre as leis. Sua afirmação foi bem aceita e o texto foi acrescentado ao material disponível para o estudo dos sofistas. Em 1956, contudo, Gigante13 contestou, com êxito, a existência de qualquer tratado distinto e agora parece que o próprio Peri Nomôn não passa de uma invenção de Pohlenz. Mas Gigante nunca negou que o discurso, que é de data provavelmente muito tardia para ter sido escrito por Demóstenes, de fato contenha considerável material "socrático" e "platônico"; como tal, ele pode certamente ser usado como fonte de informações para o debate nomos-physis. Na verdade, ele pode indicar o caminho para uma conclusão de grande valor, a saber, que havia amplos debates e argumentos, sobre a maior parte das questões levantada pelos sofistas, que continuaram muito depois do século V a.C. (Fonte: G. B. Kerferd, O movimento sofista, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 95-96).
Fragmentos da Sofística que sobreviveram:
Aqui, não se trata de uma um autor identificado, mas de um “texto que foi descoberto por Friedrich Blass em 1889, incluído no Protréptico de Jâmblico, neoplatónico do século III d. C., obra que reunia materiais heterogéneos de múltiplas origens, entre os quais passos importantes do Protréptico de Aristóteles. Blass demonstrou que cerca de dez páginas do texto de Jâmblico provinham de uma fonte não identificada, datada do final do século V, começo do século IV a. C, focando a problemática oposição entre o que existe por natureza e o que existe por convenção e veiculando pontos de vista moderados, próximos das concepções sofísticas em voga.
Na dita controvérsia, o Anônimo defende a relevância da ordem do nomos complementares com o que advém da physis, insistindo no facto de que os dons naturais cabem aos indivíduos por sorte ou acaso (tyche), enquanto tudo o que está relacionado com a instrução e as diversas competências depende do esforço próprio de cada um. A natureza tem de ser completada pela educação, e o denominado Anônimo de Jâmblico constitui uma espécie de manual de sabedoria prática, contendo uma pequena súmula acerca da arte de ter sucesso na vida.
O Anônimo alerta para a diferença entre a posse de bens e de competências e os princípios que devem orientar o respectivo uso, pois os meios disponíveis são em si mesmos indiferentes, tornando-se bons ou maus, consoante a instrumentalização que deles se faça, com vista a determinados fins. Aquele que pretende alcançar a perfeição deve dispor de dons naturais, mas não pode descurar nenhum dos factores indicados, perseguindo a sabedoria, a coragem e a virtude, ao serviço do seu interesse particular e do dos demais.
À partida, o desejo de segurança comanda a existência individual e colectiva, e os homens são obrigados a viver em sociedade para ultrapassarem as suas fragilidades e limitações.
A maioria dos seres humanos não consegue controlar-se em relação à avidez de riqueza e à preocupação de salvaguardar a própria vida. No entanto, no plano pessoal, importa acima de tudo ser capaz de autodomínio. No plano intersubjetivo, observar as leis estabelecidas constitui o mais valioso esteio da vida comum, assegurando a estabilidade e a paz sociais.
Está dito no Anônimo (a numeração não segue uma sequência interrupta):
“(1) Quem quiser levar a um fim perfeito uma qualidade, seja ela sabedoria, virilidade, fluência oratória ou virtude, quer na totalidade quer numa das partes, ser-lhe-á possível empreendê-lo a partir do seguinte.
(2) Em primeiro lugar, é preciso que tenha uma determinada disposição natural, o que é concedido pela sorte. As seguintes exigências, porém, já dependem do próprio homem: ser apaixonado pelo belo e pelo bom e amar o trabalho, tanto começando a aprender o mais cedo possível como sendo perseverante na aprendizagem durante muito tempo.
(3) Mas, se lhe falta uma única destas condições, não lhe é possível levar nada à excelência; se possuir todas elas, aquilo que puser em prática torna-se inexcedível.
(1) Por conseguinte, quem quiser granjear renome entre os homens e aparecer tal qual é deve iniciar-se de imediato, enquanto é novo, e praticar essa qualidade de maneira constante e não de forma diferente consoante as ocasiões.
(2) Cada uma destas qualidades, com a sua longa duração, começada cedo e desenvolvida à perfeição, alcança um sólido renome e fama4 pelos seguintes motivos: já inspira uma confiança incontestável da qual está longe a inveja humana. É por causa da inveja que os homens não valorizam algumas das suas acções nem falam delas como seria razoável e mentem sobre outras, com censuras que vão contra o que é justo.
(3) Não é grato aos homens prestarem honras a ou-trem (pensam que estão a ser privados de algo), mas, se forem submetidos pela própria necessidade e tiverem sido quebrados pouco a pouco, passado muito tempo, acabam por se entregar aos panegíricos, embora contra a sua vontade.
(4) Ao mesmo tempo, também não duvidam de que, se um homem é tal como aparece, arma emboscadas e caça o renome com o objectivo de defraudar e que se glorifica de tudo aquilo que faz, procurando atrair os homens. A virtude praticada daquela maneira que eu referi gera confiança nela própria e boa reputação.
(5) Uma vez subjugados pela força da evidência, os homens já não conseguem manifestar inveja nem pensam sequer que estão a ser enganados.
(6) E ainda há a questão do tempo, que, quando está presente nos trabalhos e atividades públicas, consolida o que está a pôr em prática; um curto período de tempo não pode conseguir isto.
(7) Quando uma pessoa aprende e estuda uma arte que se exprime por palavras, em pouco tempo não será inferior àquele que a ensina. Mas para quem começou tarde não é possível levar à perfeição a virtude que provém de muitas ações; precisa essa pessoa, pelo contrário, de ser alimentada e crescer com a virtude, afastando-se do mal quer em palavras quer em hábitos e praticando ações dignas com muito tempo e dedicação.
(8) E, ao mesmo tempo, a seguinte desvantagem junta-se à glória conseguida em pouco tempo: os homens não recebem de bom grado aqueles que subitamente e em pouco tempo se tornam ricos, sábios, bons ou viris.
(1) Quando alguém que aspira a algum destes bens consegue levá-lo a bom termo, quer se trate de eloquência, de sabedoria ou de força física, deve usá-lo para fins bons e conformes às leis. Mas, se usar o bem de que dispõe para fins injustos e contrários às leis, ele torna-se o pior de todos os males e a sua ausência é preferível à sua presença.
(2) Assim como aquele que possui uma destas qualidades por se servir dela para fins bons é bom em absoluto, assim também aquele que as usa para fins perversos é o pior que se possa imaginar [em absoluto].
(3) Deve examinar-se por que palavra ou ação se tornará excelente quem aspira à virtude completa. Consegui-lo-á o homem que for útil ao maior número possível de pessoas.
(4) Quem beneficiar os vizinhos com dádivas de dinheiro será forçado a tornar-se de novo mau, quando acumular mais dinheiro. Além disso, não conseguirá acumulá-lo numa abundância tal que não o esgote com as suas dádivas e benesses. E esta segunda desvantagem advém de ter acumulado dinheiro, se acontecer ficar pobre, depois de ter sido rico, e sem nada, depois de ter tido posses... (5) Como é que alguém poderá beneficiar os outros sem distribuir dinheiro, mas por um outro meio e sem recorrer ao vício, mas à virtude? E, mais ainda, como é que se presenteia sem se perder a capacidade de dar? (6) Isso acontecerá da seguinte maneira: se se salvaguardarem as leis e a justiça, eis o princípio que congrega e mantém unidas as cidades e os homens.
(1) É necessário que todo o homem exerça um grande autodomínio sobretudo sobre as suas paixões. Será particularmente refreado, se for superior ao dinheiro, ao qual todos sucumbem, e se, sem poupar a vida, se ocupar activamente do que é justo e procurar sempre a virtude. Em relação a estas duas exigências a maioria dos homens não tem força de vontade.
(2) Por causa disso mortificam-se da seguinte forma: estão apegados - à alma, porque é a alma que é a vida. Poupam-na e reclamam-na por amor à vida e pela convivência com aquela desde o crescimento. Estão apegados ao dinheiro pelas razões que enunciaremos e que os assustam.
(3) Quais são elas? As doenças, a velhice, os danos súbitos — não me refiro aos danos que advêm das leis (é possível tomar precauções em relação a estes e evitá-los), mas refiro-me a danos como os incêndios, as mortes de familiares, as perdas de gado e outras desgraças que pesam, umas, sobre o corpo, outras, sobre a alma, outras, sobre os bens.
(4) Por causa de tudo isto, para disporem de dinheiro para enfrentar estas situações, todos os homens aspiram à riqueza.
(5) Mas existem também outros factores que impelem os homens, não menos do que os que antes mencionámos, a ocupações que visam dinheiro: a rivalidade pelas honras entre eles, a inveja e situações de domínio, em que se considera de grande importância \o dinheiro, porque ajuda a tais fins.
(6) O homem verdadeiramente bom não procura a glória, com ornamentos que não lhe pertencem, mas com a sua própria virtude.
(1) A respeito do apego à alma poderíamos acre ditar no seguinte: se acontecesse ao homem viver livre da velhice e da morte para sempre, desde que não fosse morto por outrem, haveria um perdão pronto para o que poupasse a alma.
(2) Mas, uma vez que cabe à vida que se prolonga a velhice, que é bastante molesta para os homens, e a não imortalidade, prova uma grande ignorância e convivência com motivos e propósitos perversos poupar a alma com desonra em vez de deixar [uma glória] imortal no seu lugar — um renome eterno e sempre vivo, no lugar de uma alma perecível.
(1) Além do mais não nos devemos lançar na procura da nossa vantagem, nem considerar que o poder ao serviço da vantagem é uma virtude, enquanto a observância das leis é cobardia. Esta ideia é muito perversa e dela provém tudo o que se opõe ao bem: perversidade e dano. Se os homens nasceram naturalmente incapazes de viver sozinhos, mas se associaram uns aos outros, sob a pressão da necessidade, e se descobriram todo um modo de vida e artifícios com ele relacionados e se não é possível conviverem uns com os outros e viverem sem o respeito pelas leis (seria para eles um castigo maior do que viverem sós), pode concluir-se que, por causa destas necessidades, a lei e a justiça governam os homens e que não podem, de maneira nenhuma, estar sujeitas a modificações, pois foram firmemente estabelecidas pela natureza.
(2) Se existisse alguém que, desde o nascimento, fosse invulnerável, inabalável pela doença, impenetrável ao sofrimento, resistente como o aço e de porte extraordinário no corpo e na alma, talvez se pensasse que o poder fundamentado na vantagem bastaria a um homem desta envergadura, com base na ideia de que semelhante criatura ficaria impune mesmo que não obedecesse à lei. Mas quem pensa assim não pensa corretamente.
(3) Se existisse uma pessoa tal, pois na realidade não poderá existir, poderia sobreviver se se tornasse aliada das leis e do justo, reforçasse estes princípios e usasse a sua força para os defender, a estes e àquilo que os protege; de outro modo, uma pessoa desta envergadura não conseguiria resistir.
(4) Parece que todos os homens se mostrariam hostis perante um homem de tal natureza e que, pelo seu respeito pelas leis e pelo seu grande número, o excederiam com expedientes ou força e levariam a melhor sobre ele.
(5) Desta forma parece que o próprio poder, aquilo que é mesmo o poder, é preservado pela lei e pela justiça.
(Vale a pena compreender isto acerca da observância da lei e da não observância, como diferem uma da outra e que [a] observância é melhor para o Estado e para o particular, e a não observância é pior. Da não observância provêm logo [os maio-rés] males. Começaremos por destacar os primeiros benefícios da observância da lei.) 11
(1) Advém da observância da lei, em primeiro lugar, a confiança que beneficia muitíssimo todos os homens e é um dos grandes bens. Daquela advém comunidade de propriedade e, assim, mesmo que a propriedade seja escassa, ela é suficiente, pois há circulação de bens; contudo, sem a confiança mútua, nem que a propriedade seja abundante, será sempre insuficiente.
(2) E as mudanças da sorte que afetam os bens e a vida dos homens, sejam favoráveis ou desfavoráveis, são orientadas de forma mais conveniente, se houver observância da lei. Os afortunados gozam da sua boa sorte em segurança e sem intrigas; os desafortunados recebem ajuda dos que são afortunados devido às suas transacções comerciais e à confiança mútua, as quais resultam precisamente da observância da lei.
(3) Por causa da observância da lei é baldado o tempo que os homens gastam nas tarefas políticas, é, pelo contrário, bem empregue o tempo dispendido nas atividades da vida.
(4) Sob a observância da lei, os homens ficam libertos da preocupação mais desagradável e entregam-se à mais agradável. Com efeito, a preocupação com tarefas políticas é muito desagradável, mas a preocupação com as atividades da vida é muito agradável.
(5) Quando se rendem ao sono, que constitui para os homens uma pausa nos infortúnios, avançam para ele sem temor e sem pensamentos dolorosos. Quando regressam dele, experimentam sensações semelhantes. Não ficam de súbito com temor nem, após o dulcíssimo transe do sono, esperam que o dia seja... Mas concebem pensamentos livres de perturbação acerca das atividades da vida e agradavelmente aliviam a fadiga de procurar as coisas boas com esperanças e expectativas em que é fácil acreditar. A observância da lei é a causa de tudo isto.
(6) E aquilo que traz maiores males aos homens, a guerra, que conduz à submissão e à escravidão, sobrevêm mais frequentemente aos que não observam a lei e menos aos que observam a lei.
(7) E existem muitas outras coisas boas na observância da lei, as quais constituem uma proteção para a vida e um consolo nas adversidades que dela advêm. Os males que derivam da não observância da lei são os seguintes.
(8) Em primeiro lugar, os homens não dispõem de tempo para as atividades da vida e ocupam-se com o mais desagradável, tarefas políticas em vez daquelas atividades. Acumulam dinheiro por causa da desconfiança e da ausência de transações comerciais, mas não o partilham, e assim ele torna-se escasso, mesmo que seja abundante.
(9) Mudanças da sorte, quer as adversas quer as propícias, servem propósitos distintos. A boa sorte não está assegurada, quando não há observância da lei, mas está sujeita a conspirações; a má sorte não é afastada, mas fica fortalecida com a falta de confiança e a ausência de transações comerciais.
(10) Pela mesma razão mais facilmente estalam a guerra externa e as lutas internas; e, se não tiver acontecido antes, sucede nessa altura. Na verdade, os homens estão sempre envolvidos em atividades políticas por causa das ciladas entre eles, que os levam a passar a vida a precaver-se e a armar mais ciladas uns aos outros.
(11) E nem acordados têm pensamentos agradáveis nem a dormir encontram um refúgio aprazível – encontram, pelo contrário, um refúgio cheio de angústia. O despertar dominado pelo medo e pelo sobressalto conduz o homem a lembranças imprevistas dos seus infortúnios. Estes e outros males que acima referi derivam todos da não observância da lei.
(12) Mesmo a tirania, um mal tão grande tão monstruoso, também provém da não observância da lei. Alguns homens, que não o explicam corretamente, pensam que são outras as causas que levam à instituição da tirania e que os homens ficam privados da sua liberdade, sem serem pessoalmente responsáveis por isso, mas por terem sido submetidos à força pelo tirano instituído. Contudo não estão a fazer um raciocínio correto.
(13) Quem julgar que um rei ou um tirano provém de uma causa distinta da não observância da lei e da prepotência é tolo. Quando todos se voltam para o mal, passa-se então isto, pois não é possível que os homens vivam sem lei nem justiça.
(14) Sempre que estes dois princípios, a lei e a justiça, se afastam do povo, a tutela e a proteção do mesmo passam para as mãos de um só indivíduo. Como é que o poder absoluto ficaria nas mãos de um só homem, se a lei que é do interesse do povo não tivesse sido suprimida?
(15) Este homem, que destruirá a justiça e abolirá a lei, que é comum e útil a todos, só pode ser duro como aço, pois vai arrebatar um bem ao povo, apesar de ser apenas um contra muitos.
(16) Se fosse apenas de carne e osso e igual aos restantes não poderia fazer isto; mas, pelo contrário, se restabelecesse princípios que tinham deixado de existir, conseguiria ser o único governante. É por isso que alguns homens não viram isto acontecer.
19.11 – Duplos Discursos – Dissoi logoi.
Pais:
Local de nascimento:
Esposa:
Filhos:
Obras:
Período filosófico que integra: sofístico.
Seu mestre:
Contribuição fundamental:
Explicação inicial:
“Os Duplos Discursos (Dissoi Logoi) integram um texto anônimo, encontrado entre os manuscritos de Sexto Empírico. O título corresponde às palavras iniciais do primeiro capítulo, sendo a obra também conhecida por Discussões (Dialexeis). Escrita por volta de 400 a. C., em dialecto dórico com elementos jônicos, contém materiais heterogêneos, veiculando um conjunto de concepções muito propagadas na época e conotadas com pontos de vista sofísticos. A datação baseia-se na alusão feita na referida obra à vitória recente dos Espartanos sobre os Atenienses e seus aliados na Guerra do Peloponeso (l, 8), mas o valor deste testemunho suscitou algumas dúvidas (cf. G. B. Kerferd, O movimento sofista, Loyola, São Paulo).
Embora as posições atribuídas ao autor do pequeno tratado sejam sobretudo associadas a Protágoras, essa interpretação não é consensual, pois há quem destaque como determinantes dos conteúdos expressos as influências de Hípias, de Górgias e outras oriundas dos círculos socráticos. Todos reconhecem a composição eclética da obra cujo teor reflete uma série de lugares-comuns, correntes no meio “dos que filosofam”, na acepção ampla daqueles que se interessam pelas questões do saber e buscam a paideia [a educação].
A estrutura do tratado carece de uniformidade, possuindo os quatro primeiros capítulos um esquema assente em antilogias (Do Bem e do Mal, Do Decente e do Vergonhoso, Do Justo e do Injusto, Da Verdade e da Falsidade), embora o mesmo não suceda com os restantes capítulos que se diferenciam pelo estilo de argumentação e pelos temas debatidos, sem, no entanto, perder concatenação e unidade global. Mantém-se a apresentação dos discursos opostos, mesmo que a estrutura antilógica fique implícita ou desapareça. Os assuntos expostos reportam-se, como dissemos, as problemáticas de discussão habitual na época. O quinto capítulo foca o tema genérico da coincidência dos opostos, o sexto aborda a controversa possibilidade do ensino da arete, o sétimo critica a escolha por sorteio para os cargos públicos, o oitavo descreve os traços mais marcantes dos modelos de político e de orador, preconizando o conhecimento de todas as coisas como condição de acesso aos diversos saberes e artes, enquanto o nono elogia a técnica da memória entre outras afins.
O intento de estabelecer elos de identificação entre as ideias veiculadas no texto e as opiniões dos principais sofistas (com particular destaque para os já mencionados Protágoras, Górgias e Hípias) ou de outros autores absorveu, durante muitas décadas, a atenção dos especialistas, sem se ultrapassarem conclusivamente as divergências. Com efeito, são insuficientes os meios de que dispomos para apurar as posições do hipotético autor, nos meandros dos juízos enunciados em termos de “tese” e de “antítese”. De um modo geral, os referidos “duplos discursos” ou os denominados argumentos “antitéticos” não se enquadram na categoria lógica da contradição em sentido próprio, mas numa forma alargada de relativismo, resultante de modos de ver contrários, de acordo com os complexos e múltiplos factores que determinam as opiniões de cada indivíduo.
Não se reduzem estes procedimentos ao modelo de argumentação erística que é objeto de crítica no Eutidemo platônico. Nesta obra, os sofistas mostravam a mestria na arte de interrogar [Osório diz: mas essa não é a glória de Sócrates? Vejam como se trabalha com a conveniência!] e, no contexto do diálogo baseado em intervenções breves, com perguntas e respostas, o inquirido era intimado a optar por um dos termos da alternativa formulada de forma dilemática [Osório diz: a conveniência determina que se chame a dialética, aqui, de dilemática!]. A asserção assumida implicava a aceitação das respectivas consequências, o que levava a reconhecer a manifesta contradição entre estas e as afirmações anteriormente enunciadas ou a admitir a impossibilidade de sustentar em simultâneo, sobre o mesmo assunto, discursos radicalmente antagônicos e exclusivos entre si. A contraposição antilógica remetia para a refutação que constituía a arma por excelência de qualquer discussão, visando “vencer” o eventual adversário [Osório diz: os inimigos dos sofistas discutiam para perder a discussão! Vejam quanta devoção!]. A modalidade de argumentação prosseguida nos Dissoi Logoi não coincide com a antilogia em sentido restrito, inerente ao confronto erístico de razões opostas. Situa-se, antes, na linha da arte antilógica atribuída a Protágoras e da qual as respectivas Antilogias (que não chegaram até nós) talvez nos dessem exemplos esclarecedores [Osório diz: mas, como não dão e não temos atribuamos a eles assim mesmo, sem qualquer ressalva!].
Eis o conteúdo dos Duplos Discursos:
1. Do bem e do mal
(1) Duplos discursos sobre o bem e o mal são proferidos na Grécia por aqueles que se dedicam à filosofia. Uns dizem que uma coisa é o bem e outra coisa é o mal; mas outros dizem que são o mesmo, e que uma coisa é um bem para uns, enquanto para outros é um mal ou que, para a mesma pessoa, uma coisa é um bem numa certa ocasião e um mal noutra ocasião.
(2) Eu próprio partilho da perspectiva destes últimos e analisarei o argumento a partir da vida humana, cujos cuidados são a comida, a bebida e os prazeres sexuais; tudo isto é um mal para o que está doente, mas é um bem para o que está de saúde e deles sente necessidade.
(3) E o desregramento nestas coisas é um mal para os desregrados, mas é um bem para quem negocia e se vende. E a doença é um. mal para os que estão doentes, mas é um bem para os médicos. E a morte é um mal para os que morrem, mas é um bem para os comerciantes de serviços funerários e para os fornecedores de túmulos.
(4) Também a agricultura que dá frutos é um bem para os agricultores, mas é um mal para os comerciantes. É um mal para o armador que os navios mercantes colidam e se danifiquem, mas é um bem para os construtores de navios.
(5) E ainda é um mal seja para quem for que um utensílio de ferro fique corroído, se embote e se quebre, mas é um bem para o ferreiro. E é um mal seja para quem for que a loiça se parta, mas um bem para os oleiros. É um mal seja para quem for que os sapatos fiquem usados e se rompam, mas é um bem para o sapateiro.
(6) Assim é também nas competições gímnicas, artísticas e bélicas: por exemplo, para o que vence na prova da corrida a vitória é um bem, mas é um mal para os que perdem.
(7) E o mesmo sucede aos que se exercitam na luta, os pugilistas e todos os outros que participam em competições artísticas; por exemplo, [a vitória] na prova de cítara é um bem para o vencedor, mas é um mal para os vencidos.
(8) E na guerra (falarei primeiro dos acontecimentos mais recentes), a vitória dos Espartanos, que derrotaram os Atenienses e os aliados, foi um bem para os Espartanos, mas um mal para os Atenienses e aliados. E a vitória que os Gregos obtiveram sobre os Persas foi um bem para os Gregos, mas um mal para os bárbaros.
(9) Também a derrota de Troia foi um bem para os Aqueus, mas um mal para os Troianos. E o mesmo em relação ao que passaram Tebanos e Argivos.
(10) E o combate entre os Centauros e os Lápitas foi um bem para os Lápitas, mas um mal para os Centauros. E também no famoso combate entre os deuses e os Gigantes, a vitória foi um bem para os deuses, mas um mal para os Gigantes.
(11) Um outro argumento propõe que o bem seja uma coisa e o mal outra, e tal como o nome é diferente, assim também é a realidade. Eu próprio faço a distinção dessa maneira. Julgo que não se torna claro o que é o bem e o que é o mal, se cada um for o mesmo e não algo diferente (e seria realmente surpreendente).
(12) Penso que quem defende tal ponto de vista não conseguirá responder a alguém que lhe pergunte o seguinte: “Diz--me, os teus pais já te fizeram algum bem?” Ele dirá: “Numerosos e grandes.” “Então deves-lhes males grandes e numerosos, se o bem é idêntico ao mal.
(13) E fizeste algum bem aos teus familiares?” “[Numerosos e grandes].” “Ao mesmo tempo fazias mal aos teus parentes. Então já fizeste mal aos teus inimigos?” “Numerosos e [muito grandes]”. “Mas ao mesmo tempo fizeste bem.
(14) Vamos, responde-me também a isto. O que acontece não é que te apiedas dos mendigos, porque têm numerosos males, e simultaneamente os consideras afortunados, porque desfrutam de numerosos bens, se mal e bem são o mesmo?”
(15) Nada impede que o Grande Rei se encontre em situação semelhante à dos mendigos. Tem numerosos e grandes bens, tal como tem numerosos e grandes males, pois bem e mal são o mesmo. Consideremos que isto foi dito em todos os casos.
(16) Vou, no entanto, analisar cada um, começando pelo comer, pelo beber e pelos prazeres sexuais. Para os que estão doentes isto é um mal e, ao mesmo tempo, é para eles um bem, se bem e mal são o mesmo. E para os doentes estar doente é um mal e um bem, se o bem é idêntico ao mal.
(17) E isto é válido em todos os outros casos mencionados no argumento anterior. Eu não digo o que é o bem, mas tento explicar que mal e bem não são o mesmo, mas diferentes um do outro.
2. Do decente e do vergonhoso
(1) Também acerca do decente e do vergonhoso se proferem duplos discursos. Uns dizem que uma coisa é o decente, outra coisa, o vergonhoso, e, tal como o nome é diferente, assim também a realidade. Outros, pelo contrário, dizem que decente e vergonhoso são o mesmo.
(2) E eu tentarei explicar a questão da seguinte maneira: por exemplo, é decente para um jovem na flor da idade obsequiar um amante respeitável, mas é vergonhoso obsequiar alguém que não seja um amante honesto.
(3) É decente as mulheres lavarem-se no interior da casa, mas na palestra é vergonhoso (no entanto para os homens é decente fazê-lo na palestra e no ginásio).
(4) E ter relações sexuais com um homem em privado, onde se estará escondido por paredes, é decente, mas fazê-lo no exterior, onde alguém poderá ver, é vergonhoso.
(5) Também ter relações sexuais, com o próprio marido é decente, mas com outro é vergonhoso.) E para o marido ter relações com a própria mulher é decente, mas com outra é vergonhoso.
(6) E adornar-se, untar-se com pó branco e usar ornamentos de ouro é vergonhoso para o homem, mas decente para a mulher.
(7) Fazer bem aos amigos é decente, mas aos inimigos é vergonhoso. E fugir dos inimigos de guerra é vergonhoso, mas fugir dos adversários no estádio é decente.
(8) E chacinar os amigos e os concidadãos é vergonhoso, mas chacinar os inimigos é decente. E o mesmo a respeito de tudo.
(9) Passo agora àquilo que as cidades e os povos consideram vergonhoso. Por exemplo, para os Espartanos é decente que as raparigas façam ginástica nuas e desfilem ora com vestes sem mangas ora sem túnica, mas para os Jônios é vergonhoso.
(10) E para aqueles é decente que os rapazes não aprendam as artes e as letras, mas para os Jônios é vergonhoso não conhecer tudo isto.
(11) Entre os Tessálios é decente para o próprio homem que escolhe os cavalos da manada domá-los a eles e às mulas e é decente para o próprio homem que escolhe um boi matá-lo, esfolá-lo e cortá-lo, mas na Sicília é vergonhoso e é tarefa de escravos.
(12) Parece decente aos Macedônios que as raparigas, antes de se casarem, se apaixonem e tenham relações sexuais com um homem, mas, quando uma rapariga já está casada, é vergonhoso; para os Gregos é vergonhoso em ambas as situações.
(13) Para os Trácios é um ornamento as raparigas tatuarem-se, mas aos olhos de outros povos as tatuagens são um castigo para os culpados de injustiça. Os Citas consideram decente que aquele que mata um homem o escalpe e transporte o escalpe na parte dianteira do cavalo, e, depois de revestir o pedaço do crânio de ouro ou de prata, beba por ele e faça libações aos deuses; mas, entre os Gregos, ninguém quereria entrar na mesma casa de quem cometesse estes atos.
(14) Os Masságetas, depois de despedaçarem os progenitores, comem-nos, e eles consideram que não há túmulo mais belo do que ser sepultado no corpo dos próprios filhos; mas, na Grécia, se alguém fizesse isto, seria expulso da Grécia e pereceria em ignomínia por cometer actos vergonhosos e terríveis.
(15) Os Persas consideram decente que também os homens se adornem como as mulheres e que um homem tenha relações sexuais com a filha, com a mãe e com a irmã, mas os Gregos consideram essas ações vergonhosas e contrárias às suas leis.
(16) Aos Lídios parece-lhes decente que as raparigas se prostituam para ganhar dinheiro e depois casem, mas entre os Gregos ninguém quereria desposá-las.
(17) Os Egípcios não consideram decentes as mesmas coisas que os outros: aqui parece-nos decente que as mulheres teçam e trabalhem a lã, mas ali o que parece decente é que os homens façam isso e que as mulheres levem a cabo o que os homens fazem aqui. Amassar a argila com as mãos e a farinha com os pés é para eles decente, mas para nós é o contrário.
(18) Penso que se alguém ordenasse a todos os homens que reunissem num único monte o que cada um considera vergonhoso e, que, por sua vez, tomassem desse acervo o que cada um tem na conta de decente, nem uma única coisa seria deixada, mas todos levariam tudo, pois nem todos têm os mesmos pontos de vista.
(19) Apresentarei também um poema:
E, ao fazeres esta distinção, verás a outra lei
para os mortais: nada é em todas as circunstâncias
[nem decente
nem vergonhoso, mas o momento oportuno toma
[as coisas
e torna-as vergonhosas e transforma-as e torna-as
[decentes.
(20) Ora, para colocar a questão de uma maneira geral, tudo é decente no momento oportuno e vergonhoso no momento inoportuno. O que é que consegui fazer? Disse que demonstraria que as mesmas coisas são vergonhosas e decentes e demonstrei-o em todos estes casos.
(21) Mas acerca do vergonhoso e do decente afirma-se também que são diferentes um do outro. Se alguém perguntar aos que sustentam que o mesmo é decente e vergonhoso, no caso de algo decente ser feito por eles, terão de admitir também algo de vergonhoso, se o vergonhoso e o decente são o mesmo.
(22) E se conhecem um homem belo, ele é também feio. E se conhecem alguém branco, ele também é negro. É decente honrar os deuses e ao mesmo tempo é vergonhoso honrar os deuses, se vergonhoso e decente são o mesmo.
(23) Podemos considerar que digo isso em todos os casos. Mas vou voltar ao argumento sustentado por eles.
(24) Se é decente uma mulher adornar-se, será também vergonhoso, uma vez que o mesmo é vergonhoso e decente. E assim por diante nos outros casos.
(25) Na Lacedemônia é decente que as jovens se exercitem nuas, e o mesmo nos outros casos.
(26) Diz-se que, se alguns reunirem de todas as nações do mundo as coisas vergonhosas e, em seguida, uma vez convocados, se lhes ordenar que cada um retire o que considerar decente, tudo será retirado como decente. Eu fico espantado por as coisas vergonhosas, depois de reunidas, passarem a ser decentes e não se manterem tal como chegaram.
(27) Certamente que se tivessem trazido cavalos, bois, porcos ou homens, não levariam nada de diferente. Nem se tivessem trazido ouro, levariam bronze; nem se tivessem trazido prata, levariam chumbo.
(28) Levam realmente coisas decentes no lugar das vergonhosas? Vejamos. Se alguém tivesse trazido um homem desonesto, levá-lo-ia de volta honesto? Citam também como testemunhas os poetas que compõem poesia com vista ao prazer, não com vista à verdade.
3. Do justo e do injusto
(1) Também se proferem duplos discursos sobre o justo e o injusto. Uns defendem que uma coisa é o justo e outra coisa o injusto; "outros dizem que justo e injusto são o mesmo. Quanto a mim, tentarei defender este último argumento.
(2) E, em primeiro lugar, direi que é justo dizer mentiras e enganar. Dir-se-ia que fazer isto aos inimigos é [decente e justo] e é vergonhoso e perverso fazê-lo aos amigos. Mas como é que é justo fazê-lo aos inimigos e não aos mais amados? Por exemplo, aos pais: se o pai ou a mãe precisarem de beber ou ingerir um medicamento e não quiserem, não é justo dar-lho na comida ou na bebida e não dizermos que se encontra aí?
(3) Por conseguinte [é justo] mentir e enganar os pais. E é justo roubar o que pertence aos amigos e exercer violência sobre os mais amados.
(4) Por exemplo, se um dos familiares, abatido e transtornado por qualquer motivo, estiver prestes a matar-se com um punhal ou com uma corda ou com qualquer outro instrumento, é justo roubar-lhe esses utensílios, se possível, ou se se chegar demasiado tarde e já tiver o instrumento na mão, não é justo arrancar-lho à força?
(5) Como é que não é justo reduzir os inimigos à escravatura e, se alguém puder conquistar uma cidade inteira, vender os habitantes como escravos? Também parece justo destruir as paredes dos edifícios públicos dos concidadãos. Se o pai de alguém, dominado pêlos seus inimigos, tiver sido feito prisioneiro e condenado à morte, não será porventura justo abrir uma brecha no muro para retirar secretamente esse pai e o salvar?
(6) E quanto ao perjúrio: se alguém, capturado pelos inimigos, jurar solenemente trair a cidade uma vez posto em liberdade, acaso agirá este homem de maneira justa ao cumprir o juramento?
(7) Eu, por mim, não sou dessa opinião; penso que seria preferível que salvasse a cidade, os amigos e os templos ancestrais pelo perjúrio. Assim, por conseguinte, é justo perjurar; e pilhar os templos também.
(8) Excluo os templos que são propriedade privada dos cidadãos; mas não é justo tomar e usar para fins bélicos templos que são propriedade pública da Grécia, os de Delfos e os de Olímpia, quando o bárbaro invasor está prestes a conquistar a Grécia, e a salvação depende das riquezas?
(9) Também é justo assassinar os mais amados, uma vez que Orestes8 e Alcméon o fizeram, e o deus fez saber que era justo agir assim.
(10) Voltar-me-ei agora para as artes e para as obras dos poetas. Na composição de tragédias e na pintura o melhor artista é aquele que mais engana ao criar coisas semelhantes às verdadeiras.
(11) Quero também citar o testemunho da poesia como a de Cleobulina:
Vi um homem a roubar e a enganar pela força
e fazer isto pela força era muito justo.
(12) São versos de há muito tempo. A citação seguinte é de Esquilo:
A divindade não se mantém afastada de um logro justo.
Há momentos em que a divindade respeita o momento
[oportuno de dizer mentiras.
(13) Há também um argumento contrário a este, segundo o qual o justo e o injusto são distintos; tal como o nome é diferente, assim também a realidade. Se alguém perguntar aos que dizem que injusto e justo são o mesmo, se já fizeram algo de justo aos pais, eles assentirão. Também terão feito algo de injusto, pois concordam em que o mesmo é injusto e justo.
(14) Mas tomemos um outro caso. Se alguém sabe que um determinado homem é justo, também sabe que o mesmo homem é injusto e, segundo o mesmo raciocínio, um homem grande é também pequeno. Mas quem tiver cometido muitas injustiças deve morrer, tal como quem põe em prática ações justas merece morrer.
(15) E acerca disto, já disse o suficiente. Voltarei aos argumentos com os quais pretendem demonstrar que justo e injusto são o mesmo.
(16) Demonstrar que roubar os bens dos inimigos é justo é demonstrar que esta mesma ação é injusta, se é verdadeiro o argumento daqueles; e o mesmo nos outros casos.
(17) Referem as artes, em que não existe o justo nem o injusto. E os poetas compõem os seus poemas não com vista à verdade, mas para dar prazer aos homens.
4. Da verdade e da falsidade
(1) Proferem-se também duplos discursos sobre a falsidade e a verdade. Na opinião de uns uma coisa é o discurso falso e outra o discurso verdadeiro; para outros são o mesmo.
(2) Eu, por mim, defendo este último argumento, em primeiro lugar, porque se expressam com as mesmas palavras; depois porque, sempre que se profere um discurso, se os factos sucederam tal como se afirmou, o discurso é verdadeiro; se não sucederam tal como se afirmou, esse mesmo discurso é falso.
(3) Tomemos como exemplo um discurso que acuse uma pessoa de pilhar os templos. Se o ato aconteceu, o discurso é verdadeiro; se não aconteceu, é falso. E o mesmo se passa em relação ao discurso do que se defende de tal acusação. Até mesmo os tribunais julgam o mesmo discurso como falso e como verdadeiro.
(4) Na verdade, se, sentados uns a seguir aos outros, dissermos, “sou um iniciado”, todos diremos o mesmo, mas só eu faço urna afirmação verdadeira, já que apenas eu sou um iniciado.
(5) É evidente que o mesmo discurso é falso, sempre que a falsidade está nele presente; é verdadeiro, sempre que a verdade está presente nele (assim como também o homem é o mesmo, seja criança seja jovem seja adulto seja ancião).
(6) Diz-se também que uma coisa é o discurso falso e outra, o discurso verdadeiro, tal como o nome é diferente assim também a realidade. Ao perguntarmos aos que defendem que o mesmo discurso é falso e verdadeiro se o discurso que proferiram é verdadeiro ou falso, se responderem “falso”, é evidente que falso e verdadeiro são duas coisas distintas; se responderem “verdadeiro”, esta mesma afirmação também será falsa. E, se uma pessoa alguma vez disser ou testemunhar algo como sendo verdadeiro, isso será também falso. E, se sabe que um certo homem é honesto, sabe que o mesmo homem é também falso.
(7) De acordo com o seu argumento dizem o seguinte: tendo sucedido o facto, a afirmação é verdadeira; não tendo sucedido, é falsa. Por conseguinte, não é o nome que difere, mas a realidade.
(8) Ao perguntarmos ainda aos juízes o que é que estão a julgar (não estiveram, naturalmente, presentes nos factos), até eles concordam que é falso o discurso que contém falsidade e verdadeiro o que contém verdade. Mas isto é uma perspectiva diferente.
(1) “Os loucos, os sãos de espírito, os sábios e os ignorantes dizem e fazem o mesmo.
(2) Em primeiro lugar, designam as coisas pelos mesmos nomes: terra, homem, cavalo, fogo e tudo o resto. E fazem as mesmas coisas: sentam-se, comem, bebem, dormem e assim por diante.
(3) E, além disso, a mesma coisa é maior e menor, mais e menos, mais pesada e mais leve; deste modo, tudo é o mesmo.
(4) O talento 14 é mais pesado do que a mina e mais leve do que dois talentos. O mesmo talento é, portanto, simultaneamente mais leve e mais pesado.
(5) E o mesmo homem vive e não vive, e as mesmas coisas são e não são. Aquilo que existe aqui não existe na Líbia; nem o que existe na Líbia existe em Chipre. E assim por diante, segundo o mesmo argumento. Por conseguinte, as coisas são e não são.”
(6) Os que dizem isto, que os loucos e os sãos, os sensatos e os ignorantes fazem e dizem as mesmas coisas, e outras coisas que derivam deste raciocínio, estão errados 16.
(7) Com efeito, se alguém lhes perguntar se a loucura difere da sanidade e a sabedoria, da ignorância, dizem “sim”.
(8) É bem evidente a partir das ações de cada um que concordarão. Além disso, se fazem o mesmo, não só os sábios são loucos, como os loucos são sábios e tudo se confunde.
(9) E deve levantar-se a questão de saber se são os sábios ou os loucos os que falam no momento adequado. Sempre que alguém lhes perguntar, respondem que ambos dizem o mesmo, com a diferença de que os sábios falam no momento adequado, enquanto os loucos falam nas ocasiões em que não é adequado.
(10) E, quando dizem isto, parece que acrescentam pequenas expressões como “no momento adequado” e “no momento não adequado, de tal forma que já nada é o mesmo.
(11) Eu não penso que as coisas sejam modificadas com a adição de tal pormenor, mas ao alterar-se um acento. Por exemplo, Glaúkus (Glauco) e glaukós (verde), Xánthos (Xanto) e xan-thós (amarelo), ou Xoúthus (Xuto) e xouthós (dourado).
(12) Estas palavras distinguem-se pelo lugar do acento, as seguintes por serem pronunciadas com quantidade vocálica longa ou breve: Tú-ros (Tiro) e turós (queijo), sákos (escudo) e sakós (estábulo); e há outras que se distinguem pela sequência das letras, kártos (força) e kratós (da cabeça), ónos (burro) e nóos (espírito).
(13) Uma vez que há uma diferença tão grande sem retirar" nada, que diremos se alguém acrescenta ou retira algo? Mostrarei de que estou a falar.
(14) Se alguém retirar um de dez ou acrescentar um a dez, já não haverá nem dez nem um, e assim por diante.
(15) E a propósito da asserção de que o mesmo homem existe e não existe, pergunto: existe num aspecto particular ou em todos os aspectos? Se alguém disser que não existe, diz uma falsidade por estar a pressupor que não existe em aspecto nenhum. Na verdade, tudo existe de alguma maneira.
6. Sobre a sabedoria e a virtude, se podem ser ensinadas
(1) Profere-se uma afirmação que nem é verdadeira nem nova: que sabedoria e virtude não podem ser ensinadas nem aprendidas. Os que afirmam isto recorrem às seguintes provas.
(2) Que não é possível, se se entregar algo a outrem, continuar a manter posse disso. Esta é uma prova.
(3) Uma outra prova consiste em que, se aquelas pudessem ser ensinadas, haveria professores reconhecidos, tal como há nas artes.
(4) Uma terceira prova consiste em que os homens que se tornaram sábios na Grécia teriam ensinado a sua arte aos amigos.
(5) Uma quarta prova é que já alguns conviveram com os sofistas e não tiraram daí proveito algum.
(6) Uma quinta prova é que muitos que nunca se associa^, ram aos sofistas se tornaram dignos de menção.
(7) Eu, por mim, penso que este argumento é muito pouco elaborado. Sei que os professores ensinam as letras que por acaso cada um conhece e que os tocadores de cítara ensinam a tocar cítara. E, respondendo à segunda prova, que não existem professores reconhecidos, o que é que ensinam os sofistas senão sabedoria e virtude?
(8) E o que é que foram os seguidores de Anaxágoras e de Pitágoras? Quanto ao terceiro ponto, Policleto ensinou o filho a fazer esculturas.
(9) E se alguém não ensinou, não significa nada; mas, se houve um único que ensinou, prova que é possível ensinar.
(10) Quanto à quarta prova, que os que conviveram com os sofistas não se tornaram sábios, também muitos que estudaram as letras não as aprenderam.
(11) Existe também uma disposição natural, graças à qual uma pessoa que não tenha estudado com um sofista, no caso de ser bem dotada, é capaz de aprender facilmente a maior parte das matérias, depois de aprender uma pequena parte com aqueles que nos ensinam também as palavras. E algumas destas, seja em maior ou menor número, aprendem-se com o pai, outras, com a mãe.
(12) Se alguém não está convencido de que aprendemos as palavras, mas nascemos sabendo-as já, que forme uma opinião a partir, -do seguinte: se se enviar uma criança, logo depois de nascer, para fSTérsia, e aí for criada, sem saber a língua grega, falará persa; se for educada aqui, falará grego. É por isso que aprendemos as palavras e não sabemos quem foram os nossos professores.
(13) Fica assim concluído o meu argumento; eis o começo, o fim e o meio. E não digo que a sabedoria e a virtude não podem ser ensinadas, mas que aquelas provas não me satisfazem.
1. Alguns dos que fazem discursos nas assembleias populares sustentam que é preciso que os cargos públicos sejam escolhidos por sorteio, mas não pensam da melhor maneira.
(2) Perguntará alguém ao que defende isto: “Porque não atribuis aos teus escravos domésticos as tarefas por sorteio, para que o condutor de bois, se lhe couber em sorte o ofício de cozinheiro, cozinhe, e o cozinheiro conduza os bois, e assim por diante?
(3) Por que motivo não reunimos os ferreiros e os sapateiros, os carpinteiros e os ourives, fazemos um sorteio e obrigamos cada um a exercer a arte que lhe couber em sorte e não aquela que conhece?”
(4) E o mesmo nos concursos artísticos: sortear e fazer cada um competir no concurso que lhe couber em sorte: ao flautista poderá caber tocar cítara e ao citarista tocar flauta; e na guerra, os archeiros e os hoplitas combaterão a cavalo, enquanto o cavaleiro combaterá com arco, de tal modo que ninguém faça nem o que sabe nem o que é capaz de fazer.
(5) Dizem que isto é bom e muito democrático. Eu, pelo contrário, penso que é o menos democrático possível. Nas cidades há homens inimigos do povo, e, se tivessem oportunidade, aniquilariam o povo.
(6) Sem dúvida que é imprescindível que o próprio povo mantenha os olhos abertos e escolha todos os que são benevolentes para com ele, para chefiar o exército deve escolher os que se adéquam a isso, para zelar pela lei deve escolher outros, e assim por diante.
8. (1) Considero que é próprio do mesmo homem e da mesma arte conseguir discutir em estilo breve, saber a verdade das coisas, saber julgar corretamente, ser capaz de falar em público, conhecer as técnicas dos discursos e sobre a natureza de todas as coisas ensinar como são e como se tornaram o que são.
(2) E, em primeiro lugar, aquele que conhece a natureza de todas as coisas, como é que não conseguirá agir corretamente em todas as ocasiões e ensinar a cidade a fazer o mesmo?
(3) Além disso, aquele que conhece as técnicas dos discursos saberá também falar corretamente sobre tudo.
(4) O que tenciona falar corretamente precisa de falar a respeito daquilo que conhece: conhecerá, por conseguinte, tudo.
(5) Conhece as técnicas de todos os discursos e todos os discursos são acerca de todas as coisas que existem.
(6) E o homem que tenciona falar corretamente precisa de conhecer as coisas a respeito das quais vai falar, quaisquer que elas sejam, e precisa de ensinar a cidade a realizar boas ações e a evitar as más.
(7) Ao conhecer isto conhecerá também o que difere disto; conhecerá, portanto, tudo. Estes objetos de conhecimento são parte de todos os objetos de conhecimento, e a necessidade da situação fornecer-lhe-á, se for necessário, outros objetos para o mesmo fim.
(8) Quem não sabe tocar flauta conseguirá tocar flauta, se for preciso fazê-lo.
(9) O que sabe argumentar no tribunal tem de conhecer correctamente o que é o justo, pois as sentenças são sobre isto. E, ao conhecê-lo, conhecerá também o seu contrário e as outras coisas que diferem destas.
(10) Precisa também de conhecer todas as leis. Se não conhecer os factos, não conhecerá as leis.
(11) Quem conhece as leis da música é um homem que também sabe música. O que não sabe música não conhece a sua lei.
(12) Se um homem conhece a verdade das coisas, o raciocínio facilmente se encaminha no sentido de que conhece tudo.
(13) E assim consegue discutir em estilo breve, no caso de ser interrogado e precisar de responder sobre todos os assuntos. Em suma, tem de conhecer tudo.
9. (1) A maior e mais bela descoberta foi a memória; é útil para tudo, para o estudo e para a sabedoria prática 21.
(2) Isto é verdade, como se verá, se se fixar a atenção. Por este processo, o intelecto perceberá mais, conseguindo uma visão de conjunto daquilo que se aprendeu.
(3) Em segundo lugar, sempre que se ouvir alguma coisa há que prestar atenção: ouvir e dizer muitas vezes o mesmo faz vir à memória tudo o que se aprendeu.
(4) Em terceiro lugar, há que relacionar com o que se sabe o que se ouve. Por exemplo, se é preciso memorizar o nome Crisipo, relacionamo-lo com chrysos (ouro) e hippos (cavalo);
(5) para memorizar Pirilampo relacionamos o nome com pyr (fogo) e com lampein (brilhar). Isto faz-se para os nomes.
(6) No caso das coisas, faz-se assim: para a coragem, pensa-se em Ares e Aquiles; para a arte do ferreiro, pensa-se em Hefesto; para a cobardia, em Epeu.
20 – Cálicles não era um sofista.
Kerferd ensina:
“Conhecemos um pouco Trasímaco por outras fontes além de Platão, ao passo que nada sabemos de Cálicles fora do vívido retrato dele no Górgias de Platão. Em consequência disso, sua existência como pessoa real foi posta em dúvida por Grote e alguns outros especialistas, embora a maioria esteja pronta a aceitá-lo como uma figura histórica. Segundo Platão, ele veio do demo de Acarnânia, na Ática, e é em sua casa que seu amigo Górgias está hospedado ao se iniciar o diálogo de Platão (447b2-8). Sócrates diz dele (520al-b2) que prefere retórica a ensinar virtude aos jovens, e noutra parte, numa famosa passagem (484c4-486dl) [Osório diz: Sócrates queria que ele ensinasse virtude? Mas não é ele que diz que a virtude não é ensinável?], que era desdenhoso da filosofia quando adotada como uma ocupação adulta. Mas ele sustenta suas preferências pela vida de ação bem-sucedida, com argumentos de modo geral comparáveis aos de Trasímaco, e isso faz dele, indiscutivelmente, uma importante figura na história do movimento sofista. [91] [Osório diz: Jacqueline de Romilly discorda desta última afirmativa. Creio que pode ser o alter ego de Platão]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 91).
Kerferd é o único autor, que conheço, que trata Cálicles como sofista. Veja-se o que sobre tal personagem diz Rommily:
“Pode-se constatar interrogando os três grandes autores da época: Aristófanes, Eurípedes e Tucídides. Mas também devemos fazer comparecer, ao lado destes autores famosos, um personagem desconhecido que não escreveu nada, porém cujo tom audaz e sua existência mesma formam um testemunho sensacional. É o personagem a quem Platão deu um papel tão grande no Górgias, mesmo não sendo um sofista, nem um filósofo, nem um político conhecido: Cálicles. Tem, com efeito, todas as possibilidades de encarnar a forma extrema e terrível deste imoralismo ao qual se lançaram os jovens atenienses, embriagados pela parte negativa do pensamento dos sofistas.” (Fonte: Os grandes sofistas da Atenas de Péricles, Jacqueline de Romilly, tradução de Osório Silva Barbosa Sobrinho. Octavo. São Paulo. 2017, p. 210).
E,
“Mas, enfim, quem é esse tal de Cálicles?
O conhecemos pelo Górgias de Platão. Mas Platão não o apresenta, não diz nada dele, somente que Górgias é seu hóspede. Não obstante, tem um papel muito importante no diálogo. Isso se vê materialmente: Sócrates discute com Górgias durante doze páginas da numeração tradicional; depois, discute com Polo, jovem e fervoroso admirador de Górgias, durante vinte páginas; e, brutalmente, Cálicles toma a palavra e se converte no único interlocutor ao longo de quarenta e cinco páginas. Entretanto, a extensão material não é tudo: o diálogo com Górgias tinha abordado apenas o problema da retórica, o debate com Polo revela suas implicações morais; a grande polêmica entre Cálicles e Sócrates trata a fundo a questão da justiça e a finalidade da vida humana.
Essa gradação concorda mal, em aparência, com a eleição de interlocutores cada vez menos qualificados. Ou ainda, se alguém busca identificá-lo, a escuridão se torna mais espessa. Platão não diz mais nada e não menciona Cálicles em outras partes. A tradição antiga não revelou nada sobre ele; se faz o silêncio. Assim, pois, muitos chegaram a pensar que o personagem não passava de uma invenção de Platão.
Naturalmente, Cálicles poderia ter existido sem que o soubéssemos. Poderia ter sido qualquer desconhecido. Porém, destacar tanto um homem obscuro ou inventá-lo por inteiro vem a ser o mesmo; de todas maneiras, ele existe apenas pelo papel que lhe confia Platão, que é ser o mais ardente e insolente dos defensores do amoralismo, sem de fato ser um sofista.
Tudo, pois, está justamente nesse ponto: Cálicles não é um sofista. É um homem rico que os frequenta, mas que não ensina: é muito ambicioso para isto! Estudou com os mestres, com pessoas cujos nomes evoca Platão (em 487 c), porém, não desejou levar muito longe a persecução desse saber; sabe-se que sente um desprezo extremo pelos que seguem filosofando mesmo passados seus anos de juventude. “Ante um homem ancião filosofando ainda e que não renunciou a esse estudo, digo a mim mesmo, Sócrates, que o considero merecedor de ser castigado com o chicote” (485 d), Nenhum sofista tinha podido dizer isso. Cálicles é, pois, a imagem perfeita dos usos práticos e laicos de um ensino que ele mesmo julgou inútil perseguir.
Isso dá o que pensar. Afinal, este personagem desconhecido, provido de um papel de grande ressonância, é um caso único nos diálogos de Platão. E se é exato tudo o que disse até agora, compreender-se-á que Platão tenha se visto obrigado, a recorrer a esse procedimento de exceção. Isso porque ele precisava criticar, na pessoa desse desconhecido, tudo o que os sofistas tinham de perigoso para quem deturpava suas ideias, em proveito de suas paixões ou ambições. Queria mostrar que a retórica implicava o amoralismo, porém, não podia fazer isso sem falsear gravemente as coisas, encarregar a defesa desse amoralismo a nenhum dos verdadeiros sofistas. Precisava de um jovem ambicioso, experiente nos debates sofísticos, mas preocupado unicamente com êxito prático. Necessitava da quintessência [Quintessência (quinta essência) é uma alusão à Aristóteles, que considerava que o universo era composto de quatro elementos principais - terra, água, ar e fogo -, mais um quinto elemento, uma substância etérea que permeava tudo e impedia os corpos celestes de caírem sobre a Terra. Fonte:"The quintessencial Universe", Scientific American vol. 12, número 2, 2002, pagina 41 (Fonte: http://www.if.ufrgs.br/fis02001/aulas/quintessencia.html).////////// “Como já observamos, chamava a atenção de Aristóteles que ninguém jamais houvesse percebido nenhuma mudança significativa nos céus, apenas uma infindável revolução de remotos objetos brilhantes. Qualquer um podia ver por si mesmo, ou assim ele pensava, que os céus eram marcados por um movimento circular uniforme. E isso era em si um fato notável que exigia uma explicação, porque a rotação uniforme não parecia ser natural em nada que havia na Terra. Os elementos terrenos e todas as coisas que eles constituíam tendiam a se mover em linha reta, a menos que algo se interpusesse em seu caminho, fizesse-os recuar ou lhes impusesse um movimento contrário. Parecia, portanto, a Aristóteles, que devia haver uma quinta substância (ou "quintessência", como se passou a dizer mais tarde) que se [300] movesse naturalmente em círculos. Isso explicaria o fato de os entes celestes se comportarem de maneira diferente dos terrenos: eles seriam feitos de outro tipo de matéria. Às vezes, ele chamava essa matéria de "éter", tomando emprestado um antigo termo para a substância ígnea de que se supunha que fossem feitas as estrelas e planetas.” [O sonho da razão, p. 261] N. do T.] das críticas sofísticas e também do extremo da rebelião contra os valores. Somente assim podia denunciar o que se ocultava por trás da retórica e o que significava o ensino novo para os que buscavam nele normas práticas de ação.
Isso pode parecer uma reconstrução a priori, contudo, todos os detalhes do texto se esclarecem graças a isso e trazem sua confirmação. Por esse motivo, é preciso, depois de ter encontrado o outro aspecto no curso das análises precedentes, reconhecer sua eloquente combinação”. (Fonte: Os grandes sofistas da Atenas de Péricles, Jacqueline de Romilly, tradução de Osório Silva Barbosa Sobrinho. Octavo. São Paulo. 2017, p. 228 a 231).
xx
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
19 – Como conhecemos os Sofistas (fontes)?
O que se sabe deles, é, quase sempre, pelo que foi deixado por seus detratores ou por aqueles que usaram os antigos para detratá-los. São eles os sacos de pancada para quem quer impor sua tese e, assim, obter a aquiescência de quem dita o que pode e o que não pode ser lido e divulgado.
Da produção intelectual dos Sofistas sobram-nos apenas pequenos fragmentos que, na tentativa de serem interpretados, funcionam como “olhos mágicos” que nos desvendam o mundo deles.
Talvez Platão e Aristóteles tivessem contribuído mais para o esquecimento dos Sofistas se os tivessem transcrito integralmente em suas obras, a despeito, dizem alguns, de não terem chegado muito longe disso, como, de fato, nenhum pensador até hoje chegou.
Mas, por outro lado, isso aumenta a necessidade de conhecimento sobre os Sofistas, pois eles foram importantes demais para serem ignorados. E se não podiam ser ignorados, outra forma que se encontrou foi destorcer-lhes os pensamentos, em especial quando isso se mostrou útil para as religiões, em especial o cristianismo.
Na região da Mesopotâmia, como a escrita cuneiforme era aposta sobre a argila, quando invasores incendiaram as cidades, o fogo assou melhor o barro contribuindo assim para a sua conservação. Ou seja, o que era para ser um mal total, acabou sendo um mal parcial, pois acabou por contribuir para a permanência das cerâmicas grafadas.
A situação dos Sofistas, com Platão e Aristóteles, é razoavelmente parecida: é por intermédio destes dois autores, e detratores – que melhor conhecemos os sofistas, nunca contradição mais que providencial do infortúnio.
Alguém (Alfred North Whitehead) já chegou, por má fé ou ignorância, a dizer que “toda a filosofia Ocidental não passa de notas de rodapé das páginas de Platão”!
Alfred North Whitehead era um teólogo britânico e, como tal, possivelmente um fanático, o qual não percebeu, pelos simples títulos dos diálogos platônicos, que a frase, correta, seria: “toda a filosofia platônica não passa de notas de rodapé das páginas dos Sofistas”!
Nos diz Guthrier:
“Com os sofistas achamo-nos na mesma situação dos pré-socráticos, de reconstruir as ideias de homens cujos escritos não mais são em sua grande maioria disponíveis, visto que nossa fonte mais rica de informação é Platão, o seu oponente filosófico [Osório diz: que é desonesto!]. Ao mesmo tempo a perícia dramática com este último apresenta suas personagens e a conversação, e todo o encanto de suas produções literárias (talvez nunca igualado por qualquer outro filósofo) produzem impressão quase indelével em nossas mentes.
Sorte da literatura sofistica: Platão e Aristóteles (p. 52) [Osório diz: As obras desses dois é que os fanáticos religiosos “deveriam” ter queimado, já que absurdamente queriam queimar algo!].
[Na p. 148 ele {Havelock} fala nos mesmos termos de ipsissima verba de Trasímaco, Górgias e Protágoras. T. Gomperz, Gr. Th. 1,490, "o único monumento literário sobrevivente do movimento conhecido sofista" foi o tratado hipocrático Sobre a arte [medicina]).] (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 52-53).
Prossegue Guthrier:
“Salomon chegou ao ponto de dizer (Sav. Stift. 1911, 131) que ‘o quadro dos sofistas enquanto indivíduos, que construímos com base nestes seus ditos, tais como se nos preservaram, é, na medida que está determinado pelas vicissitudes da tradição, o resultado de puro acaso’”. (p. 243) [Osório diz: daí é que “penso” que os livros de Platão é que deveriam te sido queimados pelos fanáticos religiosos que o seguem!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 243).
Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:
“Górgias escreveu um Elogio de Helena e uma Defesa de Palamedes. Pretendeu com isso modificar a opinião desfavorável associada à sua memória, Helena que era acusada de adultério e Palamedas de traição. Não seria também conveniente, hoje em dia, sem qualquer preocupação de proeza retórica, mas por um simples desejo de verdade histórica e científica, escrever, senão um Elogio da Sofística, pelo menos uma Defesa dos Sofistas? Com efeito, os escritos dos Sofistas desapareceram quase por completo, e conhecemos as suas doutrinas essencialmente pelos filósofos que os refutam, a saber, por Platão e Aristóteles. A sorte histórica do pensamento platônico-aristotélico, que constitui a ossatura da metafísica ocidental, lançou na sombra os testemunhos que pudessem ser mais favoráveis aos Sofistas. Como há poetas malditos, também houve pensadores malditos, e estes foram os Sofistas.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 9).
Kerferd ensina:
“Não uma, mas duas barreiras se levantam no caminho de quem quer que busque chegar a uma compreensão adequada do movimento sofista, em Atenas, no século V a.C. Não restaram escritos de nenhum dos sofistas e temos de depender de fragmentos insignificantes e de sumários muitas vezes obscuros, ou discutíveis, de suas doutrinas. “Pior ainda, dependemos, para grande parte de nossa informação, de Platão, que os tratou de maneira profundamente hostil, com todo o poder de seu gênio literário, acertando-os em cheio com um impacto filosófico quase arrasador. O efeito acumulado tem sido bastante desastroso. Levou a um tipo de opinião pronta segundo a qual é de duvidar se os sofistas, como um todo, tenham contribuído com algo de importante para a história do pensamento.” [Osório diz: fontes]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 9).
É Barbara Cassin quem diz:
“Mas os avatares [Osório diz: transformação, transfiguração] da transmissão só deixaram subsistir até nós pouquíssimos fragmentos originais, estes aliás inseridos em testemunhos ou interpretações que visavam a desqualificá-los. Recons- [7] tituir as teses e as doutrinas depende de uma paleontologia da perversão, já que os mesmos textos são fonte de nosso conhecimento e de nosso desconhecimento da sofística. É aqui que a estrutura vem revezar com a história: a sofística é um produto da filosofia. A tradição dominante, platônico-aristotélica, forma na verdade com a sofística um duplo tanto mais inquietante porque mais difícil de distinguir dela mesma, como o lobo do cão e a má intenção da boa. A filosofia institui assim seus próprios limites e tenta forcluir [Osório diz: termo lacaniano. Negar a existência apresentando como. Excluir e rechaçar, conjuntamente] como "sofisma" por exemplo, qualquer outro discurso que não o seu: "Aqueles que colocam a questão de saber se é preciso ou não honrar os deuses e amar seus pais têm apenas necessidade de uma boa correção, e aqueles que se perguntam se a neve é branca ou não têm apenas que olhar" (Aristóteles, Tópicos, I, 105a5-7).
E,
Diels e Kranz, e depois Untersteiner, reuniram os fragmentos dos sofistas. Desses grandes conjuntos ressalta-se a pequenez do corpus autêntico, quer dizer, atribuível expressas verbis a um dos sofistas. Ele comporta duas linhas de força bem visíveis: a obra de Górgias, com a ontologia ou a meontologia12, do Tratado do Não-ser, a retórica do Elogio se Helena e da Apologia de Palamedes, e a de Ântifon com as preocupações éticas e políticas do papiro Sobre a verdade. [8]
Entretanto os fragmentos conservados não são nada face à amplidão dos testemunhos que suscitaram. De Protágoras, que foi, diz-se, o primeiro dos sofistas, possuímos no total apenas duas frases. Porém, a mais célebre dentre elas que temos o costume de traduzir por: "O homem é a medida de todas as coisas: daquelas que são, que são, daquelas que não são, que, não são" (=B1D.K.), tem, de modo paradigmático, por contexto de transmissão ou de interpretação, nada menos, entre outros, que o Teeteto de Platão e o livro Gama da Metafísica de Aristóteles.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 7-8).
12
2 Meontologia – “... se Parmênides pode ser considerado o responsável pelo início dos estudos sobre o ser, ou seja, o fundador da ontologia, também deve ser considerado — e, de certa forma, como veremos, a fortiori — o fundador dos estudos sobre o não-ser, ou seja, da meontologia 4. 4. Há divergências sobre a denominação da ciência que estuda o não-ser. Nós encontramos referências tanto da denominação meontologia quanto da denominação udenologia. Nossa escolha foi determinada por um precedente, na língua portuguesa do Brasil, constituído por Mario Ferreira dos Santos, grande filósofo paulista, que utiliza meontologia em todos os seus escritos e principalmente numa obra que trata especificamente desse assunto, "A sabedoria do ser e do nada". (FERREIRA DOS SANTOS, 1968). (Fonte: http://www.fflch.usp.br/df/site/posgraduacao/2010_mes/2009.mes.Nicola_Galgano.pdf, em 18.11.10).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
18 – Os sofistas eram (são) Filósofos?
Kerferd ensina:
“É provável que a importância histórica e intelectual dos sofistas seja agora mais geralmente reconhecida do que era antes. É indiscutível que eles ensinaram e discutiram gramática, teoria linguística, doutrinas filosóficas e morais, doutrinas sobre os deuses e a natureza e a origem do homem, crítica e análise literária, matemática e, pelo menos em alguns casos, os elementos da teoria física sobre o universo [Osório diz: o que discutiram os Sofistas?]. Mas eram eles filósofos? Isso ainda não é geralmente admitido. [295] Depende, em parte, da definição de filosofia. Aqui o fantasma do platonismo ainda está ativo. Para Platão, os sofistas rejeitavam o que ele considerava ser a realidade última e estavam tentando explicar o universo em termos de seus aspectos fenomenais apenas. Para Platão, o mundo fenomenal era um mundo falso, sem realidade e, portanto, sem o requisito essencial para ser um genuíno objeto de conhecimento. Mas no mundo moderno, onde os especialistas, na maioria, não são platônicos e, de modo geral, nem mesmo querem procurar a realidade na direção em que Platão acreditava que ela devia ser encontrada, é algo paradoxal que a condenação platônica ainda permaneça em grande parte indiscutível. Já vai longe o tempo em que a rejeição de qualquer realidade transcendente podia ser tomada como indício de que a busca da verdade fora abandonada. [Osório diz: Platão e a modernidade! / O problema, creio eu, ainda é de financiamento: as religiões continuam “bancando” a educação e, consequentemente, as pesquisas, além de condenando!].
Tudo bem, pode-se responder. De fato pode-se procurar a verdade sem compromisso com uma realidade transcendente. Mas e se os sofistas fossem o equivalente dos modernos jornalistas ou publicitários, no que têm de pior – não interessados na realidade transcendente, com certeza, mas igualmente não interessados também nas verdades empíricas, simplesmente preocupados com o que pode ser revestido de suficiente aparência de verdade para persuadir ou enganar o público? Isso bastaria para explicar a vasta série de assuntos discutidos pelos sofistas. Essa é, de fato, a opinião tradicional sobre a natureza do movimento sofista.
Tal alegação se relaciona em parte com os motivos dos sofistas individuais e isso é difícil de ser determinado por nós. Mas, na medida em que envolve um juízo sobre os escritos [296] existentes dos sofistas, essa alegação comporta uma resposta categórica. Se tivéssemos mais de seus escritos poderíamos esperar que a resposta fosse clara e inquestionável. Com aquilo que temos, precisamos, como é frequente nos estudos da Antiguidade, proceder por inferência a partir de testemunhos inadequados e incompletos. Isso significa que há campo para desacordo. O que me parece impressionante, contudo, são as claras indicações, que sobrevivem, de uma série de doutrinas técnicas em discussão nas que hoje chamaríamos de esferas da filosofia e da sociologia.
Vivemos numa época de ceticismo e desconfiança, e às vezes parece que expressar admiração por alguma coisa ou alguém é se expor a acusações de ingenuidade ou desonestidade. Expressões tais como a glória da Grécia ou a grandeza da época de Péricles, em Atenas, não estão mais exatamente na moda. Também é suspeita a ideia de que a Grécia atingiu o seu mais alto ponto de cultura e civilização na segunda metade do século V a.C. e que a isso se seguiu um longo declínio, resultante acima de tudo do enfraquecimento de Atenas, depois da sua derrota na Guerra do Peloponeso. Apesar disso, é ainda legítimo expressar cautelosa aprovação das conquistas atenienses, na arte e na arquitetura, durante esse período. Da mesma forma, a literatura da época e, acima de tudo, as tragédias de Esquilo, Sófocles e Eurípides exercem uma infinda fascinação. A estatura de Tucídides como historiador não diminuiu em nada. O que é preciso é que se reconheça que os sofistas foram, com toda a probabilidade, parte não menos notável e importante do progresso da Atenas de Péricles — importantes por si mesmos e também na história [297] da filosofia. Em vista da natureza do testemunho, essa opinião requer mais estudo para ser consolidada. Esperamos que o presente estudo possa ter feito algo para sugerir que, pelo menos no seu plano geral, essa opinião está correta.” [298]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 295 a 298).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
17 – Hegel e os sofistas.
Nos diz Guthrier:
“Mais surpreendentemente à primeira vista, Joël acrescenta do mesmo lado o "intelectualismo hegeliano", que os saudou como "mestres do raciocínio reflexivo", e, "a partir de sua filosofia da história entendeu e perdoou a todos" [Osório diz: Hegel e os sofistas!]. [p. 18]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 18).
Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:
“O pensamento protagórico da antilogia também se explica pelo fato de se desenvolver em terreno heraclitiano. Da mesma maneira que Heráclito, Protágoras é um Jônio; ora, a visão de um real contraditório e afirmação da imanência recíproca dos contrários constituem o centro do pensamento de Heráclito muito mais seguramente que o da mobilidade, que frequentemente é reduzido. É por isso que, para ele, o próprio âmago do universo é conflito. “O combate é o pai de todas as coisas, de todas é rei.” A relação das doutrinas de Heráclito e de Protágoras foi sublinhada tanto por Platão, no Teeteto, como por Aristóteles, no livro IV da Metafísica. Mas subsiste uma diferença entre eles ao nível do modo de expressão: quando Heráclito, pela supressão do verbo ser, mostra na própria enunciação a contradição interna de toda a realidade, a retórica de Protágoras, renunciando a fornecer a imediatez da contradição, divide-a numa antilogia [Osório diz: conceito de antilogia], isto é, em dois discursos, cada qual coerente em si mesmo, mas incompatíveis entre si. Todo o real, quando se diz corta necessariamente em dois todo o discurso e atinge a própria linguagem com uma insuperável oposição de teses contrárias. Esta cisão da linguagem não cobre por completo a cisão parmenidiana entre a linguagem da oposição e a linguagem da verdade; uma semelhante distinção, dando à verdade a passagem para a opinião, suprime efetivamente toda a cisão da palavra pensante. Protágoras não se pode contentar com a ontologia parmenidiana porque esta, sacrificando o múltiplo, cai na infelicidade da generalidade; o discurso da ontologia torna-se discurso vazio, também Protágoras recusa toda a distinção entre a opinião e a verdade; reabilita a doxa, cujos perpétuos desmentidos constituem a própria lei da vida, e as formas de uma realidade resplandecente. Platão refere-se a esta demonstração de Protágoras a propósito do problema do Bem e fá-lo declarar que “o Bem é qualquer coisa de variegado” [Osório diz: Que apresenta cores ou matizes variados ou diversos.] (26). Protágoras introduziu, pois, a contradição no (p. 19) Ser de Parménides e, por este motivo, mereceu a admiração de Hegel.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 19-20).
Prossegue Gilbert Romeyer-Dherbey:
“INTERPRETAÇÃO HEGELIANA – Que a verdade das coisas se encontra no homem mais que nas coisas, é uma afirmação que caracteriza, aos olhos de Hegel, a descoberta do poder da subjetividade. Grande é, pois, a modernidade de Protágoras que, com o homem-medida, operará “esta conversão deveras notável, a saber, que todo o conteúdo, todo o elemento objetivo, só existe relativamente à consciência, visto que o pensar é enunciado como momento essencial para todo o verdadeiro; o absoluto adquire assim a forma da subjetividade pensante” [Osório diz: Protágoras e a criação da subjetividade]. O princípio fundamental da filosofia de (p. 30) Protágoras é, portanto, a afirmação de que o ser do objeto é fenomenalidade, e que todo o fenômeno é determinado pela consciência que o percepciona e pensa [Osório diz: o que é o objeto]. O ser não está, pois, em si, mas existe pela apreensão do pensamento só por meio do qual algo aparece, e aparece tal. O ser pensante, isto é, o homem, confere a sua medida às coisas porque o seu ser consiste em um aparecer e porque o sujeito humano é a fonte deste aparecer. É por isso que a alma se define, para Protágoras, por aquilo que, no pensamento pré-socrático, designa todo o poder de aparecer ao homem: o sentir, ou antes, o perceber: “a Alma não é nada, dizia ele, exceto percepções.” [Osório diz: não existe o tal fato, mas a versão dos fatos] Esta movimento, que conduz a verdade para o lado da subjetividade e da consciência, caracteriza, segundo Hegel, o idealismo ou, pelo menos, corrige Hegel, “o mau idealismo dos tempos modernos”, de que Protágoras seria, assim, o precursor [Osório diz: Protágoras como precursor do idealismo]. A crítica de Protágoras, para Platão e Aristóteles, significaria então a rejeição por estes dois pensadores do idealismo subjetivo, a diversos níveis, já que Platão recusa o princípio subjetivo, ao passo que Aristóteles recusa o próprio idealismo [Osório diz: diferença entre Protágoras, Platão e Aristóteles].
Apesar de tudo, há um tema no pensamento de Protágoras que a interpretação hegeliana não toma em consideração, é o do valor mais ou menos grande, do aparecer, segundo o seu grau de utilidade. Ora, o Teeteto mostra que este tema é essencial para Protágoras: assim como o médico pelos seus remédios substitui os sintomas da doença pelos da saúde e assim o agricultor com os seus adubos possibilita às plantas desenvolverem-se em vez de ficarem enfezadas, assim o sábio saberá, com os seus discursos (lógoi), substituir um aparecer sem valor e sem utilidade por outro melhor (béltion), isto é, que presta serviços e que se pode utilizar (chrestós). Esta utilidade mais ou menos ampla define então o grau mais ou menos grande da verdade do aparecer. (p. 31) [Osório diz: o valor da verdade do aparecer/fenômeno]
INTERPRETAÇÃO NIETZSCHEANA – O pragmatismo vital tal como Nietzsche o apresenta parece encontrar a sua fonte no pensamento de Protágoras. A obra do homem superior é criar o que Nietzsche chama o valor, o que não existe como um dado natural; ora, o homem vive num mundo de valores, o homem superior é, portanto, o autor do mundo tal como o homem o vive. Assim, Nietzsche poderia ter escrito que “o super-homem é a medida de todas as coisas” sem sair do pensamento de Protágoras. Já que para o último mais sábio é quem sabe elaborar o discurso forte que os homens partilharão. Da mesma maneira, o super-homem, isto é, para Nietzsche, o homem contemplativo, lega à humanidade o mundo dos valores, de que ele é o poeta: [Osório diz: o que é o super-homem de Nietzsche].
“Nós que pensamos e sentimos, somos nós que fazemos e não cessamos realmente de fazer o que não existia antes: este mundo eternamente a crescer de avaliações, de cores, de pesos, de perspectivas, de escalas, de afirmações e de negações (...). Nada que tenha muito ou pouco valor no mundo presente possui este valor; este valor foi-lhe dado, é um presente que lhe foi feito, e os que o fizeram fomos nós. Somos nós que criamos o mundo que diz respeito ao homem.” [Osório diz: nada de um deusinho todo poderoso!]
Ora, a verdade é do número destes valores que o super-homem cria para o resto da humanidade. E esta criação não é arbitrária: ela proclama “verdadeiro” o que serve aos interesses e necessidades do homem, o que é exigido pela sua necessidade vital. Encontramo-nos em presença do que Jean Granier chama a verdade útil, e que não é outra coisa senão a expressão da vida. Mas vimos que este tema do útil é central no pensamento de Protágoras; útil é o critério que hierarquiza as diferentes manifestações e faz com que um seja preferível a outra [Osório diz: e não a dita e querida verdade platônica]. A aproximação entre Nietzsche e Protágoras não é arbitrária, pois parece que é o próprio Nietzsche a sugeri-la; determina, (p. 32) efetivamente, o pensamento como fixação dos valores e o valor como expressão do útil, e ao mesmo tempo caracteriza o homem como o ser que, por excelência, mede: “sabe-se que a palavra ‘homem’ significa aquele que mede; quis chamar-se de acordo com a sua maior descoberta.” [Osório diz: Nietizsche protagórico... obviamente!]
Dito isto, uma diferença importante entre Nietzsche e Protágoras; com efeito, Nietzsche interpreta esta verdade-útil como erro-útil e opõe-lhe uma verdade verdadeira, ao passo que Protágoras parece antes ter chamado Verdade à avaliação segundo a utilidade dada pelo homem. Os dois temas da verdade e da utilidade só são incompatíveis se concebermos a verdade como sendo necessariamente absoluta [Osório diz: a possível diferença entre verdade e utilidade]. Protágoras não nega a verdade, nega a verdade absoluta; concebe um verdadeiro não absoluto, ou então um verdadeiro cujo absoluto é como que um horizonte inacessível [Osório diz: a verdade para Protágoras]. A teoria do discurso forte lembra-nos, com efeito, que o universal não é dado, e que há que fazê-lo e fazê-lo pelo homem. Só se poderia esperar uma verdade absoluta se um discurso universal humano tivesse sido efetivamente estabelecido; ainda seria necessário que este discurso se mantivesse no tempo, possibilidade que o tema do útil, acompanhado do de kairós, torna duvidoso [Osório diz: as necessidades para o estabelecimento de uma verdade]. A verdade não absoluta de Protágoras poder-se-ia chamar verdade crítica [Osório diz: adjetivando a verdade!]. Com efeito, interpreta, como vimos, o verdadeiro como valor; ora, a questão crítica por excelência é a questão do valor. De fato, não se pode pôr o valor sem logo pôr em questão o próprio fundamento desta posição, sem perguntar: qual é o valor do Valor? O valor não se legitima pelo simples fato de se pôr; pelo contrário, pelo fato de se pôr é que se põe em questão e imediatamente se interroga sobre a legitimidade do seu território.” (p. 33). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 31 a 33).
É Barbara Cassin quem diz:
“O passe é feito depressa. No plano teórico, os sofistas tratam de não-ser, e dos fenômenos ou dos acidentes: Hegel, em suas lições sobre a história da filosofia, mostra o quanto Górgias tem logicamente razão em insistir sobre o não-ser do ser, e como Protágoras inaugura "a reflexão na consciência". No plano prático os sofistas platônicos são imorais, preferindo o poder e o dinheiro: [15] Nietzsche, invertendo os valores, faz o elogio de Cálicles não sem propor, dessa vez acompanhando um certo Platão, voltar ao "cuco Sócrates" em toda a sua ambivalência. Enfim, sua habilidade retórica tão perniciosa é valorizada como politicamente necessária ao bom funcionamento das assembléias da democracia, assim como acentua George Grote e, segundo a análise de Heinrich Gomperz, como portadora de normas estéticas e pedagógicas.” [Osório diz: o elogio de Cálicles!]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990,p. 15-16)
Tudo isso iremos ver no seu devido tempo.
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
16 – O que dava unidade à Sofística.
“Havia, como vimos, uma arte que todos os sofistas ensinavam, a saber, a retórica, e uma posição epistemológica de que todos partilhavam, a saber, um ceticismo segundo o qual o conhecimento só podia ser relativo ao sujeito que percebe. Os dois estavam mais diretamente conexos do que se podia pensar. A retórica não desempenha o papel em nossas vidas que desempenhou na Grécia antiga.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 51).