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19 – Como conhecemos os Sofistas (fontes)?

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

19 – Como conhecemos os Sofistas (fontes)?

 

O que se sabe deles, é, quase sempre, pelo que foi deixado por seus detratores ou por aqueles que usaram os antigos para detratá-los. São eles os sacos de pancada para quem quer impor sua tese e, assim, obter a aquiescência de quem dita o que pode e o que não pode ser lido e divulgado.

Da produção intelectual dos Sofistas sobram-nos apenas pequenos fragmentos que, na tentativa de serem interpretados, funcionam como “olhos mágicos” que nos desvendam o mundo deles.

Talvez Platão e Aristóteles tivessem contribuído mais para o esquecimento dos Sofistas se os tivessem transcrito integralmente em suas obras, a despeito, dizem alguns, de não terem chegado muito longe disso, como, de fato, nenhum pensador até hoje chegou.

Mas, por outro lado, isso aumenta a necessidade de conhecimento sobre os Sofistas, pois eles foram importantes demais para serem ignorados. E se não podiam ser ignorados, outra forma que se encontrou foi destorcer-lhes os pensamentos, em especial quando isso se mostrou útil para as religiões, em especial o cristianismo.

Na região da Mesopotâmia, como a escrita cuneiforme era aposta sobre a argila, quando invasores incendiaram as cidades, o fogo assou melhor o barro contribuindo assim para a sua conservação. Ou seja, o que era para ser um mal total, acabou sendo um mal parcial, pois acabou por contribuir para a permanência das cerâmicas grafadas.

A situação dos Sofistas, com Platão e Aristóteles, é razoavelmente parecida: é por intermédio destes dois autores, e detratores – que melhor conhecemos os sofistas, nunca contradição mais que providencial do infortúnio.

Alguém (Alfred North Whitehead) já chegou, por má fé ou ignorância, a dizer que “toda a filosofia Ocidental não passa de notas de rodapé das páginas de Platão”!

Alfred North Whitehead era um teólogo britânico e, como tal, possivelmente um fanático, o qual não percebeu, pelos simples títulos dos diálogos platônicos, que a frase, correta, seria: “toda a filosofia platônica não passa de notas de rodapé das páginas dos Sofistas”!

 

Nos diz Guthrier:

 

Com os sofistas achamo-nos na mesma situação dos pré-socráticos, de reconstruir as ideias de homens cujos escritos não mais são em sua grande maioria disponíveis, visto que nossa fonte mais rica de informação é Platão, o seu oponente filosófico [Osório diz: que é desonesto!]. Ao mesmo tempo a perícia dramática com este último apresenta suas personagens e a conversação, e todo o encanto de suas produções literárias (talvez nunca igualado por qualquer outro filósofo) produzem impressão quase indelével em nossas mentes.

Sorte da literatura sofistica: Platão e Aristóteles (p. 52) [Osório diz: As obras desses dois é que os fanáticos religiosos “deveriam” ter queimado, já que absurdamente queriam queimar algo!].

[Na p. 148 ele {Havelock} fala nos mesmos termos de ipsissima verba de Trasímaco, Górgias e Protágoras. T. Gomperz, Gr. Th. 1,490, "o único monumento literário sobrevivente do movimento conhecido sofista" foi o tratado hipocrático Sobre a arte [medicina]).] (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 52-53).

 

Prossegue Guthrier:

 

Salomon chegou ao ponto de dizer (Sav. Stift. 1911, 131) que ‘o quadro dos sofistas enquanto indivíduos, que construímos com base nestes seus ditos, tais como se nos preservaram, é, na medida que está determinado pelas vicissitudes da tradição, o resultado de puro acaso’”. (p. 243) [Osório diz: daí é que “penso” que os livros de Platão é que deveriam te sido queimados pelos fanáticos religiosos que o seguem!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 243).

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Górgias escreveu um Elogio de Helena e uma Defesa de Palamedes. Pretendeu com isso modificar a opinião desfavorável associada à sua memória, Helena que era acusada de adultério e Palamedas de traição. Não seria também conveniente, hoje em dia, sem qualquer preocupação de proeza retórica, mas por um simples desejo de verdade histórica e científica, escrever, senão um Elogio da Sofística, pelo menos uma Defesa dos Sofistas? Com efeito, os escritos dos Sofistas desapareceram quase por completo, e conhecemos as suas doutrinas essencialmente pelos filósofos que os refutam, a saber, por Platão e Aristóteles. A sorte histórica do pensamento platônico-aristotélico, que constitui a ossatura da metafísica ocidental, lançou na sombra os testemunhos que pudessem ser mais favoráveis aos Sofistas. Como há poetas malditos, também houve pensadores malditos, e estes foram os Sofistas.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 9).

 

Kerferd ensina:

 

Não uma, mas duas barreiras se levantam no caminho de quem quer que busque chegar a uma compreensão adequada do movimento sofista, em Atenas, no século V a.C. Não restaram escritos de nenhum dos sofistas e temos de depender de fragmentos insignificantes e de sumários muitas vezes obscuros, ou discutíveis, de suas doutrinas. “Pior ainda, dependemos, para grande parte de nossa informação, de Platão, que os tratou de maneira profundamente hostil, com todo o poder de seu gênio literário, acertando-os em cheio com um impacto filosófico quase arrasador. O efeito acumulado tem sido bastante desastroso. Levou a um tipo de opinião pronta segundo a qual é de duvidar se os sofistas, como um todo, tenham contribuído com algo de importante para a história do pensamento.” [Osório diz: fontes]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 9).

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Mas os avatares [Osório diz: transformação, transfiguração] da transmissão só deixaram subsistir até nós pouquíssimos fragmentos originais, estes aliás inseridos em testemunhos ou interpretações que visavam a desqualificá-los. Recons- [7] tituir as teses e as doutrinas depende de uma paleontologia da perversão, já que os mesmos textos são fonte de nosso conhecimento e de nosso desconhecimento da sofística. É aqui que a estrutura vem revezar com a história: a sofística é um produto da filosofia. A tradição dominante, platônico-aristotélica, forma na verdade com a sofística um duplo tanto mais inquietante porque mais difícil de distinguir dela mesma, como o lobo do cão e a má intenção da boa. A filosofia institui assim seus próprios limites e tenta forcluir [Osório diz: termo lacaniano. Negar a existência apresentando como. Excluir e rechaçar, conjuntamente] como "sofisma" por exemplo, qualquer outro discurso que não o seu: "Aqueles que colocam a questão de saber se é preciso ou não honrar os deuses e amar seus pais têm apenas necessidade de uma boa correção, e aqueles que se perguntam se a neve é branca ou não têm apenas que olhar" (Aristóteles, Tópicos, I, 105a5-7).

 

E,

 

Diels e Kranz, e depois Untersteiner, reuniram os fragmentos dos sofistas. Desses grandes conjuntos ressalta-se a pequenez do corpus autêntico, quer dizer, atribuível expressas verbis a um dos sofistas. Ele comporta duas linhas de força bem visíveis: a obra de Górgias, com a ontologia ou a meontologia12, do Tratado do Não-ser, a retórica do Elogio se Helena e da Apologia de Palamedes, e a de Ântifon com as preocupações éticas e políticas do papiro Sobre a verdade. [8]

Entretanto os fragmentos conservados não são nada face à amplidão dos testemunhos que suscitaram. De Protágoras, que foi, diz-se, o primeiro dos sofistas, possuímos no total apenas duas frases. Porém, a mais célebre dentre elas que temos o costume de traduzir por: "O homem é a medida de todas as coisas: daquelas que são, que são, daquelas que não são, que, não são" (=B1D.K.), tem, de modo paradigmático, por contexto de transmissão ou de interpretação, nada menos, entre outros, que o Teeteto de Platão e o livro Gama da Metafísica de Aristóteles.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 7-8).

 

12

2 Meontologia – “... se Parmênides pode ser considerado o responsável pelo início dos estudos sobre o ser, ou seja, o fundador da ontologia, também deve ser considerado — e, de certa forma, como veremos, a fortiori — o fundador dos estudos sobre o não-ser, ou seja, da meontologia 4. 4. Há divergências sobre a denominação da ciência que estuda o não-ser. Nós encontramos referências tanto da denominação meontologia quanto da denominação udenologia. Nossa escolha foi determinada por um precedente, na língua portuguesa do Brasil, constituído por Mario Ferreira dos Santos, grande filósofo paulista, que utiliza meontologia em todos os seus escritos e principalmente numa obra que trata especificamente desse assunto, "A sabedoria do ser e do nada". (FERREIRA DOS SANTOS, 1968). (Fonte: http://www.fflch.usp.br/df/site/posgraduacao/2010_mes/2009.mes.Nicola_Galgano.pdf, em 18.11.10).

 
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