Sofística
(uma biografia do conhecimento)
82.6 – Lei e sua autoria.
Doutrina Guthrie:
“Uma crença antiga sobre a lei atribuía-a em última instância aos deuses. O legislador ou criador humano da constituição (cuja existência não se negava) era apenas o canal pelo qual os mandamentos do céu se tornavam conhecidos e eficazes. No poema de Tirteu (séc. VII, fr. 3 Diehl), a constituição de Licurgo para Esparta foi ditada em detalhe por Apolo em Delfos. Mais tarde, tendeu-se a dizer que Licurgo fez a constituição, mas foi a Delfos para ter a segurança de que o deus a aprovava... [Osório diz: o início da besteira de incluir deus na história].
As leis cretenses por sua vez foram, como se disse, obra de Zeus (Platão, Leis, no iníc.). Mesmo Clêistenes, fazendo suas reformas democráticas no fim do séc. VI, recebeu os nomes de suas novas tribos de Pítia (Artist. Ath. Pol. 21-6). [Osório diz: como ficam as maldades não vistas pela lei? Deus cochilou? As lacunas legais, sempre existentes, matam isso!].
Pelo séc. V, uma natureza impessoal tinha substituído nas mentes de alguns homens os deuses como poder universal que produziu a ordem inteira de que os homens são uma parte. Para outros, como Hípias, ambos podem existir confortavelmente lado a lado, e Eurípides, quando fala em linguagem pré-socrática da “ordem perene da natureza imortal”, e alhures em sua poesia, manifesta o desejo de vê-los unidos. Quando, pois, como vimos, ganhava terreno a idéia de que a lei é instituição meramente humana visando a ir ao encontro de necessidades determinadas, com nada de permanente ou sagrado em si, ela pôde ser contraposta ou à ordem divina ou à ordem natural ou a ambas. Dentro desta contraposição, costuma-se dizer que o ato de legislação resultou de um acordo ou contrato (syntheke) entre os membros da comunidade, que “puseram juntos”, compuseram, ou entraram em acordo sobre certos artigos. [Osório diz: a lei é fragmentária] [Osório diz: origem da lei!! MUITO BOM!].
Os relatos de Protágoras não contêm a palavra "contrato", mas, quando os deuses são afastados de sua parábola (como em vista de seu agnosticismo devem ser), descrevem-se os homens perecendo por lhes faltar a arte de viver juntos em cidades e aprendendo por dura experiência a agir justamente e respeitar os direitos dos outros, e fundando assim comunidades políticas. Trata-se de questão de "autodomínio e justiça" (Prot. 322e). Protágoras, disse Ernest Barker, não era "nenhum crente na doutrina de contrato social". Em parte se o deve à convicção errônea de Barker ter "concebido o Estado como ordenação de Deus, existindo jure divino, antes do que como criação do homem, existindo ex contractu", e em parte porque "um contrato que resulta numa unidade artificial mantida por leis artificiais logo se romperia ao se formar. Aquilo de que se precisa e é tudo, é... uma mente comum para perseguir um propósito comum de vida boa". Isto é verdade, mas implicar-se-á na teoria do contrato esta artificialidade?
Não estará certo Popper quando afirma que “a palavra ‘contrato’ sugere... talvez mais do que toda outra teoria, que a força das leis está na prontidão do indivíduo a aceitar e obedecer a eles”?
As virtudes morais que tornavam possível uma vida em comum (aidos, dike, sophrosyne) eram pré-condições necessárias para a fundação de uma polis, mas, uma vez que Protágoras não acreditava que as leis eram obras da natureza ou dos deuses, deve ter crido, como outros pensadores contemporâneos progressistas, que foram formuladas como resultado de um consenso de opinião entre os cidadãos que desde então se consideravam por elas vinculados. [Osório diz: BOM! Protágoras - nascimento e manutenção das leis].
Na "defesa de Protágoras", empreendida por Sócrates no Teeteto (167c), encontramos uma teoria que só se refere às condições presentes, embora não seja discordante com uma crença num contrato original no passado. "Quaisquer atos que possam parecer justos e convenientes a determinado Estado, são-no para este Estado enquanto neles crê; mas quando em caso particular eles são onerosos para os cidadãos, o sábio os substitui por outros que parecem ser benéficos". Este dito segue da doutrina de Protágoras do "homem como medida" (pp. 173ss abaixo), e, como diz Salomon, é um dito de fato e não normativo: aquilo sobre que uma cidade concorda, é justo para a cidade enquanto continuar a considerá-lo válido (nomitze — aceita-o como nomos) [Osório diz: BOM!]. O contrato tornou justo e certo para os cidadãos observar as leis até que sejam alteradas, ainda que a cidade possa prosperar mais sob leis diferentes. De modo semelhante, Aristóteles, mais tarde, distinguindo entre justiça natural e legal, equipara esta última com "justiça por acordo". 6 As primeiras palavras de Antífon fr. 44 A ("Digo que justiça consiste em não transgredir as leis e usos do seu próprio Estado") e a identificação de justo com legal por Sócrates em Xenofonte (Mem. 4.4.12, p. 106 acima) sugerem que esta concepção legal de justiça estava em voga entre os pensadores progressistas da época, e as várias conclusões tiradas dela estavam sob vívida discussão. Deixava aberta a questão se justiça assim definida era ou não "benéfica" (sympheron). [Osório diz: Sim, era! Pois beneficiava assim arguir até para modificá-la, se fosse o caso. Até a identificação de justo com legal poderia ser boa, se ele fosse um democrata! Mas não era!].
Dos teóricos gregos, parece mais provável que foi Protágoras que deu uma definição genética. Sua intenção não é fazer um relato histórico da origem da civilização, e sim responder à pergunta de Sócrates se a virtude política pode ser ensinada; e lhe é indiferente dar esta resposta na forma de argumento arrazoado ou de narrativa. Ademais, quando vem a narrativa ela tem sabor de conto de fada e muitos elementos míticos. Todavia ela assume tanto de teorias seriamente sustentadas da história, que, como seus sucessores do pós-renascimento, provavelmente manteve um pé nos dois campos [Tudo o que ele diz sobre o assunto no logos que segue o mythos é: "O Estado estabelece as leis, que são invenção dos bons legisladores de tempos antigos, e compele os cidadãos a governar e ser governados em conformidade com elas" (326d). [Osório diz: esse pensamento que levou Péricles a escolhê-lo legislador de Túrio?]]. Quanto aos outros que consideramos, Hípias, Antífon e Licófron, nossa documentação, na medida de seu alcance, não dá nenhum indício de propor uma teoria histórica da origem da lei, o que também não se manifesta no discurso contra Aristógeiton ou no Cálicles de Platão. A doutrina de Sócrates enfaticamente não é uma doutrina historicista. Somente Gláucon na Rep. 2 pretende dar relato histórico. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 127-129).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
82.5 – Lei e aristocracia.
Gilbert Romeyer-Dherbey leciona:
“Antífon opunha a fraqueza da lei à força da natureza. Crítias, que, como já vimos, exalta o esforço da formação voluntária em detrimento da espontaneidade natural, opõe a fragilidade da lei, que se pode tomar em todos os sentidos pela retórica, ao caráter que, quando presente em alguém, é inabalável. Um fragmento do Pirithoüs afirma-o claramente:
“Um caráter nobre é mais sólido do que a lei;
A este, com efeito, nenhum orador o poderá jamais alterar,
Enquanto que a ela, a pode maltratar muitas vezes,
Subvertendo-a dos pés à cabeça pelos discursos”. [Osório diz: a interpretação da lei].
Importa ver que o nomos, de que aqui se trata, significa a lei democrática, a resultante dos debates da Assembleia e que é votada pelo povo. O presente fragmento possui, assim, uma dimensão política e um alcance polêmico; pense-se nos ataques de Sócrates – cujo ensino Crítias seguia – contra o governo pela fava: as incertezas da lei traduzem a falta de caráter da massa flexível em todos os sentidos.
O caráter (tropos), se não pode pertencer à multidão, é porque é próprio de um indivíduo, homem superior que está acima das leis e que, portanto, não recebe a lei senão de si próprio. A. Battegazzore chega a dizer que, “na boca de Crítias, estes versos representam o prenúncio claro do golpe de estado de 403”. Quererá dizer que Crítias julga que a humanidade regressará ao que se virá a chamar o estado da natureza? – Não: a lei é necessária à sociedade, mas esta lei é a lei imposta pelo aristocrata, cujo caráter inflexível lhe garante a estabilidade. [Osório diz: o sobrinho dele, Platão, pensa assim também].
Deve sublinhar-se, finalmente, uma dimensão anti-sofística deste fragmento de Pirithoüs; Crítias contesta, implicitamente, a idéia, tão ao gosto de Górgias, da onipotência da palavra; o seu feitiço encantatório não pode nada contra um verdadeiro caráter, isto é, nada contra o querer esclarecido do homem nobre; a marca da excelência do tropos está mesmo em saber resistir-lhe. A quinquilharia da retórica só é boa para o povo.
A crítica da lei continua na famosa passagem do Sísifo, onde Crítias analisa a astúcia da religião que inventa deuses para conseguir de cada homem a sua auto-repressão. Este fragmento surpreendente parece uma resposta à análise antifoniana do respectivo valor da natureza e da lei. Antífon proclamava sem rodeios a superioridade da natureza, cujos imperativos são necessários, em relação à lei, cujas normas são convencionais, Crítias demonstra sutilmente que, por esta razão, a vida social não seria possível, porque a lei não pode vigiar continuamente o cidadão, e os maus então “agem às escondidas”. Ora, é preciso domar a hygbris humana. Crítias descobre então que a lei é mais forte do que pensava Antífon e que ela pode domar a natureza; um dia, com efeito,
“Um homem avisado e sábio de pensamento
Inventou para os mortais o temor dos deuses”.
(Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 112-114)
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
82.4 - Lei - legal e justo.
Ensina Kerferd:
“Mas tais teorias eram conhecidas no período que nos interessa aqui. Segundo Xenofonte (Mem. IV, 4.13), Hípias falava das leis como declarações escritas do que devia e não devia ser feito, em decorrência de acordos realizados entre os cidadãos de um Estado; mas depois ele passa a minimizar as obrigações que deles resultam. Sua própria opinião, como vimos, era que se deve preferir a natureza à lei, e que é a natureza a verdadeira fonte das obrigações humanas. No segundo livro da República, o irmão de Platão, Glauco, pretende declarar (358cl) o que é que os homens dizem que é a natureza e a origem da justiça. O que eles dizem (358e3ss.) é que, por natureza, praticar a injustiça é bom, e ser injustiçado é mau, mas que as desvantagens de sofrer a injustiça excedem as vantagens de infligi-la. Depois de provar ambas, portanto, os homens, que são incapazes de escapar de uma e alcançar a outra, decidem que lhes é mais vantajoso entrar em acordo um com o outro, tendo por base que nenhum mal deve ser infligido, e nenhum deve ser sofrido. Começaram, por conseguinte, a fazer leis e contratos por conta própria, e dão o nome de legal e justo ao que a lei prescreve. Essa é a origem e a natureza da justiça [Osório diz: legislação (lei) e justiça]. Não é diferente a posição esboçada no fragmento do Sísifo (DK 88B25), conforme a qual a ausência de recompensas e de punições para os bons e para os maus, no estado original em que os homens a princípio se encontraram, levou-os a estabelecer leis a fim de que reinasse a justiça. Embora o termo "acordo" não esteja incluído, a implicação aponta exatamente para essa base. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 252-253).
82.5 – Lei – a quem interessa.
Doutrina Guthrie:
“O uso de história e experiência ajudou a desenvolver um conjunto bastante diferente de padrões, não de bondade ou maldade morais tradicionais, mas simplesmente de sucesso e malogro, conveniência e não-conveniência... Nenhuma das normas eram absolutamente rígidas ou invariáveis: tinham sempre que ser adatadas a condições mutantes... As viagens de descobrimento... revelaram inúmeros sistemas diferentes de moralidade... A nenhum destes costumes, tão infinitos em teor e diversidade, podia-se atribuir "autoridade permanente". A ideia duma lei moral universal estava, portanto assim em declínio, e tornou-se pari passu mais credível considerar regras morais como meramente consuetudinárias e relativas, como tendo-se desenvolvido para ir ao encontro das necessidades de um povo particular em dados lugares e tempos. Com este modo de ver, o "interesse" era o que parecia subjazer a padrões éticos, atitude que logo se entregou a uma espécie hedonismo e interpretação utilitária.
Partilhou com Protágoras, Demócrito e outros da crença na evolução progressiva da humanidade por seus próprios esforços, que pensou que as leis não eram nem inerentes à natureza humana desde o início nem eram dons dos deuses, e a religião era mera invenção visando prevenir comportamento ilegal. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 61).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
82.3 – Lei – Justiça e justificação.
Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:
“Grote foi, sem dúvida, o primeiro a suspeitar que o Trasímaco do Livro I de A República não se coadunava com o Trasímaco histórico. Apoia-se no fato de que a exaltação da violência que Trasímaco opõe exaltadamente às teses de Sócrates não teria sido aceite por um auditório ateniense; também o elogio da tirania que pronuncia teria fortemente chocado a opinião pública da democrática Atenas e não teria sido tolerado.
“A Sofística consiste, na verdade, em viver dominando os outros em vez de os servir, como queria a lei”. (Leis, 890a). Encontramos, portanto, nas análises de Platão uma sistematicidade que fazem dos textos do Górgias e de República I uma demonstração anti-sofística e não um testemunho histórico [Osório diz: excelente observação].
O testemunho de República I não deve, no entanto, rejeitar-se em bloco; o que é necessário tentar determinar é o momento em que intervém exatamente a distorção platônica. Temos, felizmente, um fragmento de Trasímaco sobre a justiça que não é tirado de A República, mas de um discurso do sofista, em que diz isto: “os deuses não olham para as coisas humanas; com efeito, não deixariam de se preocupar pelo maior dos bens entre os homens – a justiça. Ora, vemos que os homens não a praticam” [Osório diz: esse fragmento é um milagre!]. Trasímaco verifica, não sem profunda amargura, que o mundo, como vai, está abandonado por Deus e que a justiça não reina como soberana na realidade de todos os dias. Já antes de Sade, verificou as infelicidades da virtude e as prosperidades do vício e sente-se o eco do seu próprio desânimo numa passagem de A República: “Ó ingênuo Sócrates, não tens mais do que ver que o homem justo fica em todo o lado em desvantagem relativamente ao injusto”. Mas Trasímaco vai mais longe ainda, e é isto que provoca o sobressalto de Platão. Dedica-se, como Antífon, como Lícofron, como Alcidamas, a uma acerba crítica do nomos, a uma verdadeira desmitificação da lei que, longe de servir de muralha contra a injustiça, como se julga, se encontra contaminada por ela e pervertida; a lei é instrumento do poder e não o enunciado racional que pretende ser. É por isso que é sempre, de fato, partidária e não respeita a neutralidade que a justiça exigiria no sentido não político do termo, que se opõe à justiça legalista [Osório diz: para que serve e a quem serve a lei] que Trasímaco define assim:
“Todo o governo estabelece sempre as leis no seu próprio interesse, a democracia, as leis democráticas; a monarquia, leis monárquicas e os outros regimes a mesma coisa; depois, feitas estas leis, proclamam como justo para os governados o que é o seu próprio interesse e, se alguém as transgride, castigam-no como violador da lei e da justiça. Eis, meu excelente amigo, o que pretendo dizer sobre a justiça uniforme em todos os estados: é o interesse do governo constituído. Ora, é este poder que tem a força; donde se segue para todo o homem que sabe raciocinar que por todo o lado é a mesma coisa que é justa, quero dizer, o interesse do mais forte.” [Osório diz: para que serve e a quem serve a lei]
A lei tornou-se a expressão da própria injustiça porque é violência feita ao indivíduo e instrumento da vontade de poder dos homens no poder; ela já não pode ser o que era outrora, a garante da moralidade. A consciência atormentada de Trasímaco ataca a boa consciência que sempre legitima os regimes em presença; o sofista dá a sua palavra ao espírito do tempo num período de crise profunda e de desânimo. Trasímaco procura a justiça e não depara senão com a justificação, isto é, o esforço por legitimar, já tarde, um poder de fato, em síntese, para transformar uma força em direito [Osório diz: o esforço por legitimar!]. Os poderes estabelecidos produzem não normas, mas normalizações, o aparelho dos códigos e leis encobre interesses particulares camuflados com o interesse geral. A forma da justiça que o pensamento crítico de Trasímaco quer atingir é a justificação.
Estamos já em condições de dizer onde intervém exatamente a distorção platônica ou, como escreve E. L. Harrison a “manipulação” de Trasímaco na República I. Trasímaco denuncia um estado de fato, de que a amargura dos seus juízos prova bem que ele não se alegra, e Platão finge acreditar que transforma este fato em direito, e se faz campeão do direito do mais forte, até fazer a apologia da tirania. Ora, não possuímos o menor fragmento de Trasímaco em que este justifique a força; temos, pelo contrário, um fragmento em que este trata com um grande desprezo o tirano da Macedônia, Arquelau: “Nós, Gregos, serviremos de escravos a Arquelau um bárbaro?” Platão acaba por fazer de Trasímaco o justificador da justificação, quando este foi precisamente o denunciador apaixonado. Trasímaco desespera da política; a oposição de Platão não tem talvez outra fonte, já que toda a sua obra é um credo a favor de uma solução política da crítica ateniense, solução de que A República precisamente constitui a carta. Para ele, a justiça pode triunfar mesmo ao nível do fato e mostrar-se mais forte do que a injustiça; ela é uma necessidade do mundo, e a sua eficácia prática deve ser reconhecida pelo próprio homem injusto, como o demonstra Sócrates com um argumento célebre: “Julgas que um Estado, um exército, um grupo de salteadores, de ladrões, ou qualquer mau intento poderiam ter um mínimo de êxito, se violassem entre si as regras da Justiça?” [Osório diz: o que essa afirmativa prova é que o ladrão também é justo, já que obedece as regras de justiça do seu grupo ou entre o seu grupo, como demonstra a “justiça entre si”! Ademais, se todos, inclusive os ladrões, obedecem a justiça (mesmo entre si), por que lutar pela obediência de todos à justiça? Contradição total!] Não há que desesperar do nomos que pode ser bom, já que é obra da razão [Osório diz: como se a razão somente produzisse o bem! O que desmente, também, a afirmativa socrática de que o homem somente faz o mal pensando que faz o bem! O homem é mais safado que a própria safadeza]. Platão identifica ética e política [Osório diz: como Parmênides identificava dizer e ser. (Parmênides não pode servir à tese de Protágoras/Antístenes? Nunca há contradição)]; quer fazer política ética e uma ética política. Pelo contrário, Trasímaco foi, sem dúvida, um dos primeiros a opor tão nitidamente a ética à política e a dissociá-las; aqui está a origem do seu descontentamento e também da sua atualidade. Trasímaco terá encontrado, como Antífon e Hípias, na natureza a norma universal capaz de ultrapassar as leis partidárias das inumeráveis e minúsculas Cidades-Estados da Grécia antiga? Não possuímos nenhum fragmento seu que vá neste sentido. Trasímaco descobriu o lugar em que a ética se poderá conservar quando desertar da cidade? Quando o campo do político se encontra inteiramente dominado pela imoralidade, a justiça conserva efetivamente um refúgio: a consciência do indivíduo; esta consciência deve poder definir-se como interioridade ética e constituir o abrigo do valor injuriado. Se os Sofistas são os descobridores do indivíduo e dos seus direitos, chegaram – com Trasímaco – a defini-lo como interioridade ética? Sem dúvida que não, porque se o lado negativo do pensamento de Trasímaco, a crítica da lei política, estivesse aliado a um lado positivo, a interpretação platônica do seu pensamento não teria sido possível. Trasímaco ficou sem dúvida no momento do divórcio entre a ética e a política; o pensamento da interioridade não estava maduro, daí o seu pessimismo, o seu desespero.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 72-75).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
82.2 - Lei e sua origem divina.
Ensina Kerferd:
“Heráclito de Éfeso, talvez por volta de 500 a.C., depois de censurar a insensatez e a cegueira da maioria dos homens, que os levavam a viver como se tivessem, cada um, a sua própria compreensão particular, argumentava que todas as leis humanas são alimentadas por uma lei divina, e que era a esta que eles deveriam obedecer (combinando DK 22B2 com 114, conforme Marcovitch, Heraclitus Mérida, 1967, fr. 23).
Ao apelar das leis ordinárias para uma realidade superior, Heráclito estava apelando daquilo que varia e é sujeito a mudança e a impugnação, para o que era permanente, imutável e não sujeito a impugnação. Estava, de fato, procurando alguma coisa da qual derivar as leis humanas e, no processo, justificar algumas delas, enquanto rejeitava outras como não estando de acordo com a lei superior. Por implicação, estava também provendo um critério ou padrão à luz do qual as leis ordinárias pudessem ser corrigidas ou melhoradas. Historicamente foi isso que aconteceu, quer Heráclito compreendesse ou não que era isso que estava fazendo [Osório diz: dessa ideia surgiu “o mundo das ideias de Platão”! Originalidade!]. Tudo isso foi bem entendido por Aristóteles, que escreveu na Retórica (137b4-ll):
Há dois tipos de lei, a particular e a comum. Por leis particulares quero indicar aquelas determinadas por cada povo em relação a si mesmo; e essas, de novo, são divididas em escritas e não-escritas; por leis que são comuns refiro-me às que estão de acordo com a natureza. Pois, de fato, há uma ideia comum do que seja justo e injusto de acordo com a natureza, que todos os homens adivinham até um certo ponto, mesmo que não haja nem partilha nem acordo entre eles. É isso o que Antígona, em Sófocles, evidentemente quer dizer quando declara que é justo, embora proibido, enterrar Polínice: que é naturalmente justo.
Na realidade, em Antígona, a natureza não é mencionada como um critério de justiça — Antígona apela é para as nomina divinas contrastadas com as leis determinadas entre os homens; é Aristóteles que, aqui, iguala a lei comum, universal, ao que é justo por natureza. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 192-193).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
81.1 – Leis – escritas ou não-escritas – origem.
Afirma Guthrie:
“O sentido de physis emerge de um estudo dos pré-socráticos. Pode-se traduzir seguramente por “natureza”, … pressupõe um sujeito agente – que crê, pratica ou divide – uma mente de que emana o nomos. …
Aparece também nas "leis não-escritas" da Antígona de Sófocles, que são divinas e perpétuas e que nenhum mortal pode desafiar com sucesso, como Crêon aprende muito tarde (v. 1113; sobre "leis não-escritas" veja pp. 112ss abaixo). Mas quando se alui [Osório diz: “tirar a solidez à base de”] a crença nos deuses, e não há mais "moeda corrente" (nomisma),5 não mais existe esta autoridade universal para o nomos. Então a frase "lei não-escrita" toma significado novo e mais sinistro, apropriado ao realismo da idade.
[Osório diz: Leis não-escritas: (a) inicialmente, eram as “leis não-escritas” emanadas dos deuses e, assim, tal qual estes, divinas e perpétuas, logo não poderiam ser desafiadas com sucesso por nenhum mortal. Aqueles que a desafiavam sofriam castigos. (b) depois mantêm-se a denominação (leis não-escritas) mas muda-se a fonte da qual elas originavam. Abandona-se os deuses como autores das ditas leis].
Eurípedes outro porta-voz do novo pensamento...
“A lei”, escreveu Aristóteles …“não tem nenhum poder para compelir à obediência a não ser a força do costume”. [Osório diz: o autor certamente, fala da eficácia pela obediência espontânea. Depois se evoluirá para a obediência pela imposição pela autoridade constituída, imposição estatal].
Na sociedade primitiva (…) o próprio costume tem força vinculante [Osório diz: sim, mas a penalidade a ser aplicada ao descumpridor da lei é apenas moral. Não há condenação a prisão ou a pagamento de multa, por exemplo]. Só se torna necessária codificação em fase bastante avançada de civilização [Osório diz: quando o grupo se expande, os costumes aumentam e a escrita se faz presente e a necessidade de dar conhecimento é premente].
“A distinção entre o que é legalmente obrigatório e o que é moralmente certo era de muito menor precisão entre os gregos do que entre nós” [Osório diz: havia confusão ente o legal e o moral, mas a condenação moral, como até o presente, não preocupa muito, ou em nada, os violadores, pois a reprimenda é apenas o olhar enviesado do vizinho, que pode mudar de idéia com um convite para um belo jantar regado a suaves bebidas].
Lei escrita e lei não-escrita.
A crítica da lei, e da concepção legal de justiça e direito, em favor da assim chamada "natureza" ou “liberdade”, quase sempre tem dois lados. Pode ser egoísta e brutal, como a vimos em sua forma caliclesiana, ou, de outro lado, pode ser inteiramente bem intencionada, pois nas palavras de uma autoridade moderna que se descreva como um "anarquista moralizante" (não má descrição de Antífon?):
Não podemos sustentar a complacente crença positiva de que só a lei do Estado é lei propriamente dita... Sabemos que a lei pode ser usada como instrumento de política... Ouvimos falar e podemos ter encontrado as vítimas de leis que são opressivas, brutais e degradantes. Cremos que... os Direitos Humanos podem estar acima da lei positiva [A. H. Campbell, “Obligation and obedience to law”, em Proc. Brit. Acad. de 1965. A maioria das questões que ele propõe aparece no debate ético do séc. V e seria interessante tê-las em mente enquanto o pesquisamos. Estabelece como seu tema principal a questão: Existe obrigação moral de obedecer a toda norma da lei, precisamente porque ela é lei? Entre as perguntas que lê faz estão estas:
1. Pode existir segurança sem moralidade comum? (Ele argumenta contra a resposta negativa de Devlin, que foi também a de Protágoras, p. 77 acima).
2. Se assim é, significa isso que a existência de opinão comum, que é o que os que advogam parecem significar por “moralidade” (é um lado do que os gregos significavam por nomos), justifica sua sanção social?
3. Pode-se descobrir um estoque comum de idéias de certo e errado, e, se se puder terá os mesmos limites da jurisdição de um sistema legal? (Em termos gregos, nomimom igual a dikaion?).
E ele estabelece que:
1. Desaprovação de minha conduta por outros não prova que estou errado, e menos ainda que mereço punição criminal. (p. 111)
2.”Moralidade” (= opinião pública, isto é, nomos) pode ser diferente em diversos lugares e tempos. Ele cita como exemplos os valores morais dos Planaltos do Oeste em comparação com os de Londres, a assim chamada “nova moralidade” do sexo, corrente da década de 60. (Cf. p. 21 com n. 4 acima).
3. A lei pode proibir o que eu penso ser benéfico, e também permitir ou mandar o que eu penso ser errado.
A conferencia de Campbell foi inspirada por Devlin em “The enforcement of morals”, originalmente em Proc. Brit. Acad. de 1959. No mesmo ano em que se publicou, porém, Devlin republicou o seu próprio com seis outros, levando em conta as críticas que levantara e que enumera na bibliografia (The enforcement of morals, 1965).]. [Osório diz: Muito bom!] [Osório diz: as leis de Hitler e Stalin eram o lei?]
(…)
De modo semelhante, diz-se de Antístenes, aluno de Górgias (p. 282, n. 88, abaixo), que se tornou devotado seguidor de Sócrates, que sustentou que "o sábio em sua atividade como cidadão será guiado não pelas leis estabelecidas, mas pela lei da arete". [Osório diz: seguidor de Sócrates... muito bem! Mas com quem ele aprendeu isso?].
Esta defesa altruística de physis contra nomos pode ter várias aplicações. Pode dar e de fato deu nascimento a idéias de igualdade, de cosmopolitismo e de unidade do gênero humano. Havia agora pessoas (das quais um era Antífon, v. 143 abaixo) disposta a declarar que distinções baseadas em raça, nascimento nobre, status social ou riqueza, e instituições como escravidão, não tinham nenhuma base na natureza, mas existiam somente por nomos. Estas eram idéias revolucionárias de incalculável potência, e merecem ser tratadas independentemente. [Osório diz: ideias que eram diametralmente opostas às defendidas por Platão, não é senhor autor?]
O que vemos neste período é o nascimento do conceito de lei natural como mais tarde foi entendida por pensadores desde os Estóicos a Rousseau [a formulação historicamente importante e influente do conceito aparece pela primeira vez em tempos pós-aristotélicos, sobretudo na Stoá, mas pode-se considerar primeiro a época dos sofistas, porque foi então que pela primeira vez se propuseram questões de forma aguda e urgente que dizem respeito à lei natural e preparam o caminho para sua formulação (Cf. Salomon, Savigny-Stif. 1911, 129ss).].
O primeiro uso do termo atual (pelo Cálicles de Platão, p. 100 acima) talvez tenha sido infeliz, e uma associação verbal de "leis não-escritas" com physis só ocorre, entre fontes sobreviventes, em autores do séc. IV. [Osório diz: Platão comete uma infelicidade! Que estranho!].
Falando da propriedade de punir crime deliberado, mas não erro involuntário, Demóstenes diz (De cor. 275): “Isso não só será encontrado nas leis [positivas], mas a própria natureza o decretou nas leis não-escritas e nos corações dos homens”. Aristóteles primeiro equipara leis não-escritas com leis universais, e depois chama as leis “de acordo com a natureza” (Rhet. 1368b7, 1373b6, 11375a32). Mas os defensores do séc. V das leis não-escritas estavam eles ao mesmo tempo do lado da physis contra os limites e erros dos nomoi positivos.[Osório diz: Esta a razão da briga deles! É que a Lei, que inicialmente igualou os homens, depois, com a retomada da sua prerrogativa em fazê-las pelos algozes, passou a escravizá-los].
Hípias (…) no Protágoras de Platão, ele louva a physis como destruidora das barreiras que o nomos erigiu entre o homem... e Xenofonte... apresenta-o questionando a equiparação de justiça com observar a lei, com base em que as leis não passam de acordos temporários que não se podem levar a sério, porque são amiúde rejeitadas e emendadas pelos mesmos homens que as fizeram. Sócrates, tendo respondido a seu argumento, continua perguntando se ele conhece também as leis não-escritas. Ele conhece, e as designa (como Aristóteles depois dele) como as que são observadas em todo país. Uma vez que todos os que as observam não podem eventualmente ter-se encontrado, e não falavam a mesma língua se se encontraram, elas devem ter sido feitas pelos deuses [Osório diz: Não! Pelos homens em suas iguais necessidades] e honrar os pais. Quanto a evitar o incesto e ao dever de retribuir ao beneficio ele está em dúvidas, uma vez que estas leis não são observadas universalmente [Vale lembrar que Hípias pode ter crido na unidade do gênero humano (pp. 151s a). O incesto era repugnante aos gregos, e sua prática entre povos não-gregos era considerada prova de sua raça barbaridade. Hermião tem intenção de fazer insulto cruel ao lembrar a Andrômaca sua raça, uma acima) em cujo seio pais e filhos, irmão e irmã têm relações sexuais, "e nenhuma lei o proíbe" (Eur. Andr. 173- 6). Sócrates fala como se só se tratasse de transgressões ocasionais de uma lei por indivíduos, mas Hípias sabia que havia sociedades inteiras em que não existia esta lei. [Osório diz: Bingo! Sócrates erra!!!!!!!]. ], mas Sócrates argumenta que dizer que uma lei às vezes é transgredida não é nenhuma desaprovação de sua validade, e sugere novo critério: a transgressão de leis feitas por homens pode escapar de punição, mas das leis divinas nunca [Osório diz: Platão palhaço! Cria-se o círculo: a lei é divina mas não protege a si mesma. Chega sempre atrasada! O agressor tem os mesmos direitos da vítima. Se for violada sem testemunhos, já era! Se o advogado for esperto, idem!]. As duas em questão passam por este teste (afirma ele) porque o incesto é disgênico e a ingratidão leva à perda dos amigos. É manifesto que estes argumentos aplicar-se-iam igualmente a um mundo governado, não pelos deuses, mas por uma natureza impessoal, e, com efeito, Antífon fez a mesma observação sobre a punição, que para uma transgressão de decretos da natureza é inevitável, mas não para o ordinário transgressor da lei.
Antígona, 450ss [Levi também segue Dümmler (M. 255) e Bignone (Studi, 132, n. 1) na curiosa idéia de que Xenofonte pôs muito da doutrina de Hípias nos lábios de Sócrates. O capítulo de Dümmler é em partes edifício bastante fantástico de hipóteses construídas sobre hipóteses (Ad. Levi, Sophia, 1942, 450, n. 13).].
Não é fácil para nós, com diferente tradição teológica [Osório diz: que podíamos transcender, pelo menos tentar], entender o lugar no pensamento grego dos poderes divinos, que podiam ter nomes e caracteres pessoais e poderiam igualmente ser o que classificaríamos como abstrações: Necessidade, Persuasão, Justiça. Para muitas de suas mentes mais reflexivas era indiferente se alguma força beneficente se atribuía a uma divindade ou simplesmente a processos naturais. Já vimos como o mesmo relato de progresso humano se referia indiferentemente à atividade de Prometeu ou da necessidade, da experiência e do tempo.
Hípias não veria, portanto, nenhuma consistência em contrapor leis positivas e leis divinas, e em dizer, em outra ocasião, que “a lei é um tirano que com freqüência faz violência à natureza” (Platão, Prot. 337d) [Para um bom exemplo de equiparação de leis naturais com divinas v. Hipócr. De victu II (VI, 486 L.): Os homens promulgaram nomos para si mesmos, mas a physis de todas as coisas foi ordenada pelos deuses. O que os homens promulgaram, certo ou errado, nunca é constante, mas o que os deuses promulgaram é certo para sempre. (Sobre a data do De victu v. Kahn, Anaximander, 189, n. 2). Isto com certeza não se restringe ao mundo antigo. Locke em seu segundo tratado, § 135, diz que a legislação "deve conformar-se com a lei da natureza, isto é, com a vontade de Deus de que aquela é uma declaração". [Osório diz: talvez os deuses da época não fossem tão tolerantes] ]. [Osório diz: as leis sempre são perfeitas? Inclusive as que condenaram Sócrates?].
Nos poetas trágicos, como é apropriado, as leis não-escritas soa inequivocamente de origem divina, as “ordenações não-escritas dos deuses” em cujo nome Antígona desafia o poder do rei Crêon. [Osório diz: e se dana!].
Em Sófocles de novo, um coro de Oedipus Tyrannus (863ss) fala de santidade em palavras e atos "porque as leis são decididas no alto, levadas à vida no ar claro dos céus, cujo pai é somente Olimpo, pois nenhum homem mortal 144 as concebeu... [Osório diz: isto é crença, não razão!].
Metaforicamente, pode-se dizer que estas leis não-escritas foram "escritas pelos deuses, como quando Íon no drama de Eurípedes censura Apolo por seu pecado contra uma mulher mortal (440ss): como pode ser certo para os deuses, que escreveram as leis para os mortais, desobedecerem eles mesmos a elas? Em Ésquilo, o respeito pelos pais (citado como uma das leis não-escritas na conversa entre Sócrates e Hípias) [Osório diz: Mas, para que um pai seja honrado pelos filhos ele também não deve honrá-los? Penso que é o mesmo princípio! E mais, é a velha máxima: a lei é feita para os outros!].
Honra [sobre que George Thomson acertadamente comenta que "escritas nos estatutos da Justiça" é apenas outra maneira de dizer que elas são não-descritas nos estatutos de legisladores mortais (Oresteia, II, 270) (Suppl. 707,). Cf. o deltographos phren de Hades em Eum. 275. A longa nota de Thomson em Eum. 269-72 é excelente, e devo algumas de minhas referências a ela. Observe somente (p. 269) que, na conversação entre Sócrates e Hípias, é Hípias, e não Sócrates, que argumenta que as leis não-escritas podiam não ter sido feitas por homens e devem, portanto, ser obra de deuses.]
Às leis especialmente as que visam à proteção dos oprimidos
Transgridem [Gomme menciona, como diferença entre Sófocles e Péricles, que para o último a lei não-escrita dificilmente era divina. Mas seus ouvintes certamente acreditavam que era divina, e ele falava de modo que entenderiam. Para comparação entre a Antigona e o epitaphios de Péricles, v. Ehrenberg, S. and P. 28-44, e a crítica dele em Gomme, loc. cit. Outra diferença entre Sófocles e Tucídides, diz Gomme, é que para o primeiro a lei não-escrita é universal, ao passo que Tucídides "provavelmente" pensa apenas nos nomima gregos. Para os gregos esta distinção era obscura: a mesma lei, que mandava sepultar os mortos, é chamada ton Panellenon nomon e nomima theon em Eur. Supplices (526 e 19). O fato é que até o séc. V os gregos ignoravam em larga medida o mundo bárbaro: "o mundo" era o mundo grego e os "deuses" eram os deuses gregos.].
As leis não-escritas geralmente reconhecidas eram as que impunham reverência aos deuses, respeito pelos pais, reconhecimento dos benfeitores, e também hospitalidade para com os estrangeiros. [Osório diz: eis um código de leis não escritas!].
Thomson notou o surpreendente paralelo entre o trecho do orador "de que se desconhece o autor" e as palavras de Antígona sobre leis não-escritas, de que "ninguém sabe de onde vêm” [Sinto-me inclinado a questionara visão de Ehrenberg desta passagem quando ela o leva a dizer que para Péricles "mesmo as leis sagradas de Elêusis não formavam parte de um mundo divino em contraste com uma ordem feita por homens" (S. and P. 47).].
A opinião de Platão sobre a democracia, na forma degenerada e extrema em que leva à tirania, é que as pessoas "desrespeitam todas as leis escritas e não-escritas, em sua determinação de não ter nenhum senhor sobre elas" [hino de medame medeis autois he despotes, provavelmente lembrança deliberada do orgulho de Damarato pelos grandes dias da Grécia: epesti gar sphi despotes nomos (p. 70 acima) (Rep. 563d,). Hirzel aponta para esta passagem de Platão como contradição direta ao eulógio de Péricles da democracia anterior, mas Platão fala de Estado em que o ideal democrático de liberdade atingiu o estágio de aplestia que é uma ruína. Não há nenhuma alusão de que Atenas tenha alcançado este stágio nos tempos de Péricles, antes do nascimento de Platão. [Osório diz: o autor e a eterna justificação de Platão]]. [Osório diz: Na tirania, que Platão tanto admira e trabalha por ela, esse descumprimento é privilégio de poucos!].
“Leis dos antepassados” [agrapha nomima e patrious nomous. Embora nomima possa ser um termo mais vago que nomos, é óbvio que podiam às vezes ser usados intercambiavelmente. Cf. nomima theon em Eur. Suppl. 19 com tons theon nomous em SoLAjax 1343 (ambos se referindo ao sepultamento dos mortos), e as variações em Dem. 23 (In Aristocr.), 61 e 70. Dizendo que eles não devem ser chamados nomoi, Platão lembra sua observação em 788a que a educação das crianças é assunto de instrução e admonição antes que de lei. [Osório diz: quando é um sofista que usa termos intercambiavelmente, o mundo cai!] ].
Sociedade política, [“Sociedade não é algo que se mantém unida fisicamente; é mantida pelos laços invisíveis do pensamento comum. Se os laços fossem muito soltos, os membros se separariam. Uma moralidade comum é parte do conjunto de laços. E este conjunto de laços é o preço da sociedade; a humanidade que precisa da sociedade, deve pagar o seu preço”. (Existe também algo de Protágoras aí) (Cf. Devlin, E. of. M. 10). Para Platão, desmoi eram necessidade, para Antífon, pesadelo (fr. 44 A, col. 4). [Osório diz: o preço a ser pago pela vida em sociedade]].
Entrega ao sexo em público é um exemplo da espécie de coisa que Platão sugere que se deva desencorajar por "leis não-escritas", habituando os cidadãos a um senso de pudor, mais do que por proibição legal (Leis 841b); e (como o Sócrates de Xenofonte) ele cita incesto como num caso em que lei não escrita deste tipo já é adequada intimidação (ib. 838a-b). [Osório diz: Mas como se muda a lei da cidade sem desobedecê-la?].
Aristóteles ataca o assunto com seu gosto característico de classificação [Osório diz: o tarado da classificação]. Ele primeiro, na Retórica 1, c. 10 (1368b7), divide a lei em particular e universal: “particular” é a lei escrita de determinado Estado, e a “universal” abrange tudo o não-escrito, mas sobre que todos estão de acordo. Depois no capitulo 13, após a mesma inicial (1373b4) em particular e universal (e uma equiparação de lei “universal” com lei “natural”), passa a dividir as próprias leis de determinado Estado em escritas e não-escritas. Afirme-se a esta altura que o objeto do capítulo é classificar ações justas e injustas. A divisão das leis é subordinada ao fim, porque ações justas (p. 116) e injustas “foram definidas com relação a duas espécies de lei” [Na Ética Aristóteles argumenta que existe uma forma natural e uma legal de Leis justiça política. Alguns, diz ele, duvidaram da existência de um ~sei dikaion, porque o que é natural é constante (fogo queima em toda parte e sempre), ao passo que ta dikaia kinoumena CâÈõân (1134b18ss). Há as dúvidas da era sofista questionando as certezas de um Sólon ou de um Esquilo. Aristóteles opõe-se a elas com argumento um tanto obscuro e insatisfatório, refletindo o conflito entre platônico e sofista em sua própria mente e terminando falhamente com a afirmação de que há "uma só constituição natural saber, a melhor” Backer tem comentário interessante, mas provavelmente supersutil, sobre esta passagem em sua introdução à Natural law de Gierke (XXXV).]. A lei da natureza existe porque “Há realmente um conceito natural e universal de certo e errado, à parte de qualquer associação ou aliança”; e ele cita como exemplo a famosa pretensão de Antígona e Empédocles fr. 135. Há, pois (1374 a18), duas espécies de certo e errado moralmente, um exarado por escrito e outro não, e a segunda é novamente divida em (a) virtude e vício além do que a lei estabelece, que se saúdam respectivamente com elogios, honras e condecorações, ou com censura e desapreço (isto é, recompensas e penalidades não-legais; exemplos dos primeiros são gratidão e retribuição de benefícios e prontidão em ajudar os amigos), (b) atos que, embora possam ser objetos de lei positiva, são por esta omitidos em vista da impossibilidade de acolher toda variedade de casos no quadro de regras gerais: aí o que é escrito é mera suplementação do que é. É conhecido como equidade (ta epieikes).
O zelo de tudo reduzir a uma forma classificada ou tabulada é sempre perigoso, e Aristóteles não escapou de suas ciladas. Como frisou Hirzel, as divisões são inconsistentes, e as passagens no cap. 10 e nos caps. 13-14 talvez formem parte de diferentes discussões. Todavia, embora haja duas espécies de lei não-escrita, elas não são contraditórias, e Aristóteles defendeu os dois modos de ver: (a) os nomoi de uma comunidade particular são tanto escritos como não-escritos, os últimos (baseados em seus costumes e tradições) não contradizem, mas suplementam os primeiros; (b) “leis não-escritas” significam também leis naturais universais como na Antígona e em Demóstenes. [Osório diz: a dele é a boa!].
Lembre-se que Aristóteles escreve um manual de retórica, baseado em manuais anteriores [Osório diz: Platão não faria o mesmo? E aquele autor que diz que ele copiou Protágoras?]. Não visa a fazer ver que a lei eterna da natureza prevalece, mas mostrar como um advogado pode jogar com as noções de lei escrita e não-escrita que melhor convier ao seu caso. Assim no cap. 15 ele continua mostrando como às teorias que expôs se pode apelar na prática. Se a lei escrita está contra ele, o advogado deve apelar à lei universal, insistindo em sua maior equidade e justiça. As palavras de juramento de um jurado, “segundo minha opinião honesta” [Osório diz: onde estão as opiniões desonestas?], significam que ele não seguirá como escravo a lei escrita. A lei universal é a lei da equidade, a imutável lei da natureza, ao passo que as leis escritas são instáveis [Bignone (Studi, 129, n. 1) vê nestas palavras clara reminiscência de Antífon. Pode também ser de Hípias ou de outros, mas pelo menos sua observação é prova ulterior, se fosse necessária, de que Aristóteles simplesmente repete noções já familiares no apogeu dos sofistas [Osório diz: e as de Platão?]. Hirzel (Agr. nom. 8) acha difícil entender como Aristóteles pôde dizer aqui de to epieikes que aei menei kai oudepote metaballeí em vista de variedade que antes lhe descrevera. E espantoso como estudiosos anteriores parecem ter analisado solenemente esta passagem como afirmação séria das idéias de Aristóteles, ao passo que é um par de antilogiai de contraste para gêrÁusada como o exigira ocasião nos interesses de vitória nos tribunais (Skemp é uma exceção, Plato's statesman, 198). Sobre a noção de epieikes v. Cope, Introd. to Rhet. 190-3. [Osório diz: autor canalha! Quando é contra os sofistas vale tudo, tudo pode!]]. Ele citará a Antígona, e declarará que as leis escritas não cumprem o verdadeiro propósito da lei, e assim por diante. Se de outro lado a lei escrita apóia o seu caso, explicará que o juramento do jurado não significa absolvê-lo de seguir a lei, mas apenas livrá-lo da culpa de perjúrio se ele a entende erroneamente; que ninguém escolhe o bem absoluto, mas só o bem para si ["Sc. e nossas leis escritas que foram feitas para nós, podem não alcançar o ideal abstrato de perfeição, mas elas nos convêm melhor do que se alcançassem" (Rhys Roberts, Oxf. Transi. ad. loc).]; [Osório diz: nem o infalível Sócrates? Argumento forte e o argumento fraco, de Tercio Sampaio Ferraz Jr.] que não usar a lei é tão mau como não ter nenhuma; e que não paga a pena tentar ser mais experto que o doutor.
Os gregos contribuíram para a subordinação inescrupulosa de conceitos éticos à conveniência do momento. … [Osório diz: dentre eles, Aristóteles, como se viu].
[Osório diz: Guthrie está afastando-se dos sofistas. Para mim pareceu, em princípio, que ele ia fazer um julgamento senão de defesa do movimento, pelo menos de honestidade intelectual! Achei que ele praticou estelionato, em especial pelo título e o volume de sua obra].
Para Hesíodo, a justiça baseava-se na lei de Zeus, e, para Heráclito todas as leis humanas eram emanações da divina (p. 57 acima), e Empédocles pôde falar (fr. 135) de uma lei para todos “que se estende pela vastidão dos ares e pela luz imensa dos céus”. Vê-se melhor seu fundo religioso nas palavras de Sólon no fim do séc. VII. Ao que dão os deuses imortais nenhum homem pode escapar. Prosperidade baseada em má conduta é inevitavelmente insegura, pois Zeus é guardião da lei moral. Cedo ou tarde virá o golpe, embora Zeus possa ser tardo em punir e os sofredores possam ser os filhos de ofensor. [Osório diz: Zeus, se for assim, é um FDP! Se iguala aos traficantes colombianos, que matam os filhos para que o pai pague o que debe!].
Vários estudiosos frisaram que nesta passagem “a vingança de Zeus cai com o peso e a inevitabilidade de um fenômeno natural”, que “Sólon nos dá nossa primeira insinuação da legalidade da natureza”.
A democracia restaurada no fim do séc. V decretou que "o magistrado não deve usar em nenhum caso de leis não-escritas", que as leis devem tratar todos os cidadãos igualmente sem distinção, e que devem ser expostas em público para que todos possam ver (Andócides, De mystt. 85). [Osório diz: vide p. 115. “Ninguém sabe de onde vem”].
Aristóteles mostrou como um advogado inescrupuloso podia invocar as leis não-escritas nos interesses de um caso particular. Havia, com efeito, perigo de se abusar, sobretudo quando o ideal de uma aristocracia benévola e paternal realizara o clímax do gênio político grego, a polis ou a cidade-Estado, [Osório diz: o homem, autor, endoidou! Passou a advogar, como seu admirado Platão, a aristocracia! Não é à toa que ele é inglês!].
A constituição escrita era garantia dos direitos de um cidadão e o baluarte contra tirania e opressão, e o lema era isonomia, igualdade perante a lei. Assim como se podia invocar a physis para defender ideais humanitários ou nos interesses da agressão e supressão do governo constitucional, assim também a idéia de lei não-escrita, que originalmente enfatizava o governo moral do universo, podia, numa sociedade mais democrática, simplesmente parecer como retrógrada e uma ameaça para segurança, dificilmente conseguida, dos direitos humanos que agora estavam escritos numa carta magna [Osório diz: evolução no sistema para lei escrita!].
Teseu, condenando a tirania em Supplices de Eurípides (429ss), diz que “sob leis escritas, a justiça é distribuída imparcialmente aos fracos e aos poderosos, o menor supera o maior se sua causa for justa”. Assim são as coisas “quando o demos é o senhor do país”. [Osório diz: esse, Eurípides, era democrata! Diversamente de Platão! Depois, contudo, o demos foi afastado da feitura das leis, daí nova revolta dos sofistas].
A diferença entre Sófocles e Eurípedes aí é interessante. Pareceria que Sófocles na Antígona é defensor apaixonado da lei não-escrita, e Eurípedes, da escrita. Todavia ambos opunham-se igualmente ao tirano [Osório diz: o que já não ocorre com Platão, que os apoia {Esparta e Siracusa}], e Sófocles, que teve total interesse por deveres públicos, não era menos defensor de salvaguardas constitucionais e legais. Na própria Antígona (367s), o coro declara que a espantosa capacidade inventiva do homem só levará ao bem se ele permanecer dentro do quadro da polis e respeitar as leis do país, e no Édipo em Colossas, Teseu censura a Crêon porque, “tendo vindo a uma cidade que observa a justiça e nada determina sem a lei, tu rejeitas as legitimas autorizadas”(912ss) [Osório diz: lembra Heródoto]. Não precisamos da palavra “escrita” aqui para nos dizer que Sófocles pensa em lei positiva formulada como se entendia em Atenas de sua época. Por sua vez o Teseu de Eurípides, no mesmo drama em que insiste na necessidade de leis escritas, firma o mesmo direito sagrado como Antígona, o dever de sepultar os mortos. Fazendo isso, diz ele, eu preservarei o nomos comum da Grécia (526s), e sua mãe Etra acusa Crêon de “transgredir os nomima dos deuses” (19).
Que haja diferença de humor e ênfase entre os dois poetas ninguém poderia negar. Não se pode explicar por motivos cronológicos [Na medida que se pode julgar, Antígona foi produzida cerca de 440, Supplices de Eurípides cerca de 420, e Oedipus coloneus em 401 como obra póstuma.], contudo de certa forma representam duas gerações, porque Eurípedes era muito mais atraído do que Sófocles pelas modernas correntes sofistas de pensamento. Como Protágoras, sabia que havia dois lados em toda questão, e apreciava tanto quanto Hípias, o "conflito de palavras" em que se perdiam suas personagens. O debate, entre Teseu e o arauto, se os guerreiros mortos devam ser sepultados, desdobra-se numa série sobre monarquia absoluta versus democracia [Osório diz: iguais a do autor, Guthrie, aqui! Será que isso tem algo a ver com a batalha de Arginusa? A peça é anterior?]. Embora fique claro para onde vão as simpatias de Eurípedes, o arauto não é nenhuma caricatura de um bombástico indivíduo servil do tirano, mas sofista e orador acabado. Minha cidade, diz ele, não usa absolutamente a regra do populacho. Ninguém pode ficar oscilando e jogando com sua própria vaidade, agradando-a por um momento, mas prejudicando-a a longo termo [Com tendência semelhante Hipólito – caráter muito diferente – diz orgulhosamente (Hipp. 986): "Não tenho nenhuma capacidade de falar à populaça; minha sabedoria é antes para os poucos, meus iguais. E convém que seja assim. Os que são aos olhos do sábio de pouca monta são os mais perfeitos na arte da oratória da populaça. [Osório diz: quem está sendo cutucado? A aristocracia!]]. Uma vez que todo um demos não é capaz de julgar corretamente argumentos, como será capaz de dirigir uma cidade?
A educação leva tempo, e ainda que um trabalhador não seja bobo, o seu trabalho o impede de dar atenção adequada aos negócios públicos. [Osório diz: mas os canalhas não querem e não permitem que o trabalhador tenha tempo para a política, justamente para que a classe à qual ele pertence continue governando! É o caso de Platão.].
Por que têm estes argumentos tom familiar? É Sócrates no Górgias que se queixa de que oradores numa democracia se põem a adular o demos antes que dizer o que será para o seu bem, e Sócrates de novo que disse, como Hume, que “a pobreza e o trabalho duro degradam as mentes do povo comum” desqualificando-o para a política, que era assunto para peritos treinados. [Osório diz: e o que eles fizeram para tirá-los dessa condição? Nada! Especialmente Platão/Sócrates, pois tirá-los daí não lhes era interessante. Se ele não convenciam nem a populaça analfabeta, como iriam convencer os aculturados?].
Todos sabemos quanto a paz é melhor do que a guerra, todavia renunciamos a ela em nosso desejo de escravizar uns aos outros, tanto homens como cidades. [Osório diz: Sócrates que o diga, pois foi à guerra!].
Eis um homem que estudou as technai de Górgias e outros e chegou a dominar todas as manhas retóricas [Osório diz: mais que Platão?]. Qualquer argumento que seja pode se subordinar ao oportunismo do momento. Até a argumentação em prol do pacifismo (e ninguém excede a Eurípedes no horror à guerra; veja, por exemplo, o coro em Helena 115 1ss) pode ser vividamente apresentado no interesses de um ultimato desapiedado.
Para resumir uma situação complexa, o termo “leis não-escritas” aplicava-se em primeiro lugar a certos princípios morais que se acreditavam universalmente válidos, ou alternativamente em todo o mundo grego. Seus autores eram os deuses, e nenhuma transgressão deles podia ficar sem punição. Já estavam intimamente conexos com o mundo natural, pois contrapor o homem à natureza ao invés de vê-lo como parte dela é ideia moderna antes que hábito grego. [Osório diz: lei não–escrita e seus autores] [DIFERENÇA 1].
Leis divinas ou naturais, e para as mentes questionadoras da idade sofista.
Segundo sentido de “lei não-escrita” nascia da ambigüidade da palavra nomos (p. 58 acima). Uma vez que significava os costumes e as leis de um país, os “nomoi não-escritos” significavam o que se acreditava certo e eqüitativo naquele país, mas podendo, na prática, não estar incluído num corpus da lei escrita. [DIFERENÇA 2].
Mas eles não seguem os preceitos da moralidade tradicional, pois, sob a influência de teorias científicas mecanicísticas, o mundo natural não mais se sujeita a governo moral. O efeito se vê em Antífon, para o qual o prazer é o fim natural e a velha lei não-escrita divina de que os pais devem ser honrados é "amiúde contrária à natureza". [Osório diz: poucos amam a dor! Sendo assim, tirando os masoquistas, o prazer é o bem! Pais somente merecem honra se também horarem os filhos!].
O declínio de sanções divinas coincidiu com o surgimento do governo democrático, para o qual a lei positiva se manifestava como uma salvaguarda contra o retorno da tirania ou oligarquia baseada no novo conceito de “lei da natureza” [Osório diz: bons estes parágrafos. Exceto para Platão! Vejam como a natureza também pode ser usada pela tirania e oligarquia, mas, neste caso, certamente, teria o apoio de Platão!]. Esta última era forçosamente não-escrita, e sendo assim, o conceito de “lei não-escrita” assumiu afinal sentido sinistro e foi banido da sociedade moderna, bastante mais igualitária. [Osório diz: a lei somente é interessante para a parte que é sua beneficiária. Contudo, na evolução, a aristocracia voltará a se beneficiar da lei, pois é ela quem irá produzi-la em seu benefício! Nova batalha começará! Agora pelo controle de quem fará a lei. Logo abaixo temos: “Este conceito foi invocado indiferentemente na causa do populismo e do absolutismo, pois “a natureza podia ser usada para consagrar tanto o monarca como o povo”. Na Guerra de Independência estadunidense, “foi a Lei da Natureza que, mais que qualquer outra força, implodiu a autoridade do Parlamento Inglês e a união britânica”. [Osório diz: quem estiver com a força ao seu lado usa melhor o conceito!].
Tal era o estado da questão quando Platão a retomou: de um extremo, a igualdade de todos os cidadãos sob um código de lei escrito e publicado, e, de outro, o ideal do homem forte, herói da natureza, que despreza a lei em sua marcha rumo ao poder absoluto egoisticamente exercido. A ambos Platão opôs primeiramente seu conceito da própria natureza como força inteligente e moral, e depois (Politicus 292ss) sua visão do governo sábio, ilustrado e treinado, dominador da arte de governar, cujo governo beneficiara inevitavelmente o seu povo. [Osório diz: o autor, Guthrie, em momento algum mostra o Platão espartano e siracusiano! Por que? Falava num sentido, se é que falava, basta ler a República, e agia em outro!].
Um governo deste tipo agiria melhor sem leis escritas, impondo os frutos de sua compreensão política aos súditos, quer queiram, quer não, matando ou banindo, quando necessário, para a saúde da cidade em seu conjunto. (Até o dócil jovem Sócrates protesta a esta altura) [Osório diz: FDP]. Lei codificada seria apenas um conjunto rude de métodos práticos e simples, que não pode levar em conta a variedade dos casos particulares. Um magistrado, que por elas governa, comparado com o verdadeiro estadista, será como o leigo tentando curar um paciente, lendo a doença num livro, comparado com o médico treinado, usando de sua experiência de perito. Esta conclusão drástica modifica-se consideravelmente quando Platão continua admitindo que, na ausência do estadista ideal, um bom código de leis forneceria a melhor "imitação" de seu governo e em todos os Estados normais deve-se redigir e impor com o maior rigor. [Osório diz: ainda bem que ele sabe que não existe o tal estadista ideal! Aleluia. E, enquanto não existe, a aristocracia vai fazendo as leis, pois ela “é a preparada para tanto”, segundo ele, e a vai impondo!].
O que Ernest Barker escreveu sobre a escola da Lei Natural dos sécs. XVII e XVIII:
Para começar, havia a concepção corrente de que Lei Natural de certa forma era superior à lei positiva, de sorte que atos e decretos do Estado que vão contra suas prescrições eram estritamente nulos e vazios, mesmo se na prática atual, devido à ausência de mecanismo para sua denegação, estes atos e decretos retivessem sua validade. Esta concepção – aplicada de várias formas, com maior ou menor grau ocasionalmente de reverência pela lei natural – era solvente eficaz da obrigação política. O rebelde contra autoridade constituída podia facilmente alegar obediência à lei mais alta, e podia prontamente argumentar que apenas exerceu ou defendeu os direitos naturais que gozava sob aquela lei... Um juiz inglês pronunciara o obiter dictum, em 1614, de que “mesmo um Ato do Parlamento feito contra a equidade natural... é vazio em si mesmo; pois jura naturae sunt immutabilia, e elas são leges legum”.
O obiter dictum refere-se àquela parte da decisão considerada dispensável, que o julgador disse por força da retórica e que não importa em vinculação para os casos subseqüentes. Referem-se aos argumentos expendidos para completar o raciocínio, mas que não desempenham papel fundamental na formação do julgado. São verdadeiros argumentos acessórios que acompanham o principal - ratio decidendi (razão de decidir). Neste caso, a supressão do excerto considerado obiter dictum não prejudica o comando da decisão, mantendo-a íntegra e inabalada.
Contrario sensu
A ratio decidendi são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto. “A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”.1 “Para a correta inferência da ratio decidendi, propõe-se uma operação mental, mediante a qual, invertendo-se o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a mesma, se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a teseoriginária não pode ser considerada ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva”.2
Notas e referências:
1 (TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte doDireito. São Paulo: RT, 2004, p. 175)
2 (TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito, cit. p. 177.)
Este conceito foi invocado indiferentemente na causa do populismo e do absolutismo, pois “a natureza podia ser usada para consagrar tanto o monarca como o povo”. Na Guerra de Independência estadunidense, “foi a Lei da Natureza que, mais que qualquer outra força, implodiu a autoridade do Parlamento Inglês e a união britânica”. [Osório diz: quem estiver com a força ao seu lado usa melhor o conceito!].
Apêndice
Nenhuma exposição da antítese nomos-physis seria completa sem mencionar a famosa alusão de Píndaro ao "nomos rei de todos, mortais e imortais igualmente", mas não há nenhum acordo quanto ao seu sentido. Posso apenas apresentar as alternativas e indicar o que me parece ser o seu sentido mais provável.
Segundo Aelio Aristides (II, 70 Dind.), as linhas de Píndaro constituem protesto indignado (scheliadzon) contra um nomos que aprova atos violentos como os de Hércules; e ele confirma-o citando outra passagem (…) onde Píndaro diz: “Estou do teu lado, Geriones, mas eu nunca direi o que desagrada a Zeus”.
Píndaro diz que Diomedes, ao tentar salvar seus cavalos, agiu "bravamente, e não desumanamente, pois é melhor morrer protegendo o que se tem do que ser covarde" (vv. 14-17). [Osório diz: Píndaro: entre patrimônio e vida, fique com o patrimônio! Nada de vá-se os anéis e fiquem os dedos!].
A discussão mais completa é a de M. Gigante. 172 Ele crê que Heródoto deturpa de propósito a citação no sentido do fr. 203 B, e que traduzir nomos aí por costume fecha o caminho para compreensão correta. Nomos é "o princípio absoluto da divindade". Píndaro intui "Deus como o Absoluto": para citar suas próprias palavras, Deus se torna "ides e forza dei mondo, non piú ideale della purezza e della pietà, ma ideale della giustizia che nel suo compiersi se servi della forza". Píndaro admite o direito do mais forte, mas unicamente como a lei e a vontade de Zeus, e não para interesses humanos e contingentes [Osório diz: isso, mais uma vez, põe por terra o argumento de Platão de “todos contra o super-homem”! Contudo, como Zeus não está no mundo, sua vontade será ditada pela boca de alguém com força suficiente para convencer os recalcitrantes!]. A mais violenta ação é justificada porque, sendo realizada pela vontade de Zeus, ela leva à justiça e ao bem-estar. Gigante cita o fr. 48 B. (57 Schr.), onde se dirige a Zeus como damiorgos eunomia kai dikas. (Mas por que não seria o fr. 203 B., alto d'alloisi nomisma, igualmente apto?). [Osório diz: traduções:...].
Um uso que pode virar a violência em justiça, fazendo santo mesmo o que é oposto ao sentimento humano do que é certo (p. 125) e justo [Osório diz: e assim Píndaro podia justificar sua fé! Os fanáticos dão mais valor ao seu fanatismo que a realidade!]. Dodds também pensa ser improvável que por nomos Píndaro queria dizer meramente costume. É "a lei do Fado, que para ele é idêntica com a vontade de Zeus", e ele também compara fr. 70 B.: "Eu nunca direi o que é desagradável a Zeus".
Todas estas interpretações parecem ignorar o que Píndaro diz claramente: domina que nomos é a vontade de Zeus, mas que até o Zeus está sujeito a nomos, que domina sobre deuses e também sobre homens. [Osório diz: mas quem diz e aplica o que é o nomos? Claro que é o homem de força para tal!].
O Fr. 70 faculta referência menos elevada do que "a lei do fado". Hércules era filho de Zeus, e assim naturalmente Zeus o favorecia, e (sendo os deuses as criaturas invejosas que são) seria imprudente para um mortal manter seu lado de vítima demais aberto. Semelhante resposta pode ser dada ao comentário de Heinimann sobre Pit. 2,86, onde nomos = forma de governo. Enumeram-se as mudanças entre tirania, democracia e aristocracia (para Píndaro "o governo dos sábios"), e diz-se que "o deus" favorece ora a esta ora àquela. Isto, pensa Heinimann, mostra que, embora mude o nomos, depende não de capricho humano, mas de Zeus (N. u. Ph. 71). O que mostra é que um deus pode ser tão caprichoso como um homem. Píndaro era piedoso no sentido de que pensava que mortais devem se submeter à vontade dos deuses, mas sua religião retém muito da homérica. Era defensor antes que crítico dos moradores do Olimpo. As mais caluniosas estórias sobre eles devem-se rejeitar e se defender sua honra (01. 1.28s,52), mas eles ainda eram seres voluntariosos, amantes e poderosos que geravam heróis mortais e devem ter seu estilo. Em geral ele se apega à atitude tradicional e prudente dos gregos de que os deuses são invejosos e "coisas mortais convêm a mortais". "É apropriado que um homem fale coisas belas dos deuses, pois assim a culpa é menor". [Osório diz: para Píndaro, embora a lei fosse a divina, seus intérpretes e aplicadores pertenciam à aristocracia].
Saber o que estava na mente de Píndaro neste poema obviamente é muito difícil, mas eu aventuraria o seguinte: Costume (uso, tradição) reconhecido tem imenso poder. Tanto deuses como homens a ele se conformam, e qualquer ato, por mais errado e terrível que possa parecer em si mesmo, parecerá justificado, bastando que seja sancionado por nomos. O que poderia ser mais violento e aparentemente injusto e cruel do que o roubo do gado de Geriones ou dos cavalos de Diomedes? Todavia o poder do nomos faz deuses e homens aceitá-los [O comentário de Dodds (Gorg. 270) de que "as ações de Hércules não são nenhum símbolo adequado do costumeiro" cai fora do assunto. O que o costume fez foi justificá-las (dikaion to biaiotaton). Para ilustrar a verdade universal expressa nas primeiras três linhas o ato mais apropriado era um ato que fosse (a) extremamente violento, e (b) perpetrado por um ser divino, o filho de Zeus que se tornou ele mesmo deus.]. Píndaro pode bem estar sacudindo a cabeça sobre este estado de coisas, como disse Pohlenz (Kl. Schr. II, 337), porém mais provavelmente prefere não fazer nenhum juízo. É atitude prudente.” [Osório diz: a lei pode ser tirânica ou aplicada tiranicamente] [Osório diz: Fala-se dos deuses como se eles existissem!!! Daí a repulsa de quem assim fala ao dito de Protágoras sobre a existência deles!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 57, 58, 59, 111-126).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
80 – Lei – conceito.
Segundo Guthrie:
“Lei são ‘uma garantia dos direitos recíprocos dos homens’”. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 131).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
79 – Religião, segundo os sofistas.
Guthie pontua:
“A vida, inclusive a vida humana, seria produto de uma espécie de fermentação causada pela ação do calor sobre a humanidade ou na matéria m decomposição, e grupos sociais e políticos seriam formados por acordos como a única forma eficaz para o homem se defender da natureza não humana. As próprias cosmogonias ajudaram a banir agentes divinos do mundo, não porque eram mais evolutivas do que criativas...
A idéia de criação divina nunca foi proeminente na religião grega – mas porque tornavam mais difícil o hábito grego de ver seres divinos ou semidivinos em toda parte da natureza. Foi um golpe para a religião quando até das estrelas e do sol se afirmou serem nuvens ígneas, ou rochas arrancadas da terra e postas em órbita pelo redemoinho cósmico. Os olímpicos, ainda que não tivessem criado o mundo, tinham-no pelo menos controlado, mas as teorias dos filósofos naturais não deixavam nenhum lugar ou papel para Zeus na produção da chuva, do trovão e do relâmpago, nem para Posêidon no terror dos terremotos.
(...)
Falei como se as circunstâncias políticas e as ações públicas dos Estados gregos originassem as teorias morais arreligiosas e utilitárias dos pensadores e mestres, mas é mais provável que prática e teoria agissem e reagissem mutuamente entre si. Sem dúvida, os atenienses não precisavam de um Trasímaco ou de um Cálicles para ensinar-lhes como lidar com uma ilha recalcitrante, mas os discursos que Tucídides põe nos lábios dos porta-vozes atenienses, no que ele tipifica um debate com a assembleia meliana, trazem marcas inconfundíveis de ensino sofista. Péricles era amigo de Protágoras, e quando Górgias apareceu diante dos atenienses em 427, os novos floreios da oratória com que ele pleiteou a causa de sua terra natal, a Sicília, suscitaram admiração e surpresa (p. 169, n. 11, abaixo). Se os sofistas foram produto de seu tempo, por sua vez também ajudaram a cristalizar suas ideias. Mas seu ensino pelo menos caiu em terreno bem preparado. Ao ver Platão, não eram eles que deviam ser declarados culpados por infeccionar os jovens com pensamentos perniciosos, pois nada mais faziam do que refletir os prazeres e as paixões da democracia existente:
Cada um destes mestres profissionais, que o povo chama de sofistas e considera seus rivais na arte da educação, não ensina, com efeito, nada mais do que as crenças do povo expressas por ele mesmo em suas assembléias. É isso que afirma como sua sabedoria.
(...)
O crescimento do ateísmo e do agnosticismo nesta época também esteve conexo com a idéia de nomos. [Osório diz: Religião].
Para Crítias, os deuses foram invenção de um engenhoso legislador para prevenir que os homens transgredissem as leis quando não observados. ...deificação de objetos naturais úteis como o sol e os rios, trigo e uva, …
rejeição da causação divina, [Osório diz: O deus do autor e o de Platão é obra do nomos ou da natureza?
Os próprios deuses não têm nenhuma existência na natureza, mas são produto do artifício humano, e variam em diferentes lugares de acordo com convenções locais. Bondade é uma coisa na natureza e outra pelo nomos, e quanto à justiça, a natureza nada sabe dela. Os homens estão sempre disputando sobre ela e alterando-a, e toda mudança é válida desde o momento em que é feita, devendo sua existência a convenções artificiais antes do que à natureza. É por teorias como estas que agitadores incitam os jovens à irreligião e sedição, levando-os a adotar “a vida certa segundo a natureza”, pelo que querem dizer uma vida de ambição egoísta em vez de vida de serviço a seus companheiros de humanidade e à lei [Osório diz: ao contrário! Protágoras prega, no mito de Prometeu, a convivência entre os homens, ou seja, põe-se sua “vida a serviço de seus companheiros de humanidade e à lei! Quem prega a escravidão do homem pelo homem é Platão! Francamente!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 19-20, 25, 27, 47, 110).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
78.1 – Princípios e regras – religiosidade.
Guthrie leciona:
“Princípios cristãos, que a maioria de nós agora crê que ensinam que todos os homens são iguais aos olhos de Deus, eram então invocados para provar precisamente o contrário.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 11).
Sofística
(uma biografia do conhecimento)
78 – Princípios e regras – validade.
Ensina Guthrie:
“Regras e princípios semelhantes só podem permanecer válidos se instituídos por algum poder divino, e crenças religiosas, junto com muitas outras tradições até então não questionadas, são desafiadas por não se poderem verificar por evidencia positiva.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 10).