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45.11 – Indicações sobre o tratado A verdade de Protágoras.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

45.11 – Indicações sobre o tratado A verdade de Protágoras.

 

O subtítulo do diálogo de Platão, Cráticlo, é Sobre a correção das palavras. Por muito tempo essa foi considerada uma obra de interesse mais limitado, atitude tipificada por H. N. Fowler, na introdução da sua tradução do diálogo, na série Loeb, em 1926, onde lemos: "Não se pode dizer que o Crátilo seja de grande importância no desenvolvimento do sistema platônico, pois trata de um assunto especializado [a origem das palavras], um tanto quanto à parte da teoria geral da filosofia". Há como que uma revolução em curso, desde mais ou menos 1955, na interpretação erudita do diálogo, contudo, e provavelmente são poucos os que procurariam, hoje, negar a fundamental importância dos temas nele discutidos. O assunto do diálogo não é a origem da linguagem, mas sim a questão da possibilidade dos nomes serem corretos5. O ponto de partiria de Platão é, como quase sempre, uma questão suscitada pelas especulações sofistas. O diálogo se abre com Hermógenes, irmão de Cálias, famoso patrono dos sofistas, expondo brevemente a posição de Crátilo, o Heracliteano, segundo o qual há uma natural correção nos nomes, a mesma para todos, gregos e bárbaros, após o que ele expõe a sua própria opinião: a única verdade dos nomes depende do acordo das pessoas ao designar, em dado momento, o nome de uma coisa. [Osório diz: na Amazônia, o boto, que era vermelho, veio a transformar-se em cor-de-rosa!]

Sócrates apoia, pelo menos nesse estágio, a teoria da correção natural e sugere (391b-e) que a melhor maneira de investigar a questão seria perguntar àqueles que sabem, isto é, aos sofistas. Mas como Hermógenes não domina bem a sua herança, e não é capaz de responder, o que poderia fazer era pedir a seu irmão que lhe ensinasse a doutrina da correção nos casos que aprendera com Protágoras. Hermógenes se recusa, alegando que seria absurdo fazer tal pedido, visto que rejeita a Verdade de Protágoras e, por isso, não poderia considerar de qualquer valor o que é dito nesse tipo de "Verdade". Sócrates, então, diz que Hermógenes deveria ler Homero e os outros poetas, nos quais a doutrina segundo a qual os deuses usavam, para as coisas, nomes diferentes dos usados pelos homens mortais é clara prova de uma crença em nomes que são naturalmente corretos. Isso nos fornece razões suficientes para concluir que em sua obra Sobre a Verdade Protágoras tinha de fato discutido a correção dos nomes, e a maneira natural de ler a passagem é supondo que o próprio Protágoras, em certo sentido e em certo grau, tinha expressado a crença na doutrina da correção natural.

Isso concorda com o testemunho, citado anteriormente, de sua crença de que havia usos certos e errados para dedeterminadas palavras. No mito que se encontra no Protágoras (322a3ss), nos é dito como a humanidade procedeu a uma distribuição articulada de vozes e nomes, e isso sugere que o processo envolvia algum tipo de diaeresis de nomes. O fato de a discussão, na qual Sócrates se refere a Hermógenes, ocorrer no tratado A Verdade sugere que a doutrina da correção dos nomes pode ter sido desenvolvida por Protágoras em relação com a doutrina de tornar um logos mais correto (orthos) do que o outro logos ao qual era oposto; mas, na ausência de detalhes só podemos especular como é que tudo isso se encaixava.

No restante do diálogo, isto é, naturalmente, na parte principal, Sócrates procede a um extenso exame, primeiro da tese de Hermógenes de que a correção das palavras depende simplesmente do acordo dos usuários sobre quais nomes devem ser aceitos como corretos e, depois, da tese de Crátilo, segundo a qual há uma base natural para a sua correção. Sócrates argumenta, de ponta a ponta, que a correção dos nomes procede de sua função de indicar a natureza das coisas nomeadas (ver, p. ex., 422dl-2), e supõe que fazem isso mediante um processo de imitação da coisa em questão. Mas as coisas que encontramos em nossa experiência são, do ponto de vista cognitivo, inconsistentes, porque sempre são e não são ao mesmo tempo. Isso as torna incapazes de corresponder plenamente aos nomes que usamos num discurso significativo — problema que já havia sido apresentado por Parmênides. A solução de Platão, contudo, não foi nem renunciar à linguagem, nem abandonar de vez o mundo da experiência mas, antes, a invenção de um "Terceiro Mundo" o das Formas platônicas. Essas Formas são como que deliberadamente imaginadas para satisfazer os requisitos de serem objetos de referência e significado linguísticos satisfatórios. Mas, embora de certa maneira possam ser descritas como deliberadamente imaginadas, em outro sentido, naturalmente, isso é falso — para Platão são entidades reais, os constituintes definitivos da realidade. [Osório diz: Platão e sua auto-ilusão! Mas com ela carrega muitos!].

As Formas platônicas foram assim destinadas a servir de referentes fundamentais para os nomes. Objetos perceptíveis, em relação aos quais esses mesmos nomes tendem a ser usados na fala cotidiana sobre o mundo, constituem uma espécie de esfera de referência derivada ou secundária. A introdução dessa distinção entre referentes primários e secundários tem sido corretamente vista como um primeiro passo na direção de uma distinção entre significação e referência. Uma das dificuldades com que se defronta a teoria da significação referencial, que propunha a relação um-a-um entre nomes e objetos fenomenais, era, como já vimos, que um nome para o qual não havia nenhum objeto correspondente a ser encontrado no mundo fenomenal poderia não ter sentido algum, porque não havia nada a que ele estaria de fato se referindo. Se pudermos dizer que a palavra possui sentido independentemente de ser ou não, de fato, usada para se referir a alguma coisa, então poderemos dizer que o problema está resolvido, ou, pelo menos, que está reduzido a proporções mais tratáveis. Foi exatamente isso que os estoicos realizaram, parcialmente, com a sua doutrina do lekta imaterial associado, como significações, a palavras e pensamentos, em um mundo no qual os únicos objetos reais eram todos materiais e corpóreos.

Mas não é provável que Platão tenha chegado até aí. Ele permaneceu sempre comprometido, ao que parece, com uma teoria da significação puramente referencial. O Crátilo conclui com a afirmação de que, embora possam ser dados e, portanto, possam ser atribuídos por uma espécie de acordo, os nomes somente serão corretamente dados por aqueles que têm um conhecimento direto da realidade imutável, isto é, do mundo das Formas, e que compõem os nomes de tal maneira que são semelhantes às coisas nomeadas e são imagens delas. Esta é a contribuição de Platão para o problema que herdou dos sofistas. Ele resolveu o problema da linguagem correta alterando a realidade para se ajustar às necessidades da linguagem, em vez de fazer o inverso. [Osório diz: mais um dos furos de Platão!]. [Osório diz: Aristóteles, em suas Refutações Sofísticas, aniquila o pensamento sobre o tema que Platão parece aderir, ao dizer: Não há semelhança entre nomes e coisas. Pois, por um lado, os nomes e a pluralidade das definições são em número limitado, mas, por outro, as coisas são em número ilimitado. Então é necessário que um mesmo nome e uma mesma definição signifiquem muitas coisas”. (165 a 10-13)].(Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 130-135).

 

 

 

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