Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.9 – Protágoras, o legislador.
Gilbert Romeyer-Dherbey pontua:
“Foi Protágoras que Péricles e o regime democrático ateniense escolheram em 444 para elaborar a Constituição de Túrios.
E a Constituição de Túrios não podia ser senão uma constituição de tipo democrático.
[...]
A política e o direito constituem um campo privilegiado para a visão antilógica das coisas. A ambiguidade reina no domínio antropológico e é nesta seção das Antilogias que devia ter lugar a discussão sobre a morte de Epitímio de Farsália evocada por Plutarco: “Com efeito, em virtude de alguém, no pentatlo, ter atingido, sem querer, com um dardo, Epitímio de Farsália e o ter morto, Péricles consagrou um dia inteiro a interrogar-se se era, de acordo com a argumentação mais correta, o dardo, ou antes aquele que o lançara, ou os organismos dos Jogos, que haveria que considerar como causas do drama.” [Osório diz: A antilogia no Direito e na Política]
Esta discussão não visava instaurar uma hierarquia nos níveis da responsabilidade (fez-se saber que, para o direito arcaico, um objeto pode ser declarado culpável), mas segundo interpretação de G. Rensi, devia mostrar a impossibilidade em que se estava para a determinar, a não ser arbitrariamente. Três causas da morte de Epitímio podem ser invocadas, e igualmente legítimas segundo o ponto de vista adotado: para o médico, foi o dardo que causou a morte; para o juiz, foi quem o lançou; para a autoridade política, foi o organizador dos Jogos. A lição deste fragmento é, portanto, a de um perspectivismo que tende a provar que não existe um perfeito absoluto e em si, permitindo discernir ao vivo e certeiramente, nos casos jurídicos concretos. [Osório diz: por que Péricles passou um dia discutindo com Protágoras]
Se há uma disciplina que não se adapta ao perspectivismo é a matemática, que, aos olhos de Protágoras, é uma arte (techné). Também procura demonstrar que é igualmente antilógica e, como as outras artes, se contradiz. Com efeito, a geometria ensina-nos que a reta tangente ao círculo toca este círculo em um ponto, mas se traçamos o círculo e a reta perceptíveis, apercebemo-nos de que a reta toca sempre o círculo em vários pontos e que nunca poderemos obter uma figura conforme com as definições matemáticas. Ora, a geometria não pode, para raciocinar, dispensar a consideração das figuras, cujo traçado desmente o discurso que o matemático elabora a seu respeito: “Com efeito, o círculo toca a tangente não apenas num ponto, mas como disse Protágoras na sua refutação dos geómetras.” Se a matemática é antilógica, a fortiori também o serão as outras artes. No final das Antilogias põe-se, portanto, de maneira premente, o problema da verdade.” [Osório diz: os matemáticos serem mais uns “inimigos” do Sofista). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 15 e 21-22).