Sofística
(uma biografia do conhecimento)
45.2 – Duplos discursos, de Protágoras.
Outra das suas frases célebres deixa claro que, com as palavras citadas, Protágoras quis aludir à relatividade do conhecimento: "Todo argumento permite sempre a discussão de duas teses contrárias." Estas palavras não só revelam o espírito dos sofistas, como também contêm os conceitos de tese e antítese. De acordo com Protágoras, no entanto, não se estabelece qualquer dialética que conduza à síntese, como Hegel viria a afirmar dois milênios depois, mas chega-se à conclusão de que não existe nenhuma verdade definitiva e que, por isso, há que aceitar cada indivíduo e o seu ponto de vista. Para a convivência dos seres humanos, isso implica cultivar e proteger a pluralidade de opiniões e de formas de vida. Protágoras é considerado, por isso, o filósofo da democracia. É perfeitamente consequente que Karl Raimund Popper, o filósofo que mais refletiu sobre o Estado no século XX e o principal defensor de uma sociedade aberta, tivesse em Protágoras o seu ideal.
(Fonte: HELGE HESSE, A História do Mundo em 50 frases, traduzido por Maria Irene Bigotte de Carvalho, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012, p. 23/26).
Kerferd acrescenta:
“Assim, segundo um relato, Protágoras teria sido o primeiro a dividir o discurso (logos) em desejo, questão, resposta e ordem; segundo outro, em narração, questão, resposta, ordem, narrativa indireta, desejo e apelos; ao passo que o sofista Alcidamas propunha uma classificação diferente, em quatro divisões: asserção, negação, questão e discurso (DK 80A1, parágrafos 53-54). Além disso, Protágoras distinguia os três gêneros dos nomes como masculino, feminino e os que se referem a objetos inanimados (DK80A27).
Ao esboçar essas distinções, Protágoras não estava meramente tentando analisar e descrever o uso corrente do grego; seu objetivo era corrigir esse uso e, para isso, ele estava pronto a recomendar medidas drásticas. Assim, os gêneros gramaticais deveriam ser revistos como parte de um processo de correção da linguagem. As palavras gregas para "cólera", Mênis, e "elmo", Péléx, que são, de fato, femininas, deveriam ser corrigidas para o gênero masculino. Supõem, alguns, que o motivo disso é porque "cólera" e "elmo" não são palavras de caráter naturalmente "feminino", estando especialmente associadas ao sexo masculino, enquanto outros supõem que Protágoras estava simplesmente tentando racio- [120] nalizar o uso com base na morfologia — nesse caso, o final das palavras. Ambos os critérios, o de consistência morfológica e o de consistência com o gênero natural, encontram-se na passagem satírica de As nuvens, de Aristófanes, que tem uma clara referência à doutrina da "correção dos nomes" (DK 80C3), e parece provável que ambas as considerações foram usadas pelo próprio Protágoras. A favor da opinião de que foram principalmente as considerações formais que influenciaram Protágoras, pode-se citar a afirmação de Diógenes Laércio (IX, 52 = DK 80A1) que Protágoras, ao argumentar, deixava de lado a Dianoia (no sentido do significado de uma palavra) a fim de se concentrar só no nome. Mas, infelizmente, a interpretação dessa afirmação é muito duvidosa. Uma segunda prova seria de caráter mais definido, se ao menos pudéssemos aceitá-la como bem fundada. Infelizmente, creio que não se pode aceitá-la como tal, mas cedo à tentação de incluí-la porque é interessante. Refiro-me, aqui, à fascinante teoria de Italo Lana.
De acordo com essa teoria, poderíamos realmente ter um exemplo da aplicação que faz Protágoras de sua própria teoria ao encontrarmos a única forma dynamia em lugar da normal dynamis ("força") em dois dos manuscritos com o texto do Proêmio das Leis de Charondas. Numa hipótese audaciosa, Lana sugere, primeiro, que essas leis foram revistas por Protágoras, quando foi convocado por Péricles para providenciar uma constituição para a nova colônia de Turói, por volta de 443 a.C.; e, segundo, que Protágoras aproveitou a oportu- [121] nidade para alterar dynamis, forma que, a seu ver, devia ser tratada como masculina, para a forma, que não ocorre em nenhum outro lugar na Grécia, a saber, dynamia, com a apropriada terminação feminina em -a. A progressão de hipótese para hipótese infelizmente torna essa especulação difícil de aceitar. Mas se a especulação é moderna apenas, pode ser aceita como bene trovata!”. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. ____)
Já Gilbert Romeyer-Dherbey diz:
Diógenes Laércio afirma, a propósito de Protágoras, que “é o primeiro a dizer que a respeito de tudo há dois discursos que se contradizem um ao outro”. O tema do duplo discurso era o tema principal das Antilogias, e com ele Protágoras exprime um sentimento profundamente enraizado no helenismo. Este sentimento está relacionado com a natureza da religião grega, que é um politeísmo; ora, o primeiro princípio do politeísmo é o da dispersão do divino, de uma pluralidade de deuses que frequentemente se defrontam e equilibram os seus poderes. A clara individualização de cada um dos deuses revela uma diferenciação das forças do universo; o espírito que pensa um mundo plural e policêntrico ditará, portanto, facilmente a clivagem, a rotura. Assim, o tempo será experimentado como um meio homogêneo, uniformemente fragmentado; ainda não existe o relógio mecânico, que expressará a duração em fragmentos iguais e mensuráveis; o tempo é, pelo contrário, o da ocasião propícia (kaipós), que aparece e desaparece (p. 17) arritmicamente, dado ora a um ora a outro, nunca sendo, por conseguinte, bom para toda a gente. O desequilíbrio do tempo que fere o que vem a tempo e a contratempo agrava-se com uma dispersão dos lugares. O espaço homogêneo não existe como o tempo homogêneo; o mundo político grego é constituído por inúmeras Cidades-Estados, átomos do poder dispersos e que perpetuamente se entrechocam e confrontam. O sofista nómade, ao ir de uma para outra, experimenta uma contínua sensação de descentração; como ser o rapsodo dos seus discursos tão desconexos? Untersteiner, por outro lado, sublinhou profundamente a relação que existe entre o conceito protagórico de antilogia e o clima da tragédia esquiliana. A ação trágica desenvolve-se no interior de uma situação onde o herói se encontra entrincheirado, em que a unilateralidade é impossível porque só as ações que pode escolher são simultaneamente prescritas e proibidas. Assim, nas Coéforas, Orestes, para satisfazer o querer divino, deve ao mesmo tempo cumprir e não cumprir o matricídio; sentindo subir a tensão trágica, grita então: “Que Ares se agarre a Ares, Diké a Diké!”. O sentimento da contradição de que todo o discurso é suscetível ainda pôde ser confortado em Protágoras pela prática da democracia ateniense. Com efeito, a decisão política perante a Assembléia do povo é sempre discutida; assim, reconhece-se sempre como discutível, isto é, reversível e modificável; esta versatilidade será até uma das principais críticas que Aristófanes dirige ao démos. Uma assembléia numerosa raramente é unânime; geralmente, as opiniões dividem-se e o que caracteriza um regime democrático é tolerar uma oposição, isto é, aceitar a legitimidade possível de um discurso contrário ao do poder constituído. O próprio debate político, em que o povo ouve os discursos opostos dos dois partidos que se defrontam, prova que “a respeito de tudo há dois discursos que se contradizem um ao outro.” A origem polêmica e conflitual desta divisão revela-se no fato de Protágoras falar de dois discursos, e não de uma pluralidade de discursos possíveis. Com efeito, toda a guerra não opõe mais que dois campos: bellum = duellum. Este caráter polêmico, aliás, encontra-se na instituição judicial grega, em que todo o processo toma a forma de combate: o espaço judicial é menos um espaço de participação que de luta em (p. 18) que se defrontam as defesas contrárias dos dois partidos; o próprio termo que designa o processo (aywv) significa também batalha. [Osório diz: de onde Protágoras pode ter intuído os duplos discursos!]
O pensamento protagórico da antilogia também se explica pelo fato de se desenvolver em terreno heraclitiano. Da mesma maneira que Heráclito, Protágoras é um Jônio; ora, a visão de um real contraditório e afirmação da imanência recíproca dos contrários constituem o centro do pensamento de Heráclito muito mais seguramente que o da mobilidade, que frequentemente é reduzido. É por isso que, para ele, o próprio âmago do universo é conflito. “O combate é o pai de todas as coisas, de todas é rei.” A relação das doutrinas de Heráclito e de Protágoras foi sublinhada tanto por Platão, no Teeteto, como por Aristóteles, no livro IV da Metafísica. Mas subsiste uma diferença entre eles ao nível do modo de expressão: quando Heráclito, pela supressão do verbo ser, mostra na própria enunciação a contradição interna de toda a realidade, a retórica de Protágoras, renunciando a fornecer a imediatez da contradição, divide-a numa antilogia [Osório diz: conceito de antilogia], isto é, em dois discursos, cada qual coerente em si mesmo, mas incompatíveis entre si. Todo o real, quando se diz corta necessariamente em dois todo o discurso e atinge a própria linguagem com uma insuperável oposição de teses contrárias. Esta cisão da linguagem não cobre por completo a cisão parmenidiana entre a linguagem da oposição e a linguagem da verdade; uma semelhante distinção, dando à verdade a passagem para a opinião, suprime efetivamente toda a cisão da palavra pensante. Protágoras não se pode contentar com a ontologia parmenidiana porque esta, sacrificando o múltiplo, cai na infelicidade da generalidade; o discurso da ontologia torna-se discurso vazio, também Protágoras recusa toda a distinção entre a opinião e a verdade; reabilita a doxa, cujos perpétuos desmentidos constituem a própria lei da vida, e as formas de uma realidade resplandecente. Platão refere-se a esta demonstração de Protágoras a propósito do problema do Bem e fá-lo declarar que “o Bem é qualquer coisa de variegado” [Osório diz: Que apresenta cores ou matizes variados ou diversos.]. Protágoras introduziu, pois, a contradição no (p. 19) Ser de Parménides e, por este motivo, mereceu a admiração de Hegel.
O plano das Antilogias é-nos proporcionado muito verossilmente por uma passagem do Sofista de Platão, em que este define o sofista como sendo essencialmente o malabarista da contradição. (p. 20)
Ontologia (examinava o devir e o ser). (p. 20)
[Osório diz: neste parágrafo dá para questionarmos o seguinte: Se Sócrates, segundo seu criador (Platão), não estudava astronomia, como a discutia com tamanha desenvoltura?]
I - O INVISÍVEL - As Antilogias começavam...
O agnosticismo de Protágoras é talvez disto resultante, o ponto neutro entre os dois discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da crença e o da descrença. Se os dois discursos aqui se anulam em vez de deixar um sobrepor-se ao outro, é porque se trata do domínio do invisível e do escondido; o sofista guarda a sua resposta, ou adia-a, na impossibilidade de poder levar a cabo uma fenomenologia do divino, ou de querer elaborar uma teologia do obscuro. Em todo o caso, este agnosticismo prepara e permite o momento seguinte do pensamento de Protágoras, a afirmação do homem-medida: se os deuses não se deixam afirmar, então fica o homem. A prova está em que Platão, nas Leis, substituirá a fórmula protagórica de ánthropos métron por esta: “o deus é a medida de todas as coisas.” (p. 20) [Osório diz: Platão joga a toalha!]
Protágoras prepara, assim, pela negação de todo o recurso ao absoluto, um humanismo radical. (p. 20/21)
Protágoras, sem negar radicalmente toda a possibilidade de uma imortalidade da alma, devia sublinhar a nossa total impotência para conhecer, com certeza, o que acontece ao homem no além. A presença tutelar do deus desaprece, portanto, no horizonte do homem, antes do nascimento deste como depois da morte. O homem encontrar-se-á num mundo errado. (p. 21) [Osório diz: que religião prestigiará um homem desses?].
II - O VISÍVEL – A) As ...
Esta refutação da ontologia eleática era, evidentemente, a condição sine qua non da visão antilógica do mundo, para a qual o real é bilateral e a palavra reversível. A própria ontologia não deixa de cair em contradição que quer evitar, uma vez que, ao lado do discurso da verdade, é obrigada a tolerar a existência do discurso da opinião e a dar-lhe lugar, como se pode ver no poema de Parménides; não pode chegar ao monismo completo da verdade. (p. 21) [Osório diz: Verdade – sua impossibilidade]
C) A política e o direito constituem um campo privilegiado para a visão antilógica das coisas. A ambiguidade reina no domínio antropológico e é nesta seção das Antilogias que devia ter lugar a discussão sobre a morte de Epitímio de Farsália evocada por Plutarco: “Com efeito, em virtude de alguém, no pentatlo, ter atingido, sem querer, com um dardo, Epitímio de Farsália e o ter morto, Péricles consagrou um dia inteiro a interrogar-se se era, de acordo com a argumentação mais correta, o dardo, ou antes aquele que o lançara, ou os organismos dos Jogos, que haveria que considerar como causas do drama.” (p. 21) [Osório diz: A antilogia no Direito e na Política]
Esta discussão não visava instaurar uma hierarquia nos níveis da responsabilidade (fez-se saber que, para o direito arcaico, um objeto pode ser declarado culpável), mas segundo interpretação de G. Rensi, devia mostrar a impossibilidade em que se estava para a determinar, a não ser arbitrariamente. Três causas da morte de Epitímio podem ser invocadas, e igualmente legítimas segundo o ponto de vista adotado: para o médico, foi o dardo que causou a morte; para o juiz, foi quem o lançou; para a autoridade política, foi o organizador dos Jogos. A lição deste fragmento é, portanto, a de um perspectivismo que tende a provar que não existe um perfeito absoluto e em si, permitindo discernir ao vivo e certeiramente, nos casos jurídicos concretos. (p. 22) [Osório diz: por que Péricles passou um dia discutindo com Protágoras]
D) Se há uma disciplina que não se adapta ao perspectivismo é a matemática, que, aos olhos de Protágoras, é uma arte (techné). Também procura demonstrar que é igualmente antilógica e, como as outras artes, se contradiz. Com efeito, a geometria ensina-nos que a reta tangente ao círculo toca este círculo em um ponto, mas se traçamos o círculo e a reta perceptíveis, apercebemo-nos de que a reta toca sempre o círculo em vários pontos e que nunca poderemos obter uma figura conforme com as definições matemáticas. Ora, a geometria não pode, para raciocinar, dispensar a consideração das figuras, cujo traçado desmente o discurso que o matemático elabora a seu respeito: “Com efeito, o círculo toca a tangente não apenas num ponto, mas como disse Protágoras na sua refutação dos geómetras.” Se a matemática é antilógica, a fortiori também o serão as outras artes. No final das Antilogias põe-se, portanto, de maneira premente, o problema da verdade. (p. 22) [Osório diz: os matemáticos serem mais uns “inimigos” do Sofista). (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. ).
Diz Guthrie:
Protágoras começou com o axioma de que “há dois argumentos sobre cada assunto”.
Como Protágoras disse, “Sobre cada tópico há dois argumentos contrários entre si”. Ele visava a treinar seus alunos para elogiar e censurar as mesmas coisas, e em particular escorar o argumento mais fraco para que aparecesse mais forte. O ensino retórico não se restringia à forma e ao estilo, mas lidava também com a substância do que se dizia [Osório diz: este é o meu pensamento! Como falar de um assunto sem conhecê-lo? Falar falsamente sobre um tema é impossível!]. Como se podia deixar de inculcar a crença de que toda verdade era relativa e ninguém conhecia alguma coisa como certa? A verdade era individual e temporária, e não universal e permanente, pois a verdade para o homem era simplesmente aquela de que podia ser persuadido, e era possível persuadir qualquer de que preto era branco. Pode haver crença, mas nunca conhecimento. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. xxxx).
Diz Fausto dos Santos:
Reale afirma que este tratado não foi proposto como um exercício de retórica, como o foram o Elogio a Helena e a Defesa de Palamedes, tendo antes “[...] o preciso objetivo de excluir radicalmente a possibilidade da existência ou de se alcançar ou, pelo menos, exprimir uma verdade objetiva” (1993, p. 211). (70/71) [Osório diz: objetivo de Górgias com o Tratado do não-ser. Esse tratado somente não o insere dentre os filósofos porque ele faz justamente o contrário: destrói o objeto da filosofia. O homem não estava brincando, como alguns idiotas querem supor para desacreditá-lo, diante da fortaleza de seus argumentos]. (Fonte: Filosofia Aristotélica da Linguagem, Fausto dos Santos, Ed. Universitária Argos. Capecó-SC, 2002, p. ).
Doutrina Guthrie:
Os “Duplos argumentos” … (p. 290)
Como tal é de interesse para o tipo de ensino corrente na segunda geração de sofistas e também como amostra de como o argumento sobre a possibilidade de se ensinar a virtude degenerou em lugar-comum de escola. A data felizmente está fixada em cerca de 400 a.C. por uma referência à vitória dos espartanos contra os atenienses e seus aliados como "muito recente".
O escritor se põe do lado dos que dizem que a mesma coisa é boa e má, sendo boa para uns e má para outros, e para o mesmo homem em algumas circunstâncias boa e em outras má. Depois de aduzir o exemplo protagórico do efeito diferente do alimento e da bebida na saúde e na doença, ele continua dizendo coisas como estas: uma vida de dissolução e extravagância pode ser má para o doente, mas boa para os médicos, a morte má para o homem que morre, mas boa para os empresários fúnebres, e assim por diante. A identidade de honroso e infame argumenta-se apelando aos diferentes costumes e crenças dos atenienses e espartanos, gregos e bárbaros, como exemplos tirados de Heródoto.
Truques sofísticos [Osório diz: Parece que Platão, Xenofontes e Aristóteles utilizaram o termo sofista como, modernamente, se usa o termo corrupto. Se diz que alguém é corrupto mas não se o nomeia. São condenados abstratamente! Somente os sofistas usavam truques? Por que, contra eles, os truques são pejorativos? E os truques de Platão?]. (p. 291)
[No Teet. a idéia de que a mesma coisa é tanto pesada como leve é aduzida como "doutrina secreta" de Protágoras, isto é, como conseqüência necessária de seu ensino mesmo que ele próprio não estivesse consciente dela (Cf. Rep. 479ss, Teet. 152d, 155b-c, e Eutid. 283c-d e passim.). [Osório diz: Platão falou, tá falado. Sua palavra, como a de um deus, é uma ordem!].
[Osório diz: muito bons os parágrafos a seguir]
[Osório diz: ensino da virtude/sabedoria]
O capítulo 6 se intitula: “Com respeito a sabedoria e virtude, se se podem ensinar”, e começa: “Existe um argumento, nem verdadeiro nem novo, de que sabedoria e virtude não se podem ensinar nem aprender”. Enumera depois cinco argumentos usados por defensores deste modo de ver e passa a refutá-los.
1. Se passas algo a outrem, não podes possuí-lo tu mesmo. [Osório diz: caralho! O cara confunde algo material (uma banana) com palavras, algo imaterial (ensinamentos) onde não há algo a ser desgastado/consumido ou em que haja a perda da posse com a transferência! É um grande fdp!].
2. Se se pudesse ensinar, haveria mestres reconhecidos dela, como de música. (Isto aparece no Meno). [Osório diz: e os professores? Para quê e para quem Platão escrevia?]
3. Os sábios da Grécia teriam ensinado sua habilidade aos que lhes eram próximos e queridos. (Assim Sócrates argumenta em Protágoras 319 que Péricles não podia ensinar sua sabedoria a seus próprios filhos e em Meno 90 que nenhum grande estadista a ensinou). [Osório diz: aqui o autor não diz quem eram tais estadistas! Parece um lugar comum! Todos sabiam! Mas o mais grave: isso vai contra a oligarquia em cujo seio a criança aprende com os seus! Suprema contradição de Platão]
4. Alguns foram aos sofistas e nada conseguiram de bom pelo fato. (Em Meno 92, Anito afirma que os sofistas fazem mais mal do que bem a seus alunos) [Osório diz: Anito aqui é queridinho! Outra suprema contradição: se os caras não serviam para nada, por que se preocupar com eles? Volto à pregunta: apenas o oposto da virtude, a “desvirtude”pode ser ensinada?].
5. Muitos ficaram sem freqüentar sofistas.
Estes argumentos consistem uma série de objeções em estoque à profissão de sofista. O escritor passa a responder a elas uma a uma.
1. Este argumento, pensa ele, é “muito tolo” (karta euethe), pois ele sabe que os mestres que ensinam a escrever ou tocar conservam o conhecimento que comunicam.
2. Em respeito ao argumento de que não há nenhum mestre reconhecido de virtude, ele pergunta: O que ensinam os sofistas, senão sabedoria e virtude? (No Meno Sócrates sugere que os sofistas são os homens certos para ensinar a virtude. Anito fica furioso com a idéia, e Meno admira Górgias porque, diferindo de outros sofistas, não tem nenhuma pretensão de ensiná-la). E o que, continua ele, eram os seguidores de Anaxágoras e Pitágoras? (Significando presumivelmente que eram alunos que aprendiam sabedoria e virtude de Anaxágoras e Pitágoras).
3. Contra o terceiro argumento, diz simplesmente que Policlito ensinou os filhos a fazerem estátuas (com isso lhes comunicou sua sophia e arete particulares). (Policlito foi citado como exemplo no fim do discurso de Protágoras, Prot. 328c, com a sugestão de que, se os filhos de um homem não ficam iguais a ele na própria arete, isto não era necessariamente por falta de ensino) [Osório diz: como fica o caso dos filhos que superam o próprio pai depois de aprenderem com eles?. De mais a mais, se alguém deixou de ensinar, não é (p. 292) nenhum argumento, pois, se apenas um a ensinou, é prova que ela pode ser ensinada.
4. Se é verdade que alguns não aprenderam sabedoria de sofistas, é também verdade que muitos aos quais se ensinou a ler e escrever não aprenderam estas artes.
5. Contra o quinto argumento ele diz que afinal o talento natural (physis) vale alguma coisa. Alguém que não aprendeu dos sofistas pode fazer muito bem, se tiver o dom de pintar facilmente as coisas, depois de aprender um pouco daqueles que ensinaram a linguagem – ou seja, nossos pais. Um pode aprender do pai, outro da mãe, um mais, e outro menos. Se alguém crê que não aprendemos linguagem, mas nascemos com o conhecimento dela, que leve em conta que, se um recém-nascido fosse logo mandado para a Pérsia e crescesse lá, falaria persa e não grego. Aprendemos a linguagem sem saber quais sejam nossos professores.
Do mesmo modo Protágoras em Prot. 327 introduz a noção de tendência natural (eyphya, cf. euphyes em Dissoi Logoi), sugerindo que alguns tem maior talento para a virtude assim como para tocar flauta, e passa a introduzir a analogia da linguagem, que aprendemos sem saber quais sejam nossos mestres. A educação de uma criança começa no nascimento com seus pais e ama e é continuada pela escola e mais tarde pela própria cidade por meio de suas leis (325c ss). O sofista não pretende ser o único mestre de virtude, mas apenas levar esta educação mais adiante do que outros. [Osório diz: fantástica esta afirmação!]
Uma vez que podemos supor que este documento possa ter sido escrito antes do Protágoras de Platão, mostra que as objeções à tese de que se pode ensinar a virtude, que Sócrates levanta no diálogo para afastar Protágoras, estão baseadas em material bem conhecido de controvérsia corrente e anterior. Quando acrescentamos os pontos em comum entre a resposta do escrito e Protágoras de Platão, temos apoio para ao que se pensaria em todo caso provável, que o longo discurso que Plutão atribui a Protágoras reproduz substancialmente as idéias do próprio sofista. [Osório diz: por que devemos acreditar em Platão quando fala sobre Protágoras].
O capítulo 7 argumenta que o uso da sorte antes que a eleição na designação para o ofício público não é eficiente nem verdadeiramente democrático [Osório diz: Péricles, quando escolheu o legislador para Túrio, não o fez por sorteio!], o capítulo 8 é uma tentativa de sustentar que o bom locutor sabe tudo de tudo [Não posso concordar com Taylor que o objetivo deste capítulo seja estabelecer a tese socrática de que o dialético é também o filósofo que é idêntico com o "verdadeiro" estadista e orador. Sua afirmação é muito mais semelhante à de Hípias (que Taylor menciona numa nota de rodapé, VS, 127, n. 1) de que o sofista-orador é onisciente. [Osório diz: e Hípias aprendeu com quem?], [Osório diz: daí que precisa ter estudado sobre o assunto! Daí que não se discursa o “vazio”! Daí que Sócrates, como bom sofista, debe ter estuda física!] e o final, secção imcompleta, trata do valor da boa [p. 293] memória.
O argumento de que magistrados não devem ser indicados pela sorte porque o conhecimento técnico é tão necessário para o governo como para qualquer outra ocupação é argumento usado por Sócrates. O que segue, porém, – que a sorte não é democrática porque deixa ao acaso que se indique um amigo da democracia ou um oligarca – não se teria recomendado a Sócrates, que tinha pesadas duvidas sobre a sabedoria do governo democrático. [Osório diz: e quando o sorteio for procedido apenas entre técnicos?] (p. 294). (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. xxxx).
Kerferd ensina:
Antilógica, usada por Platão em sentido técnico, difere de erística em dois aspectos importantes. Primeiro, seu significado é diferente e, segundo, a atitude de Platão a seu respeito difere da sua atitude em relação à erística. Antilógica consiste em opor um logos a outro logos, ou em descobrir ou chamar atenção para a presença de uma oposição em um argumento, ou em uma coisa ou situação. A característica essencial é a oposição de um logos a outro, por contrariedade ou por contradição. Segue-se daí que, ao contrário da erística, a palavra, quando usada numa argumentação, constitui uma técnica específica e bem definida, a saber, a de partir de um dado logos, digamos, a posição adotada pelo oponente, e passar a estabelecer um logos contrário, ou contraditório, de maneira tal que o oponente terá de aceitar ambos os logoi, ou pelo menos abandonar a sua primeira posição. Um exemplo já foi considerado, a saber, a aplicação do termo ao método usado por Zenão de Eléia. Um segundo exemplo se encontra no Fédon, numa passagem a ser discutida em breve, e um terceiro no Lísis (216a). Chega-se a um ponto, na argumentação, em que se sugere que é o oposto que é mais propício ao seu oposto. Sócrates então diz que, a essa altura, os antilogikoi nos dirão, corretamente, que a inimizade é o mais oposto à amizade. E, portanto, o resultado (platonicamente inaceitável) é que o inimigo é que é mais propício ao amigo, e é o amigo que é mais propício ao inimigo. [Osório diz: Platão e o uso da antilógica. Será que Platão usava os ensinamentos sofístico repudiando-os. “É pecado, mas faço”.]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. ____).
Prossegue Kerferd:
O Dissoi Logoi é um texto anônimo encontrado no fim dos manuscritos de Sexto Empírico. Escrito num tipo de dialeto dórico, começa com as palavras: "duplos argumentos são enunciados na Grécia por aqueles que filosofam, concernentes ao bom e ao mau" [Osório diz: “por aqueles que filosofam”! Engraçado isso!!!], e o título moderno é simplesmente tirado das primeiras palavras iniciais. Foi composto no final da Guerra do Peloponeso. A inferência de que deve ter sido escrito logo depois do seu término baseia-se meramente na incompreensão do que é dito em I, 8, onde as palavras "os acontecimentos recentes primeiro" simplesmente significam que ele se inicia com a Guerra do Peloponeso, indo de volta ao passado para as primeiras guerras. A natureza da obra é curiosa, e há quem pense que represente as anotações de um prelecionador ou, possivelmente, notas tomadas por um ouvinte. Sua estrutura básica consiste claramente em colocar [94] lado a lado argumentos opostos a respeito da identidade, ou não-identidade, de termos morais ou filosóficos aparentemente opostos, como bom e mau, verdadeiro e falso. Como isso é uma aplicação do método de Protágoras, leva a pensar que esteja baseado no Antilogiai daquele sofista. Mas essa conclusão não é válida, porque — como será argumentado neste livro — o método de Sócrates era de fato o método do movimento sofista todo [Osório diz: nossa! Que confissão!]. Nem se pode atribuir o texto a qualquer determinada fonte de inspiração. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. ____).
Diz Martin Burckherdt:
“Vista historicamente, a lógica é precedida pela antilógica, aquela disciplina que os sofistas estabeleceram como a arte da contradição (antilogike technè) e que, acima de tudo, era empregada em contendas judiciais. Não havia nada que Aristóteles desprezasse tanto quanto essa antilógica, pois a sabedoria sofista é apenas aparente, irreal, e o sofista ganhava dinheiro com uma sabedoria de aparências, não com a verdadeira”. (Pequena história das grandes ideias, Martin Burckhardt, tradução de Petê Rissatti, Tinta Negra: 2011, p. 44).
Diz mais Martin Burckherdt:
“Da mesma forma pela qual Aristóteles cuidou dos sofistas, também desenvolveu com sucesso o livro de receitas do pensamento lógico. Com isso, Kant pôde dizer mais tarde que a lógica desde Aristóteles "não conseguiu avançar nenhum passo, parecendo, dessa forma, finalizada e perfeita em todos os sentidos". E, todavia, se quiséssemos falar das leis da razão, precisaríamos trazer à tona uma objeção importante. Todas essas belas frases remontam o alfabeto como condição de possibilidade para poder efetivamente conduzir à lógica. Se Aristóteles atribuiu ao princípio da identidade que A é igual a A, se a casualidade é atribuída ao fato de que quem diz A, também pode dizer B, se a assim chamada conclusão silogística (se A = B e A = C, então B = C) por fim completa o ABC da lógica, vemos assim que nela existem algumas suposições básicas que o lógico não considera. Se retirássemos o alfabeto do lógico, tiraríamos dele o fundamento de seu negócio – não haveria mais nada que lhe pudesse garantir identidade ou casualidade.
Aprox. 340 a.C. Credita-se a Euclides (365 a 300 a.C.) a "matematização" da lógica aristotélica. Em seu livro Elementos (grego stoichea — ou seja: as letras) ele demonstra que os conjuntos comuns se originam de axiomas. Não se fez mais nada. com a lógica, que se torna um problema novamente apenas nos séculos XIX e XX. (Pequena história das grandes ideias, Martin Burckhardt, tradução de Petê Rissatti, Tinta Negra: 2011, p. 45/46).