Sofística
(uma biografia do conhecimento)
43 – As doutrinas dos sofistas e 43.1 – Logos (discurso) – significado, segundo a Sofística.
Kerferd ensina:
“Usamos os termos logos e logoi que não foram traduzidos, ou o foram diversamente por "afirmações", "argumentos" e (no singular) por "fala" ou "discurso" e, pelo menos em uma ocasião, pareceu apropriado falar de um logos como ocorrendo "na estrutura das coisas". Na verdade, uma pesquisa nos dicionários revela imediatamente que a faixa de significados ou aplicações da palavra grega logos é ainda mais larga do que poderia sugerir a variedade de traduções dadas acima. Não é, estritamente falando, com uma palavra com diferentes sentidos que estamos lidando aqui mas, antes, com uma palavra com uma série de aplicações relacionadas, todas, com um único ponto de partida. Esse é um fenômeno que, de acordo com G. E. L. Owen, veio a ser rotulado de "significação focal", embora talvez "referência focal" fosse uma expressão melhor, visto que o que está envolvido é uma referência extra linguística a alguma coisa que se supõe ser fato no mundo à nossa volta. No caso da palavra logos, há três áreas principais de aplicação ou uso, todas relacionadas por uma unidade conceitual subjacente. São elas, em primeiro lugar, a área da linguagem e da formulação linguística, portanto fala, discurso, descrição, declaração, afirmação, prova (quando expressa em palavras) e assim por diante; em segundo lugar, a área do pensamento e dos processos mentais, portanto reflexão, raciocínio, justificação, explicação (cf. orthos logos) etc.; em terceiro lugar, a área do mundo, aquilo sobre o que somos capazes de falar e pensar, portanto princípios estruturais, fórmulas, leis naturais e assim por diante, desde que, em cada caso, sejam considerados realmente presentes e exibidos no processo do mundo.
Embora em qualquer determinado contexto a palavra logos pareça apontar principalmente, ou mesmo exclusivamente, para apenas uma dessas áreas, a significação fundamental, usualmente, talvez sempre, envolve algum grau de referência às duas outras áreas também, e isso, acredito, é verdade tanto para os sofistas como para Heráclito, para Platão e para Aristóteles. Por isso, no que se segue, onde por conveniência o termo "argumento" é usado como tradução, deve-se lembrar que isso será enganoso a menos que seja entendido como normalmente referindo-se, em certo grau, a todas as três áreas mencionadas acima.
(…)
Mas não é só isso. Uma vez separadas essas três coisas [Osório diz: palavras, pensamentos e coisas] umas das outras, embora insistindo ainda que deve haver algum tipo de correspondência entre todas as três como requisito para verdade e conhecimento, nos defrontamos com o problema da melhor maneira de entender logos em relação justamente a essas três coisas. Pois, como foi dito no início deste capítulo, logos parece ter, de fato deve ter, uma espécie de pé plantado em cada uma dessas três áreas. O logos de uma coisa é: (1) o princípio, ou a natureza, ou a marca distintiva, ou elementos constituintes da própria coisa; (2) o que nós entendemos que ela é; e, finalmente, (3) a descrição (verbal), relato, ou definição correta da coisa. Todas as três levantam a questão do ser. Pois o logos da coisa sob o título (1) é o que a coisa é; sob (2) é o que nós entendemos que ela é; e sob (3) é o que dizemos que ela é. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 143-14 e 171).