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41.69 - Sofisma em Freud.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

41.69 - Sofisma em Freud.

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Jamais se pôde estabelecer que o intelecto humano possuísse uma aptidão particular para discernir a verdade, nem que o espírito humano tendesse especialmente a aceitar a verdade. Moisés e o monoteísmo, (p. 173 da trad. francesa de Anne Berman, Gallimard, 1972).

A posição por si só decide a vitória, quer se trate de guerreiros ou de frases. Jean-Paul, citado por Freud em Os chistes a sua relação com o inconsciente (p. 28 da trad. francesa de Marie Bonaparte e M. Nathan, Gallimard, 1930).

Quando Aristóteles, no livro Gama da Metafísica, tenta estabelecer o primeiro princípio da ciência do ser enquanto ser, aquele que será nomeado princípio de não-contradição, pede simplesmente a seu adversário para falar, isto é, "dizer alguma coisa que tenha um sentido para ele mesmo e para outrem". A exigência do sentido se confunde, desde o gesto aristotélico, com a prática da fala. Entretanto alguns, contrariamente a toda verossimilhança, conseguem, como declara o próprio Aristóteles, excetuar-se dessa exigência universal. Falam "pelo prazer de falar" (lógou chárin). Nenhuma refutação poderia atingi-los, já que são insensíveis à contradição — tanto à que constitui o homem como ser agente, para quem não é igualmente bom e não bom cair num poço, como à que o constitui como ser falante, para quem a mesma palavra, "doce" por exemplo, não poderia ao mesmo tempo ter e não ter o mesmo sentido. A estratégia filosófica consiste em marginalizar esses refratários, em relegá-los, plantas ou deuses, aos confins da humanidade. E quando se encontra um deles, não se buscará convencê-lo como se fosse nosso semelhante, mas se usará de "violência" a seu respeito, voltando contra ele suas próprias armas e só se interessando, em detrimento da exigência do sentido, pelo que existe "nos sons da voz e nas palavras". Trata-se, como compreendemos, dos sofistas, ao menos desses sofistas puramente sofistas que não são ao mesmo tempo, como Protágoras, físicos que acreditam, com escrúpulo excessivo, na verdade dos fenômenos, mas apenas faladores.

Tão distanciada quanto possa parecer pelos séculos e pelas preocupações, essa série de decisões conduz ao âmago da lógica freudiana. Freud, assim como toda a tradição filosófica e como todos nós, se deixou tragar pela exigência aristotélica do sentido. Não há um traço da teoria nem da prática analíticas que não possam testemunhar isso: sintoma, mas também sonho, lapso, ato falho, chiste (mot d'esprit), só se tornam a esse preço objetos da psicanálise. O próprio inconsciente, do qual eles são as formações mais ou menos diretas, só deve seu estatuto de "hipótese necessária e legítima" a um "ganho de sentido e de coerência" (Metapsicologia, p. 66s., da trad. Laplanche e Pontalis, Idées, Paris, 1968). O projeto freudiano consiste, em resumo, em estender de forma virtualmente infinita o domínio do sentido, de modo que aí possa entrar o que sempre foi, mais ou menos grosseiramente, considerado como insensato. Dentre todas as definições do chiste que Freud reúne, aquela, recorrente, de "sentido no não sentido", assume a seus olhos uma importância particular (Os chistes e a sua relação com o inconsciente, p. 16, 90s., 215 e 227 nota 7): aos nossos, essa fórmula poderia definir todo o projeto freudiano.

De Aristóteles a Freud: a pertinência de uma perspectivação se confirma, quando se lê O chiste e suas relações com o inconsciente, com a constatação de que uma das categorias mais importantes situadas, não sem hesitação e sem dificuldade, nas tentativas de taxinomia é justamente a de "sofisma". A posição freudiana em relação ao sofisma aparece então, com um termo que só a reflexão de Freud sobre a não-contradição permite introduzir, ambivalente. O sofisma ou chiste sofístico é simultaneamente desvalorizado sem apelo como erro de raciocínio, não-sentido, do domínio de uma atividade regressiva, infantil, toxicomaníaca, neurótica, até mesmo psicótica, e valorizada sem cessar e apesar de tudo como prazer: prazer pensado não sem prejuízo em termos econômicos como "poupança", mas também prazer de jogar com as palavras e com os sons, e sobretudo prazer, mais próximo da essência da sofística, que o espírito sabe tomar em si mesmo, "em sua própria atividade" (p. 155); o sofisma diz assim a verdade do desejo e libera do jugo da razão crítica: é um exercício de liberdade.

A primeira ocorrência do termo "sofisma" aparece a propósito de uma história do salmão com maionese:

Um infeliz, chorando sua miséria, toma emprestado vinte e cinco florins de um amigo rico. No mesmo dia, o benfeitor encontra-o sentado num restaurante diante de uma porção de salmão com maionese. Ele o censura por isso: "Mas como! Você me dá uma facada e se regala com salmão com maionese! Eis o emprego do meu dinheiro!" — "Não compreendo, diz o outro; sem dinheiro, impossível comer salmão com maionese; eu tenho dinheiro, não devo comer salmão com maionese; quando então eu comeria o salmão com maionese!" (p. 79).

Esse exemplo, embora também apresentando, nós o veremos, suas "complicações indesejáveis", é o primeiro que nos permite, segundo Freud, compreender a primeira taxinomia que ele tenta, não sem dificuldade, estabelecer. Essa taxinomia tem como critério a "técnica" empregada no próprio chiste, à diferença da "tendência" ou intenção atribuível ao autor do chiste e que constituirá o critério de uma segunda taxinomia independente da primeira. A distinção técnica principal está entre "jogo com a palavra" (Wortwitz) e "jogo com o pensamento" (Gedankenwitz). Primeira surpresa para o leitor de Platão e de Aristóteles: o sofisma não está onde é esperado em primeiro lugar. Com efeito, não é localizado como na Metafísica "nos sons da voz e nas palavras", ele não joga, como nas Refutações sofísticas, em primeiro lugar e antes de tudo com a "homonímia", quer dizer, com o mal natural e inevitável constitutivo da nossa linguagem, onde, sendo as coisas em número maior do que as palavras, uma mesma palavra deve necessariamente designar várias coisas que têm definições diferentes. Certamente a homonímia constitui efetivamente para Freud a forma mais realizada do "jogo com a palavra" que pode proceder, segundo diferentes modalidades da mesma técnica, por "condensação" ("familionário"), por "emprego do mesmo material" ("traduttore/traditore") ou, estritamente, por "duplo sentido" ("é o primeiro vol (voo/roubo) da águia", a propósito de Napoleão) e tira proveito assim da avareza da língua para se oferecer o benefício da poupança (pp. 65-71). Mas a história do salmão com maionese está presente para nos introduzir ao contrário à segunda categoria: não mais ao jogo com a palavra, mas ao jogo com o pensamento, cuja característica é exatamente a de ele se manter "quando se substituem as palavras por outras enquanto seu sentido subsistir" (p. 82). A história não funciona mesmo como tipo, diferentemente daquela do banho por exemplo ("Tomaste um banho? — Como? então te faltava um?") a não ser por não apresentar "mais vestígio de duplo sentido": trata-se somente de uma "repetição efetiva de palavras idênticas, repetição exigida pelo próprio sentido da frase" (p. 79). O que sugere então a Freud designar esse respeito pela univocidade constitutiva do sentido com o termo de sofisma?

Que particularidade a resposta desse infeliz arruinado apresenta ainda? É a de assumir de modo impressionante o caráter da lógica. Erroneamente, entretanto, já que a resposta é certamente ilógica. O pobre se defende por ter empregado o dinheiro emprestado em uma guloseima e pergunta, com uma aparência de razão, quando lhe será permitido enfim comer salmão. Mas essa não é a resposta exata para a pergunta, o benfeitor não lhe censura o fato de ter se oferecido salmão no mesmo dia de seu empréstimo, mas lhe faz sentir que, na situação em que se encontra, não tem absolutamente o direito de pensar em iguarias. Nosso pobre arruinado não leva em conta o único sentido possível dessa censura; ele passa ao largo da questão como se a houvesse compreendido mal (p. 79s.).

Assim a técnica do salmão com maionese não repousa sobre um equívoco, mas sobre um "desvio" do sentido — "do sentido da censura na resposta" — que Freud propõe designar, como no sonho, por “deslocamento”: um deslocamento do "acento psíquico do tema primitivo sobre um tema diferente" (p. 82). O termo "sofisma" aparece pela primeira vez, quando da retomada do exemplo, para designar esse deslocamento: o salmão com maionese "apresenta-nos uma fachada que deslumbra por uma ostentação de elaboração lógica; ora, a análise nos mostrou que essa lógica esconde um sofisma, em particular, um deslocamento do curso do pensamento" (p. 89). O sofisma é assim o ilógico escondido sob o lógico, que reduz a lógica a ser apenas um "revestimento", uma "aparência", um "como se", uma "fachada", uma "ostentação". Com essa distorção entre aparência bela ou sadia e realidade enganadora, Freud reencontra com efeito uma outra dentre as caracterizações mais tradicionais da sofística desde Platão e Aristóteles, a que, para se ater ainda ao primeiro capítulo das Refutações sofísticas, compara os raciocínios sofísticos a esses homens que parecem belos à força de se maquiar, ou aos objetos de litargírio, de estanho ou de metal amarelo. A sofística joga com o pseûdos, mistura de falso e de mentira ou de má fé, para se fazer passar pelo que não é: lógica e sabedoria.

Mas é preciso notar entretanto que, em todas as outras histórias dessa série, com exceção da última, e assim como na do banho, a eliminação do duplo sentido por Freud é mais do que laboriosa: com efeito, é sempre um duplo sentido que "permite o desvio na sequência das ideias" (pp. 84, "85). É necessário para ele distinguir finalmente entre dois tipos de deslocamento: o deslocamento prévio em ação na elaboração da própria palavra espirituosa, entre pergunta e resposta por exemplo, e o deslocamento produzido apenas na compreensão do ouvinte, para fazer a diferença entre jogo com pensamento e jogo com a palavra. "No caso em que essa distinção mantivesse alguma obscuridade", acrescenta Freud, o "meio infalível" permanece a "tentativa de redução", que deve provar a independência das variáveis: conservar o duplo sentido perdendo o deslocamento e portanto o caráter espirituoso. Por exemplo: "'Tomaste um banho? — O que consideram que tomei? Um banho? O que é que há? Isso não é um chiste, mas um exagero malévolo ou zombeteiro" (p. 84). Mas Freud tem razão em achar esses exemplos "complexos e difíceis de analisar; pois suas tentativas de redução são pouco convincentes, pareceria antes que o deslocamento não ocorreu quando, e parque, o duplo sentido ("tomaste") não funciona mais livremente. Parece que o uso da homonímia continua a ser, apesar de tudo, uma das armas privilegiadas do pseûdos:

Até aí então nada de realmente novo no que concerne à sofística. Mas a continuação da taxinomia não deixa de ser perturbadora. Seguem-se, com efeito, duas séries de exemplos: a primeira utiliza a técnica não mais do deslocamento mas do "contra-senso" (p. 85), a segunda utiliza "outros erros de raciocínio" e, mais precisamente, "outros erros de raciocínio sofísticos" (p. 101). A taxinomia se esgotará com a categoria dos erros de raciocínio automáticos (p. 101), depois com a da unificação e a da representação indireta (p. 128). Erros de raciocínio, unificação, representação indireta são assim as três rubricas do espírito do pensamento, enquanto a primeira rubrica se divide em erros sofísticos e erros automáticos. Visivelmente então, o salmão com maionese e as duas outras séries de exemplos devem ser reagrupadas sob uma mesma classe: a dos erros de raciocínios sofístico 1. Deve-se entretanto notar que o termo sofisma só é pronunciado para a primeira e a última série: a série intermediária apresenta com efeito uma dificuldade.

Eis como Freud o introduz: "Essa palavra (salmão com maionese), talvez por simples contraste, nos oriente quanto a outros chistes que ao contrário ostentam abertamente o contra-senso, o não-senso e a asneira" (p. 89, grifos nossos). O exemplo "o .nais nítido e o mais puro" disso é o do artilheiro Itzig, inteligente mas indisciplinado, a quem um superior benevolente aconselha comprar um canhão para se instalar por conta própria. Ora, "esse conselho muito cômico é evidentemente um não-senso", mas "um semelhante não-senso espirituoso não é desprovido de sentido": "ele se conforma à asneira de Itzig, faz com que ele dela se convença" (p. 90). Dessa vez então, é o não-sentido que serve de "fachada" ao sentido. Freud encontra assim muito naturalmente a definição canônica do chiste como "sentido no não sentido", mas ela deixa no momento ler de forma ambígua ao mesmo tempo como inversão e como espécie do sofisma.

Compreende-se por que Freud, para essa única série exemplos, não hesita um instante em seu diagnóstico de chiste, enquanto para a primeira série "podemos ser tentados a negar à anedota que nos faz rir (o salmão) o caráter de chiste" (p. 79) e que, para a última, ele se vê mesmo forçado a fazer "uma confissão que não é desprovida de interesse": na falta de critério, é preciso considerar o exemplo do doce como "um chiste, um traço espirituoso sofístico ou simplesmente como um sofisma?" (p. 97). Com essa última série de "desvios do pensamento normal", que oferece o corpus mais propício aos amadores da sofística histórica, retorna-se com efeito à "aparência da lógica característica do sofisma e destinada a encobrir o erro de raciocínio" (p. 98). Como no primeiro caso então, é a lógica que é "fachada", "travestimento" (p. 96). Mas, além disso, a análise do erro se precisa segundo duas dimensões. A distorção em relação ao real, assinalável em três das histórias do corpus: a do doce ("Um senhor entra numa confeitaria e pede um doce; ele o troca em seguida por um pequeno copo de licor. Ele o bebe e quer sair sem pagar, o gerente o retém. 'O que é que você quer?' — 'Pague seu licor' — 'Mas eu te dei um doce em troca' — 'Você também não o pagou' — 'Mas eu não o comi'"), já que o cliente, "pelo artifício de um duplo sentido — sempre a homonímia — cria uma relação inexistente na realidade"; a do casamenteiro de mulher coxa (o acidente é "fato consumado", mas quem preferiria "uma infelicidade realizada a uma infelicidade eventual?"), como a do rabino de Cracóvia que anuncia erroneamente que o rabino de Lemberg acaba de morrer ("Pouco importa, diz o fiel: enxergar de Cracóvia a Lemberg, eis algo sublime"), nas quais "é feita abstração da realidade em favor da possibilidade". Em seguida a recusa da "soma", do "e", do "ao mesmo tempo", que, sozinha, pode fazer contradição, assinalável na história do casamenteiro da corcunda ("você precisa então de uma mulher sem defeito"), assim como na muito célebre história do caldeirão. Em todos esses casos, Freud reencontra a via muito antiga traçada por Platão e Aristóteles: o sofista prefere as ficções das palavras à realidade das coisas e não se preocupa com a verdade como adequação ao real; é isso que lhe permite se aquartelar no tempo da enunciação e de se refugiar na sequência discursiva para resistir à universalidade da não-contradição.

Assim, nessa primeira taxinomia, Freud retoma todos os elementos mais tradicionais da desvalorização da sofística, exceto por uma distorção considerável, já que ela coincide com a aparição do sofisma dentre os chistes: a de que poderia tratar-se, ao menos na segunda série de exemplos, do elemento sentido no não-sentido antes que do elemento não-sentido no sentido. A análise da segunda taxinomia permitirá seguir, de modo não menos hesitante, nessa nova via.

Como a segunda taxinomia não coincide com a primeira, não nos espantaremos de encontrar o sofisma tanto do lado “inofensivo” quanto do lado "tendencioso". Além disso, à parte analítica se sucede uma parte sintética onde Freud, reagrupando todas as suas indicações taxinômicas, se interroga sobre "o mecanismo do prazer" produzido pelo chiste: como a problemática desses dois capítuloTse completa, eu os utilizarei simultaneamente. "Em que os chistes sofísticos podem ser inofensivos e qual prazer ^ngendram então? [Osório diz: pelo acima, o sofisma também admite um “duplo discurso” sobre ele ou sobre o que ele pode “fazer”: ser inofensivo ou ser tendencioso. Isso me remeteu para a Retórica, segundo a visão de Platão/Aristóteles, pode ser boa ou má, o só vem confirmar a tese protagórica!]

Quando ele é inofensivo, "o espírito se basta a si mesmo para além de qualquer segunda intenção" (p. 145), "é para si mesmo sua própria finalidade" (p. 156): buscamos apenas, com esse funcionamento "autônomo", análogo à representação estética, despertar o prazer no ouvinte e obter para nós mesmos o prazer (p. 154s.). Freud observa, de passagem, que "os jogos de palavras inofensivos e superficiais apresentam o problema do espírito sob sua forma mais pura porque eles... nos fazem escapar ao erro de julgamento que se prende ao valor do sentido" (p. 152). Reitera essa observação, na parte sintética, anotando em pé de página que "os chistes 'maus'" — como "rolo caseiro", o rocambole feito em casa (p. 152, 198, ver também 202) onde a homofonia não corresponde a nenhuma ligação "fundada sobre o sentido" — "não são absolutamente maus como ditos espirituosos, quer dizer, não são inaptos a engendrar o prazer". No inofensivo puro, no mau jogo de palavras, não há sentido mas ainda prazer e pode-se mesmo falar de "prazer do não-sentido" (p. 206).

O peremptório seria tão sintomático quanto as hesitações precedentes, pois séculos de resistência aos sofismas, a dificuldade de abandonar o "caminho percorrido" — traçado já pela deusa para Parmênides: o ser é e o não-ser não é —, enfim a atitude do próprio Freud, não levam ninguém a crer que seja tão fácil abandonar o sentido. É verdade que então não se trata mais de "a vida séria", mas novamente da criança, do toxicômano — a conversa mole da cerveja —, do ginasiano neurótico e de certas categorias de psicopatas... E Freud se espanta com o fato de que, "assim fazendo, a elaboração do espírito seja uma fonte de prazer, já que, fora do espírito, qualquer manifestação análoga do menor esforço intelectual desperta em nós desagradáveis sentimentos de repulsa" (p. 206).

A análise dos "exemplos extremos" que Freud propõe em uma nota, bem no fim dessa primeira parte sintética, esclarece ainda mais esse prazer que o adulto aristotélico experimenta em voltar à infância. Prazer ao qual eu não resistirei... "Um conviva, a quem se servia peixe, mergulha por duas vezes as mãos na maionese e as passa em seus cabelos. O espanto de seu vizinho de mesa parece fazer com que ele reconheça sua inconveniência e ele se desculpa dizendo: 'Perdão, pensei que fosse espinafre!'". Freud, que não sabe como nomear esse tipo de palavras — "parecem ter direito à denominação de asneiras de aparência espirituosa" —, nos explica que elas produzem seu efeito "porque retêm o ouvinte na expectativa de um chiste, de modo que ele se esforça para descobrir o sentido escondido pelo não-sentido, sem todavia encontrá-lo, já que é um não-sentido puro e simples".

Há assim como que uma tendência do espírito não tendencioso que consiste em se servir das armas da razão — o princípio de economia, a pregnância das formas lógicas, o reflexo do sentido — contra a própria razão, em uma violência sempre segunda, sempre crítica, para reestabelecer "liberdades primitivas" e "mitigar o jugo da educação intelectual" (p. 210). Mas essa é, como a sofística, uma manifestação ao mesmo tempo salutar e repugnante, cujo caráter marginal deve ser mantido.

O exame do espírito inofensivo permite assim condenar/reabilitar o prazer do não-sentido. O do espírito tendencioso levará ainda mais longe e de modo menos ambíguo: permite conduzir sem vestígios o não-sentido para a jurisdição do sentido, atribuindo um sentido — e que sentido — ao não-sentido.

Freud já indica essa via quando propõe, na parte analítica a "versão reduzida" do salmão com maionese, a fim de provar que essa categoria de chistes prende-se não às palavras mas ao pensamento, e ao deslocamento censura-resposta. Caso se fizesse [p. 290] o gourmet responder “de modo direto”, não haveria mais do que rir. “A versão reduzida seria então a seguinte: 'Não posso ficar sem comer aquilo que adoro e pouco me importa de onde vem o dinheiro. Eis o motivo pelo qual como salmão com maionese hoje, depois você ter me emprestado dinheiro'". Mas, acrescenta Freud, "isso não seria mais ter espírito, seria cinismo".

Quando retoma a análise do salmão com maionese na perspectiva da segunda taxinomia, Freud descobre, ao lado das duas tendências óbvias que são a intenção obscena (o espírito que desnuda) e a intenção agressiva ou hostil, uma tendência mais difícil de circunscrever e que ele classifica provisoriamente de intenção “séria” (p. 175). A fachada lógica que, na primeira taxinomia só mascarava um "erro" desvalorizado como ilógico, assume agora uma outra função, a de dissimular "que aí se diz alfo proibido" (p. 172) ou, mais terminologicamente, a de "desviar a atenção" do fato de se tratar aí da "suspensão da inibição" (p. 250): "Não tememos nos enganar supondo que todas as histórias com fachada lógica queiram verdadeiramente dizer o que pretendem dizer com argumentos voluntariamente errôneos. É precisamente esse emprego do sofisma como intermediário da verdade que lhe confere o caráter espirituoso, caráter que depende, assim, antes de tudo, da tendência" (p. 175). A verdade, que era até o momento o outro do sofisma, se encontra agora revelada por este, que suspende não apenas o recalque aristotélico mas qualquer recalque, exatamente como o lapso ou o sonho, para deixar falar o desejo. O sentido não está mais onde parecia, na fachada lógica, mas no lugar do não-sentido. Um chiste sofístico não pode mais ser analisado nem como não-sentido no ou sob o sentido, nem apenas como sentido no não-sentido: é o não-sentido feito sentido.

A fachada lógica torna-se agora o índice ou o sintoma da nossa aprovação; o gracejo — nosso riso — é uma formação de compromisso e a contradição lógica / ilógica apenas manifesta, ou traveste, a contradição moralidade / imoralidade, na qual estamos todos mergulhados. Enfim, se estamos ainda "chocados", não é mais porque a preguiça intelectual nos repugne, mas simplesmente porque o homem do salmão proclama a verdade do desejo por ocasião de um gozo "inferior" ou "supérfluo".

Quando ao nome especial, não se poderia deixar de observar, que Freud apela sucessivamente para todas as escolas marginais da Antiguidade: após a sofística, o epicurismo, depois o cinismo e mesmo, mais adiante, o ceticismo. Pois o salmão com maionese seria, continua ele, uma história "simplesmente epicuriana": ela equivale a dizer: "esse homem tem razão, não há nada além do prazer, pouco importa a maneira pela qual ele seja proporcionado' (p. 178). A apologia do Carpe diem, murmurada "em voz baixa" pelos chistes, é bastante rearfirmada atualmente, e por Freud amplamente aqui mesmo, em face de uma moral que "exige sempre sem indenizar": "se deus está morto, essa moral não é senão "o decreto egoísta de alguns sujeitos ricos e poderosos que podem, só eles, sempre sem demora, satisfazer todos os seus desejos”. Todo homem de "boa fé, e portanto Freud, "acabará in petto ao menos por confessar isso" (p. 180). E Freud acrescenta abruptamente, reatando com sua primeira análise: "Estamos enfim em condições de dar a esses chistes o nome que lhes convém: são chistes cínicos, o que eles encobrem é cinismo". Daí a abundância, no corpus sofístico, das histórias de casamentos e de casamenteiros, que dizem a verdade do conflito entre civilização e liberdade sexual, e a pregnância das histórias judaicas, onde se exprimem "a autocrítica do povo judeu" e os "mil aspectos da sua miséria sem esperança". Assinalemos, enfim, o apelo ao "ceticismo" como "busca do critério da verdade", a propósito da única mas tão marcante história dos dois judeus no trem ("Como você é mentiroso! Você diz que vai à Cracóvia para que eu creia que vá a Lemberg. Mas sei bem que você vai realmente à Cracóvia. Por que então mentir?" p. 189). Pois da sofística ao ceticismo, não apenas de modo negativo, a tendência séria junta-se à tendência do chiste sem tendência: "abalar o respeito devido às instituições e às verdades" (p. 219), fazendo-se crítica da razão crítica. Mas, para além e de modo positivo, ela preconiza, por meio da inibição, por deslocamento e contradição, em lugar da "verdade filosófica" (p. 26), essa verdade mais verdadeira que é a expressão do inconsciente, reencontra assim, sob o nome das escolas antigas, os tópoi mesmos da sofistica: natureza, e lei, desejo, prazer, gozo, medida subjetiva. [Osório diz:

Todos os elementos de uma reinterpretação positiva da sofística estão assim presentes em Freud: tendo como fundo a atenção dispensada ao dizer, pertinência do que ele não nomeia jogos de significante e pertinência dos erros de lógica. Mas é preciso constatar que — está excluído de jacto, que essa análise tão nova do prazer de falar se efetue, mesmo se a verdade mudasse de sentido, fora desse registro aristotélico de sentido.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 281-293).

 

 

 

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