Sofística
(uma biografia do conhecimento)
41.46 – Aidós.
É Barbara Cassin quem diz:
“Aidós é o "respeito da opinião pública", o "sentimento de respeito humano"5, logo de forma alguma um sentimento de obrigação moral cuja transgressão provocaria um problema de consciência, mas o sentimento do olhar e da espera do outro. Da mesma forma, díke, de deíknymi, "eu mostro", antes de ser a disposição própria do justo, diz a regra, o uso, a norma pública da conduta. Aidós é assim apenas a motivação para respeitar díke, e a díké só tem força na medida em que cada um experimenta do aidós: "respeito" e "justiça", depois "justiça e controle de si" (dikaiosyns, sóphrosýné, 323a), adquirem sentido na concepção sofística apenas quando mediatizados pelo olhar do outro. É por isso que Protágoras proclama ao concluir o mito que "em matéria de justiça e de virtude política em geral, mesmo quando sabemos que um homem é injusto, se ele diz publicamente a verdade sobre si mesmo (talethê légéi), o que acreditávamos sabedoria há pouco (dizer a verdade) é aqui loucura", e "diz-se que todos devem dizer" que eles são justos (kaï phasin pántas deln phánaï), quer o sejam ou não, e que "aquele que não finge a justiça (prospoioúmenon) é um louco" (323bc). O princípio de publicidade é necessariamente princípio de hipocrisia, como para Ântifon, que define o bom uso da justiça pela observância das prescrições das leis quando se está em presença de testemunhas e pela observância das prescrições da natureza quando se está na solidão do privado (87 B44, f r. A, col. 1).
É bem isso que desenvolve o lógos de Protágoras, que se segue ao mito: a virtude é como o lógos, é um aprendizado da convenção. A cidade inteira ensina o "valor", areté, ao mesmo tempo em que ensina a falar. O aprendizado começa desde que a criança "presta atenção" ou "compreende o que lhe é dito" (syníei tà legómena, 325c 7), desde que efetua a "convenção" que são as palavras. Ele prossegue através do estudo das formas mais e mais refinadas do lógos, até esta instância eminente que é sua prestação de contas no fim da magistratura (326e). É por isso que não existem mais mestres de virtude do que mestres de grego (328a): o poder da justiça, a virtude política, se confunde com o do lógos. Mas é também por isso que Protágoras se considera um dos melhores professores.
Observaremos, para concluir, que o que ressalta do lógos após o mito, a saber que o próprio lógos constitui a virtude política por excelência, (...) (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 82-83).