Sofística
(uma biografia do conhecimento)
41.38 – Péricles e suas relações com Sofistas e outros intelectuais.
Kerferd ensina:
“Os sofistas, então, supriam uma necessidade social e política. Mas além disso eles deviam muito ao patronato individual e, acima de tudo, ao patronato de um homem, Péricles. Isso é algo que talvez não tenha sido sempre reconhecido, tanto quanto deveria, nos relatos sobre o movimento sofista [Osório diz: eu, particularmente, sempre o reconheci!]. A falta de dados torna difícil para nós formar qualquer juízo claro e confiável sobre a personalidade de Péricles. Mas seu intelectualismo não se discute. Seus associados mais próximos e, ao que parece, seus únicos amigos pessoais eram artistas, intelectuais e filósofos. Um dos sofistas, o ateniense Damon, amigo de Sócrates e fiel companheiro de Pródicos, foi mencionado como seu "instrutor e mestre em política", e Isócrates disse de Damon que ele era considerado o homem mais sábio de seu tempo. Subsequentemente ele ganhou suficiente importância política para ser expulso de Atenas, por dez anos, pelo processo do ostracismo [Osório diz: a entourage de Péricles].
De importância ainda maior foi Anaxágoras. Segundo Plutarco, esse era o homem que Péricles admirava até ao exagero. Adquiriu com ele a sua gravidade de pensamento e de aparência e, mais ainda, seu racionalismo científico e a rejeição da superstição. Isso era ilustrado pela história segundo a qual Péricles fora capaz de explicar o eclipse do sol, em 431 a.C., e acalmar os que estavam assustados, explicando os movimentos do sol e da lua e ilustrando o que dizia com a sua capa, levantando-a, aparentemente para esconder seu próprio rosto. Mais importante, contudo, do que essa história é o testemunho de que tentava basear todas as suas ações em decisão racional e cálculo judicioso (Gnomé) de preferência a emoções (Orgé), esperança ou acaso. [Osório diz: Péricles e Anaxágoras].
Além de Anaxágoras, havia outros intelectuais intimamente associados a Péricles (cf. [Platão] Alcib. I 118c). Protágoras era certamente um deles. Ele elogiava Péricles por sua atitude filosófica depois da morte de seus dois filhos ilegítimos na praga de 429 a.C. (DK 80B9). Muito antes, ele tinha sido claramente escolhido, por Péricles, para escrever as leis para a nova cidade de Turói, uma importante fundação na Itália meridional, no ano 444/443 a.C. O traçado das suas ruas fora encomendado a Hipódamo de Mileto, teórico político e planejador urbanista que foi também responsável pela configuração das ruas do porto de Atenas, em Pireus. É-nos dito, ainda, que Protágoras passou, certa vez, um dia inteiro conversando com Péricles sobre a questão de quem ou o que deveria ser corretamente acusado por uma morte acidental ocorrida durante a celebração de um festival atlético — a arma (um dardo), o homem que o lançou ou os organizadores dos jogos. [Osório diz: Péricles e Protágoras].
Uma outra tradição preservada por Plutarco (Per. 4,3), mas provavelmente conhecida também por Platão (DK 29A4), conta que Péricles ouvia as conferências de Zenão, o Eleático. Outros do seu círculo eram Heródoto, o historiador, Fídias, o escultor, e Sófocles, o tragediógrafo. [Osório diz: a entourage de Péricles].
A provável influência do pensamento sofista em Péricles não passou, de fato, despercebida. Mas a importância dele na promoção do movimento sofista não era, claramente, menos importante. Não foi por acaso que sofistas de todo canto do mundo grego vieram para Atenas. Isso foi devido, em parte, à própria Atenas. Primeiro, porque a cidade oferecia excelentes oportunidades para um sofista ganhar muito dinheiro e, segundo, em nível mais elevado, porque, sob muitos aspectos, ela estava em processo de se tornar um verdadeiro centro intelectual e artístico para toda a Grécia. Mas o patronato individual era também importante. Protágoras, o diálogo de Platão, abre com um brilhante cenário na casa de Cálias, em Atenas. A cena dramática é colocada exatamente antes do começo da Guerra do Peloponeso. Hospedados na casa de Cálias estão Hípias e Pródicos, aos quais se reunira, recentemente, Protágoras, que chegara do exterior dois dias antes. Estão presentes, também, muitos dos seus seguidores e discípulos reunidos para ouvir seus discursos. Esse Cálias pertencia a uma das famílias mais ricas de Atenas e, segundo Platão, na Apologia (20a4-5), gastou mais dinheiro com os sofistas do que foi gasto por todos os outros juntos. Não pode ser insignificante o fato de sua mãe ter sido a primeira mulher de Péricles, antes de se casar com o pai de Cálias, Hípônico. Além disso, Cálias não era o único patrono particular dos sofistas — ficamos sabendo, por Platão, que Górgias es- [38] tava hospedado e preparado para fazer uma palestra na casa de Cálicles (Górgias, 447b7-8), e especulações posteriores sugeriram que Protágoras fez a leitura de sua obra Sobre os deuses ou na casa de Eurípides ou na casa de um certo Megaclides (Diógenes Laércio IX, 54). [Osório diz: quem foi Cálias / Protágoras leu sua obra – escrita].
Embora fosse esse, claramente, um importante patronato particular, dificilmente teria a mesma importância que o de Péricles. Não sabemos se ele teve, alguma vez, sofistas hospedados em sua casa, mas há menção de conversas com sofistas em sua casa, aparentemente em inúmeras ocasiões (Plut. Per. 36.2). Mas já vimos o seu grande interesse pessoal por eles. Considerando-se a sua posição, é razoável supor que a importância desse interesse tenha sido considerável. A profissão de sofista, em Atenas, não era isenta de perigo. O ponto de partida, aqui, são as palavras que Platão põe na boca de Protágoras:
Quando um homem, que é um estrangeiro, vai para grandes cidades e lá persuade os melhores jovens a abandonar suas associações com outros, sejam parentes ou estranhos, mais velhos ou mais jovens do que eles, para se associarem consigo, movidos pela ideia de que se tornarão melhores mediante a sua associação com ele, um homem que assim procede precisa estar vigilante. Pois grandes são os ciúmes que surgem junto com outros ressentimentos e ataques contra ele [Osório diz: isso parece até uma confissão, no contexto!]. Ora, eu declaro que a arte sofista é muito antiga, mas os que a praticavam nos tempos antigos [Osório diz: já!? A antiguidade da Sofística! É que ela nasceu com o homem: falar é sofismar!], receando o ódio que despertava, construíam um escudo e máscara para si mesmos; alguns deles poesia, como no caso de Homero, Hesíodo e Simônides; alguns, ritos religiosos e profecias, como fizeram Orfeu, Museus e seus seguidores, alguns, tenho observado, também o atletismo, como aconteceu com Icos de Tarento e um outro ainda vivo, Heródico de Selimbria, originalmente de Mégara, tão sofista como qualquer outro; e música foi disfarce adotado por vosso próprio Agátocles, um grande sofista, e Pitocleides de Ceos e muitos outros. Todos esses, como digo, receando a má vontade contra eles, usaram essas artes como anteparos (Prot. 316c5-e5). [Osório diz: rol interessante de sofistas anteriores ao século V! Muito estranha essa não condenação, o que leva a crer até em uma possível distorção dos escritos platônicos]
(...)
Sem dúvida, os que atacavam os filósofos, em Atenas, estavam atacando Péricles. Isso é simplesmente prova do íntimo envolvimento e da patronagem de Péricles em relação ao movimento sofista. Mas os indícios são realmente fortes de que houve toda uma série de processos contra filósofos e outros em Atenas, na segunda metade do século V a.C., geralmente sob a acusação de Asebeia ou impiedade. Isto é preservado não por uma fonte, mas por várias. Entre as vítimas se incluía a maioria dos líderes do pensamento progressista em Atenas: Anaxágoras, Diágoras, Sócrates, Aspásia, Protágoras e Eurípides, embora no seu caso pareça que a denúncia não foi bem-sucedida. De Protágoras se disse que foi exilado de Atenas e seus livros foram queimados (DK 80Ale3); parece não haver dúvida de que Anaxágoras foi exilado, embora a data seja incerta. Fídias, depois de condenado por apropriação indébita, ou morreu na prisão ou foi exilado. Damon, como vimos, sofreu o ostracismo. É difícil acreditar que tudo isso foi simplesmente inventado, a despeito da incerteza sobre alguns detalhes. [Osório diz: perseguição aos intelectuais em Atenas. Mais uma vez Sócrates não difere dos demais sofistas! Sócrates, no entanto, parece que não é do agrado de Péricles! Se o fosse, talvez Platão tivesse dito ou o destacou dos demais, justamente para fazer o contraponto, tentando dizer que ele era o melhor, daí não ter recebido atenção].
Em vista dos testemunhos acima não é de se duvidar da autenticidade da tradição segundo a qual alguns sentiam que seria prudente que o sofista ocultasse o fato de ser sofista. Encontramos isso não só na passagem do Protágoras de Platão citada anteriormente, mas também aplicado a Damon, na Vida de Péricles, de Plutarco; tratado como pilhéria por Sócrates, no seu próprio caso, em Teeteto 149a7 [Osório diz: nisso é pilhéria? No dos outros não?]; como um argumento sério na Apologia 33c4-34b5, e aplicado a outros, além de Protágoras, em Mênon 91e3-92a6. Se os sofistas poderiam ocasionalmente sentir-se inseguros em Atenas, certamente haveriam de ter recorrido ao apoio de Péricles. Consta que Péricles interveio diretamente para socorrer Anaxágoras e Aspásia. Não há por que duvidar de que sua influência estava disponível para socorrer outros também, e é provável que o apoio de Péricles fosse a secreta fonte de segurança em que se fiava Protágoras (Prot. 317B6-7). (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 36-40 e 41).