visão geral

Você está aqui: Home | Sofistas da Atenas de Péricles | Visão geral

13 – Disputa entre os sofistas.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

13 – Disputa entre os sofistas.

 

Kerferd ensina:

 

A resposta de Protágoras, dada por Platão (Prot. 318d7-319a2), é esta:

 

Quando Hipócrates vier a mim, não será tratado como seria se fosse a qualquer outro sofista. Pois os outros causam danos aos que são jovens [Osório diz: disputa entre sofistas! Daí Platão fazer do Sofista Sócrates o sofista diferente de todos os demais]; quando saem dos estudos especializados, eles os pegam outra vez contra a sua vontade e os lançam de novo em estudos especializados, ensinando-lhes cálculos matemáticos, astronomia, geometria, música e literatura — e ao dizer isso, olhou para Hípias —, mas se vier a mim ele não estudará nada mais além daquilo que veio aprender. E o assunto é boa política: em negócios particulares, como governar sua própria família do melhor modo possível; e, nos negócios públicos, como falar e agir mais eficazmente nos negócios da cidade. [Osório diz: o que Protágoras se propunha a ensinar].

Supõe-se, frequentemente, que Protágoras esteja simplesmente ridicularizando um método de instrução que era peculiar a Hípias. Poderia ser, mas não é o que Protágoras diz. Suas palavras são bem claras — o que ele está rejeitando é a abordagem de todos os outros sofistas, todos os que, ele dá a entender, ensinam estudos especializados (318d8 e 9). É verdade que referências, em outro lugar, sugerem que o programa anunciado por Protágoras não era só seu, mas, em certo sentido, representava o que era ensinado por outros sofistas tanto como por ele mesmo (cf. Mênon 91al-b8, Gorg. 520e2-6 Rep. 60Cc7-2, Xen. Mem. 1,2.15). Mas há igualmente prova de que o tipo de conhecimento ensinado por Hípias era aprendido com outros sofistas também. De modo que Protágoras fez um ataque detalhado e aparentemente técnico con- [68] tra os geômetras (DK 80B7).

Uma questão que, sabemos, foi de grande interesse durante todo o período era o problema da quadratura do círculo, que preocupava Anaxágoras (DK 59A38) e que Antífon afirmava ter descoberto como fazer pelo método da exaustão. Temos sorte de ter um relato minucioso de sua proposta, preservado por Simplício (DK 87B13). O método, é claro, está baseado num engano, e Aristóteles podia, com razão, afirmar que ele não está baseado em princípios geométricos sólidos. Não obstante, era uma tentativa de resolver o problema [Osório diz: ninguém condena os “doutores da igreja” por discutirem quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete]. Ao próprio Hípias se atribuía a descoberta de uma curva, a quadratrix, usada na tentativa de fazer a quadratura do círculo, e também a trissecção de um ângulo. É natural supor que quando, no Mênon, Sócrates passa a obter respostas de um menino escravo, por meio de um diagrama, sem dúvida desenhado na areia, ele esteja seguindo um método bem conhecido de ilustrar problemas geométricos com desenhos [Osório diz: com isso, não se pode dizer que Sócrates não conhecia física, como se diz para combater Aristófanes em As nuvens]. Que havia discussões geométricas nos círculos sofistas está bem atestado pela observação casual de Sócrates, naquele diálogo (85b4), dizendo que a linha desenhada de canto a canto através de um oblongo é chamada de diagonal pelos sofistas. Como esta é apenas a segunda vez que a palavra diametros, em lugar de "diagonal", é encontrada em grego (a primeira vez é em Aristófanes, As rãs 801), é provável que a palavra fosse um termo técnico relativamente novo e pouco familiar — na verdade, não é impossível que a palavra tivesse, realmente, sido inventada por um dos sofistas. No caso da astronomia, temos uma prova muito forte no Nuvens de Aristófanes. Aí, Pródicos é descrito como um tipo de “sofista de ar superior” (meteorosophistes) e Sócrates é [69] mostrado num palco, balançando-se num tipo de cesto que lhe possibilita ver mais claramente os objetos no céu que ele está ocupado em contemplar. [Osório diz: ninguém questiona a descrição de Pródicos, já a de Sócrates...]

Os testemunhos citados até aqui indicariam que o contraste entre Protágoras e Hípias pode não ter sido tão grande como é sugerido pela declaração que Platão põe na boca de Protágoas. Essa declaração tem, na verdade, probabilidade [72] de ser essencialmente correta naquilo que realmente diz. Mas há, entre as duas abordagens, uma diferença que, historicamente, é de considerável importância. Protágoras, na sua crítica de Hípias e de outros como ele, está levantando uma questão de relevância ao sugerir que ele, Protágoras, ensinará o que o estudante realmente quer aprender como preparação para a vida que está pretendendo levar. Associada a essa, há uma outra questão também. Heráclito tinha atacado Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes e Hecateu, alegando que polimatia ou aprendizagem em muitos assuntos não produzia compreensão (DK 22B40), sem dúvida porque isso não tinha levado os homens a uma compreensão do que ele considerava sua própria especial percepção da natureza do universo. Daí em diante, o valor de polimatia foi uma questão discutida, e encontramos Demócrito dizendo (DK 68B65) que o que é preciso não é polimatia no sentido de aprender muitas coisas mas, antes, no de compreensão de muitas coisas. Essa era a questão entre Protágoras e Hípias, não a da série de coisas que precisamos compreender. É provável que a posição de Protágoras esteja resumida na declaração atribuída a ele (DK 8DB11): educação não brota na alma, a menos que se vá a uma profundidade maior. É possível que isso signifique que não basta ficar no nível dos fenômenos, que são a matéria da polimatia mas que precisamos prosseguir para o que é hoje chamado de estudo em profundidade, numa tentativa de compreender os princípios subjacentes comuns a todos os assuntos que devem ser estudados. [73] [Osório diz: frase de Protágoras]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 67-69 e 72-73).

 

5

Você está aqui: Home | Sofistas da Atenas de Péricles | Visão geral