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10.5 – Sofística e retórica – diferenças, para Aristóteles.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

10.5 – Sofística e retórica – diferenças, para Aristóteles.

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Mas a diferença entre retórica e sofística é, basta Platão para atestar isso, mais difícil de ser determinada. Pois a retórica não se preocupa antes de tudo com o concludente, mas com o persuasivo. E, olhando mais de perto, a simetria é falsa: "aparentemente persuasivo" não tem verdadeiramente o mesmo sentido que "aparentemente concludente". De fato, o aparentemente concludente é em realidade não-concludente, ao passo que o aparentemente persuasivo permanece persuasivo enquanto persuadir. A diferença deve-se à própria natureza do persuasivo, que é sempre "persuasivo [p. 120] para alguém" (Ret., I, 2, 1356b 28) 22, como à definição da retórica, que não deve fazer a distinção entre o verdadeiro e o aparente, mas apenas buscar, em todos os casos, os meios de persuadir. Por falta de capacidade crítica, não há intenção não enganadora implicada pela, ou coextensiva à, retórica. É precisamente por isso que, dessa vez, pode-se ser simultaneamente orador e sofista. É o que confirma o estudo, no fim do livro II, dos "entimemas aparentes" (cap. 24, l00b 38, 1401a 41): eles existem certamente ao lado dos simples entimemas, exatamente como os silogismos aparentes ao lado dos silogismos. São suscetíveis de uma classificação em lugares análoga, ao menos parcialmente, àquela que propõe as Refutações sofísticas. Mas a diferença de estatuto manifesta-se na conclusão, com a lembrança da techné de Córax e da pretensão ostentada por Protágoras: duas proposições contraditórias parecem em conjunto verossímeis, ou inverossímeis; assim, que um raquítico seja culpado de sevícias é inverossímil, mas que um homem forte o seja, também é inverossímil porque já é sempre verossímil que nós o creiamos culpado; de modo que a inocência é verossímil nos dois casos: simplesmente verossímil, ou verossímil por sua própria inverossimilhança.

E é isso que é tornar mais forte o argumento mais fraco. Sendo assim, os homens, em toda a justiça, tinham dificuldade em suportar a proclamação de Protágoras; pois é falsa, e um verossímil que não é verdadeiro mas aparente, e não se encontra em nenhuma outra arte a não ser na retórica e na erística (1402a 24-28).

Para poder fazer a distinção que falta do ponto de vista da competência entre o orador e o sofista, é preciso definir o orador não somente por sua "ciência" — compreendo: a técnica retórica considerada do ponto de vista de seu desdobramento causal (thebreín to pithanón, 2, 1355b 32) —, mas também por sua "intenção", a intenção de perfazer o triunfo natural do verdadeiro e do justo pela técnica, e de ajudar a julgar (hai kríseis) como convém, a separar o aparente do verdadeiro (l, 1355a 21-23; cf. 14-17 e 36-38): "do ponto de vista da retórica seremos oradores ora por nossa competência científica, ora por nossa [p. 121] intenção". É somente quando se apela para a intenção, quando se acrescenta alguma coisa como uma vontade crítica que não pode entrar nos requisitos da techné rhetoriké enquanto tal, mas depende já, parece-me, de uma exigência meta-retórica que se pode distinguir, pela boa e a má intenção, o orador do sofista. O fato de que só se possa tratar de um suplemento, desmentido pelos próprios princípios que fundam a competência, faz efetivamente da retórica uma disciplina menos moral, quer dizer, menos confiável ontologicamente, do que a dialética.

22. Acrescentemos que o "para alguém" não significa "para cada indivíduo" (to kath'hékaston, Sócrates, Cálias), mas "para cada gênero de pessoas" (íò toioísde), o que confirma ao mesmo tempo a proximidade com a dialética, e a cientificidade da técnica retórica (Retórica, I, 2, 1356b 28-35);

Assim, a retórica brota, por assim dizer, do enxerto ético. Mas ela não poderia ser podada, pois traz frutos tão específicos quanto indispensáveis. Para fazer face ao perigo sofístico, Aristóteles pode somente, no subterfúgio de uma frase, lhe fazer, precisamente, esse enxerto de ética 23.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 121-122).

 

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