"Todos vamos envelhecer... Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar. Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios. Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. Aprenda: bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio."
Autora: Adélia Prado em "Erótica é a Alma".
O homem (e a mulher e o terceiro gênero) vai ficando ranzinza à medida que envelhece porque as coisas deixam de ser novidade para ele. Perdemos a capacidade de nos espantar, pois nada mais, ou quase nada mais, nos é novo, inédito, capaz de causar-nos admiração.
Quando alguém nos mostra algo “fantástico”, inovador, criativo, se estivermos de bom humor mentimos, pois concordamos apenas para não desagradar. Se estivermos de mal humor, apenas resmungamos!
Mas, sendo isso a vida, resta apenas policiarmo-nos para fugirmos, o máximo possível, do sermos desagradáveis.
Vejam algo que o Osório di Maraã Barbosa, meu caçula mais querido achou a cara do seu pai em: https://www.youtube.com/watch?v=NUhfv2HSbzg.
Obrigado à Cris pela imagem maravilhosa e ao Beto pelo texto, menos maravilhoso apenas por não ser uma cópia fiel da Antonia Angela, a caçula mais querida do papai.
Até mais,
Abraços,
Osório
POEMEMOS:
Canção dos quarenta anos.
Poema, suspende a taça
pelos dias que vivi,
Espelho, diz-me em que jaça
mais fiel me refleti.
Quarenta anos correram
e neles também corrí.
Quarenta anos, quarenta!
(Quantos mais ainda virão?)
Morrerei hoje de infarto
ou amanhã de solidão?
Serei pasto da malária?
Serei presa do avião?
A morte engendra a esperança.
A morte sabe fingir.
A morte apaga a lembrança
da morte que vai ferir.
E em cada instante que passa
a morte pode surgir.
Quem pode medir um homem?
Quem pode um homem julgar?
Um homem é terra de sonhos,
sonho é mundo a decifrar,
naveguei ontem no vento,
hoje cavalgo no mar.
Hoje sou. Ontem, não era.
Amanhã, de quem serei?
Um homem é sempre segredos.
(Por qual deles purgarei?)
Dos meus netos, qual o neto,
em que me repetirei?
Que virtudes foram minhas?
Que pecados confessar?
Que territórios de enganos
a meus filhos vou legar?
A quem passarei meu canto
quando meu canto passar!
Ah! como a vida é ligeira!
Ah! como o tempo deflui!
Este espelho não mais fala
da criança que já fui,
das minhas rugas ruindo
apenas um nome rui
Quedê rede balançando?
Quedê peixinhos do mar?
Quedê figo da figueira
pru passarinho bicar?
E o anel que tu me deste
em que dedo foi parar?
Dezembro chama janeiro,
(fevereiro vai chamar?)
Monte-Cristo se me visse
não iria acreditar.
Como está velho, diria
a donzela Dagmar.
Um homem cresce espalhando
o reino em que foi feliz.
Onde Athos? Onde Porthos?
Onde o tímido Aramis?
Um homem cresce querendo
e cresce quando não quis.
Crescer é rima de vida
mas também é de morrer.
Crescer é terna ferida,
que só dói no entardecer.
Em cada raiz da morte
há sempre um verbo crescer.
E cresço: macho e poeta.
(Subo em linha, volto em cor)
cresço violentamente,
cresço em rajadas de amor,
cresço nos filhos crescendo,
cresço depois que me for.
Cresço em tempo e eternidade,
cresço em luta, cresço em dor,
não fiz meu verso castrado
nem me rendo ao opressor,
cresço no povo crescendo,
cresço depois que me for.
E cresço na aurora livre
galopando esse corcel.
cresço no verso espumando
entre as linhas do papel.
cresço rubro de esperança
na barba de Don Fidel.
Quarenta anos, quarenta!
(E nem sequer percebi !)
Quarenta anos correram
e neles também corri.
E nesses quarenta anos,
Oitenta de amor por ti.
Autor: Ruy Bararta (Violão de Rua – 1962 [Cadernos de Povo Brasileiro]).
Fonte: http://www.culturapara.art.br/rbarata/ruypoema.htm.
Tirando a menção ao tal de Fidel, me encantei com o poema!
A menção, contudo, “data da data” do poema, início dos anos de 1960. Portanto, o poeta merece uma absolvição da história.