Depois de um mês de férias em Manaus, volto ao trabalho e à vida em Sampa!
Logo na saída do saguão do aeroporto me recebe uma baforada horrível de tabaco! A cidade parece, muitas vezes, um pútrido cinzeiro!
É fato!
Em Manaus poucas pessoas caminham pelas ruas fumando! Mulheres, quase nunca!
É fato!
Em Sampa grande número é de viciados nesta pestilência que é o tabaco! Desde logo algumas crianças nas portas das escolas já estão sendo treinadas para essa miséria humana que é o vício e outras doenças.
É fato!
Comprei uma viagem num dos táxis que servem em monopólio no aeroporto de Guarulhos (como de resto todos os outros também são monopolizados). A fila, como sempre em Sampa todas as filas, era (estava) imensa!
O jovem motorista, Ramon, saberia eu depois, puxou conversa sobre férias.
Disse-lhe que passara trinta dias, mas o bom era que as férias durassem para sempre (partilho daquele grupo [gregos, judeus e outros] que adora ter escravos trabalhando para que eles apenas desfrutem do suor de suas vítimas)!
Aliás, acho que o trabalho “indignifica” as pessoas!
Melhor, depende do trabalho: administrar os lucros de dinheiro emprestado a juros exorbitantes parece que não é tão ruim assim!
Mas quando eu disse ao jovem que voltada de Manaus ele, com alegria, disse-me:
- Já morei lá!
- Onde?
- No Parque 10. Próximo ao Parque do Mindu. No Parque Primavera. Acho que tudo ali é Parque 10.
- Não, onde você morava era no Jardim Primavera, corrigi, já que tinha um “busão” (usei o paulistanês) com esse nome!
- É verdade.
- Como você foi parar lá?
- Tinha um tio que trabalhava por lá e vivia dizendo para o meu pai que ali é que é terra boa para morar e ganhar dinheiro! Um dia, numa de minhas férias meu pai, depois de tantas outras insistências do meu tio, me mandou para lá para conhecer o mercado. Fui e gostei. Após umas visitas a clientes do meu tio, montamos uma filial da loja do meu pai. Em dois anos a filial superou a matriz. Vendíamos maquinários para empresas, em especial instrumentos para injeção plástica.
- Legal. E aí?
- Meu pai resolveu conhecer a empresa e também se apaixonou por Manaus. Mas foi a nossa ruína!
- Como assim?!
- Conheceu uma moça trinta anos mais anos mais nova que ele e se apaixonou por ela também.
- É comum isso por lá. Aliás, uma pessoa, assistente social de uma grande empresa nacional, me disse que uma dos problemas da grande maioria dos paulistas que vão para lá é que acabam se apaixonando pelas nativas e se separando de suas esposas!
- Pois foi exatamente isso que aconteceu! Papai tinha trinta anos de casado com minha mãe, mas conheceu essa moça comprou logo dois jet-sky, um para ele e outro para ela. Comprou um carro popular para ela e montou uma casa para o casal e viviam de farra!
- Caramba!
- A mulher do meu tio, que dela já tinha se separado também pelo mesmo motivo, ligou para a minha mãe e contou tudo a ela.
“Ninguém suporta vivera a própria desgraça sozinho”, pensei.
- Minha mãe perdeu trinta quilos com depressão.
- Sei como é que é!
- A moça ficou grávida e nascerem gêmeos, dos meninos!
- Que bom!
- O papai rejuvenesceu uns trinta anos!
- Tem uma música que diz que “prá cavalo velho o bom mesmo é capim novo”!
- Mas hoje ele vive tirando Xerox a dez centavos para sobreviver!
- Como assim?
- Eu quando vi aquilo vim embora. A empresa quebrou e ele foi à falência.
- Mas a moça ainda está com ele?
- Tá nada! Deu no pé! Ficou com tudo e ele ainda paga uma pensão de mil e quinhentos para os filhos.
“Quando a fome bate à porta, o amor pula pela janela”, pensei.
- Sei... um dia desses, quando eu voltar a Manaus, vou visitá-lo e dizer que te conheci.
- Diga a ele: eu vim aqui tirar uma xerox de dez centavos para te ajudar, como mandou teu filho.
E pôs-se a sorrir.
Contou-me ainda que o velho é louco pelas crianças e que chora muito, aparentemente por arrependimento. Que já tentou trazer os filhos para Sampa, mas a mãe não concorda. Que agora anda numa mobilete velha.
- O amor que constrói, é o mesmo que leva o homem à sarjeta, disse eu.
- Amor nada, aquilo era dinheiro!
Ele herdou do pai o gosto por carros velhos (ou melhor, antigos), e descobri uma coincidência. Mostrou-me a foto de um Impala e de um Galaxie, me disse que tem também um Opala. Mostrei-lhe a foto do meu Maverick laranja.
Deixou-me em casa e eu fiquei a pensar na história.
É que uma amiga, certo dia comentou comigo: “quer ver mulher bonita, vai na Paulista na hora do almoço”.
É fato!
Não sei se por estar acostumado, pois nasci e me criei naquele ambiente e com o meus conterrâneos, que acabo por não achar as mulheres amazonenses tão bonitas como as paulistas!
Aliás, elas são bonitas sim, mas dentro de seu aspecto natural e conhecido por mim, e a gente costuma gostar muito da novidade.
Assim, é que preferido a beleza das paulistanas arrumadas da cabeça aos pés com suas roupas pesadas e botas à quase nudez das manauaras com seus bustiês e micro-shorts de lycra que só faltam mostrar o pensamento, pois o resto se vê tudo (ou imagina-se)!
Mas parece ser essa inversão que enlouquece os paulistas que se aventuram no calor sufocante de minha terra e se jogam de corpo e alma nos braços das caboclas morenas com cheiro cheiroso de peixe e açaí.
Viva a diversidade, vida a felicidade ou, pelo menos a sua busca, mesmo que depois venhamos chorar lágrimas de sangue que não tivemos, pois ninguém tem, como evitar, pois quando o amor, paixão – ou seja lá que nome se dê –, chega não temos força... nem vontade para resistir.
E quando se está feliz, quem é que vai querer resistir?
No futuro, se ele existir, tudo se conserta! Novos amores, novas paixões e suas conseqüências benéficas ou maléficas virão e passarão e o fluxo da tragédia humana continuará!
Na dúvida se será bom ou ruim o affair que se lhe apresenta hoje, aproveite, mas não esqueça de comprar uma cama (ou rede, no caso dos amazonenses) quentinha, pois aí você poderá ir se lastimar por um longo e passageiro “fim de mundo” que costuma acabar quando menos você espera, assim como o dinheiro do pai do meu transportador.
Abraços,
Osório
Observações:
1 – “Dê a quem você amar: asas para voar, raízes para voltar e motivos para ficar”.
Não sei se a autoria é realmente do Dalai Lama, mas isso é o de menos! O “demais” e o de mais é que a frase vale por si e seria perfeita na boca de um amante.
2 – “Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.”
Idem quanto a autoria, mas é atribuída como “Pergunta errada” de Mario Quintana.
3 – A foto abaixo é autoexplicativa. Vejam o deleite do e no olhar do poeta:
(Foto enviada pela Cris)
Entretanto, consta que:
“O jornalista Mauricio Mello Jr., na época crítico literário do Correio Brasiliense e bem conhecedor da literatura do Rio Grande do Sul (com a motivação extra de ser casado com uma gaúcha), esteve em Porto Alegre por volta de 1985 para entrevistar Quintana. Depois de muita conversa séria, deixou para o fim uma questão que sabia ser do interesse dos leitores.
- Fale a respeito de sua amizade com Bruna Lombardi.
Mario pensou um pouco, bem pouco, e expôs o seu lado:
- Pois é... Não sei o que ela quer comigo, mas eu estou cheio de más intenções...”.
Fonte: “Ora bolas, o humnor de Mario Quintana, organizador Juarez da Fonseca, L&PM, Porto Alegre, 2011, p. 89).
Nunca tinha visto uma “má intenção” tão explícita!
Mas, poeta, com o perdão da ousadia, com está aí até eu que sou mero “rabisqueiro” de poemas!
4 – E o Vinícius, quase sábio, não é sábio total por ter chamado a mulher de “coisa” em “Garota de Ipanema”?
(Foto enviada pela Cris)
5 – O Beto me lembrou que segunda (07.01.13) foi o Dia do Leitor, o cara que todos queremos conquistar mas que poucos conseguem.
Veja esta crônica do Milton Hatoum (O Estado de S.Paulo, 04.01.13):
“Há poucos meses, na Feira do Livro de Guadalajara, vi uma cena que, de algum modo, diz muito sobre a literatura e a solidão, essas irmãs siamesas.
A Feira estava cheia de gente, mas não necessariamente de leitores. Ao visitar o estande de uma editora, vi um escritor de língua espanhola, sentado diante de uma mesinha, à espera de leitores. Ele tinha um ar desolado e conversava com uma mulher. Quando eu passava perto dos dois, ele perguntou à mulher onde estavam os leitores. Ela sorriu e apontou para uma fila de leitores excitados, que queriam comprar a edição espanhola de Cinquenta Tons de Cinza, o best-seller do momento.
É improvável que os leitores dessas historinhas de sexo e violência - ou sexo com violência - leiam romances de Conrad, de Dostoievski ou de Graciliano Ramos. Quantos se aventuram a ler Coração das Trevas, Crime e Castigo ou Infância? Para a maioria dos leitores, um livro de ficção é puro entretenimento, algo que não convida a pensar nas relações humanas, no jogo social e político, na passagem do tempo e nas contradições e misérias do nosso tempo, muito menos na linguagem, na forma que forja a narrativa. Talvez por isso o poeta espanhol Juan Ramón Jiménez tenha afirmado que a poesia é a arte da imensa minoria. Isso serve para a literatura e para todas as artes. Os poucos, mas felizardos espectadores da peça O Idiota, dirigida por Cibele Forjaz, sabem disso.
Flaubert costumava lamentar a época em que viveu: a crença entusiasmada e cega no progresso e na ciência, as batalhas fratricidas na França, a carnificina das guerras imperialistas, e a idiotice e bestialidade humanas, que ele explorou com ironia em sua obra. Em uma carta de sua vasta correspondência, escreveu que o ser humano não podia devorar o universo. Referia-se ao consumismo crescente na segunda metade do século 19.
O que o "Ermitão de Croisset" diria dos dias de hoje, quando a propaganda insidiosa na tevê não poupa nem as crianças e tudo gira em torno da vida de celebridades, de uma fulana famosa que teve um bebê, de sicrano que se separou de beltrana ou traiu uma fulaninha? Qual o interesse em saber que a princesa da Inglaterra está grávida?
Essas baboseiras são ainda mais graves num país como o Brasil, cuja modernidade manca ou incompleta exclui milhões de jovens de uma formação educacional consistente. [O blogueiro diz: Será que é só no Brasil? Certa vez, quando esteve na Europa, o assunto das redes de tv na Espanha era “o esperma do Príncipe Albert, de Mônaco, que um sujeito tinha guardo num vidrinho”! Tudo bem que a Espanha, sem Cervantes, não seja parâmetro para muita coisa boa].
No começo da década de 1990, quando eu passava uma temporada em Saint-Nazaire, um jovem operário entrou no meu apartamento para consertar o vazamento de uma tubulação. Quando passou pela sala, viu um romance em cima da mesa e exclamou:
Ah, Stendhal. Li vários livros dele, e o que mais aprecio é esse mesmo: A Cartuxa de Parma.
E onde você os leu? Quando?
Aqui mesmo, ele disse. Na escola secundária.
Era uma das escolas públicas daquela pequena cidade no oeste da França.
Nicolas Sarkozy e outros presidentes conservadores tentaram prejudicar o ensino de literatura e ciências humanas na escola pública francesa, mas nenhum deles teve pleno êxito. Aprender a ler e a pensar criticamente é um dos preceitos de uma sociedade democrática, e esse mandamento republicano ainda vigora na França. O que os prefeitos e secretários de Educação dos quase 5.700 municípios brasileiros dizem a esse respeito?
A precariedade da educação pública é um dos problemas estruturais da América Latina. Até mesmo a Argentina, que já foi uma exceção honrosa, começa a padecer desse mal.
Comecei essa crônica evocando a solidão de um escritor em Guadalajara. Melhor assim: a solidão está na origem do romance moderno, é um de seus pilares constitutivos e faz parte do trabalho da imaginação do escritor e do leitor.
O tempo se encarrega de apagar todos os cinquenta tons de cinza, e ainda arrasta para o esquecimento os crepúsculos, cabanas e toda essa xaropada que finge ser literatura. Enquanto isso, Coração das Trevas, publicada há mais de um século, é uma das novelas mais lidas por leitores de língua inglesa.”
Concordo com o Milton em termos, pois penso que ler, seja lá o que for, é melhor que nada!
(Macanudo nº 3, por Liniers, colaboração do Beto)
("Macanudo, em espanhol, significa extraordinário, excelente, estupendo, magnífico". Assim como vocês, que ora me lêem!).
A Gabi viu e fotografou no museu de Itaipu em Foz do Iguacu:
Fiquemos por k por oje!
Beijos.
(Ainda tem fôlego? E filhoa(s)? Em caso positivo leia para elea algo em: http://www.osoriobarbosa.com.br/node/302).