Como muitas gostaram dos poemas da semana passada, abaixo vai mais um pouco:
DIVÓRCIO
Para os filhos, pela primeira vez o fim do mundo.
Para o gato, novo dono.
Para o cachorro, nova dona.
Para os móveis, escadas, rangidos, caminhão, transporte.
Para a parede, quadrados brancos depois de retirados os quadros.
Para os vizinhos do térreo, um tema, um intervalo no enfado.
Para o carro, seria melhor se fossem dois.
Para os romances, poesia -de acordo, leve o que quiser.
Pior para a enciclopédia e o videocassete
e para aquele manual de escrita
onde se encontram talvez as regras de uso dos nomes compostos -
se ainda os liga a conjunção "e"
ou se os separa um ponto final.
de "Tutaj" (Aqui), 2009
e,
DE UMA EXPEDIÇÃO NÃO REALIZADA AO HIMALAIA
Ah, então este é o Himalaia.
Montanhas correndo para a Lua.
O instante da largada fixado
no rasgar súbito do céu.
Deserto de nuvens perfurado.
Um golpe no nada.
Eco -uma branca mudez.
Silêncio.
Yeti, lá embaixo é quarta-feira
tem abecedário, pão
dois e dois são quatro
e a neve derrete.
Tem rosa amarela,
tão formosa, tão bela.
Yeti, nem só crimes
acontecem entre nós.
Yeti, nem todas as palavras
condenam à morte.
Herdamos a esperança -
o dom de esquecer.
Você vai ver como damos
à luz em meio a ruínas.
Yeti, temos Shakespeare lá,
Yeti, e violinos para tocar.
Yeti, ao cair da noite
acendemos a luz.
Aqui -nem lua nem terra
e a lágrima congela.
Ó Yeti meiolunar
pense, volte!
Entre as quatro paredes da avalanche
assim eu chamava pelo Yeti
batendo os pés para me aquecer
na neve
na eterna.
de "Wolanie do Yeti" (Chamando pelo Yeti), 1957
Autora: WISLAWA SZYMBORSKA (presentes da Ruberli. Não sei quem traduziu)
Abraços,
Osório
P.S.: Ainda mais um pouquinho sobre o Wando:
Ruy Castro - A cruel ressurreição
RIO DE JANEIRO - Há três ou quatro meses, estive no "Sem Censura", programa de Leda Nagle na TV Brasil. Ao meu lado, na bancada, o cantor Wando. A certa altura -não sei se em off, ao meu ouvido, num intervalo, ou em on, para todo mundo-, queixou-se de estar esquecido pelas gravadoras, pelos promotores de shows e pela mídia. Sua presença ali era uma rara oportunidade para furar o silêncio.
Wando morreu há dez dias, e sua morte tem ocupado mais espaço nos jornais e nas TVs do que no auge de sua carreira. Seu sucesso de 1978, "Emoções", foi exumado e incluído na programação das FMs e adotado até pelos blocos de Carnaval do Rio, onde tem sido cantado por milhares desfraldando sua marca: as calcinhas que as fãs lhe atiravam.
Lembrei-me de que, certo dia, em 1980, Aluizio Falcão, diretor da rádio Eldorado, me disse que iria lançar um "novo" compositor e cantor: Raul Seixas. Estava brincando, claro. Na verdade, iria tentar o que, então, parecia impossível: relançar o homem que, depois do estouro inicial, nos anos 70, tornara-se o artista mais abandonado da praça. E, de fato, o "Rock das Aranhas" trouxe o maldito Raul de volta às paradas, até que, rapidamente, o álcool e o éter o devolveram à zona fantasma.
Em 1988, Raul e eu fomos vizinhos de clínicas para dependentes químicos em Cotia, a 31 km de SP. Saímos ao mesmo tempo, em fins de fevereiro, e, por algumas semanas, frequentamos reuniões de autoajuda com gente das duas clínicas. Éramos uns 20, dos quais 19 estavam eufóricos e confiantes de que iriam tirar o macaco das costas. O único deprimido era Raul. Muitos de nós nos salvamos. Mas Raul voltou às substâncias e, em 1989, estava morto.
Dali nasceu, ao seu redor, uma religião, e ele nunca deixou de ser famoso e cultuado.
A morte parece um preço muito alto para um artista ressuscitar.
Fonte: http://sergyovitro.blogspot.com/2012/02/ruy-castro-cruel-ressurreicao.html.