Ocorre, Excelência, que o Secretário de Justiça nominado, a despeito de declarar-se inocente, posto que nunca fora, segundo ele, condenado pela Justiça, tem um passado e presente todo voltado para o cometimento de crimes que infrigem as mais elementares normas de proteção a pessoa humana.
A História de desrespeito praticada pelo Secretário é longínqua e de conhecimento público, notório, filmado e gravado neste Estado. Assim é que temos:
a) Em 1964, o atual Secretário foi acusado da prática de tortura. Alega ele, no entanto, que esta acusação decorre do regime de exceção então instalado no país, versão essa fantasiosa pois fatos posteriores (capturados em áudio e vídeo) demonstram o contrário, ou seja, uma pessoa violenta e arbitrária no comando de uma instituição pública que deveria prezar pela integridade dos cidadãos.
Naquele ano, foi o mesmo demitido do cargo que então ocupava de Professor Interino da cadeira de Direito Usual, do Colégio Comercial Solon de Lucena, conforme cópia do Diário Oficial de 6/10/64. Pasem, Excelência, se como professor ele já era violento imagine no exercício de cargo que melhor lhe proporciona instrumentos para dar vazão a seus “instintos bestiais”;
b) O Jornal “Amazonas em Tempo” de 06/06/98, trazia a seguinte manchete: “Secretário de Segurança do AM é acusado de torturar agente da PF”. A reportagem dava conta que a Federação Nacional dos Policiais Federais havia denunciado o Secretário Klinger Costa, ao MPF, por abuso de autoridade, prisão arbitrária e tortura (inclusive choques) do agente federal Adilson Alberto Gonçalves Filho. Instaurado Inquérito Policial para apurar o caso, e ouvida a vítima esta declarou que se encontrava na companhia de amigos em um bar desta cidade quando policiais militares, trajando coletes da polícia civil, abordaram os frequentadores do local, sob a coordenação do Secretário Klinger Costa. Por entender que a operação era clandestina, o agente da polícia federal, se identificando com tal através de sua credencial, pediu justificativas, havendo sido preso, agredido e insultado, sob a acusação de resistência. Segundo ele, já imobilizado, teria sido agredido pelo próprio Secretário;
c) O CDDPH do Ministério da Justiça recentemente instaurou processo, que está ainda em tramitação, para apurar atos de violência contra o ser humano praticados pelo nominado Secretário, cuja Comissão fora integrada pelo Procurador da República Carlos Frederico Santos e o humanista Hélio Bicudo. As conclusões da referida Comissão são pela prática de atos violadores dos direitos humanos. Inexplicavelmente, este processo encontra-se parado sem qualquer atenção dos responsáveis por seu andamento e conclusão final;
d) Temos em nosso poder, e foi divulgado pela mídia local, filmagens (áudio e vídeo) em que o referido Secretário aparece espancando uma pessoa que supostamente teria assaltado uma casa lotérica. Apesar da robustez e contundência da prova, o Governador do Estado - responsável também por tais arbítrios posto que, podendo evitá-los, se omite - optou pela permanência do Secretário no cargo de confiança a despeito da solicitação de todos os Procuradores da República lotados na PR/AM para que o mesmo fosse afastado, sob a alegativa de que o Secretário deve ser tido como inocente, escudado na previsão constitucional, uma vez que ainda não fora julgado. Ainda não fora nem jamais será, posto que o Tribunal de Justiça deste Estado sequer aprecia as inúmeras denúncias contra ele formuladas, posição que não difere até da adotada pelo Ministério da Justiça;
e) O caso que levou à instauração da Comissão citada na alínea “b” é a existência de uma organização denominada PPK – POLÍCIA PARALELA DO KLINGER, comandada pelo próprio Secretário e integrada, principalmente, por Policiais Militares, à sua disposição. Esta PPK, sempre que os holofotes da mídia nacional se voltam contra esses crimes que lesam a humanidade, se recolhe em suas atividades criminosas voltando a atuar logo que os refletores se apagam.
Recentemente, duas pessoas foram presas no interior de um coletivo nesta capital, estando uma delas com uma faca na cintura, razão pela qual foram tidas pelos ocupantes do coletivo como possíveis assaltantes (o fato chama atenção pela singeleza de imaginar-se que duas pessoas iriam assaltar um coletivo com vários passageiros estando apenas uma delas armada com uma faca). Dominados pelos populares, os dois apontados assaltantes foram entregues a policiais lotados no Gabinete do Secretário, ou seja, integrantes da PPK. Uma dessas pessoas veio a falecer ainda durante a prisão, sendo que a outra narrou o que teria acontecido, dizendo ela basicamente o seguinte: que foram espancados pelos militares com um taco de baseball (a única alegativa apresentada pelo comandante dessa equipe, Major PM Itamar Brito Gonçalves, é que ele não possui um taco de baseball, sendo que este é um pedaço de madeira roliça com aproximadamente 80 cm de comprimento, podendo portanto ser qualquer árvore da floresta amazônica cortada com tais características), sendo posteriormente levadas para uma cela na Delegacia de Roubos e Furtos, onde um dos presos, bastante lesionado, veio posteriormente a falecer.
O sobrevivente, menor Ítalo José Cândido Bento (16 anos), que narrou os fatos ao Juiz da Infância e da Juventude, bem como ao Promotor de Justiça Ronaldo Andrade, acusando os policiais ligados ao Secretário, veio, poucos dias após, a ser executado com vários tiros por três homens no bairro em que morava.
Segundo o jornal “Amazonas em Tempo” de 14.11.2000, o Juiz da Infância e da Juventude Celso Gioia afirmou: “Ele foi entregue ao responsável, D. Maria da Conceição, já com a observação, a orientação de que ele deveria ser guardado para evitar qualquer represália.” Ou seja, o próprio Magistrado já sabia o futuro que esperava o referido menor, certamente por saber com que estava tratando com integrantes da famigerada, protegida e atuante PPK.
Para este caso escabroso a justificativa das autoridades responsáveis, chefiadas pelo Secretário, fora a de que o menor possivelmente teria sido morto pelos ocupantes do ônibus que supostamente tentara assaltar. Acredite se quiser!
f) Um dos crimes que mais cresce na capital do Amazonas é o praticado por pessoas usando motocicletas e capacetes – veículo que permitem sua fuga rápida e objeto que impede suas identificações. Assim é que temos, apenas para citar, os seguintes casos:
- Atentado contra o advogado Abdalla Sahdo;
- Morte de José Rodrigues Ferreira, o Allan, na porta da Delegacia Especializada de Homicídios e Sequestros;
- Morte de militar aposentado e colaborador ligado ao jogo do bicho;
- Morte de Maria Isabel de Lima, conhecida como Tia Deusa.
Além desses casos, ocorreram inúmeros outros, estando em vários deles as vítimas algemadas tendo recebido tiros na cabeça (prática reconhecida de grupos de extermínio - justiceiros), sendo que seus parentes informam que muitas delas foram levadas de suas casas por pessoas que se identificaram como policiais.
A versão fácil da Polícia é sempre a mesma: de que se trata de briga entre traficantes. Versão que cai por terra se considerarmos que nenhum traficante se dispõe a montar equipes para buscar a vítima em sua casa sem provocar qualquer reação imediata da mesma que, a prevalecer aquela versão, os identificaria como tais e não os seguiria ou tudo aconteceria no local. Além do mais não usariam algemas, não levariam a vítima para lugares ermos, nem gastariam tanta munição em lugar tão mortal da vítima.
A despeito de toda essa história hereditária de violência, o Secretário de Segurança, tido por “xerife”, foi contemplado com R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais) do Governo Federal para aplicar na segurança pública. Ora, Excelência, no mínimo ocorre no caso uma contradição invencível entre a posição decantada pelo Governo Federal de respeito aos Direitos Humanos e a realidade do Estado do Amazonas comandada pelo Secretário acima citado.
Como pode um Governo liberar recursos para quem tanto desrespeita os Direitos Humanos, quando não está obrigado constitucionalmente para tanto e prega internacionalmente que incentiva a política de respeito àqueles direitos?
Quando se fala em desrespeito aos Direitos Humanos praticado nas Unidades Federadas, os criminosos de plantão (governantes) e as autoridades federais, que com tal desrespeito compactuam, sempre alegam que o princípio federativo é uma barreira a proteger os primeiros e impedir a ação das segundas, ou seja, a autoridades estaduais dizem que são autônomas e não estão obrigadas a aceitar qualquer interferência das autoridades federais; estas, por sua vez, alegam que não podem atuar porque os Estados são autônomos e tal atuação violaria o princípio federativo.
Sabemos, Excelência, que nos Estados Unidos esta mesma alegativa era usualmente utilizada pelas Unidades Federadas para não adotarem a legislação federal que lhes impunha qualquer restrição. A resistência foi vencida pelo Governo Federal a partir do momento em que ele passou a condicionar o repasse não-obrigatório de recursos federais à prévia adoção de sua legislação.
A resistência dos Estados-membros contava com o apoio da Suprema Corte americana que constantemente declarava a inconstitucionalidade das leis federais que, no entender daquelas, avançavam suas autonomias. No entanto, ao final, vieram os Estados a aceitarem, juntamente com a Corte de Justiça, a legislação federal num processo que ficou conhecido como “New Deal”.
Pensamos, assim, que a mesma atitude positiva de direito afirmativo pode ser adotada pelo Governo Federal, qual seja, efetuar repasses não-obrigatórios ao Governo do Estado do Amazonas somente após a adoção efetiva, não meramente retórica, da política de Direitos Humanos que o Brasil afirma adotar perante a comunidade Internacional.
Isto posto, destina-se o presente a solicitar a Vossa Excelência que faça injunções junto ao Ministério da Justiça, mostrando a realidade do Estado do Amazonas no que tange aos Direitos Humanos, bem como solicitando que não efetue o referido repasse enquanto providências efetivas não forem adotadas.
Manaus, 16 de fevereiro de 2001.
Osório Barbosa
Procurador da República