Entre a descrença e o desestímulo, mas com o espírito inabalado pela fé inquebrantável do dever cumprido, vem o Ministério Público Federal (MPF), escudado no incluso Inquérito Civil Público (ICP), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Descrença por se estar quase desacreditando na mudança de atitude comportamental do ser humano, que em pleno século XX continua a se auto destruir.
Desestímulo pela rejeição de pleitos anteriores que versavam questão similar.
Espírito inabalado por sabermos que estamos lutando pela permanência da vida.
Não da nossa vida em particular, mas pela vida daqueles que nos causam a descrença, bem como daqueles que nos desestimulam.
Preambularmente, podemos fazer as seguintes perguntas:
- o que será do homem sem o meio-ambiente, do qual é parte integrante?
- onde viverá?
- que futuro o espera? E aos seus descendentes?
- que preço ecológico terá que pagar pelo progresso?
- o que é progresso? Que vantagens ele o trará?
- quais prejuízos o acompanha?
- qual o valor de uma peça de ouro? De um diamante?
- qual o dano ecológico causado para garimpar tais materiais?
- valem mais que um copo d’água?
- produz-se aço, ferro, alumínio, amônia, plástico, cimento, tintas, etc. Respira-se ou come-se tudo isso?
- que valor dar-se ao ar que invade os pulmões e é imprescindível para a vida?
- Será substituído por notas de dólares ou mesmo moedas de ouro?
Todas estas perguntas estão irrespondidas e são irrespondíveis.
O Estado irresponsável pactuou com os inescrupulosos e estes agem impunemente.
O povo, ignorante e crédulo, quedou órfão de quem nunca o protegeu e quer a sua exterminação.
Dizemos ignorante porque também contribui para poluir, trazendo para si um mal que não queria e não quer.
Crédulo por acreditar que o Estado cumprirá com o seu dever, reprimindo as ações que legalmente vetou. Ledo engano!
A quem reclamar? Ao Bispo? Ao Juiz?
Pela credulidade, ao primeiro, com descrença, ao segundo.
Optando pela segunda alternativa, é isso que faremos a partir de agora.
DA LEGITIMIDADE PASSIVA
A presente ação é proposta contra
A UNIÃO (Ministério da Fazenda), pessoa jurídica de direito interno, a qual deve ser citada na pessoa de seu advogado sito à Rua Quintino Bocaiúva, nº 122, 5º andar, Centro;
O MUNICÍPIO DE MANAUS (Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente - SEDEMA), pessoa jurídica de direito interno, o qual deve ser citado na pessoa de seu procurador sito à Av. Brasil, s/nº, Compensa;
BEMOL – Benchimol Irmão e Cia Ltda.
, situada na Praça Adalberto Vale, nº 32 a 76, c/ fundos p/ M. Leão, Centro;
ARONTEX – ARON HAKIMI Imp. e Exp.
, sediada na Rua Quintino Bocaiúva, nº 223, Centro;
N.G. INDUSTRIAL LTDA., integrante do Grupo GRADIENTE,
sediada na Av. Açaí, nº 875, Bloco D, Distrito Industrial.
DA LEGITIMIDADE ATIVA.
Legitimidade do Ministério Público Federal
A Constituição da República outorgou ao Ministério Público a função institucional de "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (art. 129, III).
Referida atribuição está explicitada de forma minudente no art. 6º, VII, b, da Lei Complementar nº 75/93.
Nesse mesmo texto de Lei (art. 5º), consta, também, entre outras funções institucionais cometidas ao Ministério Público do União:
"III - a defesa dos seguintes bens e Interesses:
...........................................................................
d) o meio ambiente."
E é ainda na Lei Complementar nº 75/93 que se vai encontrar o art. 6º, inciso XIV, letra g, o qual comete ao Ministério Público da União o poder-dever de promover outras ações necessárias "...em defesa da ordem jurídica... especialmente quanto ao meio ambiente".
A ação do Ministério Público, no sentido de promover a responsabilização nos casos de condutas resultantes em danos ambientais, encontra respaldo ainda na Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública.
Daí deflui a induvidosa legitimidade do Ministério Público, como instituição una e indivisível, para promover as ações necessárias, em prol da preservação do meio ambiente.
DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Sendo o MPF uma Instituição Federal, somente a Justiça Federal pode decidir uma postulação formulada por ele, decidindo se presente ou não o interesse público federal a ser resguardado.
No caso vertente, temos que os igarapés que drenam a cidade de Manaus são contribuintes do Rio Negro, sendo que este é um rio internacional e formador de outro rio internacional: o Rio Amazonas (fls. 148 verso e 150 do ICP).
A Constituição Federal, art. 20, inciso III, diz ser bem da União "os rios que sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham", assim, sendo aqueles rios de propriedade da União, competente é a Justiça Federal para processar e julgar as causas envolvendo os mesmos (art. 109, I da CF).
DO DIREITO
Da legislação de regência da matéria
a – Na Constituição:
Art. 5º .........................................................
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
............................................................
§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Art. 20. São bens da União:
............................................................
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
E,
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
............................................................
§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
b – Na legislação infraconstitucional:
b.1 – Na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 8.938, de 31.08.91, com redação dada pela Lei nº 8.028/90):
Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:
............................................................
V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras
Art. 4º. A Política Nacional do Meio Ambiente visará
............................................................
VII – à imposição ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos
b.2 – No Código Civil
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
b.3 – No Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º.
São direitos básicos do consumidor:
............................................................
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Art. 7º. Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de Tratados ou Convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.
Parágrafo único – tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo .
Art. 9º. O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, à respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis, em cada caso concreto.
Art. 12. "Omissis"
............................................................
§3º. O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador só não será responsabilizado quando provar:
I – que não colocou o produto no mercado;
II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
b.4 – Na Convenção de Basiléia (aprovada pelo Decreto nº 875, de 19.07.93 – DOU, de 20.07.93):
PREÂMBULO
As partes da presente Convenção,
Conscientes do risco que os resíduos perigosos e outros resíduos e seus movimentos transfronteiriços representam para a saúde humana e meio ambiente,
Atentas também ao fato de que a maneira mais eficaz de proteger a saúde humana e meio ambiente dos perigos que esses resíduos representam é a redução ao mínimo de sua geração em termos de quantidade e/ou potencial de seus riscos,
Convencidas de que os Estados devem tomar medidas necessárias para garantir que a administração de resíduos perigosos e outros resíduos, inclusive o seu movimento transfroteiriço e depósito, seja coerente com a proteção da saúde humana e do meio ambiente, independentemente do local do seu depósito,
Observando que os Estados devem assegurar que o gerador cumpra suas tarefas no que se refere ao transporte e depósito de resíduos perigosos e outros resíduos numa maneira coerente com a proteção do meio ambiente, independentemente do local de depósito
Reconhecendo plenamente que qualquer Estado tem o Direito soberano de proibir a entrada ou o depósito de resíduos perigosos e outros resíduos estrangeiros em seu território,
Reconhecendo também o desejo crescente de proibir movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e seu depósito em outros estados, especialmente nos países em desenvolvimento,
Convencidas de que os resíduos perigosos e outros resíduos devem, na medida em que seja compatível com uma administração ambiental saudável e eficiente, ser depositados no qual foram gerados.
Artigo 1º.
Alcance da Convenção
1. Serão resíduos perigosos para os fins da presente Convenção os seguintes resíduos que sejam objeto de movimentos transfronteiriços:
a) resíduos que se enquadrem em qualquer categoria contida no Anexo I, a menos que não possuam quaisquer das características transcritas no Anexo III.
Anexo I
Categorias de resíduos a serem controlados
............................................................
Resíduos que tenham como elementos constitutivos
............................................................
Y26 Cádmio; compostos de Cádmio.
Anexo III
Listas de características perigosas:
9 H11 Tóxicas(retardadas ou crônicas)
Substâncias ou resíduos que, se inalados ou ingeridos, ou se penetrarem na pele, podem implicar efeitos retardados ou crônicos, inclusive carcinogenicidade
9H12 Ecotóxicas
Substâncias ou resíduos que, se liberados, apresentem ou possam apresentar impactos adversos retardados sobre o meio ambiente por bioacumulação e/ou efeitos tóxicos sobre os sistemas bióticos.
O DIREITO AMBIENTAL NO CONTEXTO INTERNACIONAL
Dentre o autores que versaram sobre o tema, temos a lição de Paulo Bonavides, que sustenta que os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por uma prisma histórico, à fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Já os direitos de Segunda geração, característicos do século XX, são os direitos sociais, culturais e econômicos introduzidos no constitucionalismo do Estado Social. Por sua vez, os direitos de terceira geração são direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado, mas apresentam como destinatário o gênero humano. São direitos de fraternidade, como o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação (Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 474-482) (grifamos)
O meio ambiente está inserido dentre os temas globais, segundo o magistério, dentre outros, de Celso Lafer (in Reflexões sobre a inserção do Brasil no contexto internacional, Contexto Internacional, Rio de Janeiro nº 11, jan./jun.1990, p. 40).
Partido dessas premissas, temos que admitir que quando falamos do tema direito ao meio ambiente não podemos pensar isoladamente, é necessário que a reflexão seja procedida com a abrangência que lhe é peculiar, ou seja, é a vida sobre o planeta que merece a atenção de todos aqueles que não queiram seu extermínio para um futuro próximo.
Como nos lembra Ninon Machado de Faria Lema Franco, " ... em sendo o meio ambiente bem de uso comum insuscetível de divisão, a satisfação de um interessado, conforme observa Barbosa Moreira, implica necessariamente a satisfação de todos, ao mesmo tempo em que a lesão de um implica a lesão de toda a coletividade.
O meio ambiente saudável é pressuposto necessário ao exercício do primeiro e absoluto direito que é o direito à vida, que depende do exercício de outros direitos fundamentais, sociais e coletivos, de acordo com o princípio nº 1 da Declaração de Estocolmo, de 1972".
O DIREITO AMBIENTAL NO CONTEXTO NACIONAL
Prossegue Ninon Machado, lembrando que: "... nessa ordem, as disposições constantes do art. 225 são pressupostos para os fundamentos do próprio Estado Brasileiro, no que concerne à dignidade humana e à cidadania, bem como para os objetivos do Estado quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, ao desenvolvimento nacional e, principalmente, à erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais (arts. 1º e 3º da Constituição de l988). A defesa do meio ambiente é fundamento para a ordem Econômica, Política Urbana, Política Agrícola e Fundiária (arts. 170, 182, 184 e 186 da Constituição)".
Diz outro douto: "É falso pensar, entretanto, que é uma lei destinada basicamente a proteger a natureza em detrimento do homem. Tal premissa só seria verdadeira se admitíssemos que o homem não é parte integrante da mesma. Mas sabemos, indubitavelmente, que além de parte integrante dela, o homem é o verdadeiro destinatário das garantias que a lei visa assegurar ao meio ambiente. O homem enquanto gênero, posto que o bem tutelado é comum e indivisível como já vimos acima."
A ÁGUA COMO BEM IMPRESCINDÍVEL À VIDA
"Nem ouro nem petróleo. A próxima guerra mundial será deflagrada pela disputa de água potável. A previsão, feita pela Organização das Nações Unidas para Ciência e Tecnologia (Unesco) pode parecer até enredo para uma dessas obras catastróficas de ficção que tanto animam Hollywood, mas está cada vez mais próxima do mundo real. Vista do Espaço, a Terra é um planeta aquático, mas apenas 3% da água é doce, sendo que três quartos desse total encontra-se congelado nos pólos. Apenas 0,01% da água potável está disponível para o consumo humano na superfície da terrestre. Como se não bastasse isso, essa água está comprometida com o despejo de bilhões de toneladas de poluentes e esgotos. Cerca de 16% da água doce do mundo está concentrada no Brasil. Esse privilégio, no entanto, tem servido de incentivo para o uso indiscriminado, agravando o quadro de contaminação dos mananciais. Soma-se a isso a desastrosa gestão pública dos recursos hídricos. ‘O Brasil não tem escassez nenhuma, o problema é só de gerenciamento’, afirma o professor de Geociência da USP Aldo Rebouças."
DAS CONDUTAS IMPUTADAS AOS RÉUS
A União (Ministério da Fazenda), responsável pela fiscalização e controle sobre o comércio exterior (art. 237 da CF), vem permitindo a importação de produtos classificados pela Convenção acima citada como "resíduos perigosos", pois dentre os elementos que constituem as baterias destinadas ao fornecimento de energia aos aparelhos de telefones celulares, consta, além de outros elementos químicos, o cádmio (fls. 69 do ICP) e níquel (fls. 70), este citado na própria bateria produzida pela empresa multinacional Motorola (fls. 159 do ICP). Vem permitindo também a fabricação das ditas baterias.
As maiores importadoras de baterias para telefones celulares nesta cidade, ao que sabemos, são as empresas BEMOL e ARONTEX, acima qualificadas, enquanto que a N.G. Industrial Ltda. é responsável pela sua fabricação no Estado.
É de sabença geral a dificuldade encontrada para recolhimento, guarda e reciclagem das baterias para celulares, tanto assim que o Grupo Gradiente afirmou que contratou a empresa E.C.P. – Engenharia, Consultoria e Planejamento Ambiental Ltda., sediada em São Paulo, para "aperfeiçoar tecnologia na área de reciclagem de baterias para telefones celular e outros produtos"(fls. 120 do ICP).
Instada a empresa E.C.P. afirmou que "não desenvolveu projeto específico para empresas que produzem tais resíduos, tendo sido apenas consultada sobre a possibilidade da realização dos mesmos"(fls. 145 do ICP).
Solicitadas informações ao Município de Manaus sobre a existência de coleta seletiva de lixo e controle ambiental referente a baterias para telefone celular, o mesmo informou (fls.114) que "quanto aos resíduos constituídos por metais pesados, oriundos de atividades industriais, não dispomos de aterro para tal fim".
Sem reciclagem e/ou depósito apropriado para acondicionar as baterias de que se fala, têm sido elas depositadas indiscriminadamente nos lixões e aterros sanitários da cidade de Manaus. Em tais depósitos, as correntes pluviais têm sido responsáveis em transportar os elementos químicos componentes das baterias para o leito dos igarapés que circundam a cidade, tanto assim que já mereceu estudos aprofundados e, dentre as obras produzidas constam as dissertações de mestrado de Cláudia Pereira de Deus e Silva, denominada "Influência das modificações ambientais sobre a comunidade de peixes de um igarapé da cidade de Manaus (Amazonas)" e "Metais pesados em sedimentos de fundo de igarapés (Manaus-AM)" apresentada por Maria do Socorro Rocha da Silva.
No resumo da segunda dissertação citada acima consta:
"O zinco e o cobre encontram-se em mais de 70% disponíveis nos sedimentos de fundo do igarapés do Quarenta e de São Raimundo. As altas concentrações do cobre permitem identificá-lo como o principal poluente no igarapé do Quarenta. Os sedimentos desse igarapé, quando comparado aos dos demais igarapés, apresentam um enriquecimento dos metais cobre, cromo, níquel e zinco, o que se atribui à lixiviação de resíduos sólidos enriquecidos de metais das atividades industriais e entrada de efluentes industriais" (fls. 72/73 do ICP) (destaque nosso)
Colhe-se da outra tese acima o seguinte excerto:
"Neste mesmo igarapé a espécie mais abundante foi Hoplosternum Littorale. Esta espécie pode ser utilizada em estudo de biomonitoramento em áreas onde poluição por zinco e cobre ocorre, pois nela foi encontrada boas medidas desses metais nos tecidos analisados. Isto pode ser explicado devido ao fato de que esses peixes são bentônicos e se alimentam de detritos, onde esses metais tendem a se acumular"(fls. 75 do ICP)
Causando danos nos peixes, principal alimento do homem amazônida, conseqüentemente tais danos chegarão à população por este vetor, bem como pela água em que se banha e/ou ingere, propagando doenças de várias espécies, como aquelas relatadas na reportagem de fls. 133/134.
Os danos causados aos igarapés estão expostos nas matérias jornalísticas de fls. 90/91 e 97/98 do ICP.
Os perigos representados pelas baterias ora questionadas estão elencados na reportagem do jornal Folha de São Paulo, de 13/04/98, acostado às fls. 99/101. Sendo que nesta reportagem é afirmado que "a Motorola – empresa líder no mercado brasileiro - entende que já assume tal responsabilidade ao recomendar informalmente aos seus clientes que devolvam as baterias usadas nos postos de venda" (grifo nosso) e acrescenta "a empresa não informou quantas baterias já recolheu...".
Essa informalidade, em nenhum momento atende às obrigações impostas ao poluidor, qual seja, a de reparar o dano causado (art. 4º, VII, da Lei nº 6.938/81). A informalidade bem poderia ser trocada por um incentivo real aos consumidores como, por exemplo, um desconto percentual no preço das baterias novas quando houvesse devolução da baterias velhas e/ou danificadas.
Como se vem de dizer, e é informado pelos próprios fabricantes e/ou importadores, a reciclagem de baterias para celular é plenamente possível, não sendo procedida por desídia daqueles e omissão das autoridades públicas, tanto assim que a empresa VIDEOLAR – fabricante de produto altamente poluente – vem promovendo a reciclagem dos CD’s (compact disk) defeituosos que produz, consoante informou às fls. 153 do ICP.
O Brasil já teve a trágica experiência quanto ao depósito de materiais capazes de prejudicar a saúde animal, especificamente do ser humano, com o episódio ocorrido na cidade de Goiânia/GO, quando num ferro velho foi desmontada uma cápsula que continha o elemento químico radioativo Césio 137, o qual causou várias mortes, deformações físicas e inúmeras toneladas de lixo contaminado.
A bateria para telefone celular acostada no invólucro de fls. 159 do ICP, produzida pela empresa Motorola, traz, em inglês, os dizeres cuja tradução é a seguinte:
"MOTOROLA
6V BATERIA DE NÍQUEL-CÁDMIO
Veja no Manual a seção da Bateria para informações de uso. Para melhor performance se recomenda o uso de carregador Motorola. Deve ser reciclada e depositada apropriadamente. Facilidades de reciclagem podem não existir em todas as áreas. (grifo nosso)
CUIDADO: Para prevenir danos ou queimaduras, não permita que objetos de metal tenham contato ou causem curto circuito no terminal da bateria.
ATENÇÃO
Pode explodir se colocada no fogo".
Do Manual de instruções dos telefones Gradiente, acostado às fls. 123, sobre o item baterias - fls. 07/08 - consta:
"baterias velhas ou danificadas devem ser depositadas em lixos especiais. Leve-as a um posto de assistência técnica autorizada Gradiente para que possam ser recolhidas devidamente".
Nada consta, no entanto, no referido Manual sobre os componentes químicos das baterias produzidas pela empresa.
Ora, Excelência, sendo os igarapés da cidade de Manaus tributários do Rio Negro que, por sua vez, forma o Rio Amazonas (Rio Federal, fls. 115 do ICP) é evidente que a poluição produzida pelas baterias e carreada para os leitos daqueles vai atingir um rio de propriedade da União, poluindo-o também, tanto assim que, como informa o documento produzido pela CPRM (fls. 150): "a poluição visível dos igarapés de Manaus é encontrada nos leitos dos rios Negro e Amazonas". Tendo afirmado, categoricamente, "toda a massa poluente que entra nos igarapés de Manaus, acaba chegando ao Rio Negro e, posteriormente, ao Rio Amazonas". Fato que é confirmado pelo Superintendente do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, Ozório Fonseca, na reportagem acostada às fls. 90, de onde se colhe:
"Os poluentes de fluxo vão desaparecendo até chegar ao encontro da águas, mas os poluentes de estoque (metais, por exemplo) vão continuar seguindo pelo Rio Amazonas e não vão se diluir".
As fotos reproduzidas às fls. 154/156 bem demonstram as assertivas dos técnicos acima transcritas.
Não é verdade que inexista no ordenamento jurídico brasileiro normas capazes de imputar aos réus acima a obrigação de repararem os danos que vêm produzindo à sociedade brasileira e à humanidade de um modo geral, principalmente pelo fato de os maiores mananciais de água doce do mundo estarem localizados no Brasil, essencialmente na Amazônia e mais especificamente no Estado do Amazonas.
O bom e velho Código Civil, em seu art. 159 acima transcrito, já responsabilizava todo aquele que causar prejuízo a outrem com o dever de reparar o dano, sendo, portanto, norma perfeitamente aplicável à questão ora posta em Juízo, norma que foi apenas reforçada e explicitada pedagogicamente pelos dispositivos da Lei nº 6.938/81.
DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA E DO PERIGO NA DEMORA
A plausibilidade jurídica está demonstrada amplamente pela legislação transcrita, especialmente pela Lei nº 6.938/81 e pelo Código Civil, sem esquecer a norma maior insculpida na Constituição Federal.
Quanto ao perigo na demora, este está demonstrado pelas informações técnicas e as matérias jornalísticas colhidas nos autos e, ainda, pelo conhecimento público e notório sobre os perigos que o "lixo" formado por metais pesados acarreta para a saúde da população e para a preservação do meio ambiente. Fato que se não merecer a imediata intervenção do Poder Público tende a agravar-se ainda mais com o decurso do tempo, tornando-se irreversível, pois coloca em perigo a própria vida.
Estas as razões pelas quais se requer, liminarmente, em relação a cada um dos réus, as seguintes medidas a serem decretadas por V. Exa.:
- quanto à União – que proíba a importação e fabricação de baterias para telefones celulares em todo o território do Estado do Amazonas, até que as empresas e/ou responsáveis venham a cumprir seus deveres de recolhimento, guarda e/ou reciclagem das mesmas;
- quanto ao Município de Manaus – que promova a construção de depósito(s) adequado(s) ao recebimento do lixo produzido pelas baterias para celulares;
- quanto às empresas BEMOL, ARONTEX e N.G. (grupo GRADIENTE) – que promovam o recolhimento e conseqüente reciclagem das baterias para celulares que importaram e produziram, sendo vedada a venda enquanto não adotarem as medidas necessárias ao recolhimento e destinação adequada das mesmas.
Que no decreto a ser expedido por V. Exa. seja concedido o prazo de 60 (sessenta) dias para o cumprimento das condições a ser estabelecidas, sob pena de não o fazendo os réus, exceto a União, virem a incidir na pena de multa, também a ser estabelecida no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhes forem impostas.
Quanto à União e às empresas, estas no que tange às suas vendas, que a ordem liminar, também requerida nesta ocasião, seja cumprida imediatamente.
DO VALOR DA CAUSA
Dá-se à presente causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Manaus, 21 de janeiro de 1999.
Osório Barbosa
Procurador da República
Anexos:
- Inquérito Civil Público com 176 (cento e setenta e seis) páginas.