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Desconforto - Luiz Alberto Mendes

Desconforto - Luiz Alberto Mendes

 

A morte de Rubem Alves me tocou profundamente, já que sou seu leitor entusiasmado, no mais das vezes! Por isso, também, pois já o fazia, ando seguindo seus conselhos, dentre os quais ler mais poesia. Veja o que disse o mestre em seu texto “Sobre o morrer”:

 

A Morte me informa sobre o que realmente importa. Me daria ao luxo de escolher as pessoas com quem conversar. E poderia ficar em silêncio, se o desejasse. Perante a morte tudo é desculpável… Creio que não mais leria prosa. Com algumas exceções: Nietzsche, Camus, Guimarães Rosa. Todos eles foram aprendizes da mesma mestra. E certo que não perderia um segundo com filosofia. E me dedicaria à poesia com uma volúpia que até hoje não me permiti. Porque a poesia pertence ao clima de verdade e encanto que a Morte instaura. E ouviria mais Bach e Beethoven. Além de usar meu tempo no prazer de cuidar do meu jardim…”.

 

Com este espírito, acabo de ler a obra citada do assunto, de autoria de Luiz Alberto Mendes.

Antes, um parêntese: um amigo enviou-me este poema:

 

O Albatroz

 

Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem

Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,

Que segue pelo azul a embarcação em viagem,

Num vôo triunfal, numa carreira audaz.

 

Mas quando o albatroz se vê preso, estendido

Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!

Que pena que ele faz, humilde e constrangido,

As asas imperiais caídas para o lado!

 

Dominador do espaço, eis perdido o seu nimbo!

Era grande e gentil, ei-lo o grotesco verme!...

Chega-lhe um ao bico o fogo do cachimbo,

Mutila um outro a pata ao voador inerme.

 

O Poeta é semelhante a essa águia marinha

Que desdenha da seta, e afronta os vendavais;

Exilado na terra, entre a plebe escarninha,

Não o deixam andar as asas colossais!

 

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal" (Tradução de Delfim Guimarães, Obtido em Wikisource).

 

Antes, o amigo remetente, Gustavo Torres Soares, já tinha composto o seguinte:

 

Hermético

 

Mas o rapaz não quer se explicar!...

 

Se a gente não o entender,

Para ele é indiferente.

Se o interpretarmos mal,

O problema é nosso.

Se ficarmos ofendidos,

Ele vai até rir.

 

Maldito!

 

Disse ele, e envaideceu minha alma, que a composição acima foi a mim dirigida!

Só mesmo vindo de um amigo! A quem agradeço emocionado e lisonjeado e feliz!

Fecho o parêntese.

 

Poema não se explica, sente-se!

Imagine-se, então, explicar o poeta!

Não há necessidade, nem se deve, acredito.

E digo isso por ter o Luiz Alberto, ou o prefaciador de sua obra, apresentado-se e apresentado-o!

Não há ser humano sem preconceito, infelizmente!

Todos somos preconceituosos: preto tem preconceito contra preto; pobre contra pobre; mulher contra mulher; homossexual contra homossexual e todos contra todos!

Eu, ser humano por natureza (!), aprendiz de “tentador” de ser poeta, sou, também, “promotor de Justiça”!

Portanto, tem três requisitos para “ter tido” preconceito conta o autor de Desconforto, que, mesmo confessando, causa-me desconforto!

É que o poeta-autor é apresentado e se diz “egresso” do sistema carcerário, cometeu alguns crimes pelos quais esteve preso.

Sua condição e a minha levou-me a vê-lo preconceituosamente: ele é ser humano igual a mim; ele é poeta, eu quero ser; ele é um “ex-condenado”, eu luto para condenar!

O mesmo preconceito passei a nutrir contra Pablo Neruda e Kalil Gibran!

Neruda depois que li o livro de Jurema Finamour “Pablo e Dom Pablo”, em que o poeta é pintado com cores nada dignificantes para um ser humano.

Gibran, li em matéria jornalística que se perdeu na montanha de jornais velhos, mas não de minha mente, “era um unha de fome”, sovina, avarento.

Salvador Dalí, dizem, era “dedo duro”, tendo entregado vários comunistas.

Entretanto, quando soube dessas condições humanas dos três acima citados, já gostava de suas obras e, aí, não teve mais jeito.

Ou seja, os li sem fazer, inconscientemente, qualquer juízo sobre as pessoas dos autores (Dali, o vi).

Já em relação a Luiz, embora eu não quisesse, como diz o Nietzsche (“não pensamos, é o pensamento que nos pensa”), a sua condição me vinha à mente sempre e em muitas situações, todas elas eu “querendo” ver tal condição de ex-presidiário.

Se eu nada soubesse sobre Luiz, o teria lido como li Neruda e Gibran e vi Dalí!

Mas, o importante, o li e gostei e por isso ora escrevo.

É claro que não gostei de tudo, obviamente, pois tirando o primeiro cd do “Só pra contrariar”, em que todas as músicas são legais, é muito raro um livro em que todos, absolutamente todos os poemas nos encante. O próprio “Só pra contrariar” não foi capaz de repetir-se!

No caso do Desconforto, mesmo que a obra não tivesse me prendido a atenção, sua apresentação já teria valido a pena a leitura e a aquisição. Vejam que coisa linda escreveu Fernando Bonassi na orelha da capa:

Poesia é música, miscelânea de sons, alternância de ritmos; poesia é métrica, precisão na escolha das palavras e consciência matemática das letras; poesia é pintura, é cinema: descrição da imaginação, construção de imagens, de cenas, de personagens... Pois é, poesia é tudo isso, mas se engana quem pensa que poesia se resume a esculpir frases, substituir significantes como itens de um cardápio, ou burilar a linguagem como um ourives descompromissado. Poesia é um tanto mais: ela nasce justamente do espanto com este mundo que nos cerca; da tentativa, na maioria das vezes vã, de explicarmos isso que fizemos de nós mesmos; da indignação com este bom e velho estado de coisas, conveniente para tão poucos entre tantos...

 

Do livro do Luiz gostei, particularmente, dos poemas das páginas: 25, 39, 51, 55, 59, 61, 71, 75, 87, 99, 107, 121, 123, 125, 133, 137, 147, 149, 151, 155 e 159, ou seja, de quase todos, pois a impressão dos poemas é apenas na face da página. Deles divido com vocês os seguintes:

 

Eu

 

Sempre quis antes

Que os outros.

Andei, falei antes do tempo

E me machuquei muito mais.

Aprendi a cair antes

De aprender a correr

E quando pude correr

Não parei jamais.

Separei antes de amar

Quis sorrir antes de sofrer

E fui embora sempre

Que deveria ter ficado.

Já estava deslumbrado

Antes de me embriagar.

Conhecia todos

Muito antes de me conhecer

E me arrependi

Por não haver me arrependido.

Gritei quando devia calar,

Dividi quando devia somar

E jamais pude multiplicar.

Fui convencido

Antes de entender,

E condenado antes

Que pudesse errar.

E fato é que quis ser antes

E a verdade

Só veio muito depois.

 

e,

 

Claro e Escuro

 

Um dia passado

É um tempo vivido

Um amor acabado

Um mal entendido

Disse um dia um poeta

Em sua poesia

Em rima repleta

De dor e agonia

Um beijo de amor

É um bem que agrilhoa

Um doce insabor

Um gozo que escoa

Um corpo desnudo

É um grito silente

Um diálogo mudo

Num hálito quente

Disse-me um dia um poeta

Com certo pesar

Tem ponta que espeta

Veneno sem par.

 

e,

 

Bons Tempos

 

Acordei com um desses pensamentos suaves

Que nos ajudam a viver.

Era como se tivesse entrado no mundo

Pela primeira vez.

Em meu coração não havia

Um só compartimento que não estivesse

Inundado da mais comovente ternura

Algo assim redondo e macio.

Pontas frágeis de estrelas

E o brilho inseguro dos astros

Estavam comigo nessa hora clara

Em que rompo a noite nessa breve manhã

Longe do tempo da dor.

 

e,

 

Raios e trovões

 

Se pudesse arrancaria

Os trovões de minha boca

E os raios de minhas mãos.

Acabaria com toda essa mania

Suja de limpeza;

Viveria de realidades

E executaria todas ideologias.

Em provocação aberta

Ia passando, sem me olhar

Perdido de mim

Sem por mim me dar.

Seria menos justo, exigente

E cobraria menos

De mim.

 

e,

 

Culpado

 

Cometo a besteira

De me iludir

Que jamais me quebrarão

Novamente.

De ser inocente quando me sinto

Tão culpado.

 

e,

 

Confusão

 

...e uma saudade vinda sei lá de onde:

De amar sem inventar,

De beber sem entristecer

E como ainda não enlouqueci

De tanta consciência do que faço.

Medo nunca foi freio

Antes motor, desafio constante

Mas cansei.

Cansei dessa gente que se engana;

Que cai do passado

Simulando presente

Como acordasse de um pesadelo.

Será que liberdade é estar

Onde sonho e não existe,

Ou na desumana necessidade

De morrer?

 

e,

 

Lugar

 

Nunca fui um bom lugar

Nem para mim mesmo

Meu lugar sempre foi onde nunca estive

Possuía a inquietude do rio

Que não sabe se à frente

Vai encontrar margens para correr

Ou vai se desmanchar

Em enchente.

 

Fonte: LUIZ ALBERTO MENDES, Desconforto, São Paulo: Editora Reformatório, 2013.

 

A obra foi adquirida na madrugada de 20.07.14 e sua leitura terminada em 23.07.14, com leituras paralelas e interrupções por conta de outros afazeres.

De um poema, a frase: “Preciso espelho para reconhecer meu lado fora”, chamou minha atenção, pois ela mostra bem como estamos tão perto de nós mesmos e nos conhecemos tão pouco. Tão pouco que, até para nos conhecemos pelo nosso lado de fora precisamos de ajuda!

Sem preconceito, eu a recomendo, tanto assim que a adquiriria novamente se a perdesse!

 

Abraços,

 

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