“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
Carl Jung
Menina,
Sei que andas reclamando do tamanho das minhas missivas (cartas) para você, mas quero que saibas o seguinte: não é o tamanho que deve te incomodar, mas a falta de conteúdo. Como não reclamaste deste, penso que está tudo bem.
Além do mais, as nossas cartas são lidas por outras pessoas com mais anos nas costas que nós dois. E, para essas, o tamanho talvez não seja tão incômodo, pois só vamos ver isso (que tamanho, em cultura, é documento), quando precisamos fazer uso do que estudamos.
E quando precisamos? Numa redação, num vestibular, por exemplo!
Sei que a vida, sob o manto da tecnologia – aquela que ia nos libertar, mas parece nos acorrentar –, está cada vez mais corrida. Cada vez temos menos tempo e nos conformamos com as (des)informações imediatas da net, por exemplo!
Se a net (Google) disse, a verdade é absoluta! Mas não é bem assim. A net deve ser usada apenas como um guia. Devemos ir buscar as informações na fonte.
Quando vamos encontrar tempo, por exemplo, para lermos as 511 (quinhentas e onze) páginas do primeiro volume d'“Os miseráveis”, de Victor Hugo? E as 765 (setecentas e sessenta e cinco) do segundo volume?
Não temos tempo para isso! Mas deveríamos ter!
“Criação”, do Gore Vidal, tem 789 páginas.
“Queda de Gigantes”, do Ken Follett, tem 910 páginas.
“História”, do Herôdotos, tem 611 páginas.
“História da Guerra do Peloponeso”, do Tucídides, tem 533 páginas.
Difícil de encarar? Sim e não.
A necessidade e sede por saber nos ajudam! Não dizem que o melhor tempero da comida é a fome?
Diz Hesíodo na sua obra “Os Trabalhos e os Dias”, que existiu uma “idade de ouro”, e que era assim:
“Primeiro de ouro era raça dos homens mortais, os quais criaram os deuses imortais, que têm suas moradas no monte Olimpo.
Eram do tempo do deus Cronos, quando este este reinava no céu;
Como deuses viviam, tendo despreocupado o coração.
Estavam longe de penas e misérias;
Nem a temível velhice lhes pesava, estavam sempre jovens nos pés e nas mãos,
Alegravam-se em festas,
estando de todos os males afastados, morriam como quem morre de sono;
Todos os bens eram para eles: a terra produzia, espontaneamente, frutos nutrientes em abundância e generosidade e trazia para eles.
Assim, contentes, tranqüilos nutriam-se de seus pródigos bens.
Mas depois que a terra cobriu a esta raça (dos deuses imortais), eles são, por decisão do poderoso Zeus, gênios corajosos, cônicos, que tomam conta dos homens mortais. [Eles então vigiam as decisões e obras malsãs dos mortais, vestidos de ar vagam por todos os lugares da terra]. E dão riquezas: foi este o seu privilégio real.”
Você acredita que essa idade de ouro, onde não se precisava trabalhar para sobreviver, tenha existido? Eu, não!
Tem um herói grego que você deve conhecer. O Héracles, que é conhecido também como Hércules (o herói é grego, mas os romanos se apropriaram do mito e o chamaram de Hércules). Lembra dele? Pois é. Dizem que, na adolescência, ele também teve que tomar uma decisão na vida. Teve que optar entre o esforço e facilidade. Veja o que ele decidiu e nos é contado por Xenofontes:
“Conta-se que na altura em que Héracles passava da infância para a adolescência, tempo em que os jovens, porque se tornam independentes, mostram se irão orientar as suas vidas pelo caminho da virtude ou pelo do vício, procurou um local tranquilo e sentou-se a ponderar por qual dos dois caminhos iria seguir. Então, pareceu-lhe que se aproximavam dele duas mulheres altas, uma de aspecto digno e que se via ser de natureza livre, com o corpo singelamente ornamentado, os olhos castos, a postura recatada, vestida de branco; a outra era mais bem nutrida de carnes e tinha um aspecto mole, estava maquilhada, de modo que parecia mais branca e mais rubra do que era, a figura parecia mais sólida do que era realmente, tinha os olhos bem abertos e vestia de modo a poder exibir da melhor maneira a sua juventude. Examinava-se a si própria vezes sem conta, observando também se mais alguém a contemplava e voltava-se, inúmeras vezes, até para a sua própria sombra.
Assim que se aproximaram de Héracles, enquanto aquela de que falamos primeiro seguia o seu próprio caminho, a outra adiantou-se, desejosa de se aproximar de Héracles, e disse-lhe:
– Vejo que não sabes o que fazer, Héracles, quanto ao caminho pelo qual hás-de orientar a tua vida. Ora, se fizeres de mim tua amiga, eu te conduzirei pelo caminho mais agradável e fácil, não te ficará por experimentar nenhum prazer e viverás livre de dificuldades. Logo, em primeiro lugar, não terás de te preocupar nem com guerras nem com assuntos do dia a dia; ao invés, a tua ocupação será apenas questionar qual o alimento ou qual a bebida que te seria mais agradável tomar, o que te agradaria mais ver ou ouvir, ou cheirar ou tocar, na companhia de que rapazinhos te sentirias mais feliz, de que modo dormirias mais confortável e de que modo todos estes prazeres virão ter contigo sem grande esforço. E, se alguma vez sentires qualquer receio de que de aqui advenha a pobreza, não fiques com medo de que eu te leve a procurar estes bens à custa de sofrimento ou de trabalho árduo de corpo e de alma, porque outros hão-de fazer o trabalho de que tu terás o proveito e não te privarás de nada que te possas trazer benefícios. Porque, àqueles que convivem comigo, eu dou a capacidade de obterem lucros em qualquer situação.
Héracles, ouvindo estas palavras, perguntou:
– Mulher, qual é o teu nome?
– Os meus amigos chamam-me Felicidade e os que me odeiam, para me denegrirem, dão-me o nome de Maldade.
Entretanto, aproximou-se a outra jovem e disse:
– Eu também venho ter contigo, Héracles, porque eu sei quem são os teus pais e porque conheço bem a natureza da tua educação, pelo que tenho esperança de que, se orientares o teu caminho na minha direção, te tornarás um excelente artífice de obras belas e dignas e que eu, por causa desses bens, parecerei mais honrada e magnificente. Não te vou enganar com introduções sobre prazer; vou, sim, expor a verdade sobre a qual os deuses estabeleceram quanto existe. De quantas coisas boas e belas existem, nenhuma deram os deuses ao homem sem dor e sem cuidado, e tu, se quiseres que os deuses te sejam propícios, terás de honrar os deuses; se queres ser estimado pelos teus amigos, terás de oferecer os teus préstimos a esses amigos; se desejas ser honrado por alguma cidade, terás de ser útil a essa cidade; se esperas que a Hélade inteira reconheça o teu valor, terás de esforçar pelo bem da Hélade; se queres que a terra te dê frutos em abundância, terás de cuidar a terra; se julgares que te é necessário enriquecer criando gado, terás de te preocupar com esse gado; se ambicionas tornar-te poderoso através da guerra e queres ser capaz de libertar os teus amigos e subjugar os teus inimigos, terás de aprender as artes da guerra, junto de aqueles que as conhecem, e praticá-las de modo a poderes fazer uso delas quando o necessitares. Se queres que o teu corpo seja forte, tens de o habituar a submeter-se à inteligência e exercitá-lo com esforço e suor.
… a Maldade a interrompeu, dizendo:
– Tens consciência, Héracles, de como é duro e longo o caminho que esta mulher te descreve para chegares à alegria? Eu te conduzirei à felicidade por um caminho mais fácil e breve.
A Virtude, então, respondeu:
– Desgraçada, o que possuis tu de bom? Ou o que sabes tu do prazer, se nada queres fazer para o atingir? É que tu nem pelo desejo dos prazeres esperas, porque antes de os desejares já os satisfizeste todos: comes antes de teres fome; bebes antes de teres sede; arranjas cozinheiros para comeres mais a gosto; procuras vinhos caríssimos para beberes com mais prazer; procuras ter neve no Verão; para dormires com agrado não te chegam apenas os agasalhos suaves e camas mas procuras também estrados para as colchas, pois não é por causa do cansaço que desejas o sono, mas por não teres nada para fazer. E forças os prazeres do sexo mesmo antes de sentires essa necessidade, recorrendo a artifícios e usando homens como se fossem mulheres. É assim que educas os teus próprios amigos, excitando-os durante a noite, e fazendo-os dormir durante as horas mais produtivas do dia. Mesmo sendo imortal foste afastada dos deuses e desprezada pelos homens de bem. Não ouves, sequer, o mais belo dos sons, o dos teus próprios elogios, nem contemplas o que há de mais agradável para contemplar porque nunca te viste, a ti própria, realizar qualquer boa obra. Quem é que poderia acreditar em algo que tu dissesses? Quem é que estaria disposto a ajudar-te se precisasses de alguma coisa? Ou quem é que, pensando bem, teria coragem de pertencer ao mesmo grupo que tu? O grupo daqueles que, sendo novos, são fracos de corpo, e, tendo envelhecido, se tornam débeis de espírito; os que durante a juventude se apresentam nutridos sem esforço, mas que atravessam a velhice dolorosamente alquebrados; envergonhados pelo que fizeram, mortificados pelo que fazem; correndo para os prazeres durante a juventude e reservando as dificuldades para a velhice. Eu, pelo contrário, convivo quer com os deuses quer com os homens de bem, e nenhuma boa ação nem divina nem humana se realiza sem a minha participação. Tenho mais honra que qualquer outro, quer junto dos deuses, quer junto dos homens a quem sirvo de guia: colaboradora estimada dos artesãos, guardiã fiel das casas dos patrões, amparo benfazejo dos serviçais, preciosa auxiliar nos sacrifícios durante a paz, firme aliada nos conflitos de guerra, o melhor elo das amizades. Os meus amigos obtêm prazer na comida e na bebida sem qualquer esforço, porque não as procuram enquanto não as desejam. O sono também lhes é muito mais grato do que àqueles que não estão cansados e nem o abandonam com pesar nem, por sua causa, descuidam o que é preciso fazer. Os novos regozijam-se com os elogios dos mais velhos e os anciãos rejubilam com o respeito dos jovens. Lembram com prazer o que fizeram no passado e sentem gosto ao realizar as atividades do presente; graças a mim, são queridos aos deuses, estimados pelos amigos e honrados pelas suas pátrias. E, quando o tempo que lhes foi destinado chega ao seu termo, não caem no esquecimento, desonrados; antes, revivem para todo o sempre, na memória, nos hinos que os celebram. Deste modo, Héracles, filho de nobres progenitores, ser-te-á possível, se trabalhares com afã, obter a mais abençoada das felicidades.
É deste modo, sensivelmente, que Pródico descreve a educação de Héracles pela Virtude.”
Você leu o discurso do Steve Jobs na universidade de Stanford?
Pois é, é na minha opinião, uma bela porcaria, mas, para muitos, por ter sido pronunciado por um “gênio” (que eu também não acho tão genial assim, “já que atrasou o tratamento apropriado para o seu câncer por cerca de seis meses! E logo ele que é tido como o mago da tecnologia!) é uma das “oito maravilhas do mundo”!
Para mim é um nada, se comparado com o conselho que Victor Hugo dá à juventude!
Menor, ainda, também que o discurso sobre a modernidade que faz Fernando Pessoa.
Leia e compare os três discursos que abaixo transcrevemos. Ei-los:
“Você tem que encontrar o que você ama
Estou honrado de estar aqui, na formatura de uma das melhores universidades do mundo. Eu nunca me formei na universidade. Que a verdade seja dita, isso é o mais perto que eu já cheguei de uma cerimônia de formatura. Hoje, eu gostaria de contar a vocês três histórias da minha vida. E é isso. Nada demais. Apenas três histórias.
A primeira história é sobre ligar os pontos.
Eu abandonei o Reed College depois de seis meses, mas fiquei enrolando por mais 18 meses antes de realmente abandonar a escola. E por que eu a abandonei? Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era uma jovem universitária solteira que decidiu me dar para a adoção. Ela queria muito que eu fosse adotado por pessoas com curso superior. Tudo estava armado para que eu fosse adotado no nascimento por um advogado e sua esposa. Mas, quando eu apareci, eles decidiram que queriam mesmo uma menina.
Então meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite com uma pergunta: “Apareceu um garoto. Vocês o querem?” Eles disseram: “É claro.”
Minha mãe biológica descobriu mais tarde que a minha mãe nunca tinha se formado na faculdade e que o meu pai nunca tinha completado o ensino médio. Ela se recusou a assinar os papéis da adoção. Ela só aceitou meses mais tarde quando os meus pais prometeram que algum dia eu iria para a faculdade. E, 17 anos mais tarde, eu fui para a faculdade. Mas, inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford. E todas as economias dos meus pais, que eram da classe trabalhadora, estavam sendo usados para pagar as mensalidades. Depois de seis meses, eu não podia ver valor naquilo.
Eu não tinha idéia do que queria fazer na minha vida e menos idéia ainda de como a universidade poderia me ajudar naquela escolha. E lá estava eu, gastando todo o dinheiro que meus pais tinham juntado durante toda a vida. E então decidi largar e acreditar que tudo ficaria ok.
Foi muito assustador naquela época, mas olhando para trás foi uma das melhores decisões que já fiz. No minuto em que larguei, eu pude parar de assistir às matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a frequentar aquelas que pareciam interessantes. Não foi tudo assim romântico. Eu não tinha um quarto no dormitório e por isso eu dormia no chão do quarto de amigos. Eu recolhia garrafas de Coca-Cola para ganhar 5 centavos, com os quais eu comprava comida. Eu andava 11 quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Eu amava aquilo.
Muito do que descobri naquela época, guiado pela minha curiosidade e intuição, mostrou-se mais tarde ser de uma importância sem preço. Vou dar um exemplo: o Reed College oferecia naquela época a melhor formação de caligrafia do país. Em todo o campus, cada poster e cada etiqueta de gaveta eram escritas com uma bela letra de mão. Como eu tinha largado o curso e não precisava frequentar as aulas normais, decidi assistir as aulas de caligrafia. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia boa. Aquilo era bonito, histórico e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode entender. E eu achei aquilo tudo fascinante.
Nada daquilo tinha qualquer aplicação prática para a minha vida. Mas 10 anos mais tarde, quando estávamos criando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou. E nós colocamos tudo aquilo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse deixado aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria tido as fontes múltiplas ou proporcionalmente espaçadas. E considerando que o Windows simplesmente copiou o Mac, é bem provável que nenhum computador as tivesse.
Se eu nunca tivesse largado o curso, nunca teria frequentado essas aulas de caligrafia e os computadores poderiam não ter a maravilhosa caligrafia que eles têm. É claro que era impossível conectar esses fatos olhando para frente quando eu estava na faculdade. Mas aquilo ficou muito, muito claro olhando para trás 10 anos depois.
De novo, você não consegue conectar os fatos olhando para frente. Você só os conecta quando olha para trás. Então tem que acreditar que, de alguma forma, eles vão se conectar no futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – sua garra, destino, vida, karma ou o que quer que seja. Essa maneira de encarar a vida nunca me decepcionou e tem feito toda a diferença para mim.
Minha segunda história é sobre amor e perda.
Eu tive sorte porque descobri bem cedo o que queria fazer na minha vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro e, em 10 anos, a Apple se transformou em uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 mil empregados. Um ano antes, tínhamos acabado de lançar nossa maior criação — o Macintosh — e eu tinha 30 anos.
E aí fui demitido. Como é possível ser demitido da empresa que você criou? Bem, quando a Apple cresceu, contratamos alguém para dirigir a companhia. No primeiro ano, tudo deu certo, mas com o tempo nossas visões de futuro começaram a divergir. Quando isso aconteceu, o conselho de diretores ficou do lado dele. O que tinha sido o foco de toda a minha vida adulta tinha ido embora e isso foi devastador. Fiquei sem saber o que fazer por alguns meses.
Senti que tinha decepcionado a geração anterior de empreendedores. Que tinha deixado cair o bastão no momento em que ele estava sendo passado para mim. Eu encontrei David Peckard e Bob Noyce e tentei me desculpar por ter estragado tudo daquela maneira. Foi um fracasso público e eu até mesmo pensei em deixar o Vale [do Silício].
Mas, lentamente, eu comecei a me dar conta de que eu ainda amava o que fazia. Foi quando decidi começar de novo. Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeXT, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa.
A Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeXT, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple.
E Lorene e eu temos uma família maravilhosa. Tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple.
Foi um remédio horrível, mas eu entendo que o paciente precisava. Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama.
Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.
Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Assim como todos os assuntos do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então continue procurando até você achar. Não sossegue.
Minha terceira história é sobre morte.
Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último.” Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no espelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é “não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar alguma coisa.
Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo — expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar — caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração.
Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.
Há um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Era 7h30 da manhã e eu tinha uma imagem que mostrava claramente um tumor no pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas.
Os médicos me disseram que aquilo era certamente um tipo de câncer incurável, e que eu não deveria esperar viver mais de três a seis semanas. Meu médico me aconselhou a ir para casa e arrumar minhas coisas — que é o código dos médicos para “preparar para morrer”. Significa tentar dizer às suas crianças em alguns meses tudo aquilo que você pensou ter os próximos 10 anos para dizer. Significa dizer seu adeus.
Eu vivi com aquele diagnóstico o dia inteiro. Depois, à tarde, eu fiz uma biópsia, em que eles enfiaram um endoscópio pela minha garganta abaixo, através do meu estômago e pelos intestinos. Colocaram uma agulha no meu pâncreas e tiraram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células em um microscópio, começaram a chorar. Era uma forma muito rara de câncer pancreático que podia ser curada com cirurgia. Eu operei e estou bem.
Isso foi o mais perto que eu estive de encarar a morte e eu espero que seja o mais perto que vou ficar pelas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso agora dizer a vocês, com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito apenas abstrato: ninguém quer morrer. Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá.
Ainda assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca conseguiu escapar. E assim é como deve ser, porque a morte é muito provavelmente a principal invenção da vida. É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade.
O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém.
Não fique preso pelos dogmas, que é viver com os resultados da vida de outras pessoas.
Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria voz interior.
E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário.
Quando eu era pequeno, uma das bíblias da minha geração era o Whole Earth Catalog. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand em Menlo Park, não muito longe daqui. Ele o trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 60, antes dos computadores e dos programas de paginação. Então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid.
Era como o Google em forma de livro, 35 anos antes de o Google aparecer. Era idealista e cheio de boas ferramentas e noções. Stewart e sua equipe publicaram várias edições de Whole Earth Catalog e, quando ele já tinha cumprido sua missão, eles lançaram uma edição final. Isso foi em meados de 70 e eu tinha a idade de vocês.
Na contracapa havia uma fotografia de uma estrada de interior ensolarada, daquele tipo onde você poderia se achar pedindo carona se fosse aventureiro. Abaixo, estavam as palavras:
“Continue com fome, continue bobo.”
Foi a mensagem de despedida deles. Continue com fome. Continue bobo. E eu sempre desejei isso para mim mesmo. E agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês. Continuem com fome. Continuem bobos.
Obrigado.”
Victor Hugo, ensina aos jovem nesta linda lição:
“- Quantos anos você tem?
- Dezenove.
- Você é forte e tem saúde. Por que não trabalha?
- Não gosto.
- Qual é sua profissão?
- Vadio.
- Fale sério. Talvez se possa fazer alguma coisa em seu favor? Que é que você quer ser?
- Ladrão.
Houve um momento de silêncio. O velho parecia profundamente preocupado. Continuava imóvel e ainda não havia largado Montparnasse.
De quando em quando, o jovem assaltante, robusto e esperto, tinha sobressaltos de animal caído em algum laço. Dava um repelão, tentava uma rasteira, retorcia-se desesperadamente, procurava escapar. O velho parecia nada perceber e segurava-lhe os dois braços com uma só mão, com a indiferença soberana de uma força absoluta.
O devaneio do ancião durou algum tempo; depois, olhando fixamente para Montparnasse, levantou docemente a voz, dirigindo-lhe, em meio à escuridão em que se encontravam, uma espécie de alocução solene, da qual Gavroche não perdeu uma única sílaba:
– Meu rapaz, você, por preguiça, entra na mais trabalhosa das existências. Você se diz vagabundo! Prepare-se para trabalhar. Já viu uma máquina perigosa que se chama laminados? É preciso cuidado com ela, porque é sorrateira e terrível; se consegue prender-lhe a barra do casaco, arrasta-o inteiro. Essa máquina é a ociosidade. Pare enquanto ainda é tempo; ponha-se a salvo! Se não, tudo está acabado; daqui a pouco você será tragado pela engrenagem. Uma vez preso, não espere mais nada. Trabalhe, preguiçoso! Nada de descansar! A mão de ferro do trabalho implacável o agarrou.Você não quer ganhar a vida, ter uma ocupação, cumprir um dever! Ser como os outros o aborrece! Pois bem: com você vai ser diferente. O trabalho é a lei; quem o rejeita, tê-lo-á como suplício.Você não quer ser operário, então será escravo. O trabalho só o deixa de um lado para prendê-lo do outro; não quer ser seu amigo, então será seu escravo.Você não quer o cansaço honesto dos homens, terá então o suor dos condenados. Enquanto os outros cantam, você há de agonizar, vendo de longe, de baixo, os outros homens dedicados ao trabalho, que parecerão descansar. O agricultor, o ceifeiro, o marinheiro, o ferreiro, aparecerão rodeados de luz como os bem-aventurados do paraíso. Que esplendor nas bigornas! Conduzir a charrua, enfeixar as espigas, aí está a alegria.A barca em liberdade ao sopro dos ventos, que festa! E você, preguiçoso, se cansa, se arrasta, soluça, caminha! Puxe o cabresto, e ei-lo transformado em animal de carga entre as parelhas do inferno! Nada fazer é seu desejo. Pois bem, não haverá uma semana, um único dia, uma só hora, sem cansaço.Você não poderá levantar nada sem angústia.Todos os minutos que se sucederem farão estalar-lhe os músculos. O que para os outros é uma pena, para você será uma rocha. As coisas mais simples se tornarão difíceis. A vida se transformará em monstro ao seu redor. Ir, vir, respirar, que trabalhos terríveis! Os pulmões far-lhe-ão o efeito de um peso de cem libras. Andar por aqui e não por ali já será um problema a se resolver. Qualquer um, quando quer sair, empurra a porta, e ei-lo fora.Você, se quiser sair, terá que furar as paredes. Para ir à rua, que é que todos fazem? Descem a escada.Você terá que rasgar os lençóis da cama, fazer, fio a fio, uma corda, amarrá-la à janela, suspender-se por esse fio sobre um abismo; será noite, haverá tempestade, vento, chuva e, se a corda for muito curta, não haverá senão um meio para descer: cair. Cair de olhos fechados, ao acaso, num sorvedouro, de qualquer altura. Em cima de quê? Do que estiver por baixo, do desconhecido. Ou então, subir pelo tubo de uma chaminé, com perigo de se queimar, ou pelos canos do esgoto, com perigo de se afogar. Nem falo dos buracos que precisam ser encobertos, das pedras que devem ser tiradas e recolocadas vinte vezes por dia, da caliça que é preciso esconder dentro do colchão. Apresenta-se uma fechadura; o burguês tem no bolso a chave fabricada por um serralheiro.Você, se quiser passar, está condenado a fazer uma horrível obra-prima; terá que pegar uma moeda e cortá-la em duas lâminas. Com que ferramentas? Você terá que inventá-las. Isso é problema seu. Depois terá de cavar a parte interna das duas lâminas, tendo o cuidado de deixar o outro lado intacto, fazendo uma rosca nas bordas, de modo que as duas partes se ajustem perfeitamente uma à outra, como uma caixa e uma tampa.Ambas as partes assim atarrachadas nada deixarão perceber. Para os guardas – pois você será vigiado –, não passará de uma moeda; para você, é um estojo. O que você guardará nesse estojo? Um pedacinho de aço, uma corda de relógio, na qual você terá de fazer dentes, transformando-a numa serra. Com essa serra, do tamanho de um alfinete, escondida numa moeda, você terá de cortar a lingüeta da fechadura, a haste dos trincos, a asa do cadeado, as grades da janela, a manilha que lhe prenderá os pés. Terminada essa obra-prima, esse prodígio, feitos todos esses milagres de arte, destreza, habilidade, paciência, se vierem a saber que você é o autor, qual será a sua recompensa? A solitária. Aí está o futuro. Que precipícios são a preguiça e o prazer! Nada fazer é uma lúgubre resolução.Viver ocioso da substância social! Ser inútil, isto é, nocivo! Isso leva diretamente para a mais horrível miséria. Desgraçado de quem quer ser parasita; será um simples verme. Ah! trabalhar o aborrece? Você não pensa senão em beber bem, comer bem, dormir bem, mas terá que beber água, comer pão negro, dormir em cima de tábuas com uma corrente presa aos membros, sentindo durante a noite o seu frio sobre a carne.Você então quebra essa corrente e foge. Muito bem. Terá de se arrastar sobre o ventre debaixo das moitas, comendo erva como os animais selvagens. Depois, será novamente agarrado. Então, terá de passar anos e anos num subterrâneo, preso a um muro, tateando para ir beber à bilha de água, mordendo um pão nojento que os próprios cães rejeitariam, mastigando favas que os vermes terão roído antes de você. Você será um bicho-de-conta num buraco. Ah! Tenha piedade de si mesmo, pobre criança, tão jovem, que há vinte anos ainda sugava o leite da ama, e que, sem dúvida, ainda tem mãe. Eu peço encarecidamente que me ouça. Você quer ter belos casacos pretos, sapatos de verniz, quer frisar os cabelos, untá-los com óleo perfumado, agradar às mulheres, ser bonito.Você terá a cabeça raspada e terá de se vestir com um macacão vermelho e calçar tamancos.Você quer um anel no dedo, mas terá uma gargalheira no pescoço. Se olhar para uma mulher, receberá uma bastonada.Você entrará lá com vinte anos e sairá com cinqüenta! Entrará jovem, sadio, corado, com olhos brilhantes, com todos os dentes brancos, bela cabeleira de adolescente, e sairá alquebrado, recurvado, enrugado, sem dentes, horrível, de cabelos brancos! Ah! pobre criança, você está no caminho errado; a ociosidade o aconselha mal; o mais rude dos trabalhos é o roubo. Creia-me; não prossiga nesse esforço para se tornar um preguiçoso. Transformar-se num vadio não é nada cômodo. É muito menos penoso ser homem honesto. Agora vá, e pense no que eu lhe disse. A propósito, que você queria de mim? A bolsa? Aqui está.
E o velho, soltando Montparnasse, pôs-lhe na mão a bolsa, cujo peso o moço calculou por um instante; depois, com a mesma precaução maquinal como se tivesse roubado, Montparnasse a fez escorregar cuidadosamente no bolso traseiro de sua sobrecasaca.
O velho, depois disso tudo, voltou-se e continuou tranqüilamente seu passeio.
- Pateta! murmurou Montparnasse.
Sem dúvida o leitor já adivinhou quem é esse velho.”
E, finalmente, o ímpar poeta português:
“O REGRESSO DOS DEUSES
Os deuses não morreram: o que morreu foi a nossa visão deles. Não se foram: deixamos de os ver. Ou fechamos os olhos, ou entre eles e nós uma névoa qualquer se entremeteu. Subsistem, vivem como viveram, com a mesma divindade e a mesma calma.
Falamos muito, e com hipocrisia, no sentimento que temos da beleza antiga, e das civilizações mães da nossa, e que foram pagãs. Mas nós não temos a alma grega nem a alma romana. Amamo-las de perfil, incorporeamente. Nada da alma antiga está em nós ou conosco. A nossa ânsia de beleza clássica é toda cristã na sua fúria de perfeição, no seu desassossego.
O sentimento que conduzimos, para amá-las, até ao soclo das estátuas helênicas, é um insulto a elas. Amamos a beleza demasiadamente: os gregos não a amaram assim. Para o seu sentimento passava a calma da lucidez com que viam. Ver muito lucidamente prejudica o sentir demasiado. E os gregos viam muito lucidamente. Por isso pouco sentiam. Daí a sua perfeita execução da obra de arte. Para executar a obra de arte com perfeita perfeição é preciso não sentir excessivamente a beleza que se vai esculpir. A arte grega era toda de equilíbrio e (...). E era a arte de quem via sabendo ver.
Nós levamos para a sensação de uma estátua o sentimento, translato, que o cristianismo nos ensinou a levar para a adoração de Cristo na cruz, da perfeição moral, do ascético e do casto. Não é deslocando a direcção do nosso olhar iludido que conseguimos torná-lo lúcido e calmo. É criando em nós um novo modo de olhar e de sentir.
A mais antiga tradição da nossa civilização é a tradição grega. Devemos reatá-la. Temos que nos criar uma alma grega, para podermos continuar a obra da Grécia. Tudo posterior à Grécia tem sido um erro e um desvio. As nossas instituições políticas sofrem do colectivismo romano e do sentimentalismo Cristão. Misturámos à dureza administrativa de Roma a moleza humanitária dos sermões de Cristo. É uma prova de quão longe andamos da alma grega, como ela era verdadeiramente.
Só a ciência é que evolui. Nada mais evolui. Nem política, nem artes, nem costumes comportam evolução. Podem comportar diferenças. Evolução não comportam. Só o que é adquirir conhecimentos evolui porque evoluir é aumentar. [Osório diz: até aqui, este texto consta das “Obras em prosa”, de Fernando Pessoa, Nova Aguilar, p. 179/180. O que se segue não consegui localizar. Logo, ainda não tenho a fonte, porém o texto vale por si mesmo].
Não há arte senão a arte grega. Não há beleza senão como a Grécia a criou. Reconhecemos isto — muitos de nós — obscuramente. Na realidade, a nossa alma anda tão longe disso que todos os dias traímos a uma linguagem mãe, a (...) Grécia Antiga.
O nosso romanismo secou-nos, e o nosso cristianismo apodreceu-nos. Ficamos secos e pôr isso moles.
Apareceu-nos uma grande ocasião para reconstituirmos, em ponto grandioso, a civilização grega. Foi quando as descobertas apontaram à nossa civilização o caminho único [?] — a escravização das raças negras, levando à aristocratização integral das raças brancas. O nosso cristanianismo atravessou-se; falhámos. Mas o nosso romanismo deixou-nos ir dominando essa África que não utilizámos para a civilização para através de dominá-las não nos aristocratizarmos; utilizámo-las para o nosso comércio apenas. Podendo ser hoje uma raça superior e culta, toda aristocrata, somos uma crista reles de escravos reles e reles patrões de escravos. Não sabemos mandar nem obedecer; não sabemos querer ou pensar. O verme cristão adoece tudo dentro de nós. Já nada nos modifica nem nos faz erguer.
As nossas vidas são cheias de absurdos e de abdicações. Não temos ousadia em nada. Quando julgamos ousar, é que temos febre. Ousamos febrilmente, com demasiada noção do risco e demasiada embriaguez do perigo. Somos incompletos e infecundos. Nascemos escravos. O nosso humanitarismo é uma grilheta que nos pusemos. Não sabemos mandar. Não sabemos sentir, não sabemos sequer ver. Há mais de vinte séculos que seguimos um caminho errado, e nem esse seguimos persistentemente.
Já não sabemos regressar ao que nunca devíamos ter deixado. O nosso helenismo nada adivinha ou percebe da Grécia Antiga. O nosso amor ao império romano é uma doença dos mais doentes entre nós. As próprias perversões e crimes dos impérios idos são incompreendidos por nós. Julgamos que são como os nossos. Amamos na antiguidade o que ela tem das nossas consciências, mas ela nada tem da nossa consciência. A nossa ignorância é profundíssima e a nossa (...).
Não progredimos nem (...). Nada temos que a Antiguidade não tinha, e perdemos muito. Nada ganhámos de essencial. Salvo o que a ciência acumulou — e não podia deixar de acumular — não progredimos em nada. Na metafísica não progredimos, na arte não progredimos e em felicidade não progredimos. Sabemos o mesmo que sabiam os gregos do espírito essencial do universo. Nenhuma beleza criámos que substituísse a valer a beleza que os gregos criaram. Nenhum sistema de administrar e reger inventámos que produza os homens e equilibre os estados como o sistema que os gregos tinham. O progresso seria termos progredido nessas coisas. O resto passou-se à superfície da nossa vida e nada nos dá que valha a pena ter-nos dado.
Fazei a vós próprios esta pergunta — desejaríeis vós viver agora ou na Grécia Antiga? Sei o que me responderíeis, se sois lúcidos e sonhadores. Para que ter progredido para querer antes o passado longínquo do que o presente?
Sim, nós não progredimos senão na ciência. E com isso o que progredimos deveras? Progredimos, em verdade, nos nossos conhecimentos?
Não progredimos: nós não sabemos nada mais, essencialmente, sobre o silencioso centro das coisas. Valeu então o progredirmos porque os progressos da ciência nos são úteis? Úteis como, e úteis em quê? Porque aumentaram o nosso conforto, a nossa felicidade? Julgais com verdadeira sinceridade que somos mais felizes do que os gregos, que a nossa vida tem mais conforto e alegria e beleza do que a deles? Não o julgais, bem o sabemos. Em que progredimos portanto?
Transportamo-nos mais depressa dum ponto ao outro. Trocamos palavras mais rapidamente através da distância. Vestem-nos tecidos vindos de muito mais longe. Mas nem um grão mais de felicidade veio ter connosco. Nem uma gota mais de ciência refresca a nossa fronte. Se olharmos para o fundo do que sabemos, do que temos, do que somos, vemos que, perante o mundo e a vida, a nossa visão não é mais lúcida nem mais calma, que não somos felizes, que o mundo da morte pesa sobre nós como decreto, que os laços da sensualidade riscam-nos o corpo como outrora.
Porque este aumento de conhecimento, este acréscimo de transposições podia ao menos ter aumentado o valor do indivíduo, ter feito cada um per si , mais valor do que nos gregos era. Se houve mudança, foi para pior. Os nossos dominadores não podem dormir, tão complexa é a vida, em tanta coisa tropeçam, mesmo dentro de si próprios. Os nossos artistas criam arte ínfima; há muitos mais do que havia antigamente, mas que obras criaram eles que se igualem às antigas? Tudo está confuso e perplexo em nossa roda.
Somos mais complexos, não porque tenhamos mais dentro de nós, porque o eterno pouco que temos, temo-lo confusamente. Confusos é tudo o que somos. Perdemos a visão lúcida do mundo e a interior visão lúcida de nós mesmos. Enfebrecemos e envelhecemos. O que há de novo em nós, sobre o que a Grécia tinha, é a velhice. É a velhice, com a sua maior experiência, e o seu menor poder em utilizá-la; a velhice confusa e saudosa; a velhice faladora, analisadora de si, das suas recordações, dos seus sentimentos, como compensação de não poder mexer-se bem, de não poder agir nitidamente.
Não nos libertamos nada, de modo nenhum. O nosso medo fez-nos continuar a criar novos deuses, a que a nossa sobreposição de valores dá outros nomes do que deuses. A tirania absurda dos nomes de rei e de nobre não tirou as mãos de cima das nossas almas. Continuamos escravos de preconceitos, medrosos dos ridículos, incapazes de criar novos métodos e novas visões. No fundo tudo é o mesmo salvo, que a tristeza dói mais e a incerteza cresce. Porque, no âmago de nós, qualquer coisa como uma consciência nos acusa de nada termos feito, de nada termos substituído ao que perdemos. Gememos alto, como velhos que padecem. E em gemidos, e imitações instantâneas, e começos abandonados de acção, os nossos pensamentos se cansam, os nossos ideais se evolam, a nossa vida se assombra e se relaxa.
Os que entre nós julgam que se revoltam, apenas põem a canga ao contrário. Uns dizem-se anarquistas e pesa-lhes nos pés a grilheta do sentimento humanitário que os cristãos trouxeram. Outros gritam contra o rei, outros contra os ricos, outros contra (...). Mas o que grita contra os reis é por causa do poder que os reis têm, o que grita contra os ricos é por (...) A ânsia de ser livre e de ser escravo muda-os como um (...).
As leis, mesmo superficiais, das coisas continuam desconhecidas. Qual de nós talhará hoje com mais lógica, com mais utilidade, com mais segurança, uma regra de vida para si ou para os outros? Todos sabem o que não querem, sem saber o que querem. E mesmo o que não querem, nem sabem porque o não querem, nem (...). Os nossos atos e os nossos pensamentos deixaram de ser simples; mas não passaram a ser complexos. Passaram a ser confusos, a ser perplexos, ficaram esboços de gestos, pensamentos abandonados. Ninguém tem energia para seguir uma ideia ou ir para um combate. Os nossos propósitos viram como cataventos, As nossas ideias passam como folhas secas. Os nossos próprios vícios são tristes e frágeis. Não nascemos de um excesso quente de vida mas de uma febre, de um desassossego que sabe que a vida não basta, mas nem concebe o que lhe bastaria.
Creio nos Deuses como numa verdade e numa salvação. A sua presença adoça e simplifica. Nada lógico me leva a preferir-lhes qualquer outro deus, mais antigo ou mais recente. Ver as fontes e os bosques habitados realmente por entes reais de outra espécie não me parece mais absurdo do que acreditar que tudo isto derivou do nada, que Deus é a essência disto tudo. E eu tive a felicidade de tal nascer que naturalmente sinto a presença de entes reais nos bosques e nas fontes, que, sem preconceitos clássicos, Netuno é para mim uma personalidade real, Vênus um ente verdadeiro e Júpiter o pai terrível e existente dos calmos deuses todos.
Nada me interpreta a natureza melhor, nem me faz amá-la mais. A presença de uma nereida alegra-me quando me encontro ao lado de uma fonte. E é grata companhia a dos silêncios quando atravesso, humanamente sozinho, o sossego sóbrio dos bosques frescos.
Os amores dos deuses, a sua humanidade afastada não me dói nem me repugna. Repugna-me a morte de um Deus, Cristo na cruz, vítima de seu próprio pai numa religião que pretende ser enternecida.
s.d.
Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1994. - 247.
1ª versão inc.: Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação . Fernando Pessoa. (Textos estabelecidos e prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1996.”
No meu trabalho, dia desses, deparei-me com uma pessoa que estava fazendo o exame da Ordem dos Advogados do Brasil pela décima sexta (16ª) vez!
Se são dois exames por ano, ele já estava tentando adentrar às portas da Ordem há oito anos!
Veja quando tempo perdido!
Por que ele não consegue ser aprovado no exame? Certamente por achar que estudar é cansativo. Que ler é massante. Que os livros são longos! E por aí vai...
Você não vai querer isso para você, vai?
Saudações e que receba esta com muita saúde, juntamente com os seus!