Dia desses ouvi a seguinte pergunta: por que o presidente do Senado e não o presidente da Câmara dos Deputados preside o Congresso Nacional?
Referia-se o meu interlocutor à norma que dispõe que a Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente do Senado Federal (art. 57, § 5º, da Constituição Federal).
Segundo seu entendimento, deveria presidir o Congresso Nacional o presidente da Câmara dos Deputados e não aquela outra autoridade, apresentando, em abono à sua tese, as seguintes razões:
Primeira: em se tratando da questão sucessória do presidente da República, (art. 80 da CF), constam aqueles que serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência, na seguinte ordem: o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, em primeiro lugar o presidente da Câmara dos Deputados.
Segunda: a Câmara dos Deputados é a casa que representa o povo (art. 45), pois pelo povo são eleitos os seus representantes que a compõem.
Terceira: o Senado é a casa que representa os Estados-membros (art. 46), ou seja, é composto de representantes dos Estados e do Distrito Federal.
Quarta: o processo de impeachment se inicia na Câmara dos Deputados (art. 86 da CF).
Portanto, concluiu: nada mais lógico que a presidência coubesse à autoridade que indica.
Realmente, as razões apresentadas são ponderáveis, a elas gostaria de apresentar, não contra-razões, mas possíveis justificativas para a opção do constituinte.
- antecedentes históricos
Primeiro temos a tradição: encontram-se em Homero, Sócrates e no Senado Romano valorizações do poder senatorial, devido à idade e sabedoria dos integrantes.
Homero, na Ilíada e na Odisséia já mostrava a valorização dos conselhos advindos dos mais idosos, apontados como fonte de sabedoria, mercê da sua experiência de vida.
Sócrates foi senador, quando teve a oportunidade de se opor ao julgamento conjunto de oito comandantes militares acusados de negligência, por entender que tal julgamento, onde não seria individualizada a conduta de cada acusado, contrariava a lei de Atenas.
Já "o senado romano (Senatus) foi a mais remota assembléia política da Roma antiga, com origem nos Conselhos dos Anciãos da antigüidade oriental (4000 a.C.). Era a assembléia dos patrícios que constituía o Conselho Supremo de governo na antiga Roma. Um conselho assessor integrado por anciãos, donde vem o seu nome (senex, senectus, que quer dizer ancião, velhice, cabelos brancos).
Durante a monarquia ou realeza, o senado ou conselho dos anciãos era o conselho dos reis, a quem estava subordinado. Sua competência era consultiva relativamente ao rei e confirmatória referentemente aos comícios, para cuja validade deveria obter o patrum auctoritas.
Na fase republicana (de 510 a 27 a.C.), o senado tornou-se a mais alta autoridade do estado. Vitalícios, os senadores (senatores ou patres) fiscalizavam os cônsules, controlavam a justiça, as finanças públicas, as questões religiosas e dirigiam a política externa. Era o verdadeiro centro do povo, pois os magistrados tinham interesse em consultá-lo, antes de tomar deliberações mais importantes".
É essa tradição que se espalhou pelo mundo!
Até hoje a questão etária – idade dos senadores – é considerada um diferencial em relação aos deputados federais, sendo essa, a nosso ver, uma primeira justificativa para a opção constitucional.
Tanto assim é que, dentre as condições de elegibilidade dos senadores consta a idade mínima de trinta e cinco anos, enquanto a idade mínima para deputado federal é de apenas vinte e um anos (art. 14, § 3º, inciso VI, alíneas a e c, da CF).
A senectude, relembrando Bobbio, é fator de diferenciação.
3. Possíveis justificativas
Vamos às possíveis causas que ensejaram a opção constitucional pelo presidente do Senado.
A princípio gostaria de confessar uma, dentre as muitas ignorâncias que me acompanham. É a seguinte:
- Qual a diferença entre o povo que elege um deputado e o povo que elege um senador?
Ainda não consegui fazer a distinção, pois os mesmos eleitores podem votar para o mesmo deputado e mesmo senador, elegendo a ambos. Onde um desses eleitores é povo (para eleger o deputado) e não é povo (quando elege o senador que é representante do Estado-membro)?
Abandono essa minha preocupação e prossigo em outra.
Todos sabemos que o Direito não regra todos os atos da vida em sociedade. Quando regra, opta dentre as várias formas possíveis. Essa opção nem sempre obedece a lógica, a coerência, portanto.
Há, dentre os estudiosos, o entendimento divergente sobre a existência ou não de lacunas no Direito. Não é o caso de nos aprofundarmos aqui sobre este assunto, mas nos filiamos àqueles que entendem que é possível a existência de lacuna; isso, contudo, não nega o entendimento da corrente contrária, muito pelo contrário, a pressupõe, pois entendemos que o simples fato de o assunto não ter sido objeto de atenção do legislador não significa que com ele o mesmo não tenha se preocupado, simplesmente pode ter entendido que não deveria normatizá-lo, deixando para as regras de integração legislativa a incumbência de resolver as questões não normatizadas que por acaso surgirem. Assim, é possível conciliar ambos os entendimentos, acredito.
Como outra causa para a opção feita na Carta Magna em vigor, alinhamos o rol das competências do Senado (art. 52 da CF). Ele é significativamente maior, logo, também, pelo elenco das matérias que lhe são privativas, mais importante que aquele da Câmara dos Deputados (art. 51 da CF). Assim, podemos afirmar, o Senado recebeu maior responsabilidade legislativa que a outra casa congressual. Em especial no que concerne às matérias que lhe são exclusivas.
Por fim, mesmo considerando que a admissibilidade da acusação que dá início ao processo por crime de responsabilidade (impeachment) ocorre na Câmara dos Deputados, não se pode esquecer que o processo e julgamento do presidente, bem como das mais altas autoridades da República, compete ao Senado (art. 52, inciso I, da CF). A Câmara dos Deputados apenas admite a acusação, mas todo o processo (a instrução com a colheita de provas) e julgamento é procedido pelo Senado.
Em arremate, podemos considerar ainda:
- O menor número de senadores facilita a organização da casa senatorial, em especial para as votações urgentes, onde todos podem ser convocados e se reunir com maior facilidade.
- A maior experiência, advinda da idade, indica-os a melhor presidir o todo, o Congresso Nacional.
- Sendo a Câmara dos Deputados a casa de ressonância imediata das causas populares, nela é mais fácil se confundir a emoção com a razão. Mais uma vez pesa em favor do Senado a maior experiência, a vivência anterior das mesmas questões, o que lhe dá maior tranqüilidade na apreciação das causas e no refreamento dos ânimos mais exaltados.
- Ainda que se argumente que a Câmara dos Deputados é mais representativa do que o Senado (questão não abordada aqui), a representatividade não é a principal característica de uma boa Presidência do Congresso Nacional. Mesmo porque suas funções são mais administrativas e organizacionais do que deliberativas. A Presidência do Congresso Nacional deve ser ocupada por alguém equilibrado, capaz de moderar adequadamente os debates, de organizar bem as votações. E a experiência e o equilíbrio supostamente advindos da idade apontam para o Presidente do Senado como opção mais razoável.
4. Conclusão
De todo o sobredito, concluímos:
a) que a opção do legislador constituinte não está submetida a qualquer razão lógica, quando essa opção não deixa sem validade outra norma constitucional;
b) ao optar pelo presidente do Senado para presidir o Congresso Nacional, não se pode dizer que ao constituinte tenham faltado razões e motivos para tanto. Ou seja, dentre as "possibilidades possíveis", optou ele por uma das quais pode ser perfeita e racionalmente justificada, como tentamos fazer neste escrito.
5. Bibliografia
COLLINSON, Diané. 50 grandes filósofos – da Grécia antiga ao século XX. São Paulo, Contexto: 2004.
HOMERO. Ilíada. 2ª ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes, São Paulo, Ediouro: 2001.
_______. Odisséia. Tradução de Carlos Alberto Nunes, São Paulo, Ediouro: 2001.
LIMA, Máriton Silva. "O Senado Federal". Disponível em <http://www.correcaodetextos.adv.br/art136.htm>. Acesso em: 14 mar. 2006.
Osório Barbosa
procurador da República e mestre em Direito Constitucional – PUC/SP.