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Por que o presidente do Senado preside o Congresso Nacional?

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Resumo

: o presidente do Senado preside o Congresso Nacional por razões da tradição e da dogmática constitucional. A tradição, desde Grécia e Roma, valoriza a experiência dos senadores, devido à idade mais avançada. A Constituição atribui ao Senado papel mais relevante do que à Câmara dos Deputados em diversos pontos, como no rol de competências e no processo de impeachment do presidente da República.

Abstract: the Senate´s president is also the National Congress´ president because of tradition and constituional dogmatics. Tradition, since Greece and Rome, values senators´ experience, due to their older age. Constitution gives to Senate a more relavant role than the one it gives to the House of the Representatives in various points, such as in the list of competences and in the process of impeachment of the president of Brazilian Republic.

Sumário: 1. colocação do problema; 2. antecedentes históricos; 3. possíveis justificativas; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.

 

Dia desses ouvi a seguinte pergunta: por que o presidente do Senado e não o presidente da Câmara dos Deputados preside o Congresso Nacional?

Referia-se o meu interlocutor à norma que dispõe que a Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente do Senado Federal (art. 57, § 5º, da Constituição Federal).

Segundo seu entendimento, deveria presidir o Congresso Nacional o presidente da Câmara dos Deputados e não aquela outra autoridade, apresentando, em abono à sua tese, as seguintes razões:

Primeira: em se tratando da questão sucessória do presidente da República, (art. 80 da CF), constam aqueles que serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência, na seguinte ordem: o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, em primeiro lugar o presidente da Câmara dos Deputados.

Segunda: a Câmara dos Deputados é a casa que representa o povo (art. 45), pois pelo povo são eleitos os seus representantes que a compõem.

Terceira: o Senado é a casa que representa os Estados-membros (art. 46), ou seja, é composto de representantes dos Estados e do Distrito Federal.

Quarta: o processo de impeachment se inicia na Câmara dos Deputados (art. 86 da CF).

Portanto, concluiu: nada mais lógico que a presidência coubesse à autoridade que indica.

Realmente, as razões apresentadas são ponderáveis, a elas gostaria de apresentar, não contra-razões, mas possíveis justificativas para a opção do constituinte.

 

  • antecedentes históricos

 

Primeiro temos a tradição: encontram-se em Homero, Sócrates e no Senado Romano valorizações do poder senatorial, devido à idade e sabedoria dos integrantes.

Homero, na Ilíada e na Odisséia já mostrava a valorização dos conselhos advindos dos mais idosos, apontados como fonte de sabedoria, mercê da sua experiência de vida.

Sócrates foi senador, quando teve a oportunidade de se opor ao julgamento conjunto de oito comandantes militares acusados de negligência, por entender que tal julgamento, onde não seria individualizada a conduta de cada acusado, contrariava a lei de Atenas.

Já "o senado romano (Senatus) foi a mais remota assembléia política da Roma antiga, com origem nos Conselhos dos Anciãos da antigüidade oriental (4000 a.C.). Era a assembléia dos patrícios que constituía o Conselho Supremo de governo na antiga Roma. Um conselho assessor integrado por anciãos, donde vem o seu nome (senex, senectus, que quer dizer ancião, velhice, cabelos brancos).

Durante a monarquia ou realeza, o senado ou conselho dos anciãos era o conselho dos reis, a quem estava subordinado. Sua competência era consultiva relativamente ao rei e confirmatória referentemente aos comícios, para cuja validade deveria obter o patrum auctoritas.

Na fase republicana (de 510 a 27 a.C.), o senado tornou-se a mais alta autoridade do estado. Vitalícios, os senadores (senatores ou patres) fiscalizavam os cônsules, controlavam a justiça, as finanças públicas, as questões religiosas e dirigiam a política externa. Era o verdadeiro centro do povo, pois os magistrados tinham interesse em consultá-lo, antes de tomar deliberações mais importantes".

É essa tradição que se espalhou pelo mundo!

Até hoje a questão etária – idade dos senadores – é considerada um diferencial em relação aos deputados federais, sendo essa, a nosso ver, uma primeira justificativa para a opção constitucional.

Tanto assim é que, dentre as condições de elegibilidade dos senadores consta a idade mínima de trinta e cinco anos, enquanto a idade mínima para deputado federal é de apenas vinte e um anos (art. 14, § 3º, inciso VI, alíneas a e c, da CF).

A senectude, relembrando Bobbio, é fator de diferenciação.

3. Possíveis justificativas

Vamos às possíveis causas que ensejaram a opção constitucional pelo presidente do Senado.

A princípio gostaria de confessar uma, dentre as muitas ignorâncias que me acompanham. É a seguinte:

- Qual a diferença entre o povo que elege um deputado e o povo que elege um senador?

Ainda não consegui fazer a distinção, pois os mesmos eleitores podem votar para o mesmo deputado e mesmo senador, elegendo a ambos. Onde um desses eleitores é povo (para eleger o deputado) e não é povo (quando elege o senador que é representante do Estado-membro)?

Abandono essa minha preocupação e prossigo em outra.

Todos sabemos que o Direito não regra todos os atos da vida em sociedade. Quando regra, opta dentre as várias formas possíveis. Essa opção nem sempre obedece a lógica, a coerência, portanto.

Há, dentre os estudiosos, o entendimento divergente sobre a existência ou não de lacunas no Direito. Não é o caso de nos aprofundarmos aqui sobre este assunto, mas nos filiamos àqueles que entendem que é possível a existência de lacuna; isso, contudo, não nega o entendimento da corrente contrária, muito pelo contrário, a pressupõe, pois entendemos que o simples fato de o assunto não ter sido objeto de atenção do legislador não significa que com ele o mesmo não tenha se preocupado, simplesmente pode ter entendido que não deveria normatizá-lo, deixando para as regras de integração legislativa a incumbência de resolver as questões não normatizadas que por acaso surgirem. Assim, é possível conciliar ambos os entendimentos, acredito.

Como outra causa para a opção feita na Carta Magna em vigor, alinhamos o rol das competências do Senado (art. 52 da CF). Ele é significativamente maior, logo, também, pelo elenco das matérias que lhe são privativas, mais importante que aquele da Câmara dos Deputados (art. 51 da CF). Assim, podemos afirmar, o Senado recebeu maior responsabilidade legislativa que a outra casa congressual. Em especial no que concerne às matérias que lhe são exclusivas.

Por fim, mesmo considerando que a admissibilidade da acusação que dá início ao processo por crime de responsabilidade (impeachment) ocorre na Câmara dos Deputados, não se pode esquecer que o processo e julgamento do presidente, bem como das mais altas autoridades da República, compete ao Senado (art. 52, inciso I, da CF). A Câmara dos Deputados apenas admite a acusação, mas todo o processo (a instrução com a colheita de provas) e julgamento é procedido pelo Senado.

Em arremate, podemos considerar ainda:

- O menor número de senadores facilita a organização da casa senatorial, em especial para as votações urgentes, onde todos podem ser convocados e se reunir com maior facilidade.

- A maior experiência, advinda da idade, indica-os a melhor presidir o todo, o Congresso Nacional.

- Sendo a Câmara dos Deputados a casa de ressonância imediata das causas populares, nela é mais fácil se confundir a emoção com a razão. Mais uma vez pesa em favor do Senado a maior experiência, a vivência anterior das mesmas questões, o que lhe dá maior tranqüilidade na apreciação das causas e no refreamento dos ânimos mais exaltados.

- Ainda que se argumente que a Câmara dos Deputados é mais representativa do que o Senado (questão não abordada aqui), a representatividade não é a principal característica de uma boa Presidência do Congresso Nacional. Mesmo porque suas funções são mais administrativas e organizacionais do que deliberativas. A Presidência do Congresso Nacional deve ser ocupada por alguém equilibrado, capaz de moderar adequadamente os debates, de organizar bem as votações. E a experiência e o equilíbrio supostamente advindos da idade apontam para o Presidente do Senado como opção mais razoável.

4. Conclusão

De todo o sobredito, concluímos:

a) que a opção do legislador constituinte não está submetida a qualquer razão lógica, quando essa opção não deixa sem validade outra norma constitucional;

b) ao optar pelo presidente do Senado para presidir o Congresso Nacional, não se pode dizer que ao constituinte tenham faltado razões e motivos para tanto. Ou seja, dentre as "possibilidades possíveis", optou ele por uma das quais pode ser perfeita e racionalmente justificada, como tentamos fazer neste escrito.

5. Bibliografia

COLLINSON, Diané. 50 grandes filósofos – da Grécia antiga ao século XX. São Paulo, Contexto: 2004.

HOMERO. Ilíada. 2ª ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes, São Paulo, Ediouro: 2001.

_______. Odisséia. Tradução de Carlos Alberto Nunes, São Paulo, Ediouro: 2001.

LIMA, Máriton Silva. "O Senado Federal". Disponível em <http://www.correcaodetextos.adv.br/art136.htm>. Acesso em: 14 mar. 2006.

Osório Barbosa
procurador da República e mestre em Direito Constitucional – PUC/SP.

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