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O JUAREZ PERDIDO NA FLORESTA

O JUAREZ PERDIDO NA FLORESTA

 

Era uma tarde quente de verão, numa cidade cravada na selva amazônica. Nesta cidade, numa casa que fica já vizinho à mata, mora um menino de sete anos que gosta muito de animais, e se chama Juarez. Juarez tem olhos grandes, redondos, e uma cabeça um pouco grande para seu pescoço longo e fino, e viveu uma grande aventura, no meio da selva! Querem saber como foi? Então, vou contar para vocês.

 

Juarez estava em seu quarto, assistindo a desenhos animados na televisão. Este quarto tem uma janela que dá para o quintal da casa - um grande pomar com goiabeiras, mangueiras e outras árvores onde viviam incontáveis animais, entre passarinhos, pequenos macaquinhos (os saguis) e insetos, que faziam enorme barulho.

O resto de sua casa estava mergulhada no mais absoluto silêncio, que foi quebrado por uma voz alegre:

- Juarez?... Juarez? Mamãe vai ao supermercado e volta já... Não saia de casa, ouviu? Já está anoitecendo, e não quero que fique no sereno para pegar um resfriado.

- Está bem, mamãe, pode ir...

Nem bem a mãe de Juarez, que se chamava Yara, fechou o portão, Juarez correu para abrir a janela (ao lado de sua cama), e ficar olhando os saguis arteiros pulando de um galho para outro das mangueiras do quintal. Então, ajoelhado, apoiou os cotovelos no parapeito da janela e o queixo nas pequenas mãos espalmadas, em posição pensativa, quieto, ouvindo os sons agudos que vinham das folhagens densas. Mas...

- Juarez! Juarez!...

Juarez levou um susto! Pulou da cama e virou-se para a TV. Mas ele havia desligado a TV! E não havia ninguém no seu quarto!... Nem no resto da casa...

- Quem pode estar me chamando?

E, novamente:

- Juarez cabeça grande!... Juarez!...

Ai! Juarez começava a ficar com medo!... que voz estranha aquela! Não parecia ser de gente, não! Será que era de um... fantasma?

Ele ficou novamente ajoelhado em sua cama, para poder olhar se havia alguém no quintal. E qual não foi o seu assombro quando viu vindo em sua direção, em um vôo ligeiro, um pássaro verde, que veio pousar no parapeito da janela, fazendo Juarez desequilibrar-se e cair para trás, rolando da cama para o chão.

Quem era o pássaro? Ora, um papagaio! O dono da voz estridente e brincalhona que chamava Juarez dentre as moitas das árvores do pomar.

Juarez arfava, tremendo ainda pelo susto. Observou o pássaro, que fazia sons que pareciam risadas, enquanto batia as asas, de penas verdes, mas também amarelas e vermelhas:

- Currupaco! Está vendo estas belas penas amarelas e vermelhas? Eu ganhei de presente do meu velho amigo, o peixe Pirarara, que vive pelos rios lá da selva. Fiquei assim, todo colorido, como meu grande amigo peixe marrom, amarelo e vermelho, quando bebi da banha que ele tirou de sua própria pele, é!, só para me dar.

Juarez engolia em seco. O papagaio era meio maluquinho... Nervoso, andava de um lado para outro, batendo as asas, rebolando, e gritando “Currupaco”...

- Então, amiguinho, vamos passear?

-... Mas... mas...

- que “mas, mas”... não seja boboca, menino. Você é ou não é um curumim? Curumins têm que viver pela mata, caçando curupiras e mapinguaris, é!...e, por falar em mapinguari, vi o rastro de um bem pertinho daqui. Quer ver? Vem! Eu levo você até lá! Vai ser ligeiro! Antes que sua mãe chegue, estaremos aqui, de volta! Vamos voando! Hehehehe! Currupaco! Currupaco!

Juarez arregalou os olhos. Um mapinguari?! Aquela criatura enorme, toda peluda, com um olho no meio da testa e um buraco grande na barriga, e se considerava o dono da mata, fazendo traquinagens com os brancos descuidados que passeavam por lá, de que falava sua avó Rosa (que era filha de índia)... Só este pensamento já lhe dava um frio gostoso na barriga, misturando medo e vontade irresistível de embrenhar-se na selva com o amigo papagaio.

- Então, vamos ou não vamos? Já está anoitecendo, precisamos ir rápido!

Juarez não se aguentou. Disse “sim” ao papagaio, e, como um relâmpago, chegou ao portão que separava o pomar da selva. A floresta, ali, ainda estava sadia. Era imensa, escura, úmida, e cheia de muitos sons esquisitos, que faziam Juarez respirar mais rápido, e arregalar os olhos. O papagaio logo pôs-se na sua frente:

- É por aqui, Juarez. - Disse o pássaro, apontando, com sua asa, para uma trilha estreita que se perdia por entre as árvores.

Enquanto o menino caminhava, o papagaio tagarelava o tempo inteiro, mostrando as árvores e suas frutas - seus petiscos favoritos: a tucumã, o cupuaçu, o caju-açu, o açaí, o bacuri...

Juarez andou, e o papagaio voou, durante um longo tempo. Então, o menino, lembrando da mãe que poderia já ter chegado, perguntou, meio aflito:

- Ainda está longe, papagaio?

- Não, amiguinho, só mais um pouco e chegaremos lá.

Juarez, que olhava para cima, acompanhando os vôos do papagaio, não pode perceber a armadilha que um caçador havia feito no chão, para apanhar a curupira (aquele curumim mágico que tem os calcanhares voltados para frente, e gosta de pedir fumo aos distraídos viajantes da floresta). Era um grande e profundo buraco disfarçado com folhas, e Juarez caiu nele...

- SOCORRO!

Juarez gritou, apavorado. O papagaio, que estava voando de uma árvore para outra, deu uma revoada rente ao chão e pôde perceber a mãosinha de Juarez sumindo no buraco.

- Currupaco! - Exclamou o papagaio, indo pousar à beira do buraco. Então, viu que o menino ainda estava de pé, mas longe, pois o buraco era muito fundo!...

- Papagaio, como vou sair daqui? - Choramingou Juarez, tremendo. Em sua imaginação, passavam, rápido, cenas com sua mãe aflita chamando por ele, o anoitecer na floresta, a completa escuridão, os bichos que vivem na noite...

- fique calmo, amiguinho, eu vou buscar ajuda, e volto num instante.

E o papagaio saiu a voar por entre as árvores. Havia apenas um restinho de luz da tarde que estava indo embora, engolida pela noite.

- Ai, meu Deus, o que vou dizer para minha mãe, quando voltar pra casa... mas... e se eu não voltar?...

Enquanto isso, na casa de Juarez, Yara, sua mãe, estava entrando com as compras, enquanto chamava pelo filho.

- Juarez... Juarez, venha ver o que comprei para você!

Mas a casa estava em completa mudez. Yara estranhou. Começou a abrir as portas de todos os cômodos da casa. Foi até o quarto de Juarez, e viu o televisor desligado. Então, percebeu a porta dos fundos (a que dava para o quintal) aberta. Chegou até ela, e, de lá, viu que também estava aberto o portão que separava a casa da imensidão da floresta. Ainda teve esperança de que o menino estivesse brincando de esconder, nas árvores, e chamou por ele duas, três vezes. Mas... nada.

- Juarez! Juarez! Juarez!

E Juarez, já recuperado do susto da queda, só esperava pelo senhor papagaio nervoso, que logo apareceu à beira do buraco acompanhado de um macaco barrigudo, que exclamou:

- Olá, menino Juarez, fique tranqüilo, que vou tirar você daí. Vou descer minha cauda, você segura bem forte nela e eu puxo você para fora.

Então, senhor macaco jogou seu rabo para dentro do buraco, Juarez segurou nele, mas... mesmo com toda força que tinha, o animalzinho não conseguia trazer o menino para fora do buraco. Claro, Juarez não era um menino franzino. Foram várias tentativas. Já muito cansado, senhor macaco disse.

- Juarez, solte meu rabo, que vou buscar mais ajuda. Papagaio, já, já, estou voltando.

E partiu, pulando de galho em galho.

O papagaio, nervoso mais que nunca, gritando seus habituais “currupacos” e batendo umas cem vezes suas asas, tentou distrair Juarez, dizendo-lhe charadas para ele responder:

- Juarez, Juarez, o que é, o que é, que quanto mais enxuga, mas molha?

Juarez então pensou: “este papagaio não tem os parafusos certos... me fazer charadas logo agora, que estou apavorado?!”

- Anda, menino, aposto que você não sabe...

Juarez apenas olhou para ele com um olhar triste.

O papagaio ficou meio sem graça, mas logo veio com outra pergunta:

- O que é, o que é, que no mato é um bicho, na estrada é um perigo, e na cidade é uma profissão?

Novo silêncio de Juarez. E nova charada do papagaio.

- O que é o que é, que quanto mais se tira, mais cresce?

Uma curiosidadezinha de saber as respostas das adivinhações fez cócegas em Juarez. Mas ele estava preocupado demais em sair dali e ir correndo para sua casa, rever sua mãe, que já devia estar bem mais aflita do que ele.

Foi neste momento que retornou o senhor macaco, acompanhado de mais três macaquinhos, que ele apresentou como sendo a Dona Macaca, sua esposa, e seus filhos, Macaquita e Macaquito.

Todos cumprimentaram Juarez, que começou a ter mais esperanças de sair daquele buraco. Então, papai Macaco-barrigudo falou:

- Macaquito e Macaquita, meus filhos , e também Dona Macaca, vamos jogar nossos rabos para dentro do buraco. Vamos lá, todos de uma vez! E Juarez, segure firme nas três caudas, ao mesmo tempo!

- Conte de um até três, papagaio! - Esta foi a mamãe macaca.

Então, os quatro macacos pularam para cima com toda a força que tinham, em direção ao galho mais próximo, e Juarez foi içado do buraco, caindo, exausto de medo, perto do tronco de uma árvore, não muito distante da armadilha.

- Ufa! Exclamou o Papai Macaco, que enxugava gotinhas de suor que passeavam por seu focinho.

Quando perceberam que o menino estava a salvo, mesmo muito cansados, a família de macacos gritou em coro, muito feliz:

- VIVA! VIVA!

O papagaio dançava num galho, próximo dali.

O buraco estava lamacento, e era por isso que Juarez não tinha nem um pedacinho de seu corpo que não estivesse coberto de barro. Só apareciam seus olhos piscando. Mas ele não quis limpar-se. Só pensava em correr para sua mãe.

- Por favor, amigos, vamos todos lá para casa, minha mãe deve estar muito preocupada comigo.

Mas o papagaio, que tinha colocado Juarez na encrenca, e estava com medo da mãe do menino, inventou uma desculpa:

- Não vou poder, Juarez. Tenho que lustrar minhas penas para o casamento do compadre Bodó.

Juarez o olhou, desconfiado. “Que papagaio cheio de conversas!”

- Nada disso, você vai ter que explicar toda essa história para a mãe de Juarez. - Este foi o senhor Macaco, que já conhecia muito bem as invenções e traquinagens do papagaio tagarela.

O papagaio suspirou, e só restou a ele acompanhar a turma.

E o menininho, agora feito de barro, corria por entre as árvores, aproveitando o restinho de luz que ainda persistia.

Perceberam que estavam perto quando ouviram sirenes estridentes, e faróis que giravam em várias direções: eram os bombeiros, que haviam sido chamados pela pobre Yara, para encontrar seu filhinho.

Yara, que estava no pomar, olhando de um lado para outro, chorava muito, e não reconheceu logo aquele pedaço de barro ambulante que vinha correndo em sua direção. Mas logo seu coração acalmou-se quando ouviu:

- Mamãe!...

Os dois abraçaram-se, chorando, agora de felicidade.

Logo, um bombeiro apareceu ao seu lado:

- Acho que a senhora não precisa mais de nossos serviços, Dona Yara. Graças a Deus seu filho chegou, e está são e salvo.

E o homem de farda e capacete vermelho (?) ajoelhou-se perto do menino, que estava enroscado na barra da saia de sua mãe:

- Mas por que você está todo coberto de barro, menino?

- Eu também quero saber. Vamos, Juarez, comece a contar tudo desde o início, quando me desobedeceu ...

- Primeiro, mãe, vou apresentar os amigos que me salvaram. Venha cá, pessoal.

Então, os quatro macacos-barrigudos e o papagaio saíram da escuridão das folhagens.

Yara sorriu, mas foi educada com os animais:

- Boa noite, e muito obrigada...

Todos eles responderam:

- BOA NOITE!

- Muito bem, se vocês são amigos do meu filho, são meus amigos também, e se vocês salvaram a vida dele, também agora são meus filhos.

Ofereceu o dedo para o senhor papagaio pousar, e coçou sua cabeça, enquanto os quatro macacos se revezavam em seus ombros. Todos riram muito.

- Sentem-se naquela mesa, onde estão aquelas frutas. Enquanto vou dar um banho neste homem de lama, vocês podem comer aquelas frutas, que estão ali, enfeitando aquela mesa.

Nem bem Yara terminou de falar, os animais correram para a mesa, devorando todas as frutas - mangas, cajus, cajás, bananas - que estavam numa bandeja.

Após o banho, mãe e filho retornaram - Juarez, branco com uma lagartixa e de olhos mais do que nunca arregalados, enrolado num cobertor, e nos braços de Yara, que sentou-se ao lado do senhor papagaio.

- Quem vai me contar primeiro o que aconteceu?

- Eu mesmo, mamãe.

O papagaio estremeceu suas asas, e interrompeu Juarez:

- Bem, bem, muito obrigado pelo jantar, mas estou muito, muito cansado, realmente, muito cansado. Preciso ir agora. - E deu um bocejo fingido.

Yara sorriu, entendendo o receio do pássaro:

- Não precisa preocupar-se, senhor papagaio. Eu não estou com raiva de ninguém. Assim com o senhor colocou meu filho nessa... aventura, o senhor soube tirá-lo, e por isso, estou muito agradecida.

Desmascarado... mas aliviado, o papagaio pousou novamente, sobre uma manga, e começou a beliscá-la, enquanto ouvia toda a narração de Juarez.

Quando o menino acabou de contar tudo, nos mínimos detalhes, Yara falou maternalmente:

- Só espero que tudo tenha servido de lição para você e meu filho, e que ele nunca mais desobedeça minhas ordens, pois sou o maior de todos os seus amigos. Juarez, filhinho, nunca deixe de me escutar. Eu só quero o seu bem. - Disse isso abraçando o menino, que começava a chorar, de arrependimento e felicidade por estar novamente com sua mãesinha.

E Dona Macaca virou-se para seus filhos:

- Eu digo o mesmo para vocês, ouviram, Macaquito e Macaquita?

- Bem... está na hora de irmos. Juarez teve muitos sustos por hoje, e precisa descansar. Este foi o Papai Macaco.

- É, amigos, estou bem cansado. - bocejou o menino, espreguiçando-se. Mas, algo o fez arregalar os olhos. - Primeiro, vou responder às adivinhações do amigo papagaio. Faça as perguntas de novo:

O papagaio soltou seus costumeiros “currupacos”, pigarreou, e relembrou das charadas que fez ao menino.

- Juarez, o que é o que é...que quanto mais enxuga mais molha?

E Juarez imediatamente respondeu:

- É a toalha!

Todos bateram palmas, elogiando Juarez.

- O que é, o que é... que no mato é um bicho, na estrada, um perigo, e na cidade é uma profissão?

- O barbeiro!

Aplausos...

- O que é, o que é... que quanto mais se tira mais cresce?

- O buraco!

Novos aplausos. Yara abraçou e beijou seu filho várias vezes, dando-lhe os parabéns pela esperteza. O papagaio também cumprimentou-lhe.

Então, depois de novos agradecimentos de Yara e das despedidas, os cinco visitantes partiram para a floresta.

Juarez foi dormir tranquilamente, embalado por músicas que Yara sempre cantava, cansado, mas feliz pela aventura, que agora parecia ter sido uma brincadeira bem divertida...

Mas... onde está o pai de Juarez, a estas alturas?

Está escrevendo esta história para vocês!

 

Manaus, 1994.

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