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Um amigo me contou, sem citar a fonte, a seguinte história:
“Roberto Campos sempre citava algo dizendo que o tinha dito um tal sábio chinês de nome esquisito que ele pronunciava. Certo dia, um jornalista que sempre o acompanhava, fez com ele o seguinte comentário: ‘Ministro, o senhor conhece muito da cultura chinesa, pois está sempre citando um sábio chinês!’. Ele retrucou: ‘Meu filho, na verdade em não conheço nada da cultura chinesa, mas imagine o seguinte: a China tem mais de cinco mil anos de história, tem, hoje, uma população de dois bilhões de pessoas, não é possível que alguém por lá não tenha dito o que eu afirmo que o tal sábio disse’”.
Esse episódio me remeteu a um outro: eu sempre tenho algumas idéias que julgo originais. Tempos depois as descubro citadas em livros bem mais velhos que eu em idade ou, até, em livros mais recentes da época em que pensei! Meu outro vive me cobrando, em tom de pilhéria, que registre minhas idéias.
Certo é que é meio alegre e constrangedor quando vemos alguém escrever, ou já ter escrito, coisas que pensávamos que só nós pensávamos. E não estou falando sobre plágio, pois, realmente, não tínhamos nenhum contato anterior com a obra do nosso coirmão em pensamento.
Uma professora me disse, sobre isso, que as idéias estão vagando no ar e, de vez em quando, alguém, no Brasil ou na China, as puxa. Pode ocorrer de dois puxarem ao mesmo tempo. Como isso é meio platônico, e eu passei a detestar o filósofo grego, especialmente depois que o cristianismo o difundiu e nos prendeu na camisa de força das palavras e idéias que inventamos, prefiro acreditar que essa coincidência de idéias decorre do “inconsciente coletivo”, do fato dos homens costumarem a viver as mesmas experiências em lugares tão diversos um dos outros quanto, por exemplo, Índia e Suíça. É que a cor vermelha, por exemplo, é vermelha tanto lá quanto cá. Assim, quem fizer um poema sobre o vermelho, pode usar idéias iguais em ambas as partes do mundo, pois o aumentativo de vermelho (vermelhão) será plenamente similar.
Desde que me enveredei pelo mundo da filosofia grega, percebi que a atualidade é apenas uma atualização do passado, como indica a própria palavra!
Tenho dito que: os gregos inventaram a fotografia, os que vieram depois apenas a coloriram! (Eles podem até não ter sido originais, mas os babilônicos não registraram seu saber!).
Antes caminhava pelas trilhas do Direito, e o que via lá não difere do que vejo hoje em todos os quadrantes do saber dos quais me aproximei: tudo é uma simples repetição do que alguém já disse há milhares de anos, apenas com uma roupagem nova, é a repaginação ou a releitura!
Cervantes já tinha observado isso: o desejo de quem escreve de arranjar alguma “autoridade” na qual possa fundamentar seu próprio pensamento, assim o entendemos mais forte, por alguém já tê-lo dito!
O advento da internet torna isso mais patente.
Encontramos, por exemplo, alguns textos em prosa ou em versos, que são realmente lindos e dignos de serem lidos e cultuados, e que são atribuídos a renomados autores, mas, quando vamos conferir, descobrimos, espantados, que os textos não são de autoria daqueles que constam como seus autores. Alguns leitores ficam desolados, eu, ao contrário, fico com o texto em si, pois eles têm vida própria. Sem contar que alguns canalhas já escreveram textos fantásticos, por isso não podemos confundir obra e autor.
Dizem (faz muito tempo que li, e não guardei a fonte!) que Khalil Gibran Khalil era um sovina de marca maior!
Sobre as malandragens e mesquinharias de Pablo Neruda temos o livro de Jurema Finamour (“Pablo e Dom Pablo”) . É um libelo acusatório!
Por que alguém que escreve textos maravilhosos prefere atribuí-los a alguém já famoso? Mistério...
Quem vive da arte de escrever – e eu as vezes me arrisco a fazer alguns rabiscos poéticos –, já tinha percebido: não é nós que fazemos poesias, é a poesia que se faz em nós!
Uma vez fiz um poema para uma admirada. Ela gostou e, no dia seguinte, estávamos num shopping em Manaus e ela me pediu que eu fizesse outro. Peguei papel/guardanapo e caneta e tentei, mas não estava inspirado e a poesia não veio. Ela insistiu (me chicoteou com palavras ao me pressionar) e eu, mesmo querendo fazer para agradá-la não fui além de seu nome no que seria o projeto do meu acróstico. Ela ficou frustrada, e eu também.
Dia desses, lendo alguém com mais experiência, Ferreira Gullar, que deve estar também repetindo alguém mais experiente, ao falar sobre “criação poética”, disse ele:
“O poema não tem plano. Escrevo meio cego. É uma descoberta passo a passo, algo que vai sendo revelado a mim mesmo a cada momento. Eu nunca presto atenção no modo como construo um poema. O poema, para mim, é a grande aventura de como fazer. Costumo dizer em palestras para estudantes que, quando vou escrever um poema, a página está em branco, e isso significa que todas as possibilidades estão abertas, são infinitas. No momento em que sorteio uma palavra, reduzo as possibilidades, o acaso é menor. Mas não sei o que vai acontecer.”
Agora, acabo de ler o seguinte:
“Insiste Em Ti Mesmo
Insiste em ti mesmo; nunca imites. A todo o momento, podes exibir o teu próprio dom com a força cumulativa de toda uma vida de estudo; mas do talento imitado de outro tens apenas posse parcial e momentânea. Aquilo que cada um sabe fazer de melhor só pode ser ensinado por quem o faz. Ninguém sabe ainda o que seja, nem o pode saber, enquanto essa pessoa não o demonstrar. Onde está o mestre que pudesse ter ensinado Shakespeare? Onde está o mestre que pudesse ter instruído Franklin, ou Washington, ou Bacon, ou Newton? Todo o grande homem é único.
Ralph Waldo Emerson, in ‘Essays’".
(Fonte: http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=200703220905&author=44, em 13.03.11).
Uma leitora, Manuela Silva, comenta o sobredito:
“Todo o grande homem é único’ e todo o pequeno também é unico, e cada pessoa é única. Pena é que, hoje em dia, mais do que no tempo de Emerson, muita gente se queira imitar, e mais pena ainda é que se queira imitar nos menores e nos mais baixos interesses.”
Ainda bem que a Manu, sabiamente, resolveu não generalizar, pois alguns buscam imitar nos maiores e mais altos interesses.
Isso tudo me remete ao problema dos Direitos autorais.
Afinal, a quem pertence a exploração de uma obra de arte?
Li, há algum tempo, algo sobre o “horroroso” herdeiro de James Joyce, que nunca produziu nada mas vive da herança maldita do pai (Maldita? Quem tentar ler o tal de Ulisses, saberá a razão do uso do termo).
A obra Ulisses, pertence a Joyce ou a Homero?
Não é sabido que o escocês se inspirou na Odisséia do grego?
O fato do mais novo ter feito uma releitura o torna dono do que antes era de todos, isso não é uma apropriação indébita? Todos não temos o direito de saber onde Joyce copiou as idéias de Homero?
Um outro grego, Anaxágoras de Clazômenas, já afirmou que: “mesmo no mais branco floco de neve, está presente uma ínfima semente da cor preta, já que em cada coisa há uma porção de cada coisa...”).
Parece que isso ocorre também em literatura. Vejamos:
Os romances “Judas”, de Carlos Heitor Cony, “O cantor de tango”, de Tomás Eloy Martinez, “Justine”, de Lawrence Durrell e, “Dois irmãos”, de Milton Hatoum, têm um fio condutor comum, a existência, em todos eles, de “um dedo duro”!
O escritor que escreveu primeiro poderia processar ou demais por violação de direitos autorais?
Meu conhecimento vai só até Durrell, o que publicou por primeiro, mas será que ele não se inspirou em outro(s)?
A vida é muito curta para tanta literatura, como podemos dizer parafraseando Protágoras (“Sobre os deuses, nada posso afirmar, nem que existem nem que não existem, pois esse é um assunto muito complicado, e a vida é muito curta.”)!
Hoje, mesmo que eu viva três vezes mais que o Oscar Niemayer, não serei capaz de ler todos os livros do meu acervo bibliográfico, isso eu lendo vinte e três horas por dias, 7 dias por semana etc.
De tudo isso quero deixar duas coisas, a partir de Emerson:
- insistamos em nós mesmos, quem sabe...
- eu não sei onde estão os mestre que ensinaram Shakespeare, Franklin, Washington, Bacon e Newton, mas posso afirmar o seguinte: eles não criaram a partir do nada, antes deles já tinha toda um manancial de sabedoria consolidado ao longo dos milênios. Exemplo básico: o “ser ou não ser” não é shakespiriano, mas do grego Parmênides, e assim por diante.
Aliás, nem sequer sabemos se o tal Shakespeare existiu, e tal razão nos leva a afirmar que a obra é bem maior que seu autor, levando mesmo a concluir, nesse instante, que ela existe por si mesma, está flutuando no ambiente da convivência, só faltando quem a possa observar e fixar no papel.
Papel?
Acorda, rapaz, estamos no mundo digital.