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Homem é mais previsível do que se possa imagina!, por Osório Barbosa.

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Homem é mais previsível do que se possa imagina!

 

por Osório Barbosa

 

Infelizmente as melhores formas de registrar a história da humanidade chegaram muito tarde, daí termos perdido tantos bilhões de informações que, se registradas, tornariam, creio, a vida mais fácil de ser guiada, bastaria vermos e seguirmos o que deu certo e o que deu errado (o que em ciência se chama de tentativas de erro e acerto).

 

A escrita é uma jovenzinha de apenas cinco mil anos, enquanto a humanidade já está sobre a face da terra há milhões, quiçá bilhões de anos!

 

Quanto perdemos!

 

Quem planejou e como as pirâmides do Egito?

 

Tudo se apagou, como a tela de um computador que perde a sua fonte de energia.

 

Acabo de ler a seguinte matéria:

 

A luta contra a morte

 

Moisés Naím

(O Estado de S.Paulo, 07 de fevereiro de 2022)

 

Durante a pandemia, muitos decidiram investir em pesquisas para que possamos viver por mais tempo

 

Rolls Royce é um dos carros mais caros do mundo. Disso sabemos. Não tão conhecido é que, no ano passado, foram vendidas mais unidades do que nunca. Concretamente, 49% mais Rolls Royces do que no ano anterior, quebrando, desta maneira, os recordes de vendas da companhia fundada em 1906. Mas esta empresa automotiva não foi a única que teve um ano extraordinário. A Ferrari também informa que em 2021 teve lucros sem precedentes.

 

O que aconteceu? A pandemia fez com que muitos ricos percebessem que a vida é curta. Foi essa, ao menos, a explicação que Torsten Müller-Otvös, o diretor da Rolls Royce, deu ao jornal britânico Financial Times: “Muita gente viu pessoas conhecidas morrerem por causa da covid, e isso as levou a considerar que a vida é curta e é melhor desfrutar agora, não deixar isso para depois.”

 

Obviamente, os “muito ricos” que tomaram consciência de sua mortalidade não são tantos. O ano muito lucrativo que a Rolls Royce teve foi resultado da venda de apenas 5.586 veículos ao redor do mundo. Mas enquanto uns poucos ricos se deram conta de que a vida é breve, outros decidiram destinar imensas fortunas a pesquisas de tratamentos para que todos nós possamos levar vidas saudáveis por mais tempo.

 

Ela remeteu-me a algo que já tinha lido e que tem uma idade de cerca de 2.600 anos!

 

Há cerca de 500 anos antes da era atual a cidade de Atenas, na Grécia, sofreu uma endemia (para nossa finalidade e pela época, pode ser comparara a atual pandemia, sendo que temos o registro magistral do mal apenas em Atenas), que recebeu o nome de “peste” (creio que similar, não em termos médicos, à COVID 19).

 

Foi o escritor ateniense Tucídides quem fez o registro magistral da doença. Diz ele em sua obra monumental (História da Guerra do Peloponeso. Tradução de Mário da Gama Kury. UnB: 1982):

 

47. Foram estas as cerimônias fúnebres realizadas durante aquele inverno, cujo fim completou o primeiro ano desta guerra. Nos primeiros dias do verão os peloponésios e seus aliados, com dois terços de suas forças como antes, invadiram a Ática sob o comando de Arquídamos filho de Zeuxídamos, rei dos lacedernônios, e ocupando posições convenientes passaram a devastar a região. Poucos dias após a entrada deles na Ática manifestou-se a peste1 (34) pela primeira vez entre os atenienses. Dizem que ela apareceu anteriormente em vários lugares (em Lemnos e outras cidades), mas em parte alguma se tinha lembrança de nada comparável como calamidade ou em termos de destruição de vidas. Nem os médicos eram capazes de enfrentar a doença, já que de início tinham de tratá-la sem lhe conhecer a natureza e que a mortalidade entre eles era maior, por estarem mais expostos a ela, nem qualquer outro recurso humano era da menor valia. As preces feitas nos santuários, ou os apelos aos oráculos e atitudes semelhantes foram todas inúteis, e afinal a população desistiu delas, vencida pelo flagelo.

 

48. Dizem que a doença começou na Etiópia, além do Egito, e depois desceu para o Egito e para a Líbia, alastrando-se pelos outros territórios do Rei. Subitamente ela caiu sobre a cidade de Atenas, atacando primeiro os habitantes do Pireu, de tal forma que a população local chegou a acusar os peloponésios de haverem posto veneno em suas cisternas (não havia ainda fontes públicas lá). Depois atingiu também a cidade alta e a partir daí a mortandade se tornou muito maior. Médicos e leigos, cada um de acordo com sua opinião pessoal, todos falavam sobre sua origem provável e apontavam causas que, segundo pensavam, teriam podido produzir um desvio tão grande nas condições normais de vida; descreverei a maneira de ocorrência da doença, detalhando-lhe os sintomas, de tal modo que, [102] estudando-os, alguém mais habilitado por seu conhecimento prévio não deixe de reconhecê-la se algum dia ela voltar a manifestar-se, pois eu mesmo contraí o mal e vi outros sofrendo dele.

 

49. Aquele ano, na opinião de todos, havia sido excepcionalmente saudável quanto a outras doenças, mas se alguém já sofria de qualquer outro mal, todos se transformavam nela. Em outros casos, sem causa aparente mas de súbito e enquanto gozavam de boa saúde, as pessoas eram atacadas primeiro por intenso calor na cabeça e vermelhidão e inflamação nos olhos, e as partes internas da boca (tanto a garganta quanto a língua) ficavam imediatamente da cor de sangue e passavam a exalar um hálito anormal e fétido. No estágio seguinte apareciam espirros e rouquidão, e pouco tempo depois o mal descia para o peito, seguindo-se tosse forte. Quando o mal se fixava no estômago, este ficava perturbado e ocorriam vômitos de bile de todos os tipos mencionados pelos médicos, seguidos também de terrível mal-estar, em muitos casos sobrevinham ânsias de vômito produzindo convulsões violentas, que às vezes cessavam rapidamente, às vezes muito tempo depois. Externamente o corpo não parecia muito quente ao toque; não ficava pálido, mas de um vermelho forte e lívido, e cheio de pequenas bolhas e úlceras; internamente, todavia, a temperatura era tão alta que os doentes não podiam suportar sobre o corpo sequer as roupas mais leves ou lençóis de linho, mas queriam ficar inteiramente descobertos e ansiavam por mergulhar em água fria - na realidade, muitos deles que estavam entregues a si mesmos se jogavam nas cisternas - de tão atormentados que estavam pela sede insaciável; e era igualmente inútil beber muita ou pouca água. Os doentes eram vítimas também de uma inquietação e insônia invencíveis. O corpo não definhava enquanto a doença não atingia o auge, e sendo assim, quando os doentes morriam, como aconteceu a tantos entre o sétimo e o nono dia de febre interna, ainda lhes restava algum vigor, ou, se sobreviviam à crise, a doença descia para os intestinos, produzindo ali uma violenta ulceração, ao mesmo tempo que começava uma diarréia aguda, que nesse estágio final levava a maioria dos doentes à morte por astenia. A doença, portanto, começando pela cabeça, onde primeiro se manifestava, descia até alastrar-se por todo o corpo; se alguém sobrevivia a esta fase, ela chegava às extremidades e deixava suas marcas nelas, pois atacava os órgãos sexuais, dedos e artelhos, e muitos escapavam perdendo-os, enquanto outros perdiam também os olhos. Em alguns casos o paciente era vítima de amnésia total imediatamente após o restabelecimento; não sabia quem era e não reconhecia sequer seus próximos.

 

50. O caráter da doença desafia qualquer descrição, sendo a violência do ataque, em geral, grande demais para ser suportada pela natureza humana; por um detalhe ela se mostrou diferente de todos os males comuns: as aves e os quadrúpedes que usualmente se alimentam de cadáveres humanos, ou não se aproximavam deles neste caso (apesar de muitos permanecerem insepultos), ou morriam se os comiam. Isto se evidencia ainda mais pelo fato de as aves desse gênero se haverem tornado raras e não mais serem vistas em volta dos cadáveres ou [103] em parte alguma da região; quanto aos cães, sua abstinência deu uma oportunidade ainda melhor de se observar a peculiaridade, pois eles vivem entre os homens.

 

51. Era este, então, o caráter geral da doença, pondo de lado muitos outros sintomas menos freqüentes, que afetavam cada pessoa de maneira diferente. Enquanto durou a peste, ninguém se queixava de outras doenças, pois se alguma se manifestava, logo evoluía para aquela. Às vezes a morte decorria de negligência, mas de um modo geral ela sobrevinha apesar de todos os cuidados. Não se encontrou remédio algum, pode-se dizer, que contribuísse para o alívio de quem o tomasse - o que beneficiava um doente prejudicava outro - e nenhuma compleição foi por si mesma capaz de resistir ao mal, fosse ela forte ou fraca; ele atingiu a todos sem distinção, mesmo àqueles cercados de todos os cuidados médicos. Mas o aspecto mais terrível da doença era a apatia das pessoas atingidas por ela, pois seu espírito se rendia imediatamente ao desespero e elas se consideravam perdidas, incapazes de reagir. Havia também o problema do contágio, que ocorria através dos cuidados de uns doentes para com os outros, e os matava como a um rebanho; esta foi a causa da maior mortandade, pois se de um lado os doentes se abstinham por medo de visitar-se uns aos outros, acabavam todos perecendo por falta de cuidados, de tal forma que muitas casas ficaram vazias por falta de alguém que cuidasse deles; ou se, de outro lado, eles se visitavam, também pereciam, sobretudo os altruístas, que por respeito humano entravam nas casas dos amigos sem preocupar-se com suas próprias vidas, numa ocasião em que mesmo os parentes dos moribundos, esmagados pela magnitude da calamidade, já não tinham forças sequer para chorar por eles. Eram os sobreviventes que com mais freqüência se apiedavam dos moribundos e doentes, pois conheciam a doença por experiência própria e a essa altura estavam confiantes na imunidade, pois o mal nunca atacava a mesma pessoa duas vezes, pelo menos com efeitos fatais. Eles não somente eram felicitados por todas as pessoas como, no entusiasmo de sua alegria naquelas circunstâncias, alimentavam a esperança frívola de que pelo resto de suas vidas não seriam atingidos por quaisquer outras doenças.

 

52. Em adição à calamidade que já os castigava, os atenienses ainda enfrentavam outra, devida à acomodação na cidade da gente vinda do campo; isto afetou especialmente os recém-vindos. Com efeito, não havendo casas disponíveis para todos e tendo eles, portanto, de viver em tendas que o verão tornava sufocantes, a peste os dizimava indiscriminadamente. Os corpos dos moribundos se amontoavam e pessoas semimortas rolavam nas ruas e perto de todas as fontes em sua ânsia por água. Os templos nos quais se haviam alojado estavam repletos dos cadáveres daqueles que morriam dentro deles, pois a desgraça que os atingia era tão avassaladora que as pessoas, não sabendo o que as esperava, tornavam-se indiferentes a todas as leis, quer sagradas, quer profanas. Os costumes até então observados em relação aos funerais passaram a ser ignorados na [104] confusão reinante, e cada um enterrava os seus mortos como podia. Muitos recorreram a modos escabrosos de sepultamento, porque já haviam morrido tantos membros de suas famílias que já não dispunham de material funerário adequado. Valendo-se das piras dos outros, algumas pessoas, antecipando-se às que as haviam preparado, jogavam nelas seus próprios mortos e lhes ateavam fogo; outros lançavam os cadáveres que carregavam em alguma já acesa e iam embora.

 

53. De um modo geral a peste introduziu na cidade pela primeira vez a anarquia total. Ousava-se com a maior naturalidade e abertamente aquilo que antes só se fazia ocultamente, vendo-se quão rapidamente mudava a sorte, tanto a dos homens ricos subitamente mortos quanto a daqueles que antes nada tinham e num momento se tornavam donos dos bens alheios. Todos resolveram gozar o mais depressa possível todos os prazeres que a existência ainda pudesse proporcionar, e assim satisfaziam os seus caprichos, vendo que suas vidas e riquezas eram efêmeras. Ninguém queria lutar pelo que antes considerava honroso, pois todos duvidavam de que viveriam o bastante para obtê-lo; o prazer do momento, como tudo que levasse a ele, tornou-se digno e conveniente; o temor dos deuses e as leis dos homens já não detinham ninguém, pois vendo que todos estavam morrendo da mesma forma, as pessoas passaram a pensar que impiedade e piedade eram a mesma coisa; além disto, ninguém esperava estar vivo para ser chamado a prestar contas e responder por seus atos; ao contrário, todos acreditavam que o castigo já decretado contra cada um deles e pendente sobre suas cabeças, era pesado demais, e que seria justo, portanto, gozar os prazeres da vida antes de sua consumação.

 

54. Eis a desgraça que havia atingido tão dolorosamente os atenienses: seu povo morrendo dentro da cidade e suas terras sendo devastadas lá fora. Em seu desespero, lembravam-se, como era natural, do seguinte verso oracular que, segundo os mais velhos entre eles, fora proferido havia muito tempo:

 

"Virá um dia a guerra dória, e com ela a peste".

 

Houve na época muita discussão entre o povo, pois uma parte da população pretendia que no verso em vez de peste se deveria entender fome, e naquela ocasião prevaleceu o ponto de vista de que a palavra era peste. Isto era muito natural, pois as lembranças dos homens se adaptam às suas vicissitudes. Se houver outra guerra dória depois desta e com ela vier a fome, imagino que entenderão o verso à luz das novas circunstâncias. As pessoas familiares com o assunto também se lembram de outro oráculo transmitido aos lacedemônios quando, em resposta à pergunta sobre se deveriam ou não ir à guerra, o deus respondeu que "se guerreassem com todo o seu poder, a vitória seria dele", acrescentando que ele mesmo os ajudaria. Viam nos acontecimentos a confirmação do oráculo, pois a peste começou imediatamente após a invasão da Ática pelos peloponésios e, não tendo atingido o Peloponeso de maneira digna de menção, castigou principalmente [105] Atenas, passando depois para outros lugares densamente povoados. Estes foram os acontecimentos relacionados com a peste.

 

Quem chegou até prestou atenção no item 53 acima?

 

Qual a diferença entre os homens atenienses do Século V antes da era atual e do atual Século XXI?

 

Aparentemente nenhuma: apenas trocaram as bebidas e festas (ou naus) por rolls royces, mas, no fundo, e no raso continuam absolutamente iguais! Muito iguais.

 

Fonte da imagem: https://br.freepik.com/

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