À Rilke(1) me atrevi te escrever este bilhete, sem o mesmo brilhantismo, contudo. Não vou citar a ministra(2) pelo que disse do ministro(3) que também escreveu uma “Carta a um jovem juiz”, imputando-lhe conduta que não deve nortear a atuação dos destinatários.
Vejam: todos os subprocuradores-gerais da República já foram procuradores da República e procuradores regionais da República. Estes já foram procuradores da República. Assim, vocês são o início, realmente, e podem construir todos os fins, mas os outros também já o foram e abriram os caminhos que vós trilhais. Ou não encontraram nada que justifique que houve antecessores?
Para o bem ou para o mal, acredito que sim, que pioneiros existiram. Pois bem, sou como a maioria dos senhores, de ingresso posterior à Constituição de 1988. Fui aprovado no último concurso sob a batuta de Aristides Junqueira Alvarenga. Na casa, como procurador federal dos direitos do cidadão, encontrei Álvaro Augusto Ribeiro da Costa, cuja uma dentre as muitas lições relembro a seguinte: “sobre os ratos, é preciso jogar luz, pois eles temem a claridade”.
Quando cá cheguei/chegando, bem como os demais colegas de concurso, acreditava que o MPF era o ponto de apoio que me faltava para mover o mundo. Ainda acredito nisso, mas já não tanto na minha alavanca! Não que ela tenha “morrido”/quebrado, mas porque ela precisa ser retomada (ajudada) por outros, pois o próprio tempo se encarrega de diminuir as forças do candidato a movedor. O tempo, infelizmente, é o corruptor mais implacável de todos, pois chega a degenerar o próprio corpo e, consequentemente, seus consectários, como a própria beleza!
Mas o tempo também, como sabem (“o silêncio e o tempo são dois mudos que falam”), é o senhor da razão. Também cheguei a pensar que aqueles que me antecederam nesta nossa casa nada fizeram por ela. Consequentemente, pela sociedade. Estava enganado, como, de resto, costumo sempre estar. Eu não teria sido capaz de realizar o modesto trabalho institucional que realizei e realizo se não tivesse encontrado o caminho aberto pelos nossos antecessores.
Portanto, respeita os mais velhos, independentemente da idade, pois o que a ti pode ser novidade para eles pode ser apenas a repetição de um filme já visto de há muito. Isso não significa que não possas ser um brilhante cineasta e assim fazer todas as releituras possíveis. Só não tenhas tanta certeza de que todas elas serão as melhores. Então, aceita a divergência, pois, como tu, ninguém é dono da verdade. Lembra-te de que Galileu não acertou todas!
Então me perguntarás: “encontra-te satisfeito? Tua missão está cumprida?” Não, claro que não. Lembras que te convidei para juntar forças na minha palanca? Pois é...
É claro que tenho reservas a pessoas (como elas certamente as têm com relação a mim) e às falhas pontuais da instituição MPF. Mas acredito, acima de tudo, que essas falhas são apenas um incentivador convite às suas correções. E tu, jovem amigo de caminhada, és o convidado privilegiado que irás corrigir o que corrigido precisa ser. Mas, cuidado: és humano e, como tal, padeces das limitações que disso decorre. Portanto, seja altivo e corajoso, mas prudente. Inove, mas procure ver as razões dos vencidos (antecessores). Não erre, mas se errar, procure consertar seu erro. Lembra-te sempre que “não tens compromisso com o erro”. Seja duro no cumprimento do dever, porém não seja soberbo, pois tratas com seres humanos que, além de serem iguais a ti, são teus senhores, pois és um “servidor do público” e o público é o contribuinte que sustenta a ti, tua esposa, teus filhos e teus pais, muitas vezes. Mesmo que não fosse, respeita-o em sua dignidade. Não te niveles com o criminoso por baixo, exatamente descumprindo a lei para prejudicá-lo.
Não persiga o forte por essa sua simples condição que o sistema lhe permitiu, nem por inveja. Mas também não persiga o fraco por essa sua condição. Também não se curve àquele por aquela condição, nem a este por piedade. Não deves temer a nada, a não ser a possibilidade de cometeres injustiça contra ambos. Por isso não os olhes por suas condições, mas pela falta que cometeram.
Assim, não condenes antecipadamente os que te antecederam, pois, no mínimo, eles te deixaram os seus erros, exatamente para que tu não voltes a cometê-los.
Não és o carpinteiro de teu próprio berço, não importa se ele é de madeira dura ou de plumas. O importante é que deixes um melhor para teus filhos, no caso, que deixes um MPF melhor para aqueles que, inelutavelmente, te sucederão.
Do Osório Barbosa
São Paulo, 11/25/09.
Fonte da imagem: www.cgu.gov.br.
Notas:
[1] Rainer Maria Rilke, poeta alemão que escreveu “Carta a um jovem poeta”.
[2] Eliana Calmon. Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2009.
[3] César Asfor Rocha.