I
Daqui eu posso ver a imensidão.
Sem rupturas, sem contornos bruscos
vejo o pleno ondular das dunas,
mornas e doces, desde o horizonte.
A deserção dos homens me alivia
(as mesmas caravanas são miragens que passam
e a brisa, em pouco tempo, cobre o rastro que fica).
Vivo em mim: o resto, apenas conheço
A três vidas daqui, um oásis floresce,
poucas vêzes anseio por vivê-lo:
são tão vagos e múltiplos e doloridos
os caminhos que o atingem, permaneço.
Aqui, ao menos, êstes telhados fôscos
sombreiam sôbre as dunas meu esquecimento.
E à noite, no silêncio da sombra que me abarca,
manufaturo a natureza em meu degrêdo.
II
O mundo se agrava e eu me ressinto.
Mas aqui, no silêncio, é possível livrar-se.
Aqui posso viver sôlto de glórias,
inebriado na indústria que elegi.
Daqui não sairei, tenho cadeias.
Sou próprio dêste ar, desta planície,
e resto inerte na perfeita calma
da minha natureza de torrente.
Na aridez das dunas tive minha fonte.
Nos seus valados encontrei meu leito.
Tornei-me caudaloso entre êstes indícios de mundo.
E aqui construo, lento, a minha foz.
O mundo se agrava e eu me ressinto
Não abandonarei o meu princípio:
os rios que nascem no deserto
não têm saída para o mar.
III
Apenas uma vez dei abrigo à caravana.
Era crepúsculo e, à luz final,
desenhou-se o desespêro de seu vulto uniforme.
Entre minhas metáforas busquei a água
que dessedentasse aquêles olhos intranquilos;
manipulei a brisa que aliviasse aquêle sono nômade.
Por um momento empolgou-me a calma exterior
E um só ritmo conduziu o suspiro dos homens
e a minha intenção de juntar-me ao seu rastro.
Mas o vento da noite assoprando nas dunas
dessecou-me de novo a febre de conluio
Fechei-me comigo em estrelas e areia.
Agora, sob os telhados fôscos que sombreiam,
quando miragens de homem cruzam-me o horizonte,
simplesmente baixo os olhos ao engano.
IV
Certo, há outras verdades além do meu silêncio.
Nesta calma em recoivos, porém, não me abandono
da indústria florescente que decanto.
Há doçura e verdade em meu recanto.
E ai recrio a natureza que desejo,
pura como êste fruto que contemplo
recém-vindo em meu pomar,
a última criação,
simples e belo.
Um mero cruzamento e, no entanto,
a perfeição das formas
o colorido severo
a consistência rara.
Não sei como chamá-lo
- tâmara ou tulipa.
V
No meio do pomar ondulado de dunas
escavo entre tulipas o meu túmulo.
A hora exata a éele me recolho;
e aguardo sóbrio a aragem que da noite
trará por sôbre mim
como um orvalho
a areia das dunas, morna e doce,
e o pó das estrelas, longo e raro.
Autor: Lólio L. de Oliveira, em Fábrica de Tâmaras, 1953.