Escritos de Amigos

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"Fábrica de Tâmaras", de Lólio L. de Oliveira (cinco poemas).

Capa

I

 

Daqui eu posso ver a imensidão.

Sem rupturas, sem contornos bruscos

vejo o pleno ondular das dunas,

mornas e doces, desde o horizonte.

 

A deserção dos homens me alivia

(as mesmas caravanas são miragens que passam

e a brisa, em pouco tempo, cobre o rastro que fica).

Vivo em mim: o resto, apenas conheço

 

A três vidas daqui, um oásis floresce,

poucas vêzes anseio por vivê-lo:

são tão vagos e múltiplos e doloridos

os caminhos que o atingem, permaneço.

 

Aqui, ao menos, êstes telhados fôscos

sombreiam sôbre as dunas meu esquecimento.

E à noite, no silêncio da sombra que me abarca,

manufaturo a natureza em meu degrêdo.

 

 

 

II

 

O mundo se agrava e eu me ressinto.

Mas aqui, no silêncio, é possível livrar-se.

Aqui posso viver sôlto de glórias,

inebriado na indústria que elegi.

Daqui não sairei, tenho cadeias.

Sou próprio dêste ar, desta planície,

e resto inerte na perfeita calma

da minha natureza de torrente.

Na aridez das dunas tive minha fonte.

Nos seus valados encontrei meu leito.

Tornei-me caudaloso entre êstes indícios de mundo.

E aqui construo, lento, a minha foz.

 

O mundo se agrava e eu me ressinto

Não abandonarei o meu princípio:

os rios que nascem no deserto

não têm saída para o mar.

 

 

 

III

 

Apenas uma vez dei abrigo à caravana.

Era crepúsculo e, à luz final,

desenhou-se o desespêro de seu vulto uniforme.

 

Entre minhas metáforas busquei a água

que dessedentasse aquêles olhos intranquilos;

manipulei a brisa que aliviasse aquêle sono nômade.

 

Por um momento empolgou-me a calma exterior

E um só ritmo conduziu o suspiro dos homens

e a minha intenção de juntar-me ao seu rastro.

 

Mas o vento da noite assoprando nas dunas

dessecou-me de novo a febre de conluio

Fechei-me comigo em estrelas e areia.

 

Agora, sob os telhados fôscos que sombreiam,

quando miragens de homem cruzam-me o horizonte,

simplesmente baixo os olhos ao engano.

 

 

 

IV

 

Certo, há outras verdades além do meu silêncio.

 

Nesta calma em recoivos, porém, não me abandono

da indústria florescente que decanto.

Há doçura e verdade em meu recanto.

 

E ai recrio a natureza que desejo,

pura como êste fruto que contemplo

recém-vindo em meu pomar,

a última criação,

simples e belo.

 

Um mero cruzamento e, no entanto,

a perfeição das formas

o colorido severo

a consistência rara.

 

Não sei como chamá-lo

- tâmara ou tulipa.

 

 

 

V

 

No meio do pomar ondulado de dunas

escavo entre tulipas o meu túmulo.

A hora exata a éele me recolho;

e aguardo sóbrio a aragem que da noite

trará por sôbre mim

como um orvalho

a areia das dunas, morna e doce,

e o pó das estrelas, longo e raro.

 

 

Autor: Lólio L. de Oliveira, em Fábrica de Tâmaras, 1953.