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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

92 – Espaço, segundo a Sofística.

 

Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Assim, o tempo será experimentado como um meio homogêneo, uniformemente fragmentado; ainda não existe o relógio mecânico, que expressará a duração em fragmentos iguais e mensuráveis; o tempo é, pelo contrário, o da ocasião propícia (kaipós), que aparece e desaparece arritmicamente, dado ora a um ora a outro, nunca sendo, por conseguinte, bom para toda a gente. O desequilíbrio do tempo que fere o que vem a tempo e a contratempo agrava-se com uma dispersão dos lugares. O espaço homogêneo não existe como o tempo homogêneo; o mundo político grego é constituído por inúmeras Cidades-Estados, átomos do poder dispersos e que perpetuamente se entrechocam e confrontam. O sofista nómade, ao ir de uma para outra, experimenta uma contínua sensação de descentração; como ser o rapsodo dos seus discursos tão desconexos? (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 17-18).

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

91 - Dialética, erística e antilógica sofista, segundo a Sofística.

 

Ensina Kerferd:

 

Aristóteles, no diálogo perdido os Sofistas, declarava que o fundador da dialética foi Zenão, o eleático (fr. 65 Rose = DK29A10). Essa declaração provocou, inevitavelmente, muita discussão, dada a proeminência do conceito de dialética, primeiro em Platão, depois em Aristóteles; e também por causa do papel importante e emotivo do termo na história subsequente da filosofia até hoje. Noutro lugar, o próprio Aristóteles parece atribuir as origens da dialética em parte a Sócrates, em outros casos a Platão, e ainda em outros casos a si mesmo. Essas atribuições não são inconsistentes, tendo-se em vista a série de sentidos dados à palavra, já na Antiguidade.

Algumas sugestões mais antigas de que se ocuparam especialistas modernos tentaram reduzir o sentido original do termo dialética ao de diálogo, e ao de composição literária de diálogos. Essa questão pode ser dirimida primeiro. 1. Segundo Diógenes Laércio (111.48 = DK 29A14), alguns diziam que Zenão foi o primeiro a escrever diálogos. Mas isso entra em conflito com todos os outros testemunhos, inclusive com citações existentes da obra escrita de Zenão. Se fosse verdade, teríamos certamente ouvido falar muito mais no assunto do que essa única referência. 2. Uma hipótese moderna é que a referência pode ter sido feita, originalmente, não a diálogos escritos por Zenão, mas a diálogos escritos por outros nos quais ele aparecia como o que falava [Osório diz: como personagem]. Temos, de fato, uma passagem de diálogo desse tipo, dada por Simplício (DK 29A29), explicando o paradoxo do painço em conversa com Protágoras. Mas não é muito provável que seja essa a fonte da história segundo a qual Zenão foi o primeiro a escrever diálogos. 3. Um dos sentidos mais tardios do verbo dialegesthai, do qual derivou dialética, é "discutir pelo método de pergunta e resposta", e uma passagem em Aristóteles, Sophisti Elenchi, 10,170bl9 = DK29A14, parece dizer que esse método era usado por Zenão. Muitos editores recentes, contudo, removeriam o nome de Zenão do texto, nesse ponto. E mesmo que seja mantido é ainda possível supor que Aristóteles esteja fabricando um exemplo hipotético, usando o caso de Zenão, e não se referindo à sua suposta verdadeira prática, seja na vida real ou nos seus escritos. 4. Uma forma um pouco mais fraca dessa mesma interpretação foi sugerida por Wilamowitz, ao manter (Platão II2 28) que os indícios no diálogo de Platão, o Parmênides, sugeriam que, pelo menos em algumas partes, o escrito de Zenão tinha a forma de catecismo, com perguntas e respostas. Obviamente, já se assinalou que isso é inteiramente possível ao longo de um discurso contínuo, e não implica, necessariamente, nada semelhante à forma de diálogo.

Todas essas interpretações são sugestivas e, de modo geral, podem ser tomadas como apontando para a direção certa. Mas nenhuma delas é totalmente convincente. Sempre que Aristóteles usa a palavra dialética, seja com referência a Zenão, ou a Sócrates, ou a Platão, ou a si mesmo, parece estar se referindo a métodos de argumentação. O que Aristóteles faz quase regularmente, como que por hábito, é tomar um termo filosófico corrente, ou expressão já em uso, e refiná-lo de modo a demonstrar que suas próprias análises e ideias estavam já de alguma forma imperfeitamente presentes em ideias mais antigas já aceitas. Para explicar a atribuição da origem da dialética a Zenão é preciso encontrar algum aspecto, ou aspectos, do método filosófico que Aristóteles supunha poder detectar como já presente em Zenão, antes de seu ulterior desenvolvimento em Sócrates, Platão e no seu próprio raciocínio. Pisamos em terra firme logo que nos voltamos para um outro testemunho, o de Platão, no Fedro 261d6-8 = DK 29A13: "Não estamos nós cientes de como o eleático Palamedes fala com arte, fazendo com que as mesmas coisas pareçam, aos seus ouvintes, tanto igual como desigual, tanto única como muitas, tanto em repouso como em movimento". Que eleático Palamedes era como Platão se referia a Zenão, sabia-se na Antiguidade, e pode ser considerado firmemente estabelecido. Há boas razões, também, para supor que quando escreveu essas palavras Platão estava ciente do conteúdo do livro de Zenão. Baseado nisso, Gregory Vlastos argumentou, de modo muito persuasivo, que Zenão supunha que as contradições "igual-desigual", "único-muitos" e "em repouso-em movimento" derivavam todas de uma única hipótese inicial “se as coisas são muitas”. Mas isso não é essencial para meus propósitos. O importante é que, seja como for que tenha chegado a esses pares de opostos, Zenão está sendo creditado com o uso de uma arte que estabelece predicados contraditórios para os mesmos sujeitos — de modo que as mesmas coisas são iguais e são desiguais.

Se considerarmos a passagem toda no Fedro, de 261c4-e5, fica claro que Platão está aí equiparando a arte do eleático Palamedes [Osório diz: isto é, Zenão] com uma arte que chama de antilogiké (daqui em diante grafado "antilógica"), que consiste em fazer com que a mesma coisa seja vista, pelas mesmas pessoas, ora possuindo um predicado, ora possuindo o predicado oposto ou contraditório, como por exemplo justo e injusto; uma arte “que não está confinada nos tribunais e nos discursos públicos, mas que se aplica como uma única arte (se é que é uma arte) a quaisquer coisas sobre as quais falem os homens".

A arte da antilógica, como veremos, é atribuída por Platão aos sofistas acima de todos os outros. As consequências, deduzidas pelos especialistas, da atribuição da antilógica a Zenão são de grande interesse. Cornford contrastou os autores modernos, que consideram os argumentos de Zenão válidos e profundos, contra a posição por ele atacada, com Platão, que parece tê-lo considerado um mero sofista, que praticava uma arte retórica de engano. Em um importante artigo sobre Zenão, publicado em 1941, Herman Fränkel argumentava que esse retrato (platônico) de Zenão, como enganando e mistificando "jocosa, vigorosa e insolentemente" seus leitores, não era, de fato, totalmente infundado. A combinação dos comentários de Cornford e Fränkel provocou Gregory Vastlos, que argumentou solidamente que essa visão de Zenão não era correta, porque: 1) Zenão nunca foi classificado, em outro lugar, como sofista, seja por Platão ou por qualquer outro; 2) Platão não o retrata como tal no Parmênides, 126a-128e, onde ele é descrito como um partidário de Parmênides e, por implicação, como guardando o mesmo respeito pela verdade que inspira o poema de seu mestre; e, 3) embora Platão menospreze a antilógica como estilo de debate filosófico, ele não presume que sua prática prove que seu praticante seja, por isso, um sofista. Em si mesma, ela não é desonesta ou destinada a enganar. [Osório diz: muito engraçado! Ele rouba, mas não é ladrão! Ou o importante são os fins, não os meios? Aos amigos se justifica tudo!]

Uma boa parte da dificuldade, aqui, é conceptual e terminológica. O que eu chamaria de opinião de Cornford envolve o seguinte: 1. sofistas não eram pensadores honestos; 2. Platão atribui a Zenão a antilógica; 3. antilógica é uma arte retórica de engano, ignorante da verdade, em busca de mera crença; 4. portanto Platão trata Zenão como sofista. Vlastos aceita 1 e 2 mas nega 3 e, por consequência, nega a inferência que é 4. Ora, 1 é a concepção tradicional que se tem dos sofistas. A correção histórica dessa concepção é algo que estou empenhado em contestar neste estudo do movimento sofista. Mas essa é a visão tradicional e de fato representa o que Platão quer dizer a respeito dos sofistas. Segue-se, daí, que a diferença, aqui, entre Cornford e Vlastos está no 3, a saber, a verdadeira natureza da antilógica. [Osório diz: uns praticam a antilógica, mas não são sofistas! Fica a quem interessa dizer quem é quem, como no caso de Platão com Sócrates].

A solução desse problema — qual é a verdadeira natureza da antilógica — é uma questão de alguma importância e realmente urgente. Sob vários aspectos, é a chave do problema da compreensão da verdadeira natureza do movimento sofista. O que é necessário é uma distinção, o mais exata possível, entre os três termos: dialética, erística e antilógica. E esses três termos precisam ser postos em relação com um outro conceito, o do Elenchus Socrático. Platão usa ambos, erística e antilógica, com bastante frequência — números exatos podem, agora, sei dados com base na obra de L. Brandwood, A Word Index te Plato (Leeds, 1976), que, pela primeira vez, nos dá informação completa e segura sobre esses assuntos. Há uma longa tradição, nos estudos platônicos, de tratar as duas palavras como simplesmente intercambiáveis [Osório diz: erística e antilógica como iguais para Platão]. Mas isso é certamente um engano. O que precisa ser dito é o seguinte: Platão frequentemente usa os dois termos para se referir ao mesmo procedimento e, da mesma forma, ocasionalmente usa os adjetivos derivados eristikos e antilogikos para se referir às mesmas pessoas. Mas da mesma forma, ocasionalmente, aplica um só termo, sem o outro. Às vezes, o segundo termo que falta é simplesmente omitido, mas em outros casos o contexto sugere que teria sido inapropriado usar o segundo termo. Mas quer use um termo ou os dois, referindo-se à mesma coisa ou à mesma pessoa, eles nunca têm, para Platão, o mesmo significado. A confusão e o mal-entendido surgiram por falta de se fazer a distinção necessária entre significado e referência.

Dos dois termos, o mais direto é erística. É derivado do substantivo eris, que significa luta, disputa, controvérsia; quando Platão usa o termo, erística significa "buscar vitória na argumentação", e a arte que cultiva e provê os meios e estratagemas para alcançá-la. Segue-se daí que erística, como tal, estritamente falando, não é uma técnica de argumentação. Ela pode usar uma ou mais de uma série de técnicas a fim de alcançar seu objetivo, que é o sucesso no debate ou, pelo menos, a aparência de sucesso (cf. Teeteto 167e3-6). Falácias de qualquer tipo, ambiguidades verbais, monólogos longos e irrelevantes podem, todos, ocasionalmente, conseguir reduzir ao silêncio o oponente, constituindo, assim, instrumentos próprios de erística. Esse é o tipo de habilidade que Platão via exemplificada pelos irmãos Eutidemo e Dionisodoro, no diálogo Eutidemo, dos quais disse (272a7-bl) que se tinham tornado extremamente hábeis em debater nas argumentações e em refutar qualquer coisa que se dissesse, não importando se verdadeira ou falsa. Conseqüentemente, usado por Platão, o termo erística regularmente envolve desaprovação e condenação. [Osório diz: conceito de erística / dicionário].

Antilógica, usada por Platão em sentido técnico, difere de erística em dois aspectos importantes. Primeiro, seu significado é diferente e, segundo, a atitude de Platão a seu respeito difere da sua atitude em relação à erística. Antilógica consiste em opor um logos a outro logos, ou em descobrir ou chamar atenção para a presença de uma oposição em um argumento, ou em uma coisa ou situação. A característica essencial é a oposição de um logos a outro, por contrariedade ou por contradição. Segue-se daí que, ao contrário da erística, a palavra, quando usada numa argumentação, constitui uma técnica específica e bem definida, a saber, a de partir de um dado logos, digamos, a posição adotada pelo oponente, e passar a estabelecer um logos contrário, ou contraditório, de maneira tal que o oponente terá de aceitar ambos os logoi, ou pelo menos abandonar a sua primeira posição. Um exemplo já foi considerado, a saber, a aplicação do termo ao método usado por Zenão de Eléia. Um segundo exemplo se encontra no Fédon, numa passagem a ser discutida em breve, e um terceiro no Lísis (216a). Chega-se a um ponto, na argumentação, em que se sugere que é o oposto que é mais propício ao seu oposto. Sócrates então diz que, a essa altura, os antilogikoi nos dirão, corretamente, que a inimizade é o mais oposto à amizade. E, portanto, o resultado (platonicamente inaceitável) é que o inimigo é que é mais propício ao amigo, e é o amigo que é mais propício ao inimigo. [Osório diz: Platão e o uso da antilógica. Será que Platão usava os ensinamentos sofístico repudiando-os. “É pecado, mas faço”.].

Qual é, então, a atitude de Platão em relação a esse método de antilógica? É muito claro que ele não o aprecia muito como método de debate filosófica. A sua primeira objeção é a de inadequação — é do método de dialética que precisamos. Embora seja possível que as pessoas, sem o saber, confundam antilógica com dialética (Rep. 454a4-5), falta-lhe uma característica essencial da dialética, a saber, a capacidade de discutir com base na divisão das coisas em espécies. A antilógica, ao invés, procede com base em contradições (meramente) verbais [Osório diz: o problema aqui é gorgiano: como chegar nas coisas em si? Mas a filosofia não é instrumentalizada pelo verbo? É o que fará Aristóteles, segundo Fausto dos Santos]. Observação semelhante é feita no Teeteto 164c2-d8, onde Sócrates expressa sua insatisfação com sua própria réplica anterior a Protágoras, alegando que estava inconscientemente agindo de maneira antilógica, recorrendo a coincidências verbais (isto é, para estabelecer as consequências contraditórias da posição de Protágoras e, da mesma forma, para as de Teeteto — 164d5-10) [Osório diz: essa piada é ótima e aponta o esforço de Platão de separa o joio do trigo]. De novo, como na passagem da República, o lapso de Sócrates na antilógica é involuntário e inicialmente inconsciente, e isso deixa claro que sua ação não é desonesta — ele não está tentando "impingir um argumento capcioso ao seu interlocutor", e não está agindo eristicamente. Ele simplesmente ficou aquém do que é devido e falhou porque seu método, embora bem-intencionado, é inadequado para a tarefa em mãos [Osório diz: quando Sócrates usa algo condenável ele o faz involuntariamente! Para ele tudo se justifica!].

O segundo ponto de Platão contra a antilógica não é tanto uma objeção quanto um receio constante do perigo de seu abuso, especialmente nas mãos dos jovens. Esse seu receio, na verdade, não se confina à antilógica, mas realmente se estende à própria dialética, que, se estudada pelos muito jovens (antes dos 30 anos), pode destruir o respeito pela autoridade tradicional, mediante a indagação de questões tais como "o que é certo" (to kalon) quando o questionador é incapaz de enfrentar essas investigações de maneira adequada e descobrir a verdade (Rep. 537el-539a4) [Osório diz: como se descobrir a verdade, mesmo para os velhos, fosse possível]. "Os jovens, quando experimentam argumentos pela primeira vez, abusam deles como num jogo, usando-os em todos os casos, a fim de estabelecer uma antilogia e, imitando os que se engajam em refutar, refutam eles mesmos outras pessoas, divertindo-se como cachorrinhos, puxando e estraçalhando, com seu argumento, todos os que deles se aproximam" (539b2-7). O resultado de repetidas refutações mútuas, ou elenchi, conduzidas dessa maneira, diz Platão, é "desacreditar tanto os interessados como a atividade toda da filosofia aos olhos do mundo [Osório diz: mas é possível desacreditar a verdade? Quem tem a verdade nada tem a temer!]. Uma pessoa mais velha não estaria disposta a participar desse tipo de loucura, mas imitará o homem que quer proceder dialeticamente (dialegesthai) e que quer ver a verdade, ao contrário do homem que fica brincando e procedendo antilogicamente por diversão [Osório diz: muito palhaço esse palhaço chamado Platão! Os velhos não contestam!]. Ele será mais comedido em sua abordagem, e fará o empreendimento mais digno de respeito do que menos digno dele" (539b9-dl). Em outras palavras, sem a dialética, a prática da antilógica é muito perigosa, pois pode ser facilmente usada para propósitos meramente frívolos. Mas uma leitura atenta dessa passagem mostra, acho eu, que Platão não está condenando a antilógica como tal. O processo de elenchus (refutação lógica) é, para Platão, uma parte normalmente necessária do processo de dialética (Cf. Fédon 85c-d, Rep. 534b-c). Na presente passagem Platão está condenando o abuso do elenchus quando usado para propósitos frívolos, mas, por implicação, ele o aprova quando usado para o propósito da dialética. Ora, o processo de elenchus, nos diálogos platônicos, toma diversas formas. Mas uma das formas mais comuns é a de argumentar que uma dada afirmação leva a uma autocontradição; em outras palavras, a duas afirmações mutuamente contraditórias. Mas duas afirmações mutuamente contraditórias são a característica essencial da antilógica [Osório diz: Platão é antilógico negando que é antilógico! Mais uma vez ele não condena a antilógica, mas o uso que se possa fazer dela e que o faça. Se for Sócrates, tudo bem, ele pode tudo, menos para o tribunal!].

A dialética, tal como é entendida por Platão, é difícil de ser caracterizada pormenorizadamente. De fato, em pontos cruciais, ele parece quase furtar-se à exposição detalhada que o leitor está esperando. Já se disse, muito apropriadamente, que a palavra "dialética", em Platão, tende fortemente a significar "o método ideal, seja qual for" [Osório diz: o que é dialética para Platão? Nem ele sabe!]. Mas envolve, regularmente, uma aproximação das Formas platônicas e é isso, mais do que qualquer outra coisa, que a distingue da antilógica. Assim, em Fédon, ela é usada para se referir ao método da hipótese; na República, ela é o caminho "para cima"; e no Filebo, consiste no processo de Síntese e Divisão.

Uma vez que se distingam claramente os três termos, erística, antilógica e dialética, várias coisas entram nos seus lugares. Platão se opõe totalmente à erística e está completamente empenhado na dialética. A antilógica, para ele, fica entre a erística e a dialética. Pode ser usada simplesmente para finalidades erísticas [Osório diz: mas também não!]. Por outro lado, se for reivindicada como um caminho suficiente para a verdade, também sofre a condenação de Platão. Mas, em si mesma, ela é, para Platão, simplesmente uma técnica, nem boa nem má. Especialmente nos primeiros diálogos, subjacente à dialética e conduzindo a ela, há a notável técnica de argumentação conhecida como elenchus, que constitui talvez o mais impressionante aspecto do comportamento de Sócrates. Ela consiste tipicamente em obter uma resposta a uma questão, tal como "o que é Coragem" e, aí, assegurar aceitação para outras afirmações visivelmente inconsistentes com a resposta dada à primeira questão. Em raras ocasiões isso leva a algo que se aproxima de uma modificação aceitável da primeira resposta. Mas, muito mais frequentemente, o Diálogo se encerra com os participantes num estado de aporia, incapazes de ver qualquer caminho à frente ou qualquer saída das opiniões contraditórias nas quais se enredaram. Isso é claramente uma aplicação da antilógica. [Osório diz: Sócrates o sem respostas! O elenchus a caminho da aporia e, portanto, da antilógica! Tudo fica inconcluso! O contraditório!]

O aspecto essencial desse uso da antilógica é o estabelecimento de logoi ou argumentos opostos acerca da questão em debate. Mas para Platão é muito mais do que isso. Basicamente, para ele, o mundo fenomenal está sempre em estado de mudança e fluxo, de tal forma que pode ser descrito, em certo sentido, como que se revolvendo entre ser alguma coisa e não ser essa coisa [Osório diz: por que Platão não tinha saída a não ser voltar-se para a fé, a crença, o místicismo]. Mais ainda, isso não é meramente algo que acontece entre dois pontos no tempo. A qualquer momento, "coisas que dizemos ser grandes ou pequenas, leves ou pesadas, podem igualmente ser descritas pelo epíteto oposto" (Rep. 479b6-8). Isso mostra duas coisas. Primeiro, a oposição entre logoi pode ser simultânea no sentido de que os logoi são opostos não um depois do outro mas ao mesmo tempo. Em qualquer dado momento, o mesmo homem, por exemplo, é ao mesmo tempo alto e baixo, dependendo de com quem ele é comparado. Segundo, a oposição entre logoi, que é o ponto de partida para a antilógica, aplica-se não somente a argumentos opostos, mas também aos fatos do mundo fenomenal aos quais se referem os argumentos. [Osório diz: Platão e o ser e não-ser ao mesmo tempo? O contraditório!].

Que o próprio Platão sabia que sua visão do mundo fenomenal envolvia a antilógica aparece claramente numa famosa passagem do Fédon (89dl-90c7), cuja importância nem sempre tem sido compreendida pelos estudiosos [Osório diz: Platão admitindo a antilógica, para desespero de seus asseclas!]. É a passagem em que ele fala do perigo de vir a odiar logoi, ou argumentos, situação que ele chama de misologia [Osório diz: seria isso a percepção de que a linguagem é insuficiente para explicar, dizer o mundo?]. No caso de um ser humano, se primeiro confiamos nele e depois, mais tarde, descobrimos que não podemos confiar nele, e essa experiência se repete, é provável que acabemos na misantropia, o ódio e rejeição de todo ser humano. A mesma coisa acontece com os argumentos — se a pessoa primeiro confia e crê que um argumento é verdadeiro e depois descobre que é falso, a pessoa pode acabar odiando e desconfiando de todos os argumentos [Osório diz: daí Protágoras ser fundamental com o seu mito]. Em seguida vem a afirmação para a qual quero chamar especial atenção:

 

E, acima de tudo, os que passam o seu tempo tratando com antinomias (logoi antilogikoi) acabam, como vocês bem sabem, pensando que se tornaram os mais sábios dos homens e que são os únicos que chegaram a compreender que não há nada sólido ou seguro, seja em fatos ou em argumentos, mas que todas as coisas que existem são simplesmente levadas para cima e para baixo como o [fluxo da maré no] Euripo, e nunca param em um ponto qualquer por qualquer duração de tempo. [Osório diz: Fédon (89dl-90c7).Conferir esta ótima citação. Vide abaixo também].

 

Platão, naturalmente, vai sugerir ambos: a necessidade de fugir da misologia e os métodos a serem seguidos. Contudo, é claro que na passagem acima ele está expressando a sua própria visão do fluxo dos fenômenos. Ao longo dos diálogos, são a instabilidade e o caráter mutável do mundo fenomenal que o tornam, para Platão, incapaz de funcionar como objeto de conhecimento. O conhecimento há de ser, necessariamente, firme e imutável, e requer objetos de caráter semelhante ao seu. No Fédon, a expressão "para cima e para baixo" é usada de novo (96bl) para caracterizar a confusão (100d3) sentida por Sócrates ao tentar compreender e explicar o mundo físico em termos puramente físicos, antes de embarcar na sua "segunda viagem", baseada no método da hipótese e na doutrina das Formas. Esta provê um método de fuga (99e5) da confusão do mundo dos sentidos. Contudo, aquilo de que Sócrates deve fugir é exatamente este mundo dos sentidos, e a razão da sua necessidade de fugir dele é porque ele exibe exatamente aquelas características com as quais se identificam as pessoas conhecidas como antilogikoi. [Osório diz: Platão e a impossibilidade da ciência!].

Mas não é só isso. Numa frase sem ênfase, Platão de fato revela que estava ciente de que sua própria visão dos fenômenos foi antecipada por aqueles que se ocupavam com logoi antilogikoi. Isso está claramente implicado na afirmação de que tais pessoas "pensam que são os únicos que chegaram a compreender" — eles estão sendo criticados, não por sustentarem essa opinião, mas por se enganarem supondo que ninguém mais tenha chegado a essa mesma compreensão. Em outras palavras, ambos, Platão e os praticantes da antilógica, estão de acordo neste ponto: o caráter antilógico dos fenômenos. O único ponto fundamental sobre o qual Platão vai discordar é a falta de compreensão deles de que o fluxo dos fenômenos não é o fim da história — deve-se procurar alhures a verdade, que é o objeto do verdadeiro conhecimento; e, mesmo para a compreensão do fluxo e suas causas, deve-se buscar entidades mais permanentes, seguras e confiáveis, as famosas Formas platônicas. Isto, por sua vez, sugere que a base real da hostilidade de Platão aos sofistas não era porque, a seu ver, estivessem inteiramente errados, mas porque elevavam a meia verdade à verdade toda, confundindo a fonte da qual vêm todas as coisas com as suas consequências (fenomenais) (Fédon 101el-3). Isso os tornava muito mais perigosos. De fato, quando alhures Platão sugere, como o faz repetidamente, que os sofistas não estavam preocupados com a verdade, podemos começar a supor que era porque eles não estavam preocupados com o que ele considerava ser a verdade, e não porque eles não estavam preocupados com a verdade tal como eles a viam. Para Platão, embora não goste de dizer isto, antilógica é o primeiro passo no caminho que leva à dialética.” [Osório diz: a verdade que Platão que? os sofistas aceitassem: a dele!] [Osório diz: a antilógica como o primeiro passo da dialética!] [Osório diz: sempre o contraditório!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 103-117).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

90 – Erística, segundo a Sofística.

 

Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Portanto, a teoria do discurso fraco e do discurso forte não constitui, de modo nenhum, o ato de nascimento da erística, como afirma Aristóteles; não consiste em fazer viajar a evidência ao gosto da eloquência de um hábil advogado, de acordo com as necessidades da causa e o interesse da sua parte, como fez crer uma tradição obstinada. Na realidade, esta teoria parece estar em estreita relação com uma certa prática política, precisamente a da democracia ateniense. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 26).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

89 - Dialética, segundo a Sofística.

 

Vide: Dialética, erística e antilógica sofista. Item 91, abaixo.

 

(Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 103-117).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

88 – Catolicismo e os sofistas.

 

Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

A justiça é, por conseguinte, obra do direito natural; esta noção deve ser tomada aqui no sentido que Aristóteles dá, mais tarde ao seu physikon dikáion, e não no sentido de Hobbes ou de Espinosa. Hípias concilia natureza e ética; a sua rejeição do nomos político é feito em nome de uma lei maior e mais ampla, mais rigorosa também. A invocação da natureza – há ainda que insistir nisto – não tem como resultado, para Hípias, permitir a ilegalidade e de alguma maneira avalizá-la; o Anónimo de Jâmblico, atribuído por Untersteiner a Hípias, insiste na exigência da igualdade. Tomemos um dos exemplos que cita: a lei da natureza, que estabelece a interdependência econômica. A justiça consiste, pois, em obedecer à lei, mas não à lei escrita da natureza; o nomos é assim superado, ao mesmo tempo que o estreito quadro da cidade que lhe dava origem. A teoria hipiana do direito natural desemboca então no cosmopolitismo, que se adapta plenamente ao enciclopedismo sofista. Hípias chamava à Ásia e à Europa “filhas do Oceano”, estabelecendo assim uma identidade entre estes dois continentes, que era costume contrapor para demonstrar a clivagem entre Bárbaros e Gregos. Por este cosmopolitismo, Hípias opõe-se antecipadamente ao que Hípias chama o “nacionalismo inumano” de Platão; anuncia a filantropia estóica e, em certo sentido, a “catolicidade” cristã. Pensa-se, com efeito, na resposta de Eudoro a Cimodoceu em Chateaubriand, quando Eudoro cobre com o seu manto um escravo encontrado à beira do caminho; Cimodoceu diz-lhe: “Pensaste, sem dúvida, que este escravo era algum deus? – Não, respondeu Eudoro, pensei que era um homem”. [Osório diz: pqp! Que coisa linda!]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 88-89).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

87.9 – Retórica e Filosofia – parecer e ser, crer e conhecer, persuadir e provar.

 

Ensina Guthrie:

 

A filosofia dialética como substituição da má retórica pela boa. [Osório diz: esta afirmativa é mais uma daquelas contra cujo conteúdo absurdo ninguém ousa protestar! Afirmo que não existe discurso sem discurso, bem como retórica sem retórica! Entretanto, alguém, fazendo retórica, obviamente, ousa qualificar a retórica em boa ou má! Quem faz tal qualificação tem, cretinamente, a sua retórica como boa, a má são as dos outros! Dos outros não, apenas as dos “meus” adversários! A dos que estão ao meu lado, apoiando-me, mesmo que produzam as piores porcarias, estarão, só por estarem “comigo”, ao lado da boa retórica! Deprimente quem assim pensa e age].

A arte retórica era também conhecida como "a arte dos logoi", e o amplo sentido desta palavra (de falar ou fazer discurso até argumento, razão, pensamento) tornou possíveis diversas concepções da arte de que era o tema. A meta de Platão era tirá-la das mãos de persuasores superficiais e argumentadores especializados, [Osório diz: as metas de Platão nunca são boas, não esqueçamos!] mostrando que, aplicada propriamente e baseada no conhecimento da verdade era coextensiva com a filosofia [Osório diz: a piada está em “conhecimento da verdade”, se esta até hoje, dois mil anos depois ainda não foi conhecida!]. E esta a lição de Fedro (Veja especialmente 278-d), e em Fedo (90bss) Sócrates atribui o mal da "misologia" - uma aversão a logoi de toda espécie - a falta de treinamento adequado na "arte dos logoi" [Osório diz: eis a circularidade de que falo! Não há logos sem logos!]. Sem ela o homem crê em tudo o que se lhe diz, e mais tarde descobre que é falso, e em sua desilusão cai no mau uso não de sua falta de experiência, mas dos próprios logoi, desviando-se assim da vereda do conhecimento e da verdade. Os maiores ofensores são os que lidam com contradições (antilogikoi) e pensam ser o cume da inteligência ter discernido que não há sanidade ou certeza em qualquer coisa ou qualquer argumento, mas tudo sobe e desce como a corrente no Euripo e nunca permanece o mesmo por um momento [Osório diz: e onde está a prova de que não é assim? Dei-me uma verdade de que não é isso o que ocorre!]. Platão pode ter tido em mente Protágoras e suas antilogiai (p. 172 com n. 18 acima) de modo particular, mas sua censura se estende a todos os retóricos e sofistas [Osório diz: como se o próprio Platão não fosse o maior dos retóricos que se preservou!], "os sem cultura cujo desejo não é o desejo de sabedoria, mas o desejo de bater o adversário". [Osório diz: bater não, mas mostrar que o que o sábio está sustentando está errado!. É o que faz o sofista Sócrates, mas ele Platão aplaude em mais uma de suas contradições], as próprias pessoas, com efeito, que se consideravam mestres da "arte dos logoi" e os melhores professores dela para outros. [Osório diz: (1) Boa é apenas a minha tese! (2) Sócrates vivia para “bater” nos que “sabiam”!

Aos olhos de Platão, Sócrates era, na realidade, o verdadeiro mestre desta arte [Osório diz: isso confirma o que eu disse acima!]. Fez dela uso diferente dos sofistas, mas embora não fosse nenhum retórico [Osório diz: é muito cara de pau!]. Crítias, ao tornar ilegal ensinar a arte dos logoi, teve Sócrates particularmente em mente [Osório diz: mais uma prova de que Sócrates seria um sofista, menos para seu amante!], 6 isso não foi inteiramente irrazoável. Estava convencido de que se alguém entendeu uma coisa podia "dar um logos dela" [Osório diz: isso reforça meu entendimento de que, a contrário, somente fala sobre algo quem sabe algo sobre ele!], e sua exigência de definições era exigência de que as pessoas devam provar que entenderam, a essência da coragem, da justiça ou qualquer outra coisa que estivesse em discussão, encontrando uma fórmula verbal que pudesse cobrir todos os seus casos.

Ele sustentava que quem conhece alguma coisa, também deve ser capaz de expô-la a outros” [Osório diz: mas isso leva à conclusão de que não existem discursos vazios, como se diz!]. (Xen. Mem. 3.3.11; ele argumenta que o bom comandante de cavalaria deve ser bom locutor):

 

Não se te ocorreu que todas as melhores coisas que aprendemos de acordo com o costume, pelo qual sabemos como viver, nós aprendemos pelo discurso, que qualquer outra boa lição que se pode aprender aprende-se pelo discurso, que os melhores mestres fazem o maior uso do discurso e aqueles com o conhecimento mais profundo dos mais importantes assuntos são também os melhores locutores? [Stenzel chega a ponto de dizer que a linguagem é o ponto de partida do ensino de Sócrates. [Osório diz: depois dos outros expositores, por certo]]. [Osório diz: Nada existe fora do discurso e nem todos sabem discursar bem, embora todos saibam discursar. Tudo é discurso!].

 

Atribui-se a invenção da retórica aos sicilianos da primeira metade do séc. V, Córax e Tísias. Invenção neste contexto tinha sentido específico [Ser bom orador, assim como também homem de ação, fora, como frisa Lesky (HGL, 35o), a ambição do grego desde os tempos homéricos (Il. 9.443).], ou seja, a introdução do apelo à probabilidade em vez do fato [Osório diz: Górgias dirá: fatos não são palavras, logo não se podem provar fatos, haja vista que estes não se repetem, menos ainda via discurso], o estabelecimento de regras para sua aplicação, e sua incorporação em manuais escritos. Se um homem acusado de assalto pode produzir fatos que mostrem indisputavelmente que ele não o cometeu, ele não tem nenhuma necessidade da arte, mas se ele não o puder, deverá invocar o argumento da probabilidade. Se ele for menor e mais fraco que sua vítima, dirá: “Olhem para mim; é possível que alguém como eu pudesse atacar um homem grande e forte como ele?” Se de outro lado ele é um Sansão, argumentará: “Seria eu um louco de atacá-lo quando eu sou a primeira pessoa sobre que cairia a suspeita?” Estes argumentos preservaram-se como amostra de Córax e Tísias [Aristóteles o liga com Córax (Rhet. 14o2a17). Platão atribuí-o em forma um tanto adulterada e caricaturada a Tísias, de que se disse ser seu discípulo (Fedr. 273a-b) [Osório diz: Platão e a caricatura! Daí eu acreditar que Sócrates era um Diógenes, o cão, que Platão deu-lhe a aura]. V. também Arist. ap. Cic. Brut. 12.46 (presumivelmente da Synagoge technon) para Córax e Tísias como os primeiros a escreverem manuais de retórica depois da expulsão dos tiranos da Sicília, e em geral Aulitzky em RE, Xl, 1379-81.]. Um bom exemplo moderno registrou-se no Sunday Times de 21 de maio de 1967. Uma acusação de exceder o limite de velocidade de 100km por hora foi feita pela polícia que alegava ter seguido o acusado por cerca de 5km com o velocímetro registrando 110 a 120km. A defesa não foi contra a prova do velocímetro do próprio acusado. É que o carro da polícia tinha um pisca-pisca azul, e daí lhe era fácil perceber que o estava seguindo, e a resposta foi: “Seria eu tão bobo para dirigir acima de 100 km por hora com um carro da polícia em meu encalço?” A retórica ensina desde o início que o que importa não é qual tenha sido ocaso, mas o que parece, aquilo de que os homens podem ser persuadidos (Fedro 267a) [Osório diz: qual o objetivo da retórica]. É “a arte do logos”, que não só é discurso e argumentação, mas também aparência e crença enquanto opostas a fato (ergon), e cuja finalidade é a persuasão [Osório diz: conteúdo da retórica]. Do lado do crédito, pode-se dizer que persuasão é melhor que a força [Osório diz: daí a arte no crime de estelionato], e a retórica é por excelência a arte democrática que não pode, quer em sua forma política, quer em sua forma forense, florescer sob tirania [Osório diz: onde a retórica é empregada com mais frequência / Como Platão era tirano...]. O seu nascimento em Siracusa, observou Aristóteles (ap. Cic., v. n. 1), coincidiu com a expulsão dos tiranos e o estabelecimento da democracia [Osório diz: daí a raiva de Platão! Expulsaram os tiranos que ele tanto adorava! E pior, essa saída permitiu o nascimento de algo que ele passou a detestar, quando praticado por ele!].

Os sofistas não foram, portanto, os pioneiros da retórica, mas certamente estavam prontos para nela embarcar e suprir a exigência dela que acompanhou o desenvolvimento da liberdade pessoal por toda a Grécia [Não se deve pensar que, porque Górgias em sua embaixada de 427 se diz ter assombrado os atenienses com sua arte, eles não estivessem familiarizados com a oratória artística e profissional. Já tinham amor por ela (philologoi), e o que os pegou de surpresa foi o estilo exótica e artificial de Górgias. que atraiu então por sua novidade, embora mais tarde se tenha considerado empachado e afetado (Diod. 12.53).]. [Osório diz: eram embaixadores, portanto, homens preparados e que sabiam falar! Não sei se por toda a Grécia, pois Esparta era tirânica, para alegria de Platão, mas na democrática Atenas, com certeza, daí o ódio de Platão!]

Pode-se distinguir entre a escola siciliana, continuada depois de Córax e Tísias por Empédocles (vol. II, 235), Górgias e Pólus e visando sobretudo à beleza do discurso (euepeia), e a de outros sofistas que se congregaram em Atenas [Osório diz: por causa da riqueza da cidade, da democracia e dos tribunais], Protágoras de Abdera, Pródico de Cos e Hípias de Elis. Estes últimos, além de interessados por educação em seu sentido mais amplo [Osório diz: mas Platão não diz que eles não visavam à verdade?], frisaram o uso correto da linguagem (orthoepeia, orthotes onomaton) e assim foram levados de seu interesse por falar em público a iniciar os estudos de filosofia e gramática, etimologia e as distinções sinonímicas. [Osório diz: áreas de estudos dos sofistas]

Platão [diz sobre os retóricos]: “eles tinham o provável (ou aparente, plausível, eikota) em maior honra que o verdadeiro”. A justificação disso era que, para um sofista ou retórico, verdade e conhecimento eram ilusão. [Osório diz: e o que mudou até hoje?]

Uma vez que toda inquirição humana se move no campo da opinião, onde é fácil a decepção, toda persuasão (filosófica, “científica”, legal ou outras) é resultado da força e eloqüência antes que a intuição racional... Se os homens soubessem, haveria grande diferença entre engano e verdade. Assim como é, podemos apenas distinguir entre argumentos com êxito e não-convincentes, persuasivos e infrutíferos. [Osório diz: Verdade e opinião. Perfeita essa colocação de Versényi, Socr. Hum. 47s]

Virando Parmênides de cabeça para baixo, Górgias afirmou que nada existe (ou é real), que, se existisse, não poderíamos conhecê-lo, e, se pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-lo a outrem. A base filosófica é a mesma que a do dito de Protágoras: “O que parece a cada um é na medida que lhe interessa” [ Sicking parece pensar de outra maneira (Mnem. 1964,245); mas dificilmente se pode negar que nada tem existência real, nem pode ser reconhecido ou comunicado, a única alternativa é que as sensações e crenças particulares de cada homem são as únicas validas, e validas só para ele. Que a polêmica de Górgias não visa somente aos eleatas ("nicht nur", Sicking p. 232, embora na p. 245 insira qualificação) não pode alterar este aspecto. [Osório diz: não! Outros podem aderira a crença um do outro! E é isso que se faz no dia a dia / Guthrie joga a toada para Górgias!]]. “Se”, diz Górgias ...,“fosse possível por meio de palavras (logoi) tornar a verdade sobre a realidade (erga) pura e clara aos ouvintes, o julgamento seria fácil como simplesmente seguindo do que foi dito; mas uma vez que não é assim...”. [Osório diz: Górgias versus Parmênides / A verdade / semelhança filosófica entre Górgias e Protágoras].

O logos tem supremo poder, e é neutro. Pode fazer grande bem, banindo o medo e a tristeza e fomentando alegria e compaixão (Gorg. Hel. 8, DK II, 290). Até quando enganador, o engano pode ser um engano justo e o enganado pode ir-se mais sábio do que antes, como acontece com as ficções da tragédia, que para Górgias era apenas retórica em versos. Mas, em si mesma é simplesmente “a arte da persuasão”, armado com a qual um homem pode convencer do que lhe aprouver “ao júri no tribunal, senadores no Conselho, o povo na Assembléia, ou qualquer outra reunião de cidadãos” (Platão, Gorg. 452e). É esta arte de falar que Górgias afirmou ensinar, e nada mais. Embora ela se interesse por certo e errado, ele desaprovou o ensino da arete (Meno 95c) e sustentou que o retórico não deve ser culpado se seus alunos usam da habilidade para fins maus, da mesma forma que um instrutor de box não pode ser culpado se seu aluno venha a abater o seu pai. O retórico, pelo que parece, interessa-se inteiramente pelos meios, e não pelos fins [Quando Sócrates pressiona sua argumentação, Górgias de fato admite, sem cerimonias, que se seu aluno não sabe sobre certo e errado ele supõe poder ensinar-Ihe (os assuntos para os quais Sócrates e Platão acharam inadequada toda uma vida de filosofia!), mas, quando Sócrates continua tirando a conclusão de que de fato a retórica não pode ser usada para fins errados, e tempo de o velho e respeitado homem se licenciar e seu discípulo impetuoso assumir (Gorg. 456c-457c.). Toda a discussão com Górgias lança luz inapreciável sobre conceitos correntes de retórica, e não traz nenhuma marca de caricatura. Veja também Fileb. 58a para sua convicção da superioridade da persuasão sobre todas as outras artes, e sobre sua negação de ensinar arete pp. 252s abaixo.], e seu ensino tem diferentes efeitos nos alunos de acordo com o seu caráter. [Osório diz: O logos e seu poder / Para que serve a persuasão / O que Górgias se propunha a ensinar / Górgias e o ensino da arete / O professor e o uso do ensino pelo aluno].

Se os alunos de Sócrates nem todos lhe dão crédito, não era pela mesma razão. [Osório diz: seu aluno Alcibíades aprontou todas, bem como Crítias, o tio de Platão].

 

Retórica e Filosofia em Protágoras.

 

O subjetivismo de Protágoras já foi introduzido em conexão com a relatividade de valores, e a estreita relação dele com suas atividades como professor de retórica é óbvia [Nestle diz que não passa de petitio principii considerar a retórica como a fonte da filosofia de Protágoras. E com certeza imperdoavelmente grosseiro. O ceticismo e subjetivismo, de que era tão notável representante, estavam enraizados na história anterior da filosofia, se bem que como reação desde sua universal suposição de uma realidade não-percebida subjacente aos fenômenos ou mesmo (no caso dos eleatas) negando-lhes o direito de existir (ZN, 1358n). É melhor evitar dogmatizar sobre causa e efeito, e só dizer que, assim como a liberdade democrática de Atenas favoreceu na prática o rápido surgimento da retórica, assim também a situação filosófica forneceu contexto adequado à sua justificação teórica: e isso os melhores dos sofistas, que eram muito mais do que demagogos e oradores de rua, estavam desejosos de fornecer. [Osório diz: muito bom este escrito de Nestle].]. Ensinava os alunos a elogiar e censurar o mesmo caso, foi famoso por sua afirmação de que "fazia do argumento mais fraco o mais forte" (v., por exemplo, Ar. Rhet. 1402a23ss), e escreveu dois livros de "Argumentos contrários" que podem ter sido manuais de retórica. "Há", dizia ele, "dois argumentos opostos sobre todo assunto" [Diógenes Laércio: “… uma tradução igualmente possível seria: "De cada coisa duas avaliações contrárias se podem dar".], e em Eutidemo (286b-c) Sócrates atribui a "Protágoras e até a pensadores mais antigos" a tese de que é impossível contradizer, o que, diz ele, vale dizer que é impossível falar falsamente [Os "pensadores mais antigos" não precisam ser levados muito a sério. Platão pensaria principalmente em Heráclito e sua doutrina da identidade dos opostos (vol. I, 442ss), que, sem dúvida, influenciou as idéias de Protágoras, mas as continha apenas em embrião. Platão gostaria de apresentar não só filósofos mais antigos, mas até poetas como pais, por assim dizer, de doutrinas filosóficas, como, por exemplo, em Teet. 152e e Crát. 402b ele reconduza doutrinado fluxo de Heráclito a Homero [Osório diz: isso lhe era interessante naquele momento!]. Nem, em vista de muitos exemplos platônicos em contrário, podemos supor hoi amphi P. visando a excluir o próprio Protágoras. A tese da impossibilidade de contradição comumente se atribui a Antístenes com base em Aristóteles (Meta f. 1024b32, Top. 104b20). D.L. (9.53, cf. 3.35) chama-a de a tese de Antístenes, mas acrescenta, citando Platão, que ela foi defendida pela primeira vez por Protágoras. As palavras de Aristóteles certamente não o excluem, e a linguagem de Platão sugere que pode ter sido bem conhecida em meios sofistas do séc. V. Um papiro de um autor do séc. IV a.C. atribui-a a Pródico. Isto pode ser mero engano, mas Pródico estava familiarizado tanto com Protágoras como com Antístenes (Xen. Symp. 1 4.62). V. Binder e Liesenborghs em Mus. Helv. 1966. [Osório diz: Protágoras versus Antístenes]]. Aristóteles (Metaph. 1007b18) fala da tese de "que afirmações contraditórias sobre a mesma coisa são simultaneamente verdadeiras" e "é impossível afirmar ou negar alguma coisa de qualquer assunto" como algo a ser aceito por aqueles que aceitam o dito de Protágoras. Mais abaixo, em 1009a6, ele diz (depois de mencionar a negação da lei de contradição): “O que Protágoras diz origina-se da mesma opinião, e devem ficar de pé ou cair juntos; pois se tudo o que parece e se crê é verdadeiro, tudo deve ser ao mesmo tempo verdadeiro e falso, pois muitas pessoas sustentam opiniões opostas umas às outras” [Untersteiner e H. Gomperz argumentaram partindo destas passagens que a impossibilidade de contradição não era um princípio de Protágoras, uma vez que Aristóteles o apresenta como inferência do que ele disse. O mais que se pode afirmar é que não provam que não foi, e outras provas tornam-no praticamente certo. Há, porém, esta qualificação a ser feita, de que o que não pode ser contradito deve "parecer a, ou ser crido por" pelo menos um homem. Protágoras não concordaria com Aristóteles em que tudo o que pode ser pronunciado deva ser verdadeiro ou falso (1007b20), pois, afinal, ninguém crê que homens sejam trirremes ou muros. [Osório diz: barreiras no jogo de futebol são chamadas (tidas por iguais) de muros!]]. [Osório diz: ver Barbara Cassin e o “maior número primo”].

O fundamento teórico de todas estas afirmações está na tese com que ele introduziu sua obra sobre a Verdade, 21 e que já foi citada por sua referência a conceitos de valor (fr. 1DK):

 

O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são o que são, e das coisas que não são o que não são.

 

A continuação mostra que tinha principalmente o indivíduo em mente, embora, a não ser que Platão vá além dele quanto a isso, ele a tivesse estendido à opinião corporativa de um Estado enquanto incorporada em suas leis. (v. p. 162 acima). Além de Platão e Aristóteles, a afirmação é citada por Sexto, que também a entende do indivíduo explicando: "a verdade é algo de relativo, porque tudo o que pareceu ou que foi crido por alguém (tini) é de imediato real em relação a ele". [Osório diz: indivíduo versus coletividade. Veja o francês Gilbert]

A palavra "medida" (metron) foi escolhida provavelmente por Protágoras pelo sabor epigramático que ela dá ao seu dito muito citável, e não há razão para duvidar de que Platão, seguido por Sexto, tenha acertado em explicitá-la como kriterion, padrão de julgamento. Seu sentido se manifesta por uma crítica de Aristóteles. No fim de uma discussão do metron na Metafísica (1053a31), ele diz (para parafrasear e expor uma passagem difícil) que, além de seus sentidos mais correntes, a palavra é aplicada ao conhecimento e à sensação porque são meios de saber sobre coisas, como uma medida-padrão nos ajuda a saber de seu tamanho, peso, valor etc. Este, porém, é uso errado do termo que o faz significar o oposto do que deveria. Longe de nosso conhecimento e nossas sensações serem a medida da realidade, é a realidade que deve medir a soma e o valor de nosso conhecimento. [Osório diz: é o homem quem faz a realidade. Não existe realidade sem o homem. O que é a realidade para uma pedra ou para um porco?] O conhecimento não pode determinar a natureza das coisas; sua tarefa é se adaptar à natureza delas como já determinada, para atingir a verdade [Osório diz: esse seria o conhecimento raso, do dia a dia, aquele não questionado, não posto em dúvidas]. Assim, acrescenta ele, quando Protágoras diz que o Homem é a medida de todas as coisas, querendo dizer o homem que conhece ou percebe, fala absurdo, embora pareça engenhoso.

Aristóteles fala do ponto de vista de sua própria filosofia e da filosofia platônica, de acordo com a qual existe uma realidade além e independente de nossos conhecimentos e crenças, e contrastando com ela a doutrina de Protágoras segundo a qual nada existe a não ser o que cada um de nós percebe e conhece. (Uma vez que nossas percepções nesta teoria são infalíveis, deve-se dar a elas o nome de conhecimento, Teet. 152c). São nossos próprios sentimentos e convicções que medem e determinam os limites e a natureza da realidade, que só existem em relação a elas e é diferente para cada um de nós. A oposição de Aristóteles mostra que para ele a doutrina de Protágoras era doutrina de puro subjetivismo e relativismo. Será que esta avaliação era correta? Duas visões foram tomadas. Para colocá-lo nos termos do exemplo de Platão (Teet. 152b), se o vento está frio para mim que o sinto frio, e é quente para você que o sente quente, significa isto que o vento em si mesmo é tanto quente como frio, ou que o vento em si mesmo não é nem quente nem frio? Em termos gerais, devemos dizer (a) todas as propriedades percebidas por alguém coexistem no objeto físico, ou (b) que as propriedades perceptíveis não têm nenhuma existência independente no objeto, mas vêm a ser como são percebidas, e para o percipiente? [Osório diz: ver sobre o vento em Gilbert / Realidade e conhecimento]

Senso comum [Von Fritz diz de modo semelhante que a afirmação não expressa pleno sensualismo, relativismo ou fenomenalismo, mas visa a opor uma "Philosophie des gesunden Menschenverstandes" às filosofias dos eleatas, Heráclito etc., que se afastam muito da communis opinio. Ele afirma que isto surgiu do Teeteto: Platão continua frisando que, se a afirmação de Protágoras for levada à sua conclusão lógica, conduz ao absoluto relativismo e subjetivismo, mas deixa claro que esta conclusão não foi tirada por Protágoras (166d ss).(RE, XLV. Halbb. 916s).].

A teoria de uma substância ou matéria contendo propriedades que podem ou não podem ser percebidas é especificamente negada para Protágoras por Aristóteles. [Osório diz: seria, então, mais uma invenção de Platão, como diz também Von Fritz na nota 26?]

Sexto se comprova testemunha inconfiável de idéias protagóricas genuínas quando tenta ir além da afirmação de "o homem é medida" e suas óbvias implicações. [Osório diz: Sexto Empírico deturpa Protágoras].

Podemos concluir que Protágoras adotou extremo subjetivismo [Se quisermos um rótulo, este é melhor que sensualismo ou fenomenalismo, para a teoria aplicada ao que era pensado ou crido bem como ao que era percebido, a noções de certo e errado assim como também a sensações de quente e frio. A conclusão alcançada aqui quanto ao subjetivismo de Protágoras concorda com a de Ad. Levi em seu artigo em Philosophy, 1940, embora seja evidente que não aceito sua afirmação ulterior de que ela se aplicava apenas ao conhecimento da natureza e que Protágoras não a estendeu ao campo ético. A diferença entre nós repousa em diferente interpretação deste discurso no Protágoras.] segundo o qual não havia nenhuma realidade atrás e independente das aparências, nenhuma diferença entre aparecer e ser, e cada um de nós é o juiz de nossas próprias impressões [Osório diz: realidade]. O que me parece é para mim, e nenhum homem está em condições de chamar o outro de errado. Se o que eu sinto como quente tu sentes como frio, não podemos argumentar sobre isto: é quente para mim e frio para você. Nenhum filósofo natural foi assim tão longe, pois é uma negação do próprio sentido de physis. Também Demócrito disse que todas as sensações são subjetivas, que quente e frio, doce e amargo, não têm nenhuma existência na natureza, mas isto era porque deviam se explicar como devidos à interação entre a estrutura atômica de nossos corpos e a do objeto percebido. Havia uma physis ou realidade permanente, a saber, átomos e vazio (vol. II. pp. 438, 440). Para Protágoras, não existe nenhuma, e por isso Demócrito o atacou, objetando que nesta visão "nada era mais do que assim e assim". Ele [Osório diz: Protágoras] estava na vanguarda da reação humanista contra os filósofos naturais, cujas especulações contraditórias levara-os à perda de reputação entre os homens práticos — cada um, como disse Górgias (p. 52 acima), pretendendo possuir o segredo do universo, mas, de fato, apenas opondo uma opinião contra outra, cada uma mais inacreditável que a última [Osório diz: não lembro de ter lido isso, p. 52!]. Como todos os sofistas, ele estava familiarizado com suas teorias, mas se afastou deles para ensinar a única coisa que importava, como cuidar dos próprios negócios e ocupar-se com o Estado (Platão, Prot. 318e-319a). Não há muito proveito, pois, em debater de qual filósofo ele tomou emprestado ou contra o qual reagiu, sobretudo porque sabemos muito pouco do conteúdo de seus escritos: todos caçavam quimeras, embora seu polo oposto direto fosse com certeza Parmênides, o qual pensava que todas as sensações e opiniões se deviam rejeitar como falsas. [Osório diz: e assim o auxilia Górgias e as suas três teses! Esta a junção perfeita entre Protágoras e Górgias! / De onde e por que Protágoras tirou o homem medida].

Vimos que o seu relativismo se estendia ao campo da ética. Nossa informação refere-se apenas aos Estados, mas obviamente, se um homem crê sinceramente que é bom roubar, então para ele, enquanto crê nisto, roubar é bom. Mas, assim como vale a pena para o médico mudar o mundo do doente por suas drogas (Teet. 167a), de sorte que o que parece e é para ele amargo pareça e seja para ele doce, assim também vale a pena para a maioria, ou para seus representantes designados, para os quais roubar tanto parece como é mau, trabalhar sobre ele por persuasão até que o seu modo de ver — isto é, a verdade para ele — seja mudada. A conclusão lógica do subjetivismo de Protágoras é a anarquia moral e política, mas isto estava longe de seus pensamentos, e a moral e a ordem social foram salvas por esta curiosa doutrina, típica deste período, pela qual o padrão de verdade e falsidade é abandonado, mas substituído pelo padrão pragmático de melhor e pior. "Algumas aparências são melhores que outras, embora nenhuma seja mais verdadeira" (Teet. 167b). Aqui, sem dúvida, a doutrina epistemológico-ontológica da completa subjetividade rui: a aparência do momento é subordinada a um padrão mais alto [Osório diz: mas não o verdadeiro, pois pode sempre ser melhorado. Portanto, nada de fixidez, de rigidez cadavérica, que “é” a única certeza, a morte!], o fim ou propósito da natureza humana e da sociedade [Osório diz: então o fim e o propósito da natureza humana e da sociedade foi dado pelo homem! Nunca por um deus sabe-tudo!]. Ao mesmo tempo, entra o outro tipo de relatividade: homens e sociedade diferem amplamente, e assim, portanto, também suas necessidades. Não há nenhum oniabrangente "bem para o homem". [Osório diz: cada bem é bem particular, embora nada impeça, ao contrário, tudo indica, que um homem possa convencer a outros de que o seu bem é melhor que outros bens! Daí nascendo a possibilidade da vida em sociedade!].

Diagnosticar a situação particular e preservar o melhor curso de ação para um homem ou um Estado sob dadas condições, como o médico faz para seu paciente, é, como o viu Protágoras, a tarefa do sofista [A relação de Sócrates e Platão com os sofistas é sutil [Osório diz: daí o acerto de Aristófanes ao descrever Sócrates!]. Diz-se geralmente que, ao passo que os sofistas eram empiristas que negavam a possibilidade de uma definição geral de "bem" pelo motivo de ela diferir relativamente aos indivíduos e às sociedades e suas circunstâncias, Sócrates (e Platão depois dele [Osório diz: este é um problema!]) insistiu em que havia um bem universal, cujo conhecimento daria a chave para a ação reta para todos em toda parte. Assim Aristóteles (como Platão no Meno) descreve-o insistindo numa definição geral de arete em contraste a Górgias que preferia enumerar virtudes separadas (Pol. 1260a27). Todavia, no Fedro é o "verdadeiro retórico", isto é, o filósofo dialeticamente treinado [Osório diz: vejam como Platão aproveita tudo dos sofistas, apenas diz que o que ele, Platão, expõe é o certo, o verdadeiro, a verdade], que é comparado com um médico qualificado, que não só sabe como ministrar vários tratamentos mas também entende o que é apropriado a determinado paciente, e quando e por quanto tempo – um homem, pelo que parece, na tradição empírica do melhor ensino médico grego. Ao invés, o retórico comum, que "por ignorância da dialética é incapaz de definir a natureza da retórica", assemelha-se a curandeiro que aprendeu de livro como dar vomitório ou purgante, mas não tema menor idéia de quando seu uso será apropriado (Fedr. 268a-c, 269b) [Osório diz: eis o elitismo! Como se os primeiros médicos não estivessem mais para curandeiros!]. Pode ser que a busca socrática de definições, e seu fruto, a dialética platônica da "coleção e divisão", antes incluem e transcendem do que anulam a obra dos sofistas e retóricos [Osório diz: isso seria até aceitável, não fosse a volta ao misticismo (deuses) e a fixação em verdade, que é sempre provisória, paradigma]. Descreve-se, afinal, seu ensino no Fedro como sendo, se bem que não a arte da retórica propriamente dita, uma necessária propedêutica para ela (ta pro tes technes anagkaia, 269c). Tais questões exigem cuidadosa consideração; v. especialmente Sócrates, c. III, § 8. [Osório diz: Sofistas e Sócrátes são tão parecidos que não se consegue separá-los!]]. [Osório diz: daí a necessidade da democracia para o pleno exercício das liberdades].

Assegurar que aquele curso seja seguido é o interesse do retórico. Protágoras era ambas as coisas, e ensinava ambas as artes. Sua integridade pessoal, talvez, o preveniu de ver que sua arte de defender ambos os lados, e de fazer o argumento mais fraco parecer o mais forte, era espada de dois gumes nas mãos de homens menos escrupulosos. A média dos retóricos estava satisfeita com os meios e não se incomodava com os fins.

Virou as cabeças dos jovens, dizendo-lhes que lhes bastava dominar a arte da persuasão para conseguirem ter o mundo a seus pés: o que faziam com isso era assunto deles.

 

APÊNDICE

 

Anthropos. Usa-o Protágoras em

 

(a) sentido individual ou

(b) universal, ou ele

(c) ignora a distinção?

 

Defensores da interpretação (c), que ganhou favor recentemente, incluem Joël (Gesch. 703-5), Untersteiner (Sophs. 42, 86s), Classen (Proc. Afr. Ass. 1959,35) e Cornford (inédito). Alguns que defendem esta visão combinam-na com (a): Protágoras pensava no indivíduo, mas a distinção provavelmente não lhe estava presente na mente. Isto parece bastante provável, contanto que se tome para excluir (b). H. Gomperz, em sua argumentação de que Protágoras não teria feito nenhuma distinção, afirma que não há contradição entre as duas, porque, se o que parece a um indivíduo existe para ele, então o que parece a todos os homens existe para todos os homens. Bastante verdadeiro, se Protágoras acreditasse que havia alguma coisa que parecesse o mesmo para todos os homens. Mas não era a essência de seu ensino que não era assim? [Osório diz: “o mesmo” é por conta o autor! Aparece para todos da forma como cada qual a vê! A sente! Mas o homem pode convencer os demais que a sua forma de ver/sentir é a melhor e, assim, obter seus apoios/acordos. Essa a essência do professor de arete para Estado e família. Exemplo? A moda! Cada qual a vê de uma maneira, mas obtem-se acordo de que a produzida por um grife francesa é melhor e mais bonita! / Ver Gilbert sobre isso].

Depois de tudo isso é animador voltar para o senso comum de um historiador da literatura grega, Lesky, que diz em, sua Hist. Gr. Lit. p. 345: "Com certeza, a sentença se refere ao indivíduo. Quem duvidar disso deve sustentar que Platão mente ou engana-se... [Osório diz: qual a novidade? Ele só faz isso!] Se estivermos determinados a desacreditar Platão, ainda poderemos contar com outros autores [Aristóteles, Sexto [Osório diz: segundo Guthrie, Sexto distorce Protágoras, veja-se acima], cujo uso da [p. 178] palavra a hécastos mostra que também tomaram a sentença como referente ao indivíduo". [Osório diz: qual a importância disso? (ver em “Os sofistas” - Gilbert Romeyer-Dherbey) O “universal” (sempre resultado de um acordo) não é composto por cada homem em particular? Ademais, se todos sentissem/vissem a mesma coisa a coisa não seria única para cada um. Se o ver/sentir fosse coletivo, teríamos a tal verdade!].

Calógero (v. Untersteiner, Sophs. 90, n. 34) pensa que é a-histórico propor a questão, porque a distinção entre existência e essência não podia ter estado conscientemente presente na mente de Protágoras. [Osório diz: e por que não? Claro que poderia! Com a inteligência dele tudo é possível. O que não podemos afirmar, com o material que dispomos, é que esteve presente. Como em tudo, a dúvida se impõe].

Não precisamos descartar o último do argumento pela razão de que o homem não pode ser uma medida da existência de árvores e pedras (como o faz Nestle, VMzuL, 271): segundo uma filosofia de esse est percipi [Osório diz: tradução: “ser é ser percebido”] ele pode. Mas existe pouca importância em seguir esta linha, uma vez que todos os exemplos dados por Platão e Aristóteles são de propriedades ou atributos. São estes que interessariam a Protágoras como mestre de política, ética e retórica [Osório diz: mas é Platão quem fala de “vento” frio ou quente!]. [Osório diz: por que o “relativismo” de Protágoras se aplica a ética].

Ele escreveu manuais da arte (…) que podem ter consistido em larga medida de modelos de declamações a serem decoradas, uma vez que Aristóteles (…) diz que era este o seu método de instrução. Destes Helena e Palamedes (…) seriam amostras que se nos conservaram [Eu não ficaria surpreso se o discurso de Helena em Trôades (914-65) devesse algo ao que Górgias a faz dizer sobre o mesmo assunto. Em Eurípedes ela toma a ofensiva de imediato, dizendo que seus aborrecimentos eram a falha de Hécuba de suportar Páris (!), e continua culpando Afrodite. O coro apela a Hécuba para que destrua o peitho desta "mulher má que sabe como falar". O próprio Górgias chama Helena de um paignion, sobre o que o melhor comentário é provavelmente o de Versényi (Socr. Hum. 43s): não é sério, certamente, em seu propósito manifesto (Górgias não se importa que a memória de Helena seja vingada ou não), o que, porém, ele usa como veículo para suas idéias gerais sobre a natureza de logos e peitho.], e Helena foi bem descrito [por Versényi]] como “ensaio sobre o poder do logos” (…) provando que “a palavra é déspota poderoso”.

 

A arte da persuasão ultrapassa todas as outras e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência”. (Platão em Fileb. 58A-b) Tão irresistível é seu poder que se Helena fosse persuadida para o adultério ela seria tão sem culpa como se tivesse sido aduzida pela força. [Osório diz: Persuasão / Estelionato como obra de arte].

 

Ele queria dizer, como frisa Aristóteles (Metaf. 1026b14), que os sofistas reconheciam somente o ser acidental como oposto ao ser essencial, ou seja, o condicional e relativo como oposto ao existente-por-si ou existente absolutamente. A via para estas distinções úteis fora fechada por algum tempo pela áspera antítese de Parmênides, e só foram restabelecidas por Platão e Aristóteles. Obviamente o dito de Protágoras "o que parece a mim é para mim" não tinha nenhuma existência no sentido eleata ou platônico (em que "o que é" era completamente inacessível para os sentidos), e Górgias pôs esta oposição inteiramente às claras e pegou o touro eleata pelos chifres, proclamando atrevidamente que "nada existe".

Do tipo de argumento que Górgias empregava. Ele se propunha provar três coisas (a) que nada existe, (b) que mesmo que existisse, é incompreensível ao homem, (c) que, mesmo que fosse compreensível a alguém, não é comunicável a qualquer outro. Muita tinta derramou sobre a questão se isso era entendido como uma brincadeira ou como paródia, ou como uma séria contribuição à filosofia, mas é errado pensar que parodia seja incompatível com intenção séria. Mostrar a absurdidade da lógica eleata, e em particular de Parmênides (a absurdidade de argumentar a partir do, “é” e do “não é” como tal), foi da maior importância tanto para o senso comum como para a teoria da retórica. Górgias dificilmente teria querido negar a existência de tudo no sentido em que o homem comum entende a existência; sua intenção era mostrar que, pela espécie de argumentos que Parmênides usou, era fácil provar tanto o “não é” como o “é”. A inversão dos argumentos de Parmênides, é, sem dúvida, divertida, lembrando um conselho de Górgias aos seus alunos de “destruir a seriedade de um oponente pela risada, e sua risada pela seriedade”. [Osório diz: a pilhéria e a seriedade! / A quem Górgias combate / Górgias versus Parmênides].

Dizendo que “nada é”, Górgias negava a suposição subjacente a todos os seus sistemas, de que atrás do panorama mutante do “devir” ou das aparências existia uma substância ou substâncias, uma physis de coisas, do apeiron de Anaximandro ao ar de Anaxímenes, as quatro raízes de Empédocles e os átomos de Demócrito. Todas estas “naturezas” permanentes seriam abolidas na tese de Górgias, mas a forma de seus argumentos mostra que sua ironia visava especialmente a Parmênides e seus seguidores, para demonstrar que, pelo seu próprio modo de raciocinar, era tão fácil provar o contrário de x quanto o próprio x. [Osório diz: A quem e o quê Górgias combatia].

Isócrates, embora muito mais jovem do que Górgias, foi seu aluno no começo de seus vinte anos. (Münscher em RE. IX. 2152).

Isócrates não tem nenhum escrúpulo de agrupar Górgias com os eleatas e filósofos como Empédocles, o seu "nada existe" deve ter tido o sentido de tese filosófica séria.

Hipótese [Confesso leve sentimento de desconforto, porque, se Isócrates conheceu o tratado de Górgias como exposição irônica do raciocínio eleata, com certeza o teria reclamado como aliado e não o teria atacado junto com o resto. Ele era, porém, acima de tudo advogado, pronto a empurrar qualquer coisa para o serviço de sua causa imediata. Sua crítica de Górgias seria que, preocupando-se com os filósofos e refutando-os com suas próprias armas, ele se pôs na mesma classe.]

No seu próprio modo de ver, exposto em numerosas ocasiões, [para Isócrates] a filosofia deveria voltar as costas a todas estas especulações vadias, e Górgias condenou-se a si mesmo por condescender em usar seus argumentos.

Sexto classifica Górgias entre os que eliminam um padrão constante de julgamento (kriterion), mas acrescenta que ele usava um método de ataque diferente de Protágoras; e, depois de resumir os seus argumentos, conclui: “Estas são as dificuldades levantadas por Górgias, e elas eliminam o critério, pois não pode haver critério para o que nem existe nem pode ser conhecido nem é de natureza que se possa descrever a outra pessoa”. Em suas conclusões, Górgias e Protágoras se encontravam, e, se há algo de que se possa chamar de visão sofística geral, é a ideia de que não há nenhum “critério” [Osório diz: mas é justamente desse encontro que vem a solução para a vida em sociedade!]. Tu e eu não podemos, comparando e discutindo nossas experiências, corrigi-las e alcançar o conhecimento de uma ulterior à de ambos, pois não existe essa realidade estável que possa ser conhecida [Osório diz: sim e não! Não existe a realidade estável, mas é possível, comparando e discutindo nossas experiências, senão corrigi-las, mas pelo menos convencer um ao outro de que uma determinada posição é a melhor (o acordo é sempre possível e deve ser buscado). Ora, isso é conhecimento, mas não verdade imutável!]. De modo semelhante na moral, nenhum apelo a padrões gerais ou princípios gerais é possível, e a única norma só pode ser agir como em qualquer momento pareça mais adequado [Osório diz: mas isso é a vida como ela é! A moral até Heródoto já tinha mostrado que a do Egito é diferente da grega!]. Este positivismo é importante, tanto por causa dele mesmo como pela reação que produziu em pensadores do gabarito de Sócrates e Platão [Osório diz: gabarito? Retornou ao misticismo em prejuízo da razão é avanço?].

Podemos agora considerar alguns dos argumentos da obra Sobre a não-existência.

Como "existir". [Osório diz: consultar “Os sofistas” - Gilbert Romeyer-Dherbey, pois ser é diferente de existir].

Nada existe. Se algo existe, é o existente ou não-existente ou ambos. O não-existente não existe (“o que não é não é”). Podia-se pensar que isto é óbvio, mas Górgias argumenta solenemente em termos ultraparmenidesianos: enquanto ele é concebido como não-ser, ele não é, isto é, não existe; mas enquanto ele é não-existente, ele é, isto é, existe. Mas ser e não ser ao mesmo tempo é absurdo, e, por isso, o não-existente não é. O propósito deve ser levar ao ponto em que, ao dizer que alguma coisa “é x”, qualquer seja o predicado, tu estás dando o ser a ela; e, uma vez que segundo Parmênides “é” só tem um sentido, a saber, “existe”, tu podes provar com base em suas próprias premissas o oposto do que ele diz. Ao mesmo tempo Górgias volta contra ele sua crítica da multidão estúpida que afirma que ser e não ser são o mesmo e também diferente (fr. 6.6).

E também o existente não existe. Se ele existe, deve ser eterno ou gerado ou ambos. O argumento de que não pode ser eterno depende de identificar infinitude temporal com espacial e depois defender que “o que é” não pode ser infinito. Uma vez que Melisso dissera que era, e, de mais a mais, obteve sua conclusão pela mesma confusão de temporal com espacial (…), parece provável que neste ponto ele é alvo do humor sofisticado de Górgias. O argumento de que ele não é gerado segue as linhas do fr. 8.7ss de Parmênides, negando por sua vez que ele podia ser gerado do que é ou do que não é. Uma vez mais, ele deve ser ou um ou muitos. Se for um deve ter quantidade, discreta ou contínua, tamanho e corpo, mas neste caso ele será divisível e assim não um. Todavia para alguma coisa existir sem magnitude é absurdo. Para isso também se podia achar uma prova eleata, pois argumentara-se por Zenão (…), e segundo uma parte fragmentária de MXG (…) Górgias parece ter-se referido a isso. Também ele não pode ser muitos, pois uma pluralidade é composta de unidades, e, sendo assim, se o um não existem também não podem existir os muitos.

Também ambos não existem. Isto pareceria muito óbvio agora, mas Górgias faz seu jogo com Parmênides. Embora já tenha mostrado que (a) o que não é e (b) o que é não existe, agora ele “prova” que ambos não existem juntos. Se ambos existem, são idênticos enquanto se refere à existência; e uma vez que o que é não existe, e o que é idêntico com ele, o que é não existirá também.

[Untersteiner interpreta assim: "A atribuição de existência tanto ao Ser como ao Não-ser leva à identificação 'no que concerne à existência': o Ser é, pois, absorvido na existência do Não-ser que é Não-existência; o Ser, portanto, como o Não-ser, não existirá". Provavelmente é o melhor que se pode fazer. Tudo, com certeza, é absurdo sedutor. Que o que não é não existe é dito no sumário de Sexto ser homologon (admitido, posse comum) e pareceria seguir da expressão mesma, embora isso não tenha impedido Górgias de "prová-lo" anteriormente.]

Se alguma coisa existe, ela não pode ser conhecida ou ensinada pelo homem. Pensamos certamente coisas que não existem, como, por exemplo, carroças cruzando os mares e homens voando [Que Górgias tinha em mente a apate da tragédia é provável. (Gercke, seguido por Untersteiner, restaurou apatan para hapanta em MXG 980a9). Untersteiner (Sophs. 171, n. 71) menciona as Oceânidas de Ésquilo cruzando o mar em carruagens aladas pterygon thoais hamillais (P. V. 129; MXG 980 a 12 tem hamillasthai harmata) e Belerofonte em Eurípedes. (Por que não Dédalo? Sófocles escrevera uma peça com este nome, e afinal foi Pégaso que voou, e não Belerofonte a não ser per accidens).], e, segundo Sexto, Górgias afirmava e defendia o reverso, que, se coisas pensadas são não-existentes, então o existente não é pensado. Ele podia ter parodiado alguém que era culpado disso, porém mais provavelmente o seu argumento era que, se nosso pensamento de alguma coisa não é suficiente para provar sua existência, então mesmo que pensemos de algo real, não temos nenhum meio de distingui-lo do irreal. Górgias, com efeito, “abolira o critério”. MXG (980 a 9ss), se suas corrupções são adequadamente emendadas, dá melhor seqüência de pensamento. Se tudo sobre que se pode pensar existe (como Parmênides disse repetidamente, frs. 2.7;3;6.1), então nada é não-verdadeiro, até a afirmação de que carroças cruzam os mares. [Podemos supor que isso seja absurdo]. Não podemos voltar aos sentidos, pois eles são inconfiáveis a não ser controlados pelo pensamento, que já nos desapontou.

Ainda que possa ser apreendido, não pode ser comunicado a outrem. A tese repousa principalmente em ponto sobre o qual insistiu o mestre de Górgias, Empédocles, para quem cada sentido tem seus objetos próprios e não pode distinguir os de outro sentido (Teofr. De sensu 7, vol II, 231). Se há coisas existindo fora de nós, serão objeto da vista, do ouvido, do tato e assim por diante. O nosso meio de comunicação é o discurso, que não é nenhum destes objetos externos, e é entendido diversamente. Assim como uma cor não pode ser ouvida, ou uma melodia vista, também “uma vez que o que é subiste externamente, ele não pode se tornar nosso discurso, e sem se tornar discurso não pode ser comunicado a outrem” (Sexto Math. 7.84; que o conhecimento só pode se dever à interação de semelhantes é outra doutrina de Empédocles, vol. II, 229). “A vista não distingue sons, nem o ouvido cores; e o que um homem fala é discurso, não uma cor nem um objeto” (MXG 980b1). De acordo com MXG (980b9ss), Górgias acrescentou que o ouvinte não pode ter em sua mente a mesma coisa que o locutor, pois a mesma coisa não pode, sem perder sua identidade, estar presente em mais do que uma pessoa. Também se pudesse, não precisa parecer a mesma a ambos, uma vez que são diferentes um do outro e em diversos lugares. Até o próprio homem não apreende coisas do mesmo modo em tempos diferentes, ou como apresentadas por diferentes sentidos.

Devemos citar finalmente um dito significativo de Górgias, chamado apropriadamente por Untersteiner de "Górgias sobre a tragédia do conhecimento". Chegou a nós sem contexto e sem qualquer indicação de seu lugar em suas obras:

 

A existência é desconhecida a não ser que adquira aparência, e a aparência é fraca a não ser que adquira existência [Fr. 26. A implicação era, sem dúvida, que a existência é incognoscível, e a aparência não-existente, e o grego suportaria a tradução: "A existência é incognoscível, pois ela não adquire aparência" etc.].

 

NOTA. (...) Górgias, disse Grote, usa a palavra "ser" no sentido eleata, segundo o qual ela não se aplicava a fenômenos, mas somente a existência ultrafenomênica (numênica). "Ele negou que qualquer Algo, ou Noumenon, ultrafenomênico existisse, ou pudesse ser conhecido, ou pudesse ser descrito. Desta tese tripartida, a primeira negação não era nem mais nem menos sustentável do que a daqueles filósofos que antes dele argumentaram pela afirmativa: sobre os dois últimos pontos suas conclusões não eram paradoxais nem céticas, e sim perfeitamente justas, e foram ratificadas pelo abondono gradativo, quer confessado, quer implícito de tais pesquisas ultrafenômenicas entre a maioria dos filósofos". [Osório diz: filósofos fogem da briga com Górgias!].

O contraste entre aparência e realidade (não-sensível) é um motivo condutor do pensamento pré-socrático, e toda a base da presente consideração dos sofistas e de seus contempo [p. 187] râneos é que a questão de suas relações estava no centro da controvérsia filosófica do século V (cf. p. 4). Para Heráclito, os olhos e os ouvidos não mereciam confiança a não ser que a mente pudesse interpretar sua mensagem e descobrir a verdade subjacente. Parmênides fez claramente a distinção, dizendo que só os objetos do nous existiam e que o mundo fenomênico era ilusão. O atomismo de Demócrito também ensinava a doutrina de uma realidade atrás das aparências, um numênico (o objeto do conhecimento "legítimo" enquanto oposto ao "bastardo") atrás do fenomênico. (Para a relação deste com a filosofia de Platão v. vol. II 462) [Osório diz: Górgias e o desentendimento entre os filósofos que permitiu suas conclusões/ Platão dirá que o que existem são ideias estáveis!]. Foi este o legado que os sofistas herdaram e fizeram dele o maior uso para os seus objetivos. Zeller também criticou Grote (ZN, 1367, n. 2), dizendo que até os próprios eleatas não distinguiram aparência do que está atrás da aparência, mas apenas a visão verdadeira das coisas da falsa. De fato, porém, Parmênides distinguiu to on — o que existe ou é real (ou, se seguirmos a Kahn, p. 179 acima, o que é o caso) — de ta dokounta, o que aparece, mas não existe, que é o que Grote disse que ele fez. [Osório diz: chupa Platão e caterva! O ator joga a toalha?].

 

Retórica e Filosofia: outros modos de ver – ceticismo externo e moderado.

 

Certo Xeníades de Corinto, que só conhecemos por uma referência em Sexto, também adotou ceticismo extremo por esta época. De acordo com Sexto, “ele disse que tudo era falso, que toda impressão e opinião é falsa, e que tudo o que vem a ser vem a ser do que não é e tudo o que é destruído é destruído no que não é”. Que argumentos usou, se é que usou, para sustentar sua tese nós não sabemos, e sua afirmação vale citar simplesmente como outro exemplo de má reputação em que as teorias rivais dos filósofos naturais e especialmente a lógica de Parmênides tinham levado todo o tema da natureza da realidade e da possibilidade de mudança [Osório diz: Parmênides é outro adotado por Platão, o advogado das causas impossíveis]. Foi Parmênides que atacou expressamente a idéia de que alguma coisa podia vir ao ser do que não é (fr. 8.6ss), mas toda a filosofia pré-socrática e na verdade todo pensamento grego até hoje baseou-se na suposição não-questionada de que ex nihilo nihil fit. [Osório diz: tradução: “nada surge do nada”].

Crátilo, contemporâneo mais jovem de Sócrates (Platão, Crát. 429d, 440d-), levou aos extremos a doutrina de Heráclito do fluxo ou nãopermanência de tudo no mundo sensível. Aristóteles, discutindo em sua Metafísica a doutrina cética de que toda afirmação é tanto verdadeira como falsa, ou alternativamente de que não se pode fazer nenhuma afirmação verdadeira, atribui-as a uma crença de que não há nenhuma existência fora do mundo sensível, em que (i) contrários emergem da mesma coisa, e (ii) tudo está constantemente se movendo e mudando [Melisso: “Parece a nós que o quente se torna frio e o frio quente, o duro se torna macio, o vivo morre, e nasce do não-vivo; que todas estas coisas mudam, e que o que era e o que é agora não são de nenhum modo iguais: o ferro que é duro é desgastado pelo contato com o dedo, como o são o ouro e a pedra e toda outra substância que parece dura, ao passo que da água vêm a terra e a pedra. Segue que nós não vemos nem reconhecemos o que é real (ta onta)”. … [Osório diz: isso sempre me leva ao dito de Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.]]. A última observação, continua ele (10 10a 10), se desenvolveu na mais extrema destas doutrinas, a dos "heraclitizantes" e de Crátilo, que finalmente decidiu que ele não devia dizer nada em absoluto, mas apenas movia o dedo, e criticou Heráclito por dizer que não se pode pisar duas vezes no mesmo rio pelo fato de não se poder sequer pisar uma vez. Ele evidentemente pensou (como se esperaria do que se põe em seus lábios no Crátilo de Platão) que pronunciar qualquer afirmação é entregar-se à afirmação de que algo é [ Cratilo:(Presumivelmente ele não foi lógico a ponto de se negar discurso ao fazer a crítica de Heráclito) ( 429d). Esta argumentação é atribuída explicitamente a Antístenes. [Osório diz: que lógico nunca se contradisse ou qual deles encontrou a tal “verdade”?]]. [Osório diz: ver Barbara Cassin sobre Crátilo].

Na controvérsia do séc. V sobre nomos e physis, agora ficou claro que se devem distinguir duas posições entre os que eram filósofos suficientemente sérios para se preocuparem com implicações ontológicas e epistemológicas de suas ideias. (Isto não incluía todos os controversistas, pois o próprio argumento surgiu no contexto da ação humana prática e foi usado primariamente para advogar certa atitude para coma lei e a moralidade). Era possível pensar que lei e costume, e com eles a totalidade das impressões dos sentidos, deviam ser contrapostos enquanto mutáveis e relativos com uma natureza que era estável, permanente e conhecível, opondo como Demócrito o que era "por nomos" ao que era "na realidade". Pode ser que "realmente não conheçamos nada, pois a verdade está nas profundezas" (Democr. fr. 117), mas aí está a verdade, se pudermos cavar fundo e achá-la [Osório diz: o problema é que o buraco parece não ter fim!]. Alternativamente, sustentou-se que não havia nenhuma realidade objetiva e permanente atrás das aparências, e, " portanto, visto que estas eram puramente subjetivas, não havia nenhuma possibilidade de conhecimento científico. Nenhum filósofo natural acreditava nisto, mas os sofistas aproveitaram-se das inconsistências de suas [Osório diz: dos filósofos naturais] exposições como prova de que não se podia confiar neles. (Cf. Górgias, Hel, 13, p. 52 acima). Foi a estes céticos que Aristóteles criticou por fazer toda afirmação verdadeira e falsa, ou verdadeiras afirmações impossíveis, estando em seu número Protágoras e Górgias. Afirmou-se também que Antífon estava entre eles [Assim Schmid: "Antífon adere ao ceticismo epistemológico de Protágoras e Górgias pelo fato de contestar a possibilidade do conhecimento real e se restringir dentro dos limites da doxa. Dentro desta moldura, ele distingue dois níveis de conhecimento: um mais elevado através da mente (gnome) e um mais baixo através dos sentidos, que a seu ver e ao ver dos eleatas e dos atomistas não pode comunicar nenhum conhecimento válido" (Gesch. 1.3.1,160). Todavia todos os outros pensadores contemporâneos, que distinguiam entre percepção mental e sensorial, associavam uma ao conhecimento real e a outra à doxa, e, na medida que posso ver, Schmid não produz nenhuma prova, absolutamente, para a surpreendente idéia de que Antífon, embora aceitasse ambos os modos de conhecimento, viu as funções de ambos igualmente confinadas dentro dos limites da doxa.].

O contraste entre pensamento e sentido. Na tradução de Morrison, reza: "Quando o homem diz uma coisa não há nenhum sentido (nous) correspondente, e também o tema de seu discurso não é nenhuma coisa, quer das coisas que o mais vigoroso observador vê com os olhos, quer das coisas que o mais vigoroso conhecedor sabe com sua mente." [Osório diz: mas isso não é o que quiseram os sofistas? Eles apenas provaram os erros dos outros (caminho que era também trilhado por Sócrates) sem expor os seus! Embora seja isso o que ocorre na vida, Protágoras, no seu mito, deu a única saída possível para a vida em sociedade].

Nenhuma leitura ou interpretação pode extrair o sentido sem nenhuma sombra de dúvida, mas parece que Antífon critica a ambigüidade de linguagem e o sentido mutante das palavras, que as torna incapazes de expressar a realidade, com a implicação de que tal realidade constante exista. [Osório diz: o autor concorda para discordar?].

Ele [Osório diz: Antifonte] ilustrou o contraste entre natural e artificial, em passagem criticada por Aristóteles, dizendo que se alguém enterrasse uma cama de madeira e a madeira apodrecida lançasse um rebento, o que surgiria seria simples madeira, e não outra cama.

[Osório diz: afinal o autor, Guthrie, jogou a toalha para Górgias! E, ainda por cima, abandonou os estudos contestatórios do homem de Leontinos].

 

Retórica e Filosofia: a linguagem e seus objetos.

 

A relação da linguagem com o seu objeto.

Antifonte, fr. 1, diz que as artes ou ciências (tchnai) tomam suas terminologias das espécies (eidea) e não vice-versa, pois palavras são uma tentativa de impor legislação sobre a natureza (…) ao passo que as espécies não são convencionalmente impostas, e sim crescimentos naturais.

O Crátilo de Platão mostra que a questão em pauta era se os nomes das coisas tinham uma adequação inerente, ou natural, ou eram meros sinais convencionais. [Osório diz: Aristóteles “detona” essa besteira platônica no livro gama de sua Metafísica ao dizer que “existem mais coisas no mundo do que nomes”!].

Protágoras afirma que o homem educado deve ser qualificado em seu assunto para entender quanto o poeta compõe corretamente e quando não.

Como o estudo da “correção dos nomes" incluía provavelmente especulação sobre a natural adequação dos nomes ao que eles significam, pois Sócrates introduz Homero como autoridade sobre este último assunto, citando antes de tudo sua prática de mencionar dois nomes para uma coisa, um usado pelos homens e outro pelos deuses: "obviamente os deuses devem chamá-los pelos nomes que correta e naturalmente lhes cabem" (Crát. 391d). [Osório diz: Aristóteles “detona” essa besteira platônica no livro gama de sua Metafísica ao dizer que “existem mais coisas no mundo do que nomes”!].

A “correção dos nomes” é o tema de Crátilo, que discute dois modos de ver opostos.

1. O fato de um grupo de homens concordarem como chamarão uma coisa não faz disso o seu nome: na verdade, uma palavra que não tem nenhuma garantia interior não é nome absolutamente. Há um nome natural e próprio pertencente a cada coisa, o mesmo para gregos e estrangeiros igualmente. Deve-se supor que tenha sido dado por original dador-de-nomes ou legislador que tenha completa intuição sobre a natureza mesma da coisa, sem dúvida como resultado de poderes supra-humanos. [Osório diz: a besteira só supra-humano!].

2. A esta tese de Crátilo Hermógenes opõe a sua segundo a qual a correção dos nomes é determinada unicamente por convenção e acordo, e diferem para povos diferentes. Tendo-se-lhe perguntado por sua própria opinião, Sócrates, de início, apoia Crátilo. Sustentar o caráter completamente arbitrário dos nomes leva inevitavelmente a aceitar a tese de Protágoras para quem não há nenhuma realidade objetiva e também as coisas são diferentes para cada indivíduo, ou então a de Epidemo para o qual todas as coisas possuem todos os atributos juntos e ao mesmo tempo. Isso, concordam eles, está errado. Colocando-o em seus próprios termos teleológicos, Sócrates argumenta que as ações (praxeis) e as coisas (pragmata) têm a natureza fixa e devem ser tratadas com o instrumento próprio, como cortar com uma faca. Isso inclui o discurso cujos instrumentos, ou seja, palavras e nomes (onomata), têm a função de ensinara sobre as essências de coisas reais e distingui-las. Eles são dados pelo nomos, e daí por um legislador ou fazedor-de-palavras que (em analogia com outras habilidades, por exemplo, o fabricador de máquina de tecer que subserve ao trabalho de tecelão) deve produzir o nome naturalmente adequado para o seu objeto, trabalhando sob a direção de usuário habilitado, isto é, o dialético ou experto em discussão.

[Osório diz: o Crátilo é um exemplo de que Platão, mais uma vez, se apropria de tese sofista sem querer dar o crédito, aliás, falando contra ela!] Daí eu pensar que ele é um tirador de sarro. Primeiro fala de “convenção/acordo” para os nomes, ou seja, que os nomes seriam dados por nomos, depois diz que eles provêm da natureza, ou seja, seriam dados pela phýsis!].

Em que consiste então a correção dos nomes? Sócrates nega conhecimento – esta é a província dos sofistas e poetas – mas é induzido a expor uma teoria. Um nome é uma imitação vocal de um objeto – não no sentido cru em que alguém imita uma vaca dizendo “mu”, mas comunicando a natureza da coisa, como se não tivéssemos nenhum discurso, poderíamos comunicar a natureza do peso por um movimento de cima para baixo da mão. Sendo as palavras compostas ou simples, isto se aplica mais diretamente às simples, e ainda mais diretamente às letras e sílabas de que são compostas. Estas são como os pigmentos que o pintor pode usar em separado ou em combinação para construir sua pintura. A forma da palavra às vezes o mostrará de maneira óbvia, por exemplo, a letra r imita moção ou ação violenta, l lisura; mas muitas palavras tornaram-se tão batidas e tão distorcidas no decorrer da história que a intuição do original dador-de-nome não mais é reconhecível. Sócrates passa depois a ilustrar este ponto por uma série de etimologias cuja maioria são obviamente fantasiosas, tornando evidente sua própria atitude cética para elas por várias observações irônicas. Ele parodia uma prática corrente e guarda para si sua opinião pessoal. [Osório diz: os gracejos de Sócrates são permitidos, já os de Górgias...].

Nomes não são, pois, rótulos arbitrários, e sim forma de imitação de seus objetos. Todavia (voltando para Crátilo) deve-se dizer que, como no caso dos pintores, alguns serão melhores imitadores do que os outros, e assim serão seus produtos, os nomes. Ou os nomes são corretos, ou não são nada, simplesmente barulhos sem sentido como o bater de um gongo. (É em referência a isto que Crátilo se confessa um dos que sustentam que é impossível falar falsamente) [Osório diz: aqui, e por isso, Platão se mete num beco sem saída! Daí, ao final, ele, e seu personagem Sócrates não concluírem nada!]. Sócrates responde que uma imitação nunca pode ser exatamente igual ao original em todos os aspectos, ou seria o original, mas Crátilo fica sem se convencer, e volta para o poder de super-homem do inventor original dos nomes [Aristóteles, nos primeiros capítulos de De interpr., obviamente, tem os olhos em Crátilo. Ele se coloca ao lado de Hermógenes sustentando (16 a 19) que um nome é uma phone semantike kata syntheken e que isto significa (a27) hoti physei ton onomaton ouden estin, all' hotan genetai symbolon. Ele distingue entre sons inarticulados, comuns a homens primitivos e animais, que são naturais e comunicam sentido, mas ainda não são linguagem, "nomes" que são convencionais (a28, delousi ge ti kai kw hoi agra__at. psophoi, hoion therion, hon ouden estin onoma). V. sobre isso L. Amundsen em Symb. osl. 1966, 1 1s.]. [Osório diz: Platão e as ideais e os pintores. Embrião.].

Estas teorias lingüísticas têm conexão com teorias correntes do conhecimento e da realidade [Osório diz: nomos versus phýsis. Os nomes são dados por nomos ou pela natureza?]. A tese de Hermógenes, segundo a qual palavras são de origem convencional meramente arbitrária, encontra acordo no diálogo para levar à doutrina de Pitágoras de que não há realidade atrás das aparências. O modo de ver oposto de Crátilo deixa espaço para uma realidade (physis) à qual o nome está essencialmente unido (…) de sorte que “o que conhece os nomes conhece também as coisas”. Opinião ou afirmação falsa é impossível, mas pela razão oposta à dada por Protágoras. Ao passo que ele dissolveu a realidade na aparência, esta teoria mais paradoxal (que, como veremos logo, era a de Antístenes) sustenta que há uma physis para tudo e não há nenhuma possibilidade de denominá-la ou descrevê-la erroneamente [Osório diz: aquilo que tento dizer: a linguagem, por si só, ao tentar-se casá-la com a realidade leva a paradoxo, como é o caso! A mesma teoria aplica a coisas totalmente distintas, até opostas]. Aplicar-lhe o que outros chamariam de nome ou logos errado é pronunciar nome algum, mas apenas ruídos sem significado (…) Somente Sócrates apresenta explicação da linguagem baseada na antítese comumente chamada sofista, e sustentada de modo sobretudo claro por Demócrito e Antífon, entre physis e nomos [Osório diz: se ele era um deles, nada mais natural! Mas qual a explicação?]. As coisas têm natureza fixa, e as palavras são a tentativa de reproduzir aquela natureza pelo meio do som; mas esta imitação nunca perfeita, e em alguns casos muito imperfeita, mesmo desde o início, além de as palavras se corromperem através do uso e com a passagem do tempo (…) Também não são as mesmas as imitações tentadas em diferentes partes do mundo. (A possibilidade de origem não-grega para algumas palavras é mencionada em 409d-e, 416a, 425e). Ademais, assim como o retrato de Smith por ser erroneamente identificado como retrato de Jones, também uma palavra pode ser erroneamente identificada com algo diverso do que aquilo de que ela é a imagem (…) Com base nesta teoria poderia bem ser verdade, como Antífon disse, que pessoas usual ou convencionalmente apliquem a palavra “justiça” ao que não é verdadeira, correta e naturalmente justo. O final do Crátilo permite outro rápido olhar fascinante (…) sobre o modo como Sócrates virava argumentos sofísticos para seus próprios objetivos [Osório diz: o que prova que ele era um deles, como demostra Aristófanes, que, no caso, não se enganou!]. Pergunta de repente a Crátilo se, concedido que palavras são imagens de coisas, não é melhor aprender da realidade que a imagem expressa antes do que somente da imagem. Crátilo não pode negá-lo, Sócrates o leva daí ao seu próprio “sonho” de formas absolutas e imutáveis de beleza, bondade e o resto, que só se pode dizer ser real e louvável, e são diferentes de suas representações fugazes num rosto ou numa boa ação. Crátilo ainda está inclinado a se fixar em sua própria posição heracliteana, e o diálogo termina, como tantos outros, num acordo de pensar mais sobre o tema depois [Osório diz: somente dos sofistas são exigidas explicações completas, conclusivas. Platão/Sócrates nunca concluem nada e ninguém lhes pede mais do que dizem! E a isonomia?]. Mas na mente do leitor foi semeada a semente. [Osório diz: Infelizmente, ou felizmente, o leitor Aristóteles resolveu o problema ao dizer, no livro Gama de sua Metafísica, que “existem mais coisas no mundo do que nomes para designá-las”! Aliás, toda a exposição sobre o tema já devia iniciar-se assim: “Leia se quiser esse diálogo, mas ele está superado pelo ensinamento de Aristóteles que diz: '...'”. O que fazem os autores é encher linguiça!].

Antístenes, discípulo de Sócrates que esteve entre o círculo íntimo presente em sua morte, mostrou sua percepção da importância da linguagem ao intitular uma obra “Sobre a educação, ou sobre os nomes” e declarar que o “fundamento da educação é o estudo dos nomes”.

 

O ensinamento de Antístenes.

 

Como vimos (…) a ele, como a Protágoras, foi creditada a tese de que é impossível contradizer ou falar falsamente, e se pensa comumente que ele era um dos que sustentaram que predicar uma coisa de outra era errôneo: não é admissível dizer “o homem é bom”, mas só “o homem é homem” e “bom é bom”. Com efeito sustenta-se que as duas doutrinas são inseparáveis [Grote: — “'O homem é bom' era uma proposição inadmissível: afirmar que diferentes coisas é a mesma [Osório diz: por exemplo: o homem é bom e o vinho é bom. Duas coisas diferentes (homem e vinho) é a mesma coisa (bom). É isso?], ou que uma coisa é muitas [Osório diz: por exemplo: o homem é bom e o homem é mau. A mesma coisa (o homem) é muitas (bom e mau). É isso?]. Segundo isto, era impossível que dois locutores se contradissessem entre si" (Plato, 111. 521).], mas obra recente mostrou que não precisa necessariamente ser assim.[Osório diz: qual é a obra recente Guthrie não diz! Acho que é Caizzi, vide nota 77].

A tese da impossibilidade da contradição: “Todo logos (afirmação) é verdadeiro, pois aquele que fala diz alguma coisa, aquele que fala alguma coisa diz o que é, e aquele que diz o que é fala a verdade”. Falando absolutamente (“qua falso”), diz Aristóteles, um logos falso é do que não é, e, portanto, na prática quando falamos de logos falso queremos dizer um que pertence a alguma coisa outra que aquela à qual se aplica, por exemplo, o logos do círculo é falso se aplicado ao triângulo. (Um triângulo em que todo ponto é eqüidistante de um dado ponto não existe, todavia o logos “figura plana em que todo ponto é eqüidistante de um dado ponto” existe; isto é, descreve alguma coisa que é; só foi mal aplicada). Ademais, embora haja num sentido apenas um logos de cada coisa, a saber, o que descreve sua essência [Osório diz: o cara já dá como certo algo que ainda procura!], em outro sentido há muitos, uma vez que a própria coisa e [Osório diz: creio que é “é” e não “e) a coisa [Osório diz: Sócrates, por exemplo] mais certos atributos não-essenciais [Osório diz: sujo, por exemplo] são de certa forma o mesmo, por exemplo, Sócrates e o Sócrates educado (ou Sócrates e o homem educado). Esta é a razão, continua ele, por que foi tolice da parte de Antístenes supor que só se pode falar de uma coisa por seu próprio logos, um por um; do que seguia que é impossível contradizer, e praticamente impossível falar falsamente.

O sentido de logos aqui emerge do contexto. Foi entendido como uma simples palavra ou termo, mas claramente significa uma descrição, ou afirmação do que uma coisa é.

Antístenes disse “um logos é aquilo que manifesta o que uma coisa era ou é”. A “tolice” de Antístenes é alargada mais pelo pseudo-Alexandre em seu comentário (Antist. Fr. 44 B), que explica como a asserção de que cada coisa só tem um logos levou à impossibilidade de falar falsamente ou de duas pessoas se contradizerem entre si. Para se contradizer, eles devem dizer coisas diferentes sobre a mesma coisa, mas uma vez que cada coisa tem apenas um logos (que afinal, em adição a qualquer uso mais especializado, significa simplesmente ”uma coisa que pode ser dita – legesthai – sobre ela”) isto é impossível. Se elas dizem coisas diferentes, devem falar sobre diferentes coisas e daí não se contradizendo entre si. Nenhuma de nossas autoridades dá exemplos, e estudiosos modernos foram de modo semelhante reticentes [Minha exposição destes assuntos deve muito à interpretação lúcida de Caizzi em Stud. Urb. 1964. Todavia exemplos mais concretos também teriam sido bem-vindos aí, especialmente na exposição da essência e dos atributos acidentais nas pp. 33s. Para Antístenes (diz o autor), dizer "Sócrates é preto" seria não dizer nada absolutamente, ao passo que para Aristóteles é dizer Sócrates com um predicado não-verdadeiro. Seria bem-vinda uma ilustração semelhante de um logos da essência de Sócrates que mantivesse a diferença entre os dois filósofos. Field dá o exemplo de um triângulo (P. ano Contemps. 166). Isso é valioso, mas definições matemáticas são um caso especial, e a aplicação da teoria a objetos naturais não é tão óbvia para nós.]. Presumivelmente Antístenes teria afirmado que “não se pode dizer” que “um homem é animal de asas e penas”, pois isto é dizer o que não é, isto é, dizer nada (ouden legein). Aquele que não diz nada não pode ser contraditório ou contradizer, e a única alternativa é que, embora pronunciando o som “homem”, o locutor esteja falando realmente de pássaros e assim, uma vez mais, não contradiz a outrem que dá um logos diferente de homem.

Tais teorias da linguagem tornam-se mais compreensíveis pela probabilidade de que devem sua origem ao prestígio fruído pela retórica, a arte da persuasão.

Para Górgias, a persuasão era soberana, porque não havia nenhuma verdade acima do que um homem podia ser persuadido a crer, e Protágoras já ensinaria a seus discípulos que sobre cada assunto se podia argumentar posições contrárias com igual validade, o que um homem cria era verdadeiro para ele, e nenhum homem podia contradizer a outro no sentido de opor visão verdadeira a falsa. Antístenes pode ter ido mais longe do que Protágoras ao tentar uma explicação filosófica de como podia ser assim.

Em conexão com o último parágrafo, é interessante que Platão (Fedro 260b) examina os efeitos de aplicar o nome "cavalo" ao logos do burro ("animal manso com orelhas longas"), e persuadir alguém de que a criatura significada por este logos possui as virtudes geralmente atribuídas a cavalos, para compará-los com o mal feito pelos retóricos que, ignorando, eles mesmos a natureza de bem e mal, advogam o mal como sendo realmente bem. [Osório diz: Onde os retóricos fazem tal? Cite exemplos?] O próprio Antístenes escreveu exercícios retóricos, dos quais possuímos ainda discursos de Ulisses e Ajax, disputando as armas de Aquiles [Osório diz: e daí? Qual a importância ou a conclusão?].

Mas como podemos pretender ter definido ou explicado o ser de alguma coisa se simplesmente o descrevemos como composto de elementos que são eles mesmos indefiníveis? [Osório diz: grande pregunta?!].

Platão no Teeteto (201ss) descreve semelhante doutrina anonimamente. Não pode haver nenhum logos dos primeiros elementos de que nós e todas as coisas mais consistimos; apenas podem ser nomeados. Mas os compostos feitos deles, sendo complexos por sua vez, podem ter os nomes pertencentes a eles combinados para fazer um logos, pois isto é precisamente o que um logos é, uma combinação de nomes. Elementos são, pois, inexplicáveis e incognoscíveis, mas podem ser percebidos, considerando que complexos são conhecíveis, explicáveis e compreensíveis por uma verdadeira opinião. [Osório diz: isto é, Protágoras e Górgias, juntos! Ou seja, não é possível conhecer, mas é possível uma opinião a quem muitos podem aderir!].

Enquanto se pode julgar de relatos hostis e de segunda mão, não parece provável que Antístenes tenha sustentado a doutrina de que não seja possível nenhuma predicação a não ser a idêntica. Platão se refere com desprezo a isso no Sofista (251b) como algo a que aderem "jovens e velhos de inteligência retardada", "que objetam que é impossível que muitas coisas sejam um e um muitas coisas, e gostam de insistir que não devemos dizer que um homem é bom, mas apenas que homem é homem e bom é bom". Alguns identificaram isto com a tese atribuída a Antístenes por Aristóteles segundo a qual "só se pode falar de uma coisa por seu próprio logos, um a um", mas à luz de outra documentação, inclusive a do próprio Aristóteles, fica claro que logos aí não se restringe a termo singular. Não é a mesma coisa que onoma (nome) [Grote foi um que pensou que Aristóteles creditava a Antístenes a proposição de que nenhuma proposição a não ser proposições idênticas eram admissíveis, mas teve que admitir (na p. 526) que neste caso a doutrina que Aristóteles atribui a hoi Antistheneioi em Metaf. em harmonia com a que ele adscreve ao próprio Antístenes. Ele também pensou que era provável (p. 507, n. X) que, no Sofista, Platão tem a intenção de designar Antístenes como geron opsimathes. (Ele deve ter sido cerca de 20 anos mais velho do que Platão) (Plato, III, 521). Além do plural, tais comentadores ignoram o fato de que a teoria é atribuída a hoi neoi. Compare Campbell, Theaet. xxxix: a doutrina de Teet. 201d ss (que vimos ser a mesma que atribuída a Antístenes em Metaf. 1043b23ss) "é com certeza muito diferente de um nominalismo rude como este [sc. como a descrito no Sof.]... A opinião citada, se examinada adequadamente, não é negação da predicação, mas antes negação de que algo possa ser predicado dos primeiros elementos... que não é de maneira alguma a mesma coisa".] que em vista dos usos correntes de logos seria em todo caso improvável.

Se é verdade que Antístenes disse que “um logos é o que expressa o que uma coisa era ou é”, ele evidentemente continuaria a afirmar que tal logos só poderia substituir pelo nome da coisa uma coleção dos nomes de seus elementos, que por sua vez poderiam ser nomeados. Grote o chamou de o primeiro nominalista, porque negava a existência das formas e essência (eide ou ousiai) [Osório diz: a cavalidade! “Eu vejo um cavalo, mas não vejo a cavalidade”!] de coisas particulares, que Sócrates tentou definir e Platão já proclamava como realidades independentes.

(Antístenes viveu até cerca de 360). A rivalidade entre as duas filosofias é sugerida pela anedota segundo a qual Antístenes disse a Platão: “Eu vejo um cavalo, mas não vejo a cavalidade”, a que Platão replicou: “Não, pois tens o olho pelo qual um cavalo é visto, mas ainda não adquiriste o olho para ver a cavalidade”. Isso é contado por Simplício, cujo mestre Amônio citou o dito de Antístenes como ilustração de sua idéia de que “as espécies ou formas só existiam em nossos pensamentos” (em psilais epinoiais) [A estória é contada de forma um pouco diferente de Diógenes, o Cínico, naturalmente considerando bem que ele foi aluno de Antístenes e o próprio Antístenes veio a ser considerado o fundador da escola cínica. Quer seja, quer não historicamente verdadeiro, por certo é bien trouvé [Osório diz: bem escolhido ou adequado]. Outras estórias também eram correntes e atestavam o desafeto entre ele e Platão, contra o qual escreveu um diálogo sob o nome injurioso de Sathon, (V. 286, n. 97 abaixo). (Sathon, aplicado aos nenês, era diminutivo de sathe significando pênis.)]. [Osório diz: Platão e suas ideias].

Se, porém, o nominalismo é a doutrina que admite, como uma recente definição o quer, “que a linguagem impõem sua própria estrutura a uma realidade que por si não tem qualquer destas distinções[Lorenz e Mittelstrass, Mind. 1967, 1. Eles mesmos acrescentam (p. 5) que realismo e nominalismo podem-se considerar variantes da teoria da natureza e da teoria da convenção do Crátilo. Poderia ser interessante comparar a última com a teoria convencionalista da verdade necessária como aparece em Hobbes, que, como os filósofos do séc. V, viu estreita conexão entre nomes e verdade: "as primeiras verdades foram arbitrariamente feitas pelos que foram os primeiros a impor nomes às coisas".], não parece que Antístenes foi seu advogado. O seu ensino não se assemelha à teoria da convenção de nomes sustentadas por Hermógenes no Crátilo de Platão, tanto como a teoria da natureza de Crátilo [A conclusão semelhante chegou von Fritz em Hermes, 1927: é doutrina de Antístenes, "gleichgültig, ob dort Antisthenes persõnlich oder allein gemeint ist oder nicht" (p. 462). V. também Dümmler, Mad. 5. Field, porém, em avaliação cuidadosamente arrazoada, concluiu que "não há nenhuma prova real para associá-lo com um ou outro modo de ver" (P. and Contemps. 168).] segundo a qual os nomes têm afinidade natural com seus objetos (ou se eles não a têm, não são nomes, e o homem que os pronuncia “não diz nada”, 429ss): eles “revelam as coisas” (433d), e aquele que sabe dos nomes sabe das coisas também (435d). Um objeto complexo pode ser analisado nomeando seus elementos, mas os elementos só podem ser nomeados ou descritos analogicamente (prata como estanho). São apreendidos por intuição ou percepção (“Eu vejo um cavalo”; ...), mas não podem ser explicados, ou sabidos tal como Sócrates e Platão entenderam o conhecimento, para os quais significava a capacidade de dar um logos da essência da coisa conhecida. Se pudermos julgar pelas críticas de Platão e Aristóteles, Caizzi está certo em dizer que a teoria de Antístenes de “um só logos próprio para cada coisa“ baseia-se numa falta da distinção entre predicação essencial e acidental mais uma confusão entre nomes próprios e comuns [A confusão seria facilitada pelo fato de que nesta fase primitiva do estudo gramatical a única palavra onoma tinha de cumprir a função tanto do "nome" como do "substantivo" (Stud. Urb. 34).]. A predicação não é impossível, mas se deve admitir que o que quer que siga a cópula é essencial ao sujeito (uma parte de “o que é”), e se algum dos elementos nomeados é inaplicável ao sujeito deve-se descartar todo logos como sem sentido. (Ele se desviou, diz pseudo-Alexandre, In Metaph, 435, 1, pelo fato de que um logos não é absoluta e primariamente (me haplos mede Kyrios) o logos de alguma coisa, dizendo que não era nada em absoluto).

 

Sobre os que negavam a possibilidade de predicar uma coisa de outra, Aristóteles tem o seguinte a dizer:

 

Os mais recentes dos filósofos anteriores ficaram perturbados pelo pensamento de fazer da mesma coisa uma e muitas. Por esta razão alguns aboliram a palavra "é", como fez Licófron, ao passo que outros alteraram a forma da expressão, dizendo não "o homem é branco", mas "o homem foi embranquecido" [leleukotai, uma só palavra em grego], não "está andando", mas "anda", com receio de que, acrescentando "é" fizessem do um muitos, como se "um" e "ser" tivessem só um sentido?

 

Se [de] Licófron (…) a única outra coisa conhecida sobre sua teoria do conhecimento é que ele descreveu o conhecimento como "intercurso (synousia) da psyche com o ato de conhecer". Assim o apresenta Aristóteles (Metaf. 1045ss), e o pseudo-Alexandre explica (563,21; DK, 83,1): "Licófron, se lhe perguntassem o que fazia com que o conhecimento e a alma se tornem um, responderia que era seu intercurso". Este "intercurso" ou "coexistência[Na linguagem comum synousia significava intercurso ou associação, mas também se podia, e mais literalmente, entender como "co-ser". Nos comentadores tardios, o verbo synousioomai é usado para expressar a idéia de estar essencialmente unido. V. LSJ s. v.] da mente com o conhecimento sugere um modo de ver como o de Antístenes, não ceticismo, mas crença no conhecimento por direta afinidade. Não se pode dizer "Sócrates é branco" (ele mesmo mais brancura) a não ser que se experimente "Sócrates branco" como uma essência unitária.

Eretrianos [Para Stilpo v. Plut. Adv. Col. 1119c-d. e para os eretianos Simpl. Phys. 91,28. Poderia ser interessante comparar a doutrina deles com a que se derivou em tempos modernos da interpretação estrita do dito do bispo Butler: "Tudo é o que é e não outra coisa", citado por Moore como a divisa dos Principia ethica. Isso, afirmou-se, parece eliminar não só uma definição de "bem" (a "falácia naturalista") [Osório diz: bem! Bem! Bem! Bom! Bom! Bom! Alguém viu Platão pro aí?], mas todas as definições de qualquer termo que seja, pelo motivo de que devem ser o resultado de confundir duas propriedades, definindo uma pela outra. Veja a discussão de Frankena nos ensaios Foot, pp. 57ss.]

Uma doutrina que poderia levar à mesma conclusão como a que no Sofista se atribui a eles por Simplício (Phys. 120). Depois de citar de Eudemo que os erros de Parmênides eram escusáveis devido ao estado inicial da filosofia em sua época, quando ninguém teria sugerido que uma palavra pudesse ter mais de um sentido ou teria distinguido essência de acidente, ele continua: [Osório diz: veja como, aqui, o autor dá o benefício do “estado inicial da filosofia”, benefício que não aproveita os sofistas!].

Por ignorância disto mesmo os filósofos conhecidos como megarianos admitiram como premissa óbvia que coisas tendo um logos diferente eram diferentes, e que coisas diferentes estavam divididas uma das outras, e assim pensaram provar que todas as coisas estavam divididas umas das outras, por exemplo, o logos "Sócrates educado" é diferente do logos "Sócrates branco", e, por isso, Sócrates está dividido em si mesmo.

À mesma doutrina se opõe no Soph. el. de Aristóteles (166b 28ss) sem atribuição: "Corisco é um homem [mas note que o grego não tem artigo indefinido], 'homem' é diferente de 'Corisco', e, portanto, Corisco é diferente de si mesmo". Tem semelhança ao dito "um logos para cada coisa" de Antístenes, mas foi levado a conclusão mais radical. [Osório diz: esse é um dos absurdos que a lógica é capaz de fazer!].

O pensamento de Sócrates e Platão, cuja influência na história posterior da filosofia foi profunda, deve-se ver neste contexto como parte integral do debate e tentativa de achar solução definitiva a seus problemas. [Osório diz: tentativa não é solução, como muitos querem crer].

Sumário dos resultados. Durante a vida de Sócrates e Platão, sustentaram-se as seguintes posições. Nomes de alguns que as defenderam são dados entre parênteses quando são certos ou prováveis.

 

1. É impossível falar falsamente, pois isto é dizer o que não é, e o que não é não pode ser pronunciado. (Protágoras, Antístenes. A tese depende de Parm. Fr. 2.7-8). [Osório diz: até para citar a idiotisse de Parmênides, Guthrie, filhadaputamente, abrevia o nome do cara!].

2. Como corolário [Osório diz: consequência], ninguém tem direito de contradizer a outrem. (Protágoras, Antístenes).

3. A verdade é relativa ao indivíduo. (Protágoras e Górgias).

4. Usamos palavras inconscientemente e sem nenhuma correspondência à realidade. Isso está errado, pois há uma realidade (on, physis) e há espécies (eide) naturais, às quais nossos termos devem corresponder univocamente. (Sócrates, Antífon, o tratado hipocrático De arte).

5. A definição da essência de uma coisa é impossível, pois só se pode listar seus elementos e estes, não estando sujeitos a ulterior analise, são indefiníveis, e só se podem descrever analogicamente. (Antístenes, provavelmente Licófron).

6. A todo objeto cabe um só e só um logos próprio, que diz o que ele é nomeando os elementos de que está composto. Se algum deles não se lhe aplica, não há nenhum logos. (Antístenes).

7. Nomes têm afinidade natural com seus objetos, que são conhecidos por contato direto da mente com o objeto como na percepção sensorial (aisthesis). Um nome que não tem tal afinidade não é errado, mas não é nenhum nome absolutamente. (Antístenes, Licófron, “Crátilo” em Platão).

8. Nomes são rótulos arbitrariamente escolhidos, não tendo conexão natural com os objetos a que se aplicam. (Demócrito, “Hermógenes” em Platão [Osório diz: no Crátilo).

9. O uso de “é” para ligar sujeito e predicado é ilegítimo porque faz de uma coisa muitas, embora se possa perceber e falar de um sujeito e de seu atributo (por exemplo, Sócrates branco) como uma unidade. (Licófron).

10. Pelos mesmos motivos eleatas de que uma coisa não pode ser uma e muitas, só é possível predicação idêntica. (Megarianos, e provavelmente outros).

 

Retórica e Filosofia: Pródico.

 

1) Pródico e Tucídides. (…) Influências em Tucídides em geral, mas (…) alguns lugares onde a distinção entre sinônimos próximos se faz de modo que lembra muito Pródico no Protágoras, que, com certeza, devem sua inspiração a ele [diz Mayer]. [Eis alguns exemplos]:

 

Em 1.23.6 temos a famosa distinção entre a causa (prophasis) verdadeira, mas disfarçada da guerra e as razoes (aititai) que eram dadas abertamente. [Osório diz: lembra da guerra movida contra o Iraque]

1.69.6, aitia e kategoria. “Por favor, não apenas que nossa exposição de razões nasce de quaisquer sentimentos hostis. Exposição de razões (aitia) é o que se emprega para com amigos que erraram, e acusação (kategoria) para com inimigos que enganaram alguém”.

2.62.4, auchema e kataphronesis. “Qualquer covarde pode se gabar por ignorância e sorte, mas altivez propriamente dita vem de confiança arrazoada na própria superioridade sobre o inimigo”.

3.392, epanastenai e apostenai. Os mitilenos não “são tanto revolucionários – uma palavra que se aplica a pessoas que sofreram tratamento duro e áspero – como insurgentes deliberados tramando com nossos inimigos para nos destruir”.

4.98.6, Hamartema e paranomia. “Faltas involuntárias [afirmavam os atenienses] ganharam santuário no altar dos deuses, e onome de crime devia ser reservado para os atos errados cometidos gratuitamente, não sob a pressão das circunstâncias”. [Osório diz: princípio de Direito Penal].

6.11.6, epairesthai e tharsein. “O que importa não é sentir exaltação pelo recuo ocasional de nossos inimigos, mas antes confiança em nosso próprio planejamento superior”.

(...)

Belas distinções. Podem ser, com efeito, notavelmente eficazes.

2) Sinonímia e filosofia. Momigliano tem uma teoria interessante das possíveis influências da distinção sinonímica de Pródico sobre a filosofia da linguagem e sobre a ética. As palavras "teoria" e "possíveis" são minhas, pois Momigliano apresenta suas conclusões como certas. Pelas provas que temos, é difícil ter tanta confiança, mas mesmo com visão mais cautelosa a interpretação é muito interessante para que se possa omitir. É a seguinte (em Atti Torino, 1929-30, 102s):

Demócrito dissera que as palavras não refletem a realidade porque (entre outras razões) nem toda palavra tem um objeto que lhe corresponda [Osório diz: esta afirmativa serve para o debate no Teeteto!]. … A única maneira de refutá-lo era mostrar-lhe que corresponde, isto é, que dos assim chamados sinônimos … cada um tem de fato seu objeto em separado. O que Pródico faz com seu aparente pedantismo é opor-se ao ceticismo prevalente [Osório diz: Pródico contra o ceticismo, e ainda pega-se a todos os sofistas como iguais! Isso quando é para fim escuso]. E, uma vez que ceticismo teórico levava a relativismo prevalente contra "o exército dos Trasímacos e dos Cálicles". Isso explica como Pródico, o criador de distinções sutis, é também o autor da fábula moralizante da Escolha de Hércules (pp. 257 abaixo) [Osório diz: que sempre se quer tirar dele!]. A arte de distinguir sinônimos teve importantes influências sobre a ética, implicando a separação de agathos de kreitton, dikaion de sympheron. (Estes exemplos particulares não ocorrem, enquanto sei, no registro que nos chegou da atividade de Pródico). Sua reação, continua Momigliano, é a mais interessante por não ser simplesmente uma defesa de crenças tradicionais. Sobre o perigoso tema dos deuses foi ousado e original (v. sobre isto p. 222 abaixo), embora sentisse a necessidade de sustentar sãos princípios morais na vida diária [Osório diz: uma coisa é razão, outra é fé. Uma coisa é sua ação, outra coisa é a ação de celerados, que, para eles, talvez tenham sido inventado os deuses: necessidade de temer algo, mesmo estando sozinhos]. Ocupa, pois, como conclui Momigliano, um lugar especial entre os sofistas, diferente de um lado do ceticismo de Górgias, Protágoras e Trasímaco, e, de outro, de Antífon e Hípias com suas antíteses entre moralidade natural e convencional.” [Osório diz: mas tudo isso mostra que os sofistas tiravam as coisas do lugar, mas colocavam outras para substituí-las! Faziam “tábula rasa” de tudo, como diz Romilly, e depois construíam. Portanto, não eram os “imorais” (pejorativo) que supõe a plebe ignara a partir de ensinamentos daqueles que o distorcem para que prevaleça seus interesses, em especial os religiosos]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 167-178, 181-190, 192-205, 208-210).

47

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

87.8 – Retórica e Filosofia em Górgias.

 

Ensina Guthrie:

 

Górfgias ... escreveu manuais da arte (…) que podem ter consistido em larga medida de modelos de declamações a serem decoradas, uma vez que Aristóteles (…) diz que era este o seu método de instrução. Destes Helena e Palamedes (…) seriam amostras que se nos conservaram [Eu não ficaria surpreso se o discurso de Helena em Trôades (914-65) devesse algo ao que Górgias a faz dizer sobre o mesmo assunto. Em Eurípedes ela toma a ofensiva de imediato, dizendo que seus aborrecimentos eram a falha de Hécuba de suportar Páris (!), e continua culpando Afrodite. O coro apela a Hécuba para que destrua o peitho desta "mulher má que sabe como falar". O próprio Górgias chama Helena de um paignion, sobre o que o melhor comentário é provavelmente o de Versényi (Socr. Hum. 43s): não é sério, certamente, em seu propósito manifesto (Górgias não se importa que a memória de Helena seja vingada ou não), o que, porém, ele usa como veículo para suas idéias gerais sobre a natureza de logos e peitho.], e Helena foi bem descrito [por Versényi]] como “ensaio sobre o poder do logos” (…) provando que “a palavra é déspota poderoso”.

 

A arte da persuasão ultrapassa todas as outras e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência”. (Platão em Fileb. 58A-b) Tão irresistível é seu poder que se Helena fosse persuadida para o adultério ela seria tão sem culpa como se tivesse sido aduzida pela força. [Osório diz: Persuasão / Estelionato como obra de arte].

(...)

Ele queria dizer, como frisa Aristóteles (Metaf. 1026b14), que os sofistas reconheciam somente o ser acidental como oposto ao ser essencial, ou seja, o condicional e relativo como oposto ao existente-por-si ou existente absolutamente. A via para estas distinções úteis fora fechada por algum tempo pela áspera antítese de Parmênides, e só foram restabelecidas por Platão e Aristóteles. Obviamente o dito de Protágoras "o que parece a mim é para mim" não tinha nenhuma existência no sentido eleata ou platônico (em que "o que é" era completamente inacessível para os sentidos), e Górgias pôs esta oposição inteiramente às claras e pegou o touro eleata pelos chifres, proclamando atrevidamente que "nada existe".

Do tipo de argumento que Górgias empregava. Ele se propunha provar três coisas (a) que nada existe, (b) que mesmo que existisse, é incompreensível ao homem, (c) que, mesmo que fosse compreensível a alguém, não é comunicável a qualquer outro. Muita tinta derramou sobre a questão se isso era entendido como uma brincadeira ou como paródia, ou como uma séria contribuição à filosofia, mas é errado pensar que parodia seja incompatível com intenção séria. Mostrar a absurdidade da lógica eleata, e em particular de Parmênides (a absurdidade de argumentar a partir do, “é” e do “não é” como tal), foi da maior importância tanto para o senso comum como para a teoria da retórica. Górgias dificilmente teria querido negar a existência de tudo no sentido em que o homem comum entende a existência; sua intenção era mostrar que, pela espécie de argumentos que Parmênides usou, era fácil provar tanto o “não é” como o “é”. A inversão dos argumentos de Parmênides, é, sem dúvida, divertida, lembrando um conselho de Górgias aos seus alunos de “destruir a seriedade de um oponente pela risada, e sua risada pela seriedade”. [Osório diz: a pilhéria e a seriedade! / A quem Górgias combate / Górgias versus Parmênides]

Dizendo que “nada é”, Górgias negava a suposição subjacente a todos os seus sistemas, de que atrás do panorama mutante do “devir” ou das aparências existia uma substância ou substâncias, uma physis de coisas, do apeiron de Anaximandro ao ar de Anaxímenes, as quatro raízes de Empédocles e os átomos de Demócrito. Todas estas “naturezas” permanentes seriam abolidas na tese de Górgias, mas a forma de seus argumentos mostra que sua ironia visava especialmente a Parmênides e seus seguidores, para demonstrar que, pelo seu próprio modo de raciocinar, era tão fácil provar o contrário de x quanto o próprio x. [Osório diz: A quem e o quê Górgias combatia].

Isócrates, embora muito mais jovem do que Górgias, foi seu aluno no começo de seus vinte anos. (Münscher em RE. IX. 2152).

Isócrates não tem nenhum escrúpulo de agrupar Górgias com os eleatas e filósofos como Empédocles, o seu "nada existe" deve ter tido o sentido de tese filosófica séria.

[Confesso leve sentimento de desconforto, porque, se Isócrates conheceu o tratado de Górgias como exposição irônica do raciocínio eleata, com certeza o teria reclamado como aliado e não o teria atacado junto com o resto. Ele era, porém, acima de tudo advogado, pronto a empurrar qualquer coisa para o serviço de sua causa imediata. Sua crítica de Górgias seria que, preocupando-se com os filósofos e refutando-os com suas próprias armas, ele se pôs na mesma classe.]

No seu próprio modo de ver, exposto em numerosas ocasiões, [para Isócrates] a filosofia deveria voltar as costas a todas estas especulações vadias, e Górgias condenou-se a si mesmo por condescender em usar seus argumentos.

Sexto classifica Górgias entre os que eliminam um padrão constante de julgamento (kriterion), mas acrescenta que ele usava um método de ataque diferente de Protágoras; e, depois de resumir os seus argumentos, conclui: “Estas são as dificuldades levantadas por Górgias, e elas eliminam o critério, pois não pode haver critério para o que nem existe nem pode ser conhecido nem é de natureza que se possa descrever a outra pessoa”. Em suas conclusões, Górgias e Protágoras se encontravam, e, se há algo de que se possa chamar de visão sofística geral, é a ideia de que não há nenhum “critério” [Osório diz: mas é justamente desse encontro que vem a solução para a vida em sociedade!]. Tu e eu não podemos, comparando e discutindo nossas experiências, corrigi-las e alcançar o conhecimento de uma ulterior à de ambos, pois não existe essa realidade estável que possa ser conhecida [Osório diz: sim e não! Não existe a realidade estável, mas é possível, comparando e discutindo nossas experiências, senão corrigi-las, mas pelo menos convencer um ao outro de que uma determinada posição é a melhor (o acordo é sempre possível e deve ser buscado). Ora, isso é conhecimento, mas não verdade imutável!]. De modo semelhante na moral, nenhum apelo a padrões gerais ou princípios gerais é possível, e a única norma só pode ser agir como em qualquer momento pareça mais adequado [Osório diz: mas isso é a vida como ela é! A moral até Heródoto já tinha mostrado que a do Egito é diferente da grega!]. Este positivismo é importante, tanto por causa dele mesmo como pela reação que produziu em pensadores do gabarito de Sócrates e Platão [Osório diz: gabarito? Retornou ao misticismo em prejuízo da razão é avanço?].

Podemos agora considerar alguns dos argumentos da obra Sobre a não-existência.

Como "existir". [Osório diz: consultar “Os sofistas” - Gilbert Romeyer-Dherbey, pois ser é diferente de existir]

Nada existe. Se algo existe, é o existente ou não-existente ou ambos. O não-existente não existe (“o que não é não é”). Podia-se pensar que isto é óbvio, mas Górgias argumenta solenemente em termos ultraparmenidesianos: enquanto ele é concebido como não-ser, ele não é, isto é, não existe; mas enquanto ele é não-existente, ele é, isto é, existe. Mas ser e não ser ao mesmo tempo é absurdo, e, por isso, o não-existente não é. O propósito deve ser levar ao ponto em que, ao dizer que alguma coisa “é x”, qualquer seja o predicado, tu estás dando o ser a ela; e, uma vez que segundo Parmênides “é” só tem um sentido, a saber, “existe”, tu podes provar com base em suas próprias premissas o oposto do que ele diz. Ao mesmo tempo Górgias volta contra ele sua crítica da multidão estúpida que afirma que ser e não ser são o mesmo e também diferente (fr. 6.6).

E também o existente não existe. Se ele existe, deve ser eterno ou gerado ou ambos. O argumento de que não pode ser eterno depende de identificar infinitude temporal com espacial e depois defender que “o que é” não pode ser infinito. Uma vez que Melisso dissera que era, e, de mais a mais, obteve sua conclusão pela mesma confusão de temporal com espacial (…), parece provável que neste ponto ele é alvo do humor sofisticado de Górgias. O argumento de que ele não é gerado segue as linhas do fr. 8.7ss de Parmênides, negando por sua vez que ele podia ser gerado do que é ou do que não é. Uma vez mais, ele deve ser ou um ou muitos. Se for um deve ter quantidade, discreta ou contínua, tamanho e corpo, mas neste caso ele será divisível e assim não um. Todavia para alguma coisa existir sem magnitude é absurdo. Para isso também se podia achar uma prova eleata, pois argumentara-se por Zenão (…), e segundo uma parte fragmentária de MXG (…) Górgias parece ter-se referido a isso. Também ele não pode ser muitos, pois uma pluralidade é composta de unidades, e, sendo assim, se o um não existem também não podem existir os muitos.

Também ambos não existem. Isto pareceria muito óbvio agora, mas Górgias faz seu jogo com Parmênides. Embora já tenha mostrado que (a) o que não é e (b) o que é não existe, agora ele “prova” que ambos não existem juntos. Se ambos existem, são idênticos enquanto se refere à existência; e uma vez que o que é não existe, e o que é idêntico com ele, o que é não existirá também. 45

[Untersteiner interpreta assim: "A atribuição de existência tanto ao Ser como ao Não-ser leva à identificação 'no que concerne à existência': o Ser é, pois, absorvido na existência do Não-ser que é Não-existência; o Ser, portanto, como o Não-ser, não existirá". Provavelmente é o melhor que se pode fazer. Tudo, com certeza, é absurdo sedutor. Que o que não é não existe é dito no sumário de Sexto ser homologon (admitido, posse comum) e pareceria seguir da expressão mesma, embora isso não tenha impedido Górgias de "prová-lo" anteriormente.]

Se alguma coisa existe, ela não pode ser conhecida ou ensinada pelo homem. Pensamos certamente coisas que não existem, como, por exemplo, carroças cruzando os mares e homens voando [Que Górgias tinha em mente a apate da tragédia é provável. Cf. fr. 23. (Gercke, seguido por Untersteiner, restaurou apatan para hapanta em MXG 980a9). Untersteiner (Sophs. 171, n. 71) menciona as Oceânidas de Ésquilo cruzando o mar em carruagens aladas pterygon thoais hamillais (P. V. 129; MXG 980 a 12 tem hamillasthai harmata) e Belerofonte em Eurípedes. (Por que não Dédalo? Sófocles escrevera uma peça com este nome, e afinal foi Pégaso que voou, e não Belerofonte a não ser per accidens).], e, segundo Sexto, Górgias afirmava e defendia o reverso, que, se coisas pensadas são não-existentes, então o existente não é pensado. Ele podia ter parodiado alguém que era culpado disso, porém mais provavelmente o seu argumento era que, se nosso pensamento de alguma coisa não é suficiente para provar sua existência, então mesmo que pensemos de algo real, não temos nenhum meio de distingui-lo do irreal. Górgias, com efeito, “abolira o critério”. MXG (980 a 9ss), se suas corrupções são adequadamente emendadas, dá melhor seqüência de pensamento. Se tudo sobre que se pode pensar existe (como Parmênides disse repetidamente, frs. 2.7;3;6.1), então nada é não-verdadeiro, até a afirmação de que carroças cruzam os mares. [Podemos supor que isso seja absurdo]. Não podemos voltar aos sentidos, pois eles são inconfiáveis a não ser controlados pelo pensamento, que já nos desapontou.

Ainda que possa ser apreendido, não pode ser comunicado a outrem. A tese repousa principalmente em ponto sobre o qual insistiu o mestre de Górgias, Empédocles, para quem cada sentido tem seus objetos próprios e não pode distinguir os de outro sentido (Teofr. De sensu 7, vol II, 231). Se há coisas existindo fora de nós, serão objeto da vista, do ouvido, do tato e assim por diante. O nosso meio de comunicação é o discurso, que não é nenhum destes objetos externos, e é entendido diversamente. Assim como uma cor não pode ser ouvida, ou uma melodia vista, também “uma vez que o que é subiste externamente, ele não pode se tornar nosso discurso, e sem se tornar discurso não pode ser comunicado a outrem” (Sexto Math. 7.84; que o conhecimento só pode se dever à interação de semelhantes é outra doutrina de Empédocles, vol. II, 229). “A vista não distingue sons, nem o ouvido cores; e o que um homem fala é discurso, não uma cor nem um objeto” (MXG 980b1). De acordo com MXG (980b9ss), Górgias acrescentou que o ouvinte não pode ter em sua mente a mesma coisa que o locutor, pois a mesma coisa não pode, sem perder sua identidade, estar presente em mais do que uma pessoa. Também se pudesse, não precisa parecer a mesma a ambos, uma vez que são diferentes um do outro e em diversos lugares. Até o próprio homem não apreende coisas do mesmo modo em tempos diferentes, ou como apresentadas por diferentes sentidos.

Devemos citar finalmente um dito significativo de Górgias, chamado apropriadamente por Untersteiner de "Górgias sobre a tragédia do conhecimento". Chegou a nós sem contexto e sem qualquer indicação de seu lugar em suas obras:

 

A existência é desconhecida a não ser que adquira aparência, e a aparência é fraca a não ser que adquira existência [Fr. 26 elege de to men einai aphanes me tychon tou dokein, to de dokein asthenes me tychon tou einai. A implicação era, sem dúvida, que a existência é incognoscível, e a aparência não-existente, e o grego suportaria a tradução: "A existência é incognoscível, pois ela não adquire aparência" etc.].

 

NOTA. (...) Górgias, disse Grote, usa a palavra "ser" no sentido eleata, segundo o qual ela não se aplicava a fenômenos, mas somente a existência ultrafenomênica (numênica). "Ele negou que qualquer Algo, ou Noumenon, ultrafenomênico existisse, ou pudesse ser conhecido, ou pudesse ser descrito. Desta tese tripartida, a primeira negação não era nem mais nem menos sustentável do que a daqueles filósofos que antes dele argumentaram pela afirmativa: sobre os dois últimos pontos suas conclusões não eram paradoxais nem céticas, e sim perfeitamente justas, e foram ratificadas pelo abondono gradativo, quer confessado, quer implícito de tais pesquisas ultrafenômenicas entre a maioria dos filósofos". [Osório diz: filósofos fogem da briga com Górgias!]

O contraste entre aparência e realidade (não-sensível) é um motivo condutor do pensamento pré-socrático, e toda a base da presente consideração dos sofistas e de seus contemporâneos é que a questão de suas relações estava no centro da controvérsia filosófica do século V (cf. p. 4). Para Heráclito, os olhos e os ouvidos não mereciam confiança a não ser que a mente pudesse interpretar sua mensagem e descobrir a verdade subjacente. Parmênides fez claramente a distinção, dizendo que só os objetos do nous existiam e que o mundo fenomênico era ilusão. O atomismo de Demócrito também ensinava a doutrina de uma realidade atrás das aparências, um numênico (o objeto do conhecimento "legítimo" enquanto oposto ao "bastardo") atrás do fenomênico. (Para a relação deste com a filosofia de Platão v. vol. II 462) [Osório diz: Górgias e o desentendimento entre os filósofos que permitiu suas conclusões/ Platão dirá que o que existem são ideias estáveis!]. Foi este o legado que os sofistas herdaram e fizeram dele o maior uso para os seus objetivos. Zeller também criticou Grote (ZN, 1367, n. 2), dizendo que até os próprios eleatas não distinguiram aparência do que está atrás da aparência, mas apenas a visão verdadeira das coisas da falsa. De fato, porém, Parmênides distinguiu to on — o que existe ou é real (ou, se seguirmos a Kahn, p. 179 acima, o que é o caso) — de ta dokounta, o que aparece, mas não existe, que é o que Grote disse que ele fez.” [Osório diz: chupa Platão e caterva! O ator joga a toalha?]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 181-188).

 

9

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

87.7 – Retórica e Filosofia em Protágoras.

 

Ensina Guthrie:

 

O subjetivismo de Protágoras já foi introduzido em conexão com a relatividade de valores, e a estreita relação dele com suas atividades como professor de retórica é óbvia [Nestle diz que não passa de petitio principii considerar a retórica como a fonte da filosofia de Protágoras. E com certeza imperdoavelmente grosseiro. O ceticismo e subjetivismo, de que era tão notável representante, estavam enraizados na história anterior da filosofia, se bem que como reação desde sua universal suposição de uma realidade não-percebida subjacente aos fenômenos ou mesmo (no caso dos eleatas) negando-lhes o direito de existir (ZN, 1358n). É melhor evitar dogmatizar sobre causa e efeito, e só dizer que, assim como a liberdade democrática de Atenas favoreceu na prática o rápido surgimento da retórica, assim também a situação filosófica forneceu contexto adequado à sua justificação teórica: e isso os melhores dos sofistas, que eram muito mais do que demagogos e oradores de rua, estavam desejosos de fornecer. [Osório diz: muito bom este escrito de Nestle].]. Ensinava os alunos a elogiar e censurar o mesmo caso, foi famoso por sua afirmação de que "fazia do argumento mais fraco o mais forte" (v., por exemplo, Ar. Rhet. 1402a23ss), e escreveu dois livros de "Argumentos contrários" que podem ter sido manuais de retórica. "Há", dizia ele, "dois argumentos opostos sobre todo assunto" [Diógenes Laércio: uma tradução igualmente possível seria: "De cada coisa duas avaliações contrárias se podem dar".], e em Eutidemo (286b-c) Sócrates atribui a "Protágoras e até a pensadores mais antigos" a tese de que é impossível contradizer, o que, diz ele, vale dizer que é impossível falar falsamente [Os "pensadores mais antigos" não precisam ser levados muito a sério. Platão pensaria principalmente em Heráclito e sua doutrina da identidade dos opostos (vol. I, 442ss), que, sem dúvida, influenciou as idéias de Protágoras, mas as continha apenas em embrião. Platão gostaria de apresentar não só filósofos mais antigos, mas até poetas como pais, por assim dizer, de doutrinas filosóficas, como, por exemplo, em Teet. 152e e Crát. 402b ele reconduza doutrinado fluxo de Heráclito a Homero [Osório diz: isso lhe era interessante naquele momento!]. Nem, em vista de muitos exemplos platônicos em contrário, podemos supor hoi amphi P. visando a excluir o próprio Protágoras. A tese da impossibilidade de contradição comumente se atribui a Antístenes com base em Aristóteles (Meta f. 1024b32, Top. 104b20). D.L. (9.53, cf. 3.35) chama-a de a tese de Antístenes, mas acrescenta, citando Platão, que ela foi defendida pela primeira vez por Protágoras. As palavras de Aristóteles certamente não o excluem, e a linguagem de Platão sugere que pode ter sido bem conhecida em meios sofistas do séc. V. Um papiro de um autor do séc. IV a.C. atribui-a a Pródico. Isto pode ser mero engano, mas Pródico estava familiarizado tanto com Protágoras como com Antístenes (Xen. Symp. 1 4.62). V. Binder e Liesenborghs em Mus. Helv. 1966. [Osório diz: Protágoras versus Antístenes]]. Aristóteles (Metaph. 1007b18) fala da tese de "que afirmações contraditórias sobre a mesma coisa são simultaneamente verdadeiras" e "é impossível afirmar ou negar alguma coisa de qualquer assunto" como algo a ser aceito por aqueles que aceitam o dito de Protágoras. Mais abaixo, em 1009a6, ele diz (depois de mencionar a negação da lei de contradição): “O que Protágoras diz origina-se da mesma opinião, e devem ficar de pé ou cair juntos; pois se tudo o que parece e se crê é verdadeiro, tudo deve ser ao mesmo tempo verdadeiro e falso, pois muitas pessoas sustentam opiniões opostas umas às outras” [Untersteiner e H. Gomperz argumentaram partindo destas passagens que a impossibilidade de contradição não era um princípio de Protágoras, uma vez que Aristóteles o apresenta como inferência do que ele disse. O mais que se pode afirmar é que não provam que não foi, e outras provas tornam-no praticamente certo. Há, porém, esta qualificação a ser feita, de que o que não pode ser contradito deve "parecer a, ou ser crido por" pelo menos um homem. Protágoras não concordaria com Aristóteles em que tudo o que pode ser pronunciado deva ser verdadeiro ou falso (1007b20), pois, afinal, ninguém crê que homens sejam trirremes ou muros. [Osório diz: barreiras no jogo de futebol são chamadas (tidas por iguais) de muros!]]. [Osório diz: ver Barbara Cassin e o “maior número primo”].

O fundamento teórico de todas estas afirmações está na tese com que ele introduziu sua obra sobre a Verdade, 21 e que já foi citada por sua referência a conceitos de valor (fr. 1DK):

O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são o que são, e das coisas que não são o que não são.

A continuação mostra que tinha principalmente o indivíduo em mente, embora, a não ser que Platão vá além dele quanto a isso, ele a tivesse estendido à opinião corporativa de um Estado enquanto incorporada em suas leis. (v. p. 162 acima). Além de Platão e Aristóteles, a afirmação é citada por Sexto, que também a entende do indivíduo explicando: "a verdade é algo de relativo, porque tudo o que pareceu ou que foi crido por alguém (tini) é de imediato real em relação a ele". [Osório diz: indivíduo versus coletividade. Veja o francês Gilbert]

A palavra "medida" (metron) foi escolhida provavelmente por Protágoras pelo sabor epigramático que ela dá ao seu dito muito citável, e não há razão para duvidar de que Platão, seguido por Sexto, tenha acertado em explicitá-la como kriterion, padrão de julgamento. Seu sentido se manifesta por uma crítica de Aristóteles. No fim de uma discussão do metron na Metafísica (1053a31), ele diz (para parafrasear e expor uma passagem difícil) que, além de seus sentidos mais correntes, a palavra é aplicada ao conhecimento e à sensação porque são meios de saber sobre coisas, como uma medida-padrão nos ajuda a saber de seu tamanho, peso, valor etc. Este, porém, é uso errado do termo que o faz significar o oposto do que deveria. Longe de nosso conhecimento e nossas sensações serem a medida da realidade, é a realidade que deve medir a soma e o valor de nosso conhecimento. 25 [Osório diz: é o homem quem faz a realidade. Não existe realidade sem o homem. O que é a realidade para uma pedra ou para um porco?] O conhecimento não pode determinar a natureza das coisas; sua tarefa é se adaptar à natureza delas como já determinada, para atingir a verdade [Osório diz: esse seria o conhecimento raso, do dia a dia, aquele não questionado, não posto em dúvidas]. Assim, acrescenta ele, quando Protágoras diz que o Homem é a medida de todas as coisas, querendo dizer o homem que conhece ou percebe, fala absurdo, embora pareça engenhoso.

Aristóteles fala do ponto de vista de sua própria filosofia e da filosofia platônica, de acordo com a qual existe uma realidade além e independente de nossos conhecimentos e crenças, e contrastando com ela a doutrina de Protágoras segundo a qual nada existe a não ser o que cada um de nós percebe e conhece. (Uma vez que nossas percepções nesta teoria são infalíveis, deve-se dar a elas o nome de conhecimento, Teet. 152c). São nossos próprios sentimentos e convicções que medem e determinam os limites e a natureza da realidade, que só existem em relação a elas e é diferente para cada um de nós. A oposição de Aristóteles mostra que para ele a doutrina de Protágoras era doutrina de puro subjetivismo e relativismo. Será que esta avaliação era correta? Duas visões foram tomadas. Para colocá-lo nos termos do exemplo de Platão (Teet. 152b), se o vento está frio para mim que o sinto frio, e é quente para você que o sente quente, significa isto que o vento em si mesmo é tanto quente como frio, ou que o vento em si mesmo não é nem quente nem frio? Em termos gerais, devemos dizer (a) todas as propriedades percebidas por alguém coexistem no objeto físico, ou (b) que as propriedades perceptíveis não têm nenhuma existência independente no objeto, mas vêm a ser como são percebidas, e para o percipiente? [Osório diz: ver sobre o vento em Gilbert / Realidade e conhecimento]

Senso comum: [Von Fritz diz de modo semelhante (RE, XLV. Halbb. 916s) que a afirmação não expressa pleno sensualismo, relativismo ou fenomenalismo, mas visa a opor uma "Philosophie des gesunden Menschenverstandes" às filosofias dos eleatas, Heráclito etc., que se afastam muito da communis opinio. Ele afirma que isto surgiu do Teeteto: Platão continua frisando que, se a afirmação de Protágoras for levada à sua conclusão lógica, conduz ao absoluto relativismo e subjetivismo, mas deixa claro que esta conclusão não foi tirada por Protágoras (166d ss). Cf. também Cherniss, ACP, 369.]

A teoria de uma substância ou matéria contendo propriedades que podem ou não podem ser percebidas é especificamente negada para Protágoras por Aristóteles. [Osório diz: seria, então, mais uma invenção de Platão, como diz também Von Fritz na nota 26?]

Sexto se comprova testemunha inconfiável de idéias protagóricas genuínas quando tenta ir além da afirmação de "o homem é medida" e suas óbvias implicações. [Osório diz: Sexto Empírico deturpa Protágoras]

Podemos concluir que Protágoras adotou extremo subjetivismo [Se quisermos um rótulo, este é melhor que sensualismo ou fenomenalismo, para a teoria aplicada ao que era pensado ou crido bem como ao que era percebido, a noções de certo e errado assim como também a sensações de quente e frio. A conclusão alcançada aqui quanto ao subjetivismo de Protágoras concorda com a de Ad. Levi em seu artigo em Philosophy, 1940, embora seja evidente que não aceito sua afirmação ulterior de que ela se aplicava apenas ao conhecimento da natureza e que Protágoras não a estendeu ao campo ético. A diferença entre nós repousa em diferente interpretação deste discurso no Protágoras.] segundo o qual não havia nenhuma realidade atrás e independente das aparências, nenhuma diferença entre aparecer e ser, e cada um de nós é o juiz de nossas próprias impressões [Osório diz: realidade]. O que me parece é para mim, e nenhum homem está em condições de chamar o outro de errado. Se o que eu sinto como quente tu sentes como frio, não podemos argumentar sobre isto: é quente para mim e frio para você. Nenhum filósofo natural foi assim tão longe, pois é uma negação do próprio sentido de physis. Também Demócrito disse que todas as sensações são subjetivas, que quente e frio, doce e amargo, não têm nenhuma existência na natureza, mas isto era porque deviam se explicar como devidos à interação entre a estrutura atômica de nossos corpos e a do objeto percebido. Havia uma physis ou realidade permanente, a saber, átomos e vazio (vol. II. pp. 438, 440). Para Protágoras, não existe nenhuma, e por isso Demócrito o atacou, objetando que nesta visão "nada era mais do que assim e assim". Ele [Osório diz: Protágoras] estava na vanguarda da reação humanista contra os filósofos naturais, cujas especulações contraditórias levara-os à perda de reputação entre os homens práticos — cada um, como disse Górgias (p. 52 acima), pretendendo possuir o segredo do universo, mas, de fato, apenas opondo uma opinião contra outra, cada uma mais inacreditável que a última [Osório diz: não lembro de ter lido isso, p. 52!]. Como todos os sofistas, ele estava familiarizado com suas teorias, mas se afastou deles para ensinar a única coisa que importava, como cuidar dos próprios negócios e ocupar-se com o Estado (Platão, Prot. 318e-319a). 32 Não há muito proveito, pois, em debater de qual filósofo ele tomou emprestado ou contra o qual reagiu, sobretudo porque sabemos muito pouco do conteúdo de seus escritos: todos caçavam quimeras, embora seu polo oposto direto fosse com certeza Parmênides, o qual pensava que todas as sensações e opiniões se deviam rejeitar como falsas. [Osório diz: e assim o auxilia Górgias e as suas três teses! Esta a junção perfeita entre Protágoras e Górgias! / De onde e por que Protágoras tirou o homem medida]

Vimos que o seu relativismo se estendia ao campo da ética. Nossa informação refere-se apenas aos Estados, mas obviamente, se um homem crê sinceramente que é bom roubar, então para ele, enquanto crê nisto, roubar é bom. Mas, assim como vale a pena para o médico mudar o mundo do doente por suas drogas (Teet. 167a), de sorte que o que parece e é para ele amargo pareça e seja para ele doce, assim também vale a pena para a maioria, ou para seus representantes designados, para os quais roubar tanto parece como é mau, trabalhar sobre ele por persuasão até que o seu modo de ver — isto é, a verdade para ele — seja mudada. A conclusão lógica do subjetivismo de Protágoras é a anarquia moral e política, mas isto estava longe de seus pensamentos, e a moral e a ordem social foram salvas por esta curiosa doutrina, típica deste período, pela qual o padrão de verdade e falsidade é abandonado, mas substituído pelo padrão pragmático de melhor e pior. "Algumas aparências são melhores que outras, embora nenhuma seja mais verdadeira" (Teet. 167b). Aqui, sem dúvida, a doutrina epistemológico-ontológica da completa subjetividade rui: a aparência do momento é subordinada a um padrão mais alto [Osório diz: mas não o verdadeiro, pois pode sempre ser melhorado. Portanto, nada de fixidez, de rigidez cadavérica, que “é” a única certeza, a morte!], o fim ou propósito da natureza humana e da sociedade [Osório diz: então o fim e o propósito da natureza humana e da sociedade foi dado pelo homem! Nunca por um deus sabe-tudo!]. Ao mesmo tempo, entra o outro tipo de relatividade: homens e sociedade diferem amplamente, e assim, portanto, também suas necessidades. Não há nenhum oniabrangente "bem para o homem". [Osório diz: cada bem é bem particular, embora nada impeça, ao contrário, tudo indica, que um homem possa convencer a outros de que o seu bem é melhor que outros bens! Daí nascendo a possibilidade da vida em sociedade!]

Diagnosticar a situação particular e preservar o melhor curso de ação para um homem ou um Estado sob dadas condições, como o médico faz para seu paciente, é, como o viu Protágoras, a tarefa do sofista [A relação de Sócrates e Platão com os sofistas é sutil [Osório diz: daí o acerto de Aristófanes ao descrever Sócrates!]. Diz-se geralmente que, ao passo que os sofistas eram empiristas que negavam a possibilidade de uma definição geral de "bem" pelo motivo de ela diferir relativamente aos indivíduos e às sociedades e suas circunstâncias, Sócrates (e Platão depois dele [Osório diz: este é um problema!]) insistiu em que havia um bem universal, cujo conhecimento daria a chave para a ação reta para todos em toda parte. Assim Aristóteles (como Platão no Meno) descreve-o insistindo numa definição geral de arete em contraste a Górgias que preferia enumerar virtudes separadas (Pol. 1260a27). Todavia, no Fedro é o "verdadeiro retórico", isto é, o filósofo dialeticamente treinado [Osório diz: vejam como Platão aproveita tudo dos sofistas, apenas diz que o que ele, Platão, expõe é o certo, o verdadeiro, a verdade], que é comparado com um médico qualificado, que não só sabe como ministrar vários tratamentos mas também entende o que é apropriado a determinado paciente, e quando e por quanto tempo – um homem, pelo que parece, na tradição empírica do melhor ensino médico grego. Ao invés, o retórico comum, que "por ignorância da dialética é incapaz de definir a natureza da retórica", assemelha-se a curandeiro que aprendeu de livro como dar vomitório ou purgante, mas não tema menor ideia de quando seu uso será apropriado (Fedr. 268a-c, 269b) [Osório diz: eis o elitismo! Como se os primeiros médicos não estivessem mais para curandeiros!]. Pode ser que a busca socrática de definições, e seu fruto, a dialética platônica da "coleção e divisão", antes incluem e transcendem do que anulam a obra dos sofistas e retóricos [Osório diz: isso seria até aceitável, não fosse a volta ao misticismo (deuses) e a fixação em verdade, que é sempre provisória, paradigma]. Descreve-se, afinal, seu ensino no Fedro como sendo, se bem que não a arte da retórica propriamente dita, uma necessária propedêutica para ela (ta pro tes technes anagkaia, 269c). Tais questões exigem cuidadosa consideração; v. especialmente Sócrates, c. III, § 8. [Osório diz: Sofistas e Sócrates são tão parecidos que não se consegue separá-los!]]. [Osório diz: daí a necessidade da democracia para o pleno exercício das liberdades].

Assegurar que aquele curso seja seguido é o interesse do retórico. Protágoras era ambas as coisas, e ensinava ambas as artes. Sua integridade pessoal, talvez, o preveniu de ver que sua arte de defender ambos os lados, e de fazer o argumento mais fraco parecer o mais forte, era espada de dois gumes nas mãos de homens menos escrupulosos. A média dos retóricos estava satisfeita com os meios e não se incomodava com os fins.

Virou as cabeças dos jovens, dizendo-lhes que lhes bastava dominar a arte da persuasão para conseguirem ter o mundo a seus pés: o que faziam com isso era assunto deles.

 

APÊNDICE

 

Anthropos. Usa-o Protágoras em

 

(a) sentido individual ou

(b) universal, ou ele

(c) ignora a distinção?

 

Defensores da interpretação (c), que ganhou favor recentemente, incluem Joël (Gesch. 703-5), Untersteiner (Sophs. 42, 86s), Classen (Proc. Afr. Ass. 1959,35) e Cornford (inédito). Alguns que defendem esta visão combinam-na com (a): Protágoras pensava no indivíduo, mas a distinção provavelmente não lhe estava presente na mente. Isto parece bastante provável, contanto que se tome para excluir (b). H. Gomperz, em sua argumentação de que Protágoras não teria feito nenhuma distinção, afirma que não há contradição entre as duas, porque, se o que parece a um indivíduo existe para ele, então o que parece a todos os homens existe para todos os homens. Bastante verdadeiro, se Protágoras acreditasse que havia alguma coisa que parecesse o mesmo para todos os homens. Mas não era a essência de seu ensino que não era assim? [Osório diz: “o mesmo” é por conta o autor! Aparece para todos da forma como cada qual a vê! A sente! Mas o homem pode convencer os demais que a sua forma de ver/sentir é a melhor e, assim, obter seus apoios/acordos. Essa a essência do professor de arete para Estado e família. Exemplo? A moda! Cada qual a vê de uma maneira, mas obtem-se acordo de que a produzida por um grife francesa é melhor e mais bonita! / Ver Gilbert sobre isso].

Depois de tudo isso é animador voltar para o senso comum de um historiador da literatura grega, Lesky, que diz em, sua Hist. Gr. Lit. p. 345: "Com certeza, a sentença se refere ao indivíduo. Quem duvidar disso deve sustentar que Platão mente ou engana-se... [Osório diz: qual a novidade? Ele só faz isso!] Se estivermos determinados a desacreditar Platão, ainda poderemos contar com outros autores [Aristóteles, Sexto [Osório diz: segundo Guthrie, Sexto distorce Protágoras, veja-se acima], cujo uso da palavra a hécastos mostra que também tomaram a sentença como referente ao indivíduo". [Osório diz: qual a importância disso? (ver em “Os sofistas” - Gilbert Romeyer-Dherbey) O “universal” (sempre resultado de um acordo) não é composto por cada homem em particular? Ademais, se todos sentissem/vissem a mesma coisa a coisa não seria única para cada um. Se o ver/sentir fosse coletivo, teríamos a tal verdade!].

Calógero (v. Untersteiner, Sophs. 90, n. 34) pensa que é a-histórico propor a questão, porque a distinção entre existência e essência não podia ter estado conscientemente presente na mente de Protágoras. [Osório diz: e por que não? Claro que poderia! Com a inteligência dele tudo é possível. O que não podemos afirmar, com o material que dispomos, é que esteve presente. Como em tudo, a dúvida se impõe].

Não precisamos descartar o último do argumento pela razão de que o homem não pode ser uma medida da existência de árvores e pedras (como o faz Nestle, VMzuL, 271): segundo uma filosofia de esse est percipi [Osório diz: tradução: “ser é ser percebido”] ele pode. Mas existe pouca importância em seguir esta linha, uma vez que todos os exemplos dados por Platão e Aristóteles são de propriedades ou atributos. São estes que interessariam a Protágoras como mestre de política, ética e retórica.” [Osório diz: mas é Platão quem fala de “vento” frio ou quente!]. [Osório diz: por que o “relativismo” de Protágoras se aplica a ética]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 172-181).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

87.6 – Retórica e Filosofia – outros modos de ver – ceticismo externo e moderado.

 

Ensina Guthrie:

 

Certo Xeníades de Corinto, que só conhecemos por uma referência em Sexto, também adotou ceticismo extremo por esta época. De acordo com Sexto, “ele disse que tudo era falso, que toda impressão e opinião é falsa, e que tudo o que vem a ser vem a ser do que não é e tudo o que é destruído é destruído no que não é”. Que argumentos usou, se é que usou, para sustentar sua tese nós não sabemos, e sua afirmação vale citar simplesmente como outro exemplo de má reputação em que as teorias rivais dos filósofos naturais e especialmente a lógica de Parmênides tinham levado todo o tema da natureza da realidade e da possibilidade de mudança [Osório diz: Parmênides é outro adotado por Platão, o advogado das causas impossíveis]. Foi Parmênides que atacou expressamente a idéia de que alguma coisa podia vir ao ser do que não é (fr. 8.6ss), mas toda a filosofia pré-socrática e na verdade todo pensamento grego até hoje baseou-se na suposição não-questionada de que ex nihilo nihil fit. [Osório diz: tradução: “nada surge do nada”]

Crátilo, contemporâneo mais jovem de Sócrates (Platão, Crát. 429d, 440d-), levou aos extremos a doutrina de Heráclito do fluxo ou nãopermanência de tudo no mundo sensível. Aristóteles, discutindo em sua Metafísica a doutrina cética de que toda afirmação é tanto verdadeira como falsa, ou alternativamente de que não se pode fazer nenhuma afirmação verdadeira, atribui-as a uma crença de que não há nenhuma existência fora do mundo sensível, em que (i) contrários emergem da mesma coisa, e (ii) tudo está constantemente se movendo e mudando [Melisso, fr. 8.3: “Parece a nós que o quente se torna frio e o frio quente, o duro se torna macio, o vivo morre, e nasce do não-vivo; que todas estas coisas mudam, e que o que era e o que é agora não são de nenhum modo iguais: o ferro que é duro é desgastado pelo contato com o dedo, como o são o ouro e a pedra e toda outra substância que parece dura, ao passo que da água vêm a terra e a pedra. Segue que nós não vemos nem reconhecemos o que é real (ta onta)”. … [Osório diz: isso sempre me leva ao dito de Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.]]. A última observação, continua ele (10 10a 10), se desenvolveu na mais extrema destas doutrinas, a dos "heraclitizantes" e de Crátilo, que finalmente decidiu que ele não devia dizer nada em absoluto, mas apenas movia o dedo, e criticou Heráclito por dizer que não se pode pisar duas vezes no mesmo rio pelo fato de não se poder sequer pisar uma vez. Ele evidentemente pensou (como se esperaria do que se põe em seus lábios no Crátilo de Platão) que pronunciar qualquer afirmação é entregar-se à afirmação de que algo é [(Presumivelmente ele não foi lógico a ponto de se negar discurso ao fazer a crítica de Heráclito). Esta argumentação é atribuída explicitamente a Antístenes; v. p. 197 abaixo. [Osório diz: que lógico nunca se contradisse ou qual deles encontrou a tal “verdade”?]]. [Osório diz: ver Barbara Cassin sobre Crátilo].

Na controvérsia do séc. V sobre nomos e physis, agora ficou claro que se devem distinguir duas posições entre os que eram filósofos suficientemente sérios para se preocuparem com implicações ontológicas e epistemológicas de suas idéias. (Isto não incluía todos os controversistas, pois o próprio argumento surgiu no contexto da ação humana prática e foi usado primariamente para advogar certa atitude para coma lei e a moralidade). Era possível pensar que lei e costume, e com eles a totalidade das impressões dos sentidos, deviam ser contrapostos enquanto mutáveis e relativos com uma natureza que era estável, permanente e conhecível, opondo como Demócrito o que era "por nomos" ao que era "na realidade". Pode ser que "realmente não conheçamos nada, pois a verdade está nas profundezas" (Democr. fr. 117), mas aí está a verdade, se pudermos cavar fundo e achá-la [Osório diz: o problema é que o buraco parece não ter fim!]. Alternativamente, sustentou-se que não havia nenhuma realidade objetiva e permanente atrás das aparências, e, " portanto, visto que estas eram puramente subjetivas, não havia nenhuma possibilidade de conhecimento científico. Nenhum filósofo natural acreditava nisto, mas os sofistas aproveitaram-se das inconsistências de suas [Osório diz: dos filósofos naturais] exposições como prova de que não se podia confiar neles. (Cf. Górgias, Hel, 13, p. 52 acima). Foi a estes céticos que Aristóteles criticou por fazer toda afirmação verdadeira e falsa, ou verdadeiras afirmações impossíveis, estando em seu número Protágoras e Górgias. Afirmou-se também que Antífon estava entre eles [ Assim Schmid: "Antífon adere ao ceticismo epistemológico de Protágoras e Górgias pelo fato de contestar a possibilidade do conhecimento real e se restringir dentro dos limites da doxa. Dentro desta moldura, ele distingue dois níveis de conhecimento: um mais elevado através da mente (gnome) e um mais baixo através dos sentidos, que a seu ver e ao ver dos eleatas e dos atomistas não pode comunicar nenhum conhecimento válido" (Gesch. 1.3.1,160). Todavia todos os outros pensadores contemporâneos, que distinguiam entre percepção mental e sensorial, associavam uma ao conhecimento real e a outra à doxa, e, na medida que posso ver, Schmid não produz nenhuma prova, absolutamente, para a surpreendente idéia de que Antífon, embora aceitasse ambos os modos de conhecimento, viu as funções de ambos igualmente confinadas dentro dos limites da doxa.].

O contraste entre pensamento e sentido. Na tradução de Morrison, reza: "Quando o homem diz uma coisa não há nenhum sentido (nous) correspondente, e também o tema de seu discurso não é nenhuma coisa, quer das coisas que o mais vigoroso observador vê com os olhos, quer das coisas que o mais vigoroso conhecedor sabe com sua mente." 56 [Osório diz: mas isso não é o que quiseram os sofistas? Eles apenas provaram os erros dos outros (caminho que era também trilhado por Sócrates) sem expor os seus! Embora seja isso o que ocorre na vida, Protágoras, no seu mito, deu a única saída possível para a vida em sociedade]

Nenhuma leitura ou interpretação pode extrair o sentido sem nenhuma sombra de dúvida, mas parece que Antífon critica a ambigüidade de linguagem e o sentido mutante das palavras, que as torna incapazes de expressar a realidade, com a implicação de que tal realidade constante exista. [Osório diz: o autor concorda para discordar?]

Ele [Osório diz: Antifonte] ilustrou o contraste entre natural e artificial, em passagem criticada por Aristóteles, dizendo que se alguém enterrasse uma cama de madeira e a madeira apodrecida lançasse um rebento, o que surgiria seria simples madeira, e não outra cama.

[Osório diz: Finalmente o autor, Guthrie, jogou a toalha para Górgias! E, ainda por cima, abandonou os estudos contestatórios do homem de Leontinos]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 188-191).

 

4

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

87.5 – Retórica e Filosofia: a gramática.

 

Ensina Guthrie:

 

O intenso interesse pelas possibilidades e pelos limites da linguagem deu início ao estudo gramatical (distinção de gêneros, partes do discurso e assim por diante), do que existem traços de Protágoras em diante.

O objetivo não era de fato científico, distinguir e codificar o uso existente, mas prático, reformar a linguagem e aumentar sua eficácia por correspondência mais estreita com a realidade ["A grammatike grega antiga era uma techne, arte ou habilidade, um estudo visando à prática; a fitologia [Osório diz: botânica.] moderna não é uma techne, mas ciência física. Toma o fenômeno universal do discurso humano por objeto, e só se interessa por certificar-se e coordenar os fatos". Este texto é do ensaio muito agradável de Murray sobre Os inícios da gramática grega (em Greek stud), onde também frisa a enorme diferença resultante do fato de que a grammatike só se interessa pelo discurso grego: "Os fenômenos que os grammatikoi gregos tratavam não era toda a língua humana. Era o Logos".]. [Osório diz: bela concessão! Mas isso prova que os filósofos com (distinguir e codificar) não são práticos. Contudo, Guthrie, insiste em dizer que Sócrates era prático, com o que, absolutamente, concordamos. Péricles deve ter percebido isso, daí ter optado por Protágoras para dar leis à Túrio].

Protágoras, diz-se-nos, foi o primeiro a dividir o discurso (logos) em quatro tipos básicos (phythemenes logon): pedido (ou prece) [Osório diz: embora se insista que Protágoras era ateu, e isso debe ser uma honra para qualquer racional, ver-se que ao falar em prece se pode perguntar: a quem se faz prece? Mas melhor mesmo que o tenhamos como ateu! Caso contrário poderia ele ter-se tornado um fanático, e assim, perdido sua racionalidade aguda!], pergunta, resposta, ordem; ou, segundo outras autoridades, em sete: narração, pergunta, resposta, ordem, relato, pedido, intimação. Pouco mais tarde Alcidamas disse que os quatro logoi eram afirmação, negação, pergunta e comunicação. Isto vem de uma fonte tardia, mas Aristóteles se refere à divisão quando na Poética (…) lembra que Protágoras criticou a Homero por escrever “Canta, deusa”, porque isso era uma ordem quando o que se requeria era uma prece. [Osório diz: Protágoras versus Homero. Crítica fulminante para os inícios, e mesmo depois, do pensamento dito racional, que se iniciava].

A distinção entre nome e verbo (rhema) ocorre em Platão, e, como observa Cornford (PTK, 307), introduz-se no Crátilo (425a) sem explicação como algo familiar, e, sendo assim, provavelmente foi feita antes por Protágoras ou algum outro sofista. [Osório diz: a quem Platão plagiou?].

Literalmente, rhema significa apenas “uma coisa dita”, e um nome é contraposto a ele como aquilo de que coisas são ditas. [Osório diz: ?].

Nomes e verbos são construídos de letras e sílabas, e de nomes e verbos compomos "algo de grande, belo e completo, o Logos, formado pela arte de nomear ou retórica ou o que quer que seja, da mesma forma como uma figura viva é composta pela arte do pintor". [Osório diz: a importância da retórica!].

O interesse de Protágoras pelo gênero dos nomes é atestado por um contemporâneo. Aristóteles nos diz que foi ele que dividiu os nomes em masculino, feminino e neutro (Arte Poética, 1407b7).

E isto se reflete nas Nuvens de Aristófanes. A peça contém, sob o nome de Sócrates [Osório diz: mas era Sócrates mesmo, basta querer vê-lo!], um ataque à pretensão de Protágoras de fazer do argumento mais fraco ("injusto") o mais forte e Strepsíades, que veio a Sócrates para aprender o argumento injusto para evitar o pagamento de suas dívidas [Osório diz: aparentemente, Aristófanes foi o primeiro deturpador! Nem Platão, nem Aristóteles chegaram a tanto! É que ele, filhadaputalmente, trocou fraco por injusto, quando a doutrina é: fazer do mais fraco o melhor. O mais fraco nem sempre é injusto! Os advogados vivem disso: tornar os argumentos de seus clientes os melhores. Um miserável, que embora seja a vítima, mas que não saiba expressar sua causa (a melhor, obviamente) a terá conhecida como a pior, a mais fraca!], fica desanimado ao descobrir que deve primeiro aprender "sobre nomes, quais deles são masculinos e quais femininos" [Osório diz: fantástico isso, pois Platão e Aristóteles apresentam os sofistas como “apenas ensinando a falar, sem se preocupar com o conteúdo da fala”, mas, aqui, ao contrário, demonstra-se que, para poder falar com a eficiência com a qual os sofistas faziam Atenas e Platão tremer, é necessário todo um preparo/conhecimento profundo e anterior, obviamene]. Sua falha (em comum com todos os seus compatriotas gregos) de distinguir animais de sexo diferente por terminações diferentes, e seu uso de artigo masculino com nomes que têm o que é comumente uma terminação feminina, lhe vale uma aguda censura de "Sócrates" [Osório diz: quem é mesmo que faz censuras agudas aos “ditos sábios que nada sabem”? Sócrates, por certo]. Esta crítica da gramática da linguagem comum que a corrige como ilógica e imprecisa aparece de novo na afirmação de Protágoras de que as palavras gregas para "fúria" e "capacete", que são femininas, deviam ser masculinas.

Pródico é mencionado no Eutidemo (277e) como alguém que insistiu na importância capital da "correção dos nomes", que Sócrates aí chama a primeira fase da iniciação nos mistérios dos sofistas. Sua especialidade era precisão no uso da linguagem e distinção acurada do significado das palavras comumente consideradas sinônimos.

Ele [Osório diz: Pródico] me censura, diz Sócrates no Protágoras (…) por usar uma expressão como “terrivelmente sagaz”. “Terríveis” (deinos) deve qualificar coisas desagradáveis como pobreza, doença ou guerra. [Osório diz: ela é terrivelmente linda! Nunca! Jamais!].

O mesmo diálogo [Osório diz: Eutidemo] contém uma paródia de seu ensino, um discurso um tanto pomposo em que ele distingue entre discussão e disputa, estima e louvor, prazer e gozo. No Laches (…) ele é mencionado, em conexão com a distinção entre coragem e falta de medo, como "o melhor dos sofistas em traçar distinções deste tipo". Aristóteles o apresenta listando gozo, deleite e satisfação como subdivisões de prazer, e em conexão com isso um comentador tardio lhe credita a "invenção" da "exatidão verbal" [terpsis, chara e euphrosyne, Ar. Top. 112b22; cf. coment. sobre Phaedr. = Hermias, p. 283 Couvreur (não em DK, mas acrescentado por Untersteiner, Sof. II 173s): Pródico ten ton onomaton euren akribeian. Segundo o comentador, terpsis era o prazer pelos ouvidos, chara prazer da mente, e euphrosyne prazer visual; uma classificação que, se realmente de Pródico, mostra uma vez mais o caráter normativo antres que descritivo deste tipo de ensino, pois dificilmente corresponde ao uso ordinário. (No discurso de Pródico no Protágoras, euphrainesthai é contrastado por hedesthai, e é definido como o gozo resultante do exercício do intelecto). O comentador, porém, provavelmente terá introduzido uma classificação estóica. Cf. Alex. em DK, 84 A 19, e veja sobre isto Classen em Proc. Afr. C. A 1959, 39s. Classen pensa que até Aristóteles confundiu Pródico com diairesis platônica.].

Talvez a coisa mais interessante a este respeito seja a evidência de relacionamento pessoal entre Pródico e Sócrates, que se refere a ele várias vezes em Platão como aluno e amigo de Pródico [Concordo com H. Gomperz (S. u. R. 93) que estas alusões não se podem descartar como gracejos sem nenhum fundamento histórico. [Osório diz: de onde se tira tal conclusão? Deveria Guthrie explicar, já que quer explicação de tudo, com justa razão]]. A insistência de Pródico em distinguir precisamente entre palavras de significado estreitamente relacionadas tem afinidades óbvias com o hábito socrático de apertar o interlocutor e obrigá-lo a dizer o que é coragem, temperança, virtude, ou qualquer coisa que seja objeto de sua discussão [Osório diz: embora ele mesmo não diga, mas seja, por isso, aplaudido por muitos] — qual seja sua forma ou ser; e o ensino de Pródico pode bem ter tido influência em dirigir seu pensamento por estas linhas. Se, como escreveu Calógero, "a diferença entre as duas aproximações é muito aguda", Pródico, preocupando-se apenas pelo "falar correto" e Sócrates interessando-se pela "coisa real" [Osório diz: acima tem-se as coisas reais! Coragem, temperança, virtude...], ou se, como o propõe W. Schmid, a arte de divisão de Pródico foi uma "fertilização científica da esfera socrática de pensamento" e "sua tentativa de aguçar e regulamentar o uso da linguagem por exigências lógicas uma preparação, sem dúvida, valiosa para o esclarecimento conceitual da linguagem literária”, [Osório diz: bem melhor a avaliação de Pródico] é questão que será tratada mais tarde [Para estimativas ulteriores do valor da obra lingüística de Pródico v. Grant, Ethics, 1, 124s. ("Devemos reconhecer o mérito desta primeira tentativa de separar os diferentes matizes da linguagem, e de fixar uma terminologia" etc.) [Osório diz: esse tal de Grant só podeia estar bêbado ao valorizar o sofista! Daí o nome do uísque!]; H. Gomperz, S. u. R. 124-6 (o objetivo da instrução era retórica – de outra forma jovens não lhe teriam pago 50 dracmas por vez para ouvi-lo! — todavia "aus der Bedeutungslehre des Prodikos ist die Begriffsphilosophie des Sokrates erwachsen" [Osório diz: tradução?]); e outras autoridades referidas em Untersteiner, Sophs. 225, n. 66. Untersteiner não está muito correto ao dizer na p. 215 que "todos os estudiosos estão de acordo" sobre a questão.]. Pode-se acrescentar aqui, porém, que Pródico como os sofistas tinha alta reputação como orador político e deu exibições públicas pagas de eloquência, e também, como Protágoras, empreendeu o ensino da arte do sucesso na política e na administração de Estados. É, portanto, provável que sua insistência em linguagem precisa tenha ocorrido no contexto do ensino da retórica [Osório diz: e qual o problema nisso, como transparece da insinuação de Guthrie?]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 205-208).

 

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