Sofística
(uma biografia do conhecimento)
87.6 – Retórica e Filosofia – outros modos de ver – ceticismo externo e moderado.
Ensina Guthrie:
“Certo Xeníades de Corinto, que só conhecemos por uma referência em Sexto, também adotou ceticismo extremo por esta época. De acordo com Sexto, “ele disse que tudo era falso, que toda impressão e opinião é falsa, e que tudo o que vem a ser vem a ser do que não é e tudo o que é destruído é destruído no que não é”. Que argumentos usou, se é que usou, para sustentar sua tese nós não sabemos, e sua afirmação vale citar simplesmente como outro exemplo de má reputação em que as teorias rivais dos filósofos naturais e especialmente a lógica de Parmênides tinham levado todo o tema da natureza da realidade e da possibilidade de mudança [Osório diz: Parmênides é outro adotado por Platão, o advogado das causas impossíveis]. Foi Parmênides que atacou expressamente a idéia de que alguma coisa podia vir ao ser do que não é (fr. 8.6ss), mas toda a filosofia pré-socrática e na verdade todo pensamento grego até hoje baseou-se na suposição não-questionada de que ex nihilo nihil fit. [Osório diz: tradução: “nada surge do nada”]
Crátilo, contemporâneo mais jovem de Sócrates (Platão, Crát. 429d, 440d-), levou aos extremos a doutrina de Heráclito do fluxo ou nãopermanência de tudo no mundo sensível. Aristóteles, discutindo em sua Metafísica a doutrina cética de que toda afirmação é tanto verdadeira como falsa, ou alternativamente de que não se pode fazer nenhuma afirmação verdadeira, atribui-as a uma crença de que não há nenhuma existência fora do mundo sensível, em que (i) contrários emergem da mesma coisa, e (ii) tudo está constantemente se movendo e mudando [Melisso, fr. 8.3: “Parece a nós que o quente se torna frio e o frio quente, o duro se torna macio, o vivo morre, e nasce do não-vivo; que todas estas coisas mudam, e que o que era e o que é agora não são de nenhum modo iguais: o ferro que é duro é desgastado pelo contato com o dedo, como o são o ouro e a pedra e toda outra substância que parece dura, ao passo que da água vêm a terra e a pedra. Segue que nós não vemos nem reconhecemos o que é real (ta onta)”. … [Osório diz: isso sempre me leva ao dito de Lavoisier: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.]]. A última observação, continua ele (10 10a 10), se desenvolveu na mais extrema destas doutrinas, a dos "heraclitizantes" e de Crátilo, que finalmente decidiu que ele não devia dizer nada em absoluto, mas apenas movia o dedo, e criticou Heráclito por dizer que não se pode pisar duas vezes no mesmo rio pelo fato de não se poder sequer pisar uma vez. Ele evidentemente pensou (como se esperaria do que se põe em seus lábios no Crátilo de Platão) que pronunciar qualquer afirmação é entregar-se à afirmação de que algo é [(Presumivelmente ele não foi lógico a ponto de se negar discurso ao fazer a crítica de Heráclito). Esta argumentação é atribuída explicitamente a Antístenes; v. p. 197 abaixo. [Osório diz: que lógico nunca se contradisse ou qual deles encontrou a tal “verdade”?]]. [Osório diz: ver Barbara Cassin sobre Crátilo].
Na controvérsia do séc. V sobre nomos e physis, agora ficou claro que se devem distinguir duas posições entre os que eram filósofos suficientemente sérios para se preocuparem com implicações ontológicas e epistemológicas de suas idéias. (Isto não incluía todos os controversistas, pois o próprio argumento surgiu no contexto da ação humana prática e foi usado primariamente para advogar certa atitude para coma lei e a moralidade). Era possível pensar que lei e costume, e com eles a totalidade das impressões dos sentidos, deviam ser contrapostos enquanto mutáveis e relativos com uma natureza que era estável, permanente e conhecível, opondo como Demócrito o que era "por nomos" ao que era "na realidade". Pode ser que "realmente não conheçamos nada, pois a verdade está nas profundezas" (Democr. fr. 117), mas aí está a verdade, se pudermos cavar fundo e achá-la [Osório diz: o problema é que o buraco parece não ter fim!]. Alternativamente, sustentou-se que não havia nenhuma realidade objetiva e permanente atrás das aparências, e, " portanto, visto que estas eram puramente subjetivas, não havia nenhuma possibilidade de conhecimento científico. Nenhum filósofo natural acreditava nisto, mas os sofistas aproveitaram-se das inconsistências de suas [Osório diz: dos filósofos naturais] exposições como prova de que não se podia confiar neles. (Cf. Górgias, Hel, 13, p. 52 acima). Foi a estes céticos que Aristóteles criticou por fazer toda afirmação verdadeira e falsa, ou verdadeiras afirmações impossíveis, estando em seu número Protágoras e Górgias. Afirmou-se também que Antífon estava entre eles [ Assim Schmid: "Antífon adere ao ceticismo epistemológico de Protágoras e Górgias pelo fato de contestar a possibilidade do conhecimento real e se restringir dentro dos limites da doxa. Dentro desta moldura, ele distingue dois níveis de conhecimento: um mais elevado através da mente (gnome) e um mais baixo através dos sentidos, que a seu ver e ao ver dos eleatas e dos atomistas não pode comunicar nenhum conhecimento válido" (Gesch. 1.3.1,160). Todavia todos os outros pensadores contemporâneos, que distinguiam entre percepção mental e sensorial, associavam uma ao conhecimento real e a outra à doxa, e, na medida que posso ver, Schmid não produz nenhuma prova, absolutamente, para a surpreendente idéia de que Antífon, embora aceitasse ambos os modos de conhecimento, viu as funções de ambos igualmente confinadas dentro dos limites da doxa.].
O contraste entre pensamento e sentido. Na tradução de Morrison, reza: "Quando o homem diz uma coisa não há nenhum sentido (nous) correspondente, e também o tema de seu discurso não é nenhuma coisa, quer das coisas que o mais vigoroso observador vê com os olhos, quer das coisas que o mais vigoroso conhecedor sabe com sua mente." 56 [Osório diz: mas isso não é o que quiseram os sofistas? Eles apenas provaram os erros dos outros (caminho que era também trilhado por Sócrates) sem expor os seus! Embora seja isso o que ocorre na vida, Protágoras, no seu mito, deu a única saída possível para a vida em sociedade]
Nenhuma leitura ou interpretação pode extrair o sentido sem nenhuma sombra de dúvida, mas parece que Antífon critica a ambigüidade de linguagem e o sentido mutante das palavras, que as torna incapazes de expressar a realidade, com a implicação de que tal realidade constante exista. [Osório diz: o autor concorda para discordar?]
Ele [Osório diz: Antifonte] ilustrou o contraste entre natural e artificial, em passagem criticada por Aristóteles, dizendo que se alguém enterrasse uma cama de madeira e a madeira apodrecida lançasse um rebento, o que surgiria seria simples madeira, e não outra cama.
[Osório diz: Finalmente o autor, Guthrie, jogou a toalha para Górgias! E, ainda por cima, abandonou os estudos contestatórios do homem de Leontinos]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 188-191).