Sofística
(uma biografia do conhecimento)
130 - Conclusão:
Portanto, como dito inicialmente, estes são os frutos dos estudos de Osório, que ficará extremamente feliz se eles forem retomados, corrigidos e aperfeiçoados, pois são apenas o iniciar de uma caminha que não tem fim, embora tenha objetivo, que não se sabe se será alcançado, mas que dá enorme felicidade apenas em ser buscado.
A despeito de tudo que tinha estudado até então, Osório percebeu que ainda não aprendera nada, que lhe faltavam inúmeros conhecimentos sobre tudo, que ainda não havia lido inúmeros livros que precisa ler, que ainda não havia visto vários filmes, assistido incontáveis peças de teatro, ido a inumeráveis sítios arqueológicos e cidade históricas, mas estava feliz com uma coisa: ainda estava viva dentro de si a chama do amor pelo conhecimento em todos os seus aspectos, inclusive aqueles que negavam o próprio conhecimento, que interpreta como uma forma de forçá-lo ainda a aprender mais, aprender sempre, e era isso que estava fazendo naquela viagem pela cultura quando adormeceu vencido pelo cansaço e o sono.
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(uma biografia do conhecimento)
129 – Dali e a realidade ou falsidade dos sentidos.
É Barbara Cassin quem diz:
“Cisnes refletindo elefantes, por Salvador Dalì
Três cisnes e mais alguns nadam em uma lagoa cercada de rochas, com uma ilha central onde despontam árvores mortas. Tudo se reflete como deve ser. O primeiro e o último cisnes estão um pouco indistintos e sua imagem, igualmente, se embaraça com a dos troncos, enroscada por serpentes ou tentáculos, mesmo escorada como um relógio mole. Mas, quanto aos do meio, não há dúvida, o pescoço flexível parece uma tromba e a penugem das asas se reproduz em rugosas orelhas, O espelho d'água opera essa miragem: a repetição do cisne é um elefante.
O pintor, sem dúvida, não tem nada a ver com isso; a face voltada em direção ao lado rochoso, tudo se passa ostensivamente às suas costas, ele não sabe nada disso, não quer saber nada, isso não-lhe diz respeito. Um cisne sozinho aí também não poderia nada, são necessários a água e o céu, o rochedo que forma um corpo, o tronco de reflexo detido pela margem, que forma uma pata, é necessário então um fundo para que a identidade seja assim catastrofada.
O quadro de Salvador Dali ilustra brutalmente um dos dois destinos possíveis da identidade. Ou bem a identidade triunfa no progresso dialético, consentindo em se perder na alteridade para se revelar ainda mais rica, como identidade do idêntico e do não-idêntico, até a unidade do Espírito Absoluto. Ou bem, conforme à sua completamente tola identidade, ela se reproduz, se repete, se reitera. Ora, quanto mais essa iteração é automática e exata, reflexo do cisne no espelho imediato das águas, mais violenta é a diferença entre a ave de Zeus e o paquiderme das selvas.
A catástrofe inerente à identidade não dialética se deve ao fato de que ela só pode ser inteiramente a mesma ou completamente uma outra. No passeio econômico-ecológico de Leibniz, duas folhas não diferem jamais solo numero, apenas pelo número: duas vezes o mesmo um não faz dois, nem mesmo um e mais um, mas sempre ainda um só e único um. Esse rigor dos indiscerníveis obriga a mínima diferença, o infinitesimal, a ser ao mesmo tempo infinitamente grande, já que ela faz passar imediatamente de uma entidade a uma outra, de um indivíduo ao outro. Assim pintado, o cisne difere de seu o-mais-ele-mesmo, de sua imagem, bem como de um o-mais-outro, de um elefante.
Um, o cisne, que significa: ave mais que ave de brancura originária onde se encarna o deus grego para seduzir, seu canto bem ligado à morte, êxtase de si mesmo, as asas do poema.
O outro, com a pele tão espessa que aí ricocheteiam os tiros, pedestre exótico, ou melhor bárbaro, que desenraíza ao passar com indiferença e sem esforço, monstruoso — terrificante, admirável — e entretanto, ou por isso mesmo, sábio.
Um é — por qual repartição da água, segundo qual prestígio do é? —, um é o outro.
Em meu bestiário à vista do quadro, tratou-se, com o cisne hespérico, do primeiro poeta-poema, o Poema (de) Parmênides. Do elefante invulnerável e teratológico, bárbaro e "sofo", de Górgias e de seu Tratado do não-ser, sofista como o mais mesmo-o mais outro, alter ego do filósofo, até Sócrates para si mesmo seu próprio reflexo torpedeado. Aí, sem dúvida, pela primeira ou exemplar vez, contra o fundo da linguagem e com o autor voltando as costas, o cisne da identidade se catastrofou em elefante.
E,
Essa repetição catastrófica do gesto do engajamento se faz, entendemos, por meio de uma outra repetição, aquela constitutiva da proposição de identidade. A identificação do sujeito exige sua repetição em predicado e a afirmação da identidade dos dois: ela implica, então, simultaneamente o enunciado de sua diferença. É em toda literalidade que o cisne é elefante, desde que o não-ser é não-ser; pois, no grego como no francês, os dois termos não são mais idênticos que o cisne e sua imagem — e mais ainda no grego, onde, na falta de uma taxinomia normativa, o predicado só é reconhecido em toda legalidade gramatical com a ausência do artigo. O artigo obrigatório diante do sujeito é a marca de sua consistência, de sua substancialidade; indica que toda posição de um sujeito em uma proposição de identidade implica uma pressuposição de existência, ou ainda, que, para dizer o não-ser é não-ser, é sempre necessário já ter proferido: o não-ser é. À linearidade do discurso compete recortar essa catástrofe, assim como a paisagem detém em forma de elefante o reflexo do tronco onde o cisne se apoia.
Essa aparente montagem e a sofisticação do quadro não são brincadeiras, mesmo maldosas. O sofista, longe de se refugiar no não-ser como em um abrigo inexpugnável como censura Platão, torna simplesmente manifesto que a exceção, o equívoco, em uma palavra o sofisma, são o erro do outro, que eles se devem ao é e a seu tratamento ontológico. Pois é antes a identidade do ser consigo mesmo que faz jogo de palavras. Com o ser é ser, a diferença entre sujeito e predicado é insensível, como que anestesiada, já que as duas sequências o ser é e o ser é ser se confirmam e até se confundem, assim como os dois sentidos, existência e cópula, do é. Longe do sofisma lucrar com um equívoco, é ao contrário o enunciado de identidade tradicional que se serve da do é, explora-a e dissimula-a, para erigi-la em regra. Só o caso do não-ser permite tomar consciência do curso do discurso e da diferença normalmente inscrita no enunciado de identidade: é o não é que deve se tornar a regra do é. O sofisma produz assim a falta constitutiva da origem e, ao assegurá-la, (d)enuncia a origem como falha equívoca do sofisma.
Os sofistas, como Dali, profissionais da catástrofe — catástrofes ambulantes que sustentam, em seu percurso, que Helena de Tróia é a mais culpável das mulheres e, no dia seguinte, à mesma hora, no mesmo lugar e com o mesmo efeito persuasivo, que Helena é uma vítima inocente —, introduzem um mundo onde só há o ouvir. Para dizê-lo, com o verbo forjado por Aristófanes sobre o nome próprio do mais renomado dentre eles, gorgianizam; traduzamos: propalam — com a diferença que por si só qualquer enunciação basta para inscrever no enunciado — a catástrofe inerente ao dizer da identidade, e fazem ressoar a fala, por mais original que seja, como um fluxo sonoro, o curso de um discurso. É assim que o cisne é, apesar do que se diz, um elefante.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 23-24, 26-27).
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128 – Sofistas – por que estudá-los.
Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:
“Os Sofistas possuem, como veremos, personalidades e doutrinas muito diferentes. Quais são, portanto, os traços comuns que lhes proporcionam uma denominação semelhante? Talvez um determinado número de temas, como o interesse prestado a problemas sobre a linguagem, à problemática das relações entre a natureza e a lei, por exemplo. Mas não é isto o mais importante. A semelhança que une estas individualidades distintas está antes num momento histórico e num estatuto sócial.” [Osório diz: Por que estudar os Sofistas]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 10).
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127 – Unidade da Sofística – balanço do movimento sofístico.
Doutrina Gilbert Romeyer-Dherbey:
“A diversidade das doutrinas de que acabamos de tentar a reconstrução e a sua clara originalidade não nos permitem caracterizar um sistema de pensamento único, cujo nome seria “sofística” e que se oporia à “filosofia”. Cientificamente, não pode realizar-se a miscelânea de Protágoras e de Górgias, de Pródico e Trasímaco, de Hípias e de Antífon, para obter uma essência sofística, já que os Sofistas históricos se opuseram frequentemente entre si no plano doutrinal.
A unidade do movimento sofístico é antes uma unidade exterior, que traça uma espécie de estatuto social: os Sofistas querem-se educadores e sábios que trocam os seus serviços contra remuneração direta com o utilizador. Sob o ponto de vista do pensamento, a sofística não é um gênero; poderá então opor-se ainda monoliticamente à filosofia, também ela entendida monoliticamente? Esta oposição global não é, no fundo, senão própria da filosofia platônica e válida para ela, mas a oposição de Platão não é a de um historiador imparcial da filosofia.
Os Sofistas devem, pois, tal como os outros pré-socráticos, ser estudados individualmente e reintegrados na história da filosofia propriamente dita. Muitas das teses professadas por eles serão, aliás, retomadas pelos filósofos ulteriores, e julgamos ter mostrado que o seu esforço de pensamento não nos permite classificar os Sofistas como puros charlatães, fabricantes e negociantes de ilusões [Osório diz: parece que, ao final e ao cabo, quem é tudo isso é o acusador, no caso Platão!]. Não se pode ver neles os mestres do (p. 117) irracionalismo, ainda que as suas concepções são muitas vezes diferentes das da filosofia platônico-aristotélica [Osório diz: mas até agora não se chegou a uma “racionalidade incontestável”, o que significa que, tudo permanece irracional!].
Sem dúvida, será devido a uma idéia mais ampla e mais compreensiva da razão que a filosofia moderna fará sair os Sofistas da marginalidade em que foram mantidos. Aristóteles censura Homero por ter dito que Heitor, derrubado por uma pancada, jazia “raciocinando de maneira diferente”; Aristóteles não quer ver no allophronein senão um paraphronein, isto é, no pensamento outro senão um pensamento alienado, um não-pensamento. Mas esta concepção de uma razão absoluta é essencialmente grega? O exemplo de Homero parece provar o contrário; um pensamento homérico teria tomado as concepções sofísticas por uma razão diferente da razão platônico-aristotélica, não por uma des-razão ou uma de-mência. Antístenes pensava que não se podia dizer nada, mas simplesmente dizer outra coisa do que aquilo que era exigido; mesmo se o helenismo dos Sofistas diz outra coisa que o dos filósofos pós-socráticos, a sua fala não é nada, não é o inquietante vagabundo do Não-Ser que nos arrastaria para muito longe da verdade. O helenismo não é compacto, atravessam-no muitas correntes opostas, e a conservação de certos textos, o desaparecimento de outros, contribuiu para nos dar uma visão que privilegia exclusivamente tal aspecto em detrimento daquele outro. Convém, portanto, corrigir as nossas perspectivas restituindo a palavra, na medida do possível, às vozes que sussurram através de escritos desastrosamente fragmentários. Assim, pode operar-se um reequilíbrio na leitura do pensamento grego, reequilíbrio que o paciente trabalho da filologia e da filosofia modernas torna agora, algumas vezes, viável. Este trabalho está longe de estar encerrado, a tal ponto que não pareceria demasiada presunção dizer: a Grécia ainda está longe!” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 117-118).
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126 – Sofística – restauro de seus ensinamentos (reabilitação).
Ensina Guthrie:
“Desde a década de trinta, assistimos, porém, a um movimento vigoroso para restaurar os sofistas e sua parentela como campeões de progresso e ilustração, e um afastamento de Platão como fanático reacionário, que, denegrindo sua reputação, assegurou a rejeição de seus escritos.
(...)
Popper ...Para ele representam os pioneiros do pensamento liberal e democrático na Grécia, ...”hoje a amizade com Platão encontra-se sobretudo entre os estudiosos (e seus amigos e discípulos) cuja visão dele antecipou o surgimento do nazismo”. ...o objetivo do partido nazista alemão, tal como se descreve em seu programa oficial, era produzir “guardiães no sentido platônico mais elevado”.
Psicanalítica ...Platão o homossexual dominado pela culpa com premência irresistível de domínio. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 15).
É Barbara Cassin quem diz:
“Em primeiro lugar, podemos facilmente mostrar que as reavaliações sucessivas que a sofística conheceu são, em resumo, apenas exaltações das desvalorizações primitivas: consistem em atribuir um valor positivo ao que Platão estigmatiza. Assim se explica, por exemplo, o caráter paradoxal de algumas posições modernas, que continuam a utilizar o termo "sofisma" no sentido usual desde Platão, ao mesmo tempo em que propõem uma "reabilitação dos sofistas". [Osório diz: reabilitação “pero no mucho”!].
O passe é feito depressa. No plano teórico, os sofistas tratam de não-ser, e dos fenômenos ou dos acidentes: Hegel, em suas lições sobre a história da filosofia, mostra o quanto Górgias tem logicamente razão em insistir sobre o não-ser do ser, e como Protágoras inaugura "a reflexão na consciência". No plano prático os sofistas platônicos são imorais, preferindo o poder e o dinheiro: Nietzsche, invertendo os valores, faz o elogio de Cálicles não sem propor, dessa vez acompanhando um certo Platão, voltar ao "cuco Sócrates" em toda a sua ambivalência. Enfim, sua habilidade retórica tão perniciosa é valorizada como politicamente necessária ao bom funcionamento das assembléias da democracia, assim como acentua George Grote e, segundo a análise de Heinrich Gomperz, como portadora de normas estéticas e pedagógicas. [Osório diz: o elogio de Cálicles!].
As interpretações mais recentes não são de forma alguma exceção. G. B. Kerferd, por exemplo, em The Sophistic Movement, se surpreende de que, em um mundo tão pouco platônico como o nosso, a rejeição da sofística permaneça tão mal questionada. Mas em sua própria reinterpretação, pinta a imagem de uma sofística hiper-racionalista, aplicando "a razão para buscar a compreensão dos processos tanto racionais quanto irracionais": os sofistas têm finalmente sempre, para Kerferd, como para Platão e Aristóteles, o defeito/o mérito de querer dizer adequadamente a indizível realidade fenomenal.” [Osório diz: Crítica a Kerferd]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990,p. 15-16).
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125 – Depois da Sofística: a decadência!
Diz Guthrie:
“Agora, se pensarmos nas grandes coisas que estão adiante — as filosofias de Platão e Aristóteles, a ser seguidas pelos estóicos, epicureus e outras filosofias da idade helenística — não cabe nenhuma dúvida de que, o que quer que se possa passar com a história grega em geral, com os sofistas o pensamento grego entrou não em seu declínio mas em sua primeira maturidade.” (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 51).
E prossegue Guthrie:
“Para um contemporâneo hostil como Aristófanes, as idéias sofistas eram sintoma de declínio. Os grandes dias da Grécia foram os das guerras persas, quando homens eram homens. Coragem e dureza, simplicidade de vida, altos padrões morais foram todos atribuídos a esta geração imediatamente anterior. Agora, lamentava ele, todos os padrões estão sendo abandonados e ninguém pode distinguir certo de errado, ou, se podem, espalhafatosamente acolhem o errado e desprezam o certo. A geração jovem é amante da luxúria, efeminada, imoral e covarde. Basta ver os dramas: os escritos teatrais não mais escolhem temas elevados e nobres como Esquilo o fez. Em vez disso, temos Eurípedes com seus teatros de adultério, incesto e velhacaria, seu alarde do baixo e sórdido, sua conversa de trocadilhos e jogos de palavras sem fim. Tudo isso, pensava Aristófanes, vinha do seguimento da nova ciência atéia e a nova moralidade dos sofistas. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 50).
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124 – O que e por que do “sofisticídio”?
Era “necessário” e “compreensivo” que o nome e o ensinamentos desses homens fossem “riscados do mapa” da cultura.
Eles não ensinavam nada, mas conseguiram provar que o que se ensinava não tinha “certeza e verdade” que aqueles que ensinavam e ensinam (até hoje) dizem que tem.
Seu lema (da Sofística) pode ser resumido assim: “eu não sei, mas tu também não sabes”.
É que os que os antecederam (no caso, os ditos pré-socráticos, melhor seria pré-sofistas) “foram lá e pensaram”, sem se questionarem sobre o próprio pensamento. Vieram os Sofistas e questionaram a própria possibilidade de pensar ao se colocarem a questão: “é possível conhecer?”. Se for possível, “qual o limite do conhecimento?”. E mais, “é possível para aquele que conhece, transmitir para outro seu conhecimento?”.
Eles fizeram questionamentos sobre tudo: política, ética, direito, religião etc., e foi justamente por mostrarem que as bases de tudo isso era (e é) muito frágil que “caíram em desgraça”, pois:
a) quem vai aceitar, por exemplo, alguém que ensina que “na política vale a lei do mais forte”?
b) que a “ética depende de quem a pratica, não existindo uma mais certa e melhor que a outra”?
c) que o “direito existe para preservar o interesse de quem o cria”?
d) que “os deuses não existem. Que são criações do homem”?
As três primeiras questões até que podiam ser toleradas por aqueles que sãos (ou foram) os guardiões da cultura (ou a conservaram), qual seja, as religiões. A última questão, entretanto, era e é intolerável, pois com ela as religiões perdem o seu próprio fundamento, sua própria razão de ser.
Melhor e imprescindível será para as religiões cometer o “sofisticídio”, ou seja, matar a Sofística, riscando-a do mapa, como se não tivesse existido, ou caso isso não seja possível, como se mostrou, relegando-a à insignificância. A um nada!
Mas como pode existir esse nada se Platão, aquele “filósofo-poeta-dramaturgo” que foi elevado pelas religiões à própria condição de “um deus” (ele, afinal, criou um outro mundo!), ter dedicado vários de seus diálogos (ou significativa parte de sua obra) a combater esse “nada”?
Se era um nada, precisava ser combatido?
E não foi somente Platão! Seu discípulo mais famoso e especial contraditor, Aristóteles, também gastou muita tinta para combater o “nada”!
Mas o homem já venceu seus medos e os medos que lhe faziam! E, com isso, tornou-se adulto o suficiente para conhecer o seu mundo.
Isso leva a uma reabilitação dos Sofistas?
A reabilitação dos Sofistas, dentre outras razões, ocorreu, especialmente, pela e com a “munição” fornecida para “tentar matá-los”, e aquilo que seria um “homicídio” consumado transformou-se em “mera tentativa de homicídio”.
Mas, embora a pena para a tentativa seja menor que a pena para o homicídio consumado, certamente que aqueles que tentaram matá-los preferiam a pena maior, pois seu objetivo, sem dúvidas, era a morte pura e simples do Movimento Sofístico.
É que os reabilitares colocaram-se a questão: “por que tamanha e feroz combatividade contra pessoas que nada disseram e que, portanto, nada têm a dizer?”.
Se, desde a dupla Platão e Aristóteles e os demais filósofos que os seguiram, se combate tanto a pensamentos tão insignificantes, é, certamente, por eles não serem tão insignificantes assim, caso contrário não mereciam tamanha atenção, pois como diz o dito popular “não se atiram pedras em árvores que não dão frutos”.
Os historiadores da filosofia (e que são também filósofos, ou se tornaram) dedicam ao capítulo “Os Sofistas” em suas volumosas obras nada mais que poucas linhas, isso quando são citados!
E essa reduzida exposição e/ou omissão contradiz a volumosa obra platônico-aristotélica dedicada ao tema!
Se os “deuses” da sabedoria falaram tanto sobre os (ou dos) Sofistas, por que os historiadores dizem tão pouco sobre eles?
Eis o mote para a reabilitação.
Jacqueline de Romilly nos diz:
“Silêncio, por outro lado – e isso pode ser mais grave –, sobre os aspectos mais técnicos da atividade dos sofistas. Alguns se ocuparam das matemáticas, como Hípias e Antifonte, e trouxeram novidades a este campo. Outros se ocuparam do exercício da memória, como o próprio Hípias. Vários deles contribuíram para a história, estabelecendo diversas coleções de fatos. Esses aspectos de suas atividades devem ser relembrados, porém, não os estudaremos aqui, a fim de ter em conta a atenção do leitor, e para melhor separar a continuidade geral da aventura intelectual que estava em jogo.
Pelas razões já indicadas, na interpretação das obras deixamos de lado as que já se tenham feito em nome das filosofias posteriores: queremos limitarmo-nos ao que podiam compreender os leitores da época. É, talvez, um pouco menos sugestivo, mas, em todo caso, mais adequado à preocupação da verdade histórica.
Por último, em nome dessa mesma preocupação, não fizemos intervir nunca o que se chamou de segunda sofística, um movimento intelectual baseado na retórica e inspirado no exemplo dos sofistas do século V. Essa segunda sofística se situa no século II d. C., ou seja, sete séculos depois da primeira, que é a que nos ocupa; a que surgiu bem depois está muito mais consagrada à retórica que a primeira e mais aberta às tendências irracionais que floresciam à época. Repetimos que essa abordagem é interessante para quem reflete sobre a retórica ou sobre a linguagem, caso de quem busca compreender o que aconteceu e se pensou na Atenas do século V.
Essas escolhas impõem, portanto, certo número de abandonos. Porém, em troca, fundam uma esperança, que é a esperança de reparar uma injustiça.
Pois aí está o nó da questão: esses mestres foram grandes mestres. Mas também foram acusados de ser maus mestres. Em diversas épocas, e já na Atenas de então, foram atacados publicamente. De fato, foram acusados de tudo: arruinar a moral, rejeitar todas as verdades, semear a má-fé liberar as ambições e causar a perdição de Atenas. Platão teve seu papel nesse movimento de protesto; mas não foi o único. E o resultado foi que o belo título que haviam adquirido ao se intitularem “sofistas”, ou melhor, especialistas em sabedoria, se converteu, em seguida, e assim permanece até nosso tempo, em sinônimo de homens retorcidos. Por que? Como? Esses homens eram pouco dignos de ter os discípulos que tiveram? Eram tão ímpios? Ou ainda, houve tantos mal-entendidos? E, nesse caso, de onde vêm tais mal-entendidos?
Essas perguntas são aquelas sobre as quais nos detivemos, estimulado e detido de novo e vagamente no curso de muitos anos de investigação e leitura; e são elas que formam o tema deste livro.”
(Fonte: Os grandes sofistas da Atenas de Péricles. Jacqueline de Romilly. Tradução: Osório Silva Barbosa Sobrinho. Octavo. São Paulo. 2017, p. 40-42).
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(uma biografia do conhecimento)
123 – A degeneração dos atenienses.
Kerferd ensina:
“A questão da alegada degeneração dos atenienses levanta maiores controvérsias e talvez seja suficiente mencionar a resposta do historiador Grote, que declarou que o caráter ateniense não era realmente corrupto entre 480 e 405 a.C. Mas a questão da natureza dos ensinamentos dos sofistas é exatamente o tema deste livro e será comentada cabalmente mais tarde [Osório diz: seria necessário ver o conteúdo da obra, haja vista que esse período coincide, exatamente, com o final da guerra do Peloponeso, onde a moralidade foi invertida, mas não por obra dos Sofistas!]. A esta altura, talvez seja interessante lembrar uma outra caracterização da opinião corrente sobre os sofistas, uma descrição clássica prevalecente antes da reconsideração do século XIX.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 16).
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(uma biografia do conhecimento)
122 – Sofistas modernos.
Ensina Kerferd:
“Tudo bem, pode-se responder. De fato pode-se procurar a verdade sem compromisso com uma realidade transcendente. Mas e se os sofistas fossem o equivalente dos modernos jornalistas ou publicitários, no que têm de pior — não interessados na realidade transcendente, com certeza, mas igualmente não interessados também nas verdades empíricas, simplesmente preocupados com o que pode ser revestido de suficiente aparência de verdade para persuadir ou enganar o público? Isso bastaria para explicar a vasta série de assuntos discutidos pelos sofistas. Essa é, de fato, a opinião tradicional sobre a natureza do movimento sofista.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 296).
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(uma biografia do conhecimento)
121 – A atualidade da Sofística (o mundo é sofista!).
Esse talvez o grande “pecado”, embora a maior prova da genialidade da Sofística: ter comprovado que o mundo é Sofista!
I. Para tudo há, realmente, dois discursos. Basta ver a atuação dos políticos, advogados, jornalistas, país e filhos, gostos, deuses e diabos e tudo o mais (os que acusam e os que defendem).
II. A força (física ou econômica) continua impondo as leis.
III. A harmonia entre os povos é o melhor e deve sempre ser buscada.
IV. Os homens não nascem escravos.
V. O homem continua sendo a medida de tudo.
VI. Não temos como saber se o que sentimos é o mesmo que o outro sente.
VII. A linguagem cria (ou modela) o mundo.
VIII. A incerteza é a única certeza, embora não seja ela verdadeira.
IX. A sociedade, para se constituir e sobrevir, é fruto de convenção.
X. O homem não tem proteção de nada além dele próprio.
Assim, sendo o mundo, Sofistas somos todos nós!
Tomei conhecimento dos muitos sofistas apenas quando cursava um mestrado na PUC-SP!
Foi numa aula do Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr., que, ao expor sobre hermenêutica jurídica, trouxe à baila o nome e alguma doutrina de Górgias. Me encantei!
Procurei material sobre os sofistas e pouco ou quase nada encontrei. Para minha felicidade, contudo, me deparei com o Elogio de Helena, também de autoria de Górgias. Foi o suficiente!
Como trabalho com o Direito, onde a palavra é nosso instrumento de trabalho fundamental, percebi, em breve, como ela é amiga-inimiga perigosa, pois, ao mesmo tempo que nos dá a sensação de liberdade, pois por seu intermédio podemos dizer/expor tudo, sem qualquer censura, especialmente se ficar preservada ao recôndito de nossos arquivos, ela também é capaz de nos aprisionar de maneira tal que, mesmo dela querendo nos livrar, mais nos algemamos aos dispositivos de aprisionamento de nossos algozes que a utilizam, se for o caso, sempre em nosso malefício.
Qualquer coisa que você disser, se assim desejar o manejador das palavras, será usada em seu desfavor!
E quanto mais você tentar se explicar, mais cairá no emaranhado da teia da qual é impossível se libertar, a não ser pela benevolência da aranha que a teceu.
Por isso, cuidado ao manejar as palavras, cuidado com aqueles com quem você as compartilhe!
Nunca esqueça dessa frase: “não foi isso que eu quis dizer, embora tenha sido isso que eu tenha dito”.
Ela lhe servirá de guia, para o bem ou para o mal.
Para o bem se você conseguir se explicar. Ou melhor, se seu interlocutor lhe permitir tal explicação e for generoso para ouvi-lo. Caso contrário, se você não obtiver sucesso na explicação, mais cairá no labirinto das palavras. Se seu interlocutor desejar a sua derrota, ele o construirá, distorcendo tudo que você disser, pois isso sempre é possível, já que palavras geram interpretações e interpretação são dadas por outras palavras, o que cria o círculo do qual você jamais sairá!
Em todos os ramos do atuar social, você terá que se comunicar, pois é impossível não se comunicar! Mesmo quem cala, está comunicando! Comunicando que não quer se comunicar.
E o ainda principal instrumento de comunicação é a palavra, seja a sonora, seja a escrita. Esta, aliás, muito mais complicada em termos de comunicação que a falada, pois, por exemplo, como mostrar a impaciência, o rubor, a alegria, a consternação, o medo, o pânico na escrita? A não ser que se diga, com escrita: “respondeu ele impacientemente”, por exemplo, aí você terá que criar, mentalmente, o modo como foi externada essa impaciência. Suspiro, olhar, desconforto, pressa etc.
Interrogatórios/questionários de “bi-escolhas” (sim ou não), especialmente os efetuados por algumas polícias, são uma entrada ampla para uma condenação pela própria boca! É que o interrogador/perguntador não lhe dará espaços para explicações. Exemplo:
“Você matou fulano?”
“Sim. Mas foi...”
“Só lhe perguntei se matou ou não. O resto você conta depois”.
E esse depois, muitas vezes, jamais lhe será dada a oportunidade para dizer o que deveria ser dito, especialmente porque todas as autoridades estão sempre muito atrasadas no cumprimento de seus deveres, tendo uma montanha de outros problemas para resolver, sendo o seu apenas um deles, e, talvez, o menos importante, para ela.
Mas não pense que isso ocorre apenas na vida profissional-social-educativa-cidadã etc., pois ocorre em todos os aspectos onde o comunicar/falar existe!
Na vida amorosa isso talvez seja mais claro ainda. No início de um relacionamento, tudo que o parceiro amoroso diz é bonito, engraçado, simpático, encantador etc. Quando o amor/paixão vai murchando, tudo aquilo que no início era motivo de alegria se torna enfadonho: “você só sabe dizer isso?”. Passando, assim, tudo a ser interpretado de maneira oposta ao que foi um dia.
O que era o certo passa a ser o errado, o que era o errado passou a ser o certo e assim se caminha.
No mundo do Direito, por exemplo, existe algo chamado de “mutação constitucional”, que ocorre quando o sentido literal de uma norma passa a significar o oposto daquilo que um dia significou! Por exemplo: a norma que diz: “todos os homens são azuis”. No futuro, ao ser interpretada, sem que se mude a sua redação, a norma será lida como dizendo: “todos os homens são vermelhos”.
E aceitamos isso com certa naturalidade, dizendo que o evolver social deu nova significação à norma.
E se falo muito no Direito, é por que considero os Sofistas juristas natos, ou melhor, os juristas são sofistas natos!
Entretanto, o pior de tudo isso, é que passamos a acreditar nas palavras como se elas fossem “reais como uma pedra”, por exemplo, e não uma criação nossa, da humanidade.
Dirá alguém: mas as palavras são reais. Você as ouve e as fala.
Viram como a coisa funciona?
O que eu disse foi distorcido, e para tal distorção meu interlocutor terá uma explicação, pois não foi o que eu quis dizer o que o meu interlocutor entendeu.
O que eu quis dizer foi: as palavras são invenções humanas. As pedras estão na natureza!
Dirá meu contendor: as palavras estão na natureza, e uma pedra só é uma pedra porque eu assim a nomeie com uma palavra!
Talvez eu encerre a conversa dizendo que a pedra tem existência real, enquanto as palavras são fluidas.
Ele retrucará: quem me garante que a pedra existe, e não é uma criação do meu pensamento? Pode ser que ela seja uma criação da minha mente!
Aí chegamos em uma encruzilhada na qual ninguém mais se entende e o debate continua em aberto faz mais de 2.500 anos!
Mesmo a matemática, por exemplo, criação dos homens (aliás, o número zero é de criação recentíssima, historicamente!), é tida por alguns de seus defensores como infalível, dirão os fanáticos que é a língua pela qual, ou com a qual, os deuses se comunicam com os homens!
Ou seja, é a matemática mais uma criação cerebrina humana com a qual ele se aprisiona a si mesmo e, dificilmente, terá forças para quebrar os elos da corrente que atou a seu pescoço.
Agora vejam: mesmo com toda essa dificuldade comunicativa, os homens, bem ou mal, conseguem se comunicar!
A matemática, mesmo tendo ficado tanto tempo sem o zero, permitiu que os Romanos, por exemplo, nos legassem tudo que nos legaram, muita sabedoria.
De repente, alguém (Parmênides) resolveu querer por ordem nessa bagunça estabelecendo regras e princípios que poriam fim as discussões, “tergiversações e mentiras”. Decretou ele que: “de agora em diante, só falaremos a verdade, pois somente a verdade pode ser dita, já que o pensamento só pode pensar o que existe, o verdadeiro”.
Como sempre aparece alguém, não sei o motivo, para desconfiar das palavras das autoridades, no caso de Parmênides isso também aconteceu! (In)felizmente <: (meu sinal de ironia)
Mas as palavras servem à sociedade que as usa e isso é importante para saber como e porque se constrói determinadas defesas delas.
Atenas, onde floresceu a “sofística”, passava por momento político delicado. A minoria que detinha o poder, especialmente em decorrência da riqueza oriunda da propriedade das terras (sempre elas!), de uma hora para outra viu esse poder se esvaindo, escoando para as mãos da maioria inculta, pobre e sem nobreza!
Era o nascimento prático da tão decantada (quando é conveniente) democracia ateniense.
Plebeus pobres, mas não necessariamente, mas sem nobreza, passaram a disputar e o pior, a ganhar, a disputa de cargos políticos disputados com os nobres aristocratas.
E como isso se deu?
Os cargos públicos (na democracia radical ateniense) eram disputados por sorteio, com poucas exceções. Qualquer cidadão que preenchesse os requisitos legais poderia disputar tais cargos, colocando seus nomes para que participassem dos sorteados destinados as escolhas.
Entretanto, a simples eleição/sorteio não impunha a garantia de sucesso, pois, mesmo sorteado, o novo ocupante do cargo público não dispunha de poder de impor suas decisões, elas teriam que ser aprovadas em assembleias, funcionando os proponentes mais como executores das decisões aprovadas pelo povo reunido em assembleia.
Mas como convencer o povo a votar determinada medida/ação por eles propostas?
Eis a entrada dos Sofistas na vida política ateniense.
Eles entraram, por serem estrangeiros, pela porta dos fundos, ou seja, de maneira transversa, já que pela sua condição de não cidadãos não podiam exercer cargos públicos.
Mas podiam ensinar os nativos a como conseguir apoio para suas causas.
E como faziam isso?
Ensinando o logos (esta palavra tem múltiplos significados na língua grega), mas que, aqui, usamos como sinônimo de discurso. Ou seja, ensinavam os atenienses a discursar e, assim, convencer seus ouvintes, seu auditório, em especial as assembleias a aprovarem suas propostas.
Isso implicou para os Sofistas a atração do ódio daqueles que assistiam a mudança do poder político para as mãos de outros que até então estiveram dele afastado.
A nobreza aristocrática viu ascender ao poder pessoas até então insignificantes para ela. Deixando o poder, assim, de ser hereditário.
Vejo, nesse episódio histórico, uma das tomadas de poder pela classe que hoje chamamos de burguesia, comerciantes e industriais que ganhavam dinheiro produzindo e vendendo seus bens em Atenas e nas cidades aliadas. Mas este é outro assunto.
Eram filhos de comerciantes e outros os que podiam pagar pelas aulas dos sofistas que ascendiam ao poder, pois aprendiam com aqueles as técnicas do discurso e, consequentemente, do convencimento das plateias/auditórios.
Como os cidadãos atenienses não tinham como ser atacados, a acusação mais grave que pesa sobre os Sofistas, até hoje, é a de que “eles cobravam para ensinar aos seus alunos”!
Platão foi o principal divulgador dessa estultice, mas, mesmo assim, é o patrono dos professores modernos, enquanto os Sofistas, seus proeminentes precursores, ainda continuam motivo de chacota por parte daqueles que lhes seguiram a trilha! Quanta ironia!
É sobre esse universo que pretendemos conversar com você, caro leitor, pois, como deve ter percebido Todo mundo é sofista, inclusive você...
(Não confundir com "sufista", que é aquele praticante do Sufismo [corrente mística e contemplativa do Islã]. Nem com "surfista", o praticante do "surf" [esporte náutico]).
Ao longo dos últimos vários anos tenho me dedicado, com relativa assiduidade, a estudar sobre os Sofistas Gregos, embora seja fã da frase de Protágoras (“O homem é a medida de todas as coisas”.) desde que a conheci, e lá se vão mais de quarenta anos. Foi amor à primeira leitura!
Já da PUC-SP, ao ouvir uma aula do Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr., na qual ele expôs, de passagem, as três teses fundamentais de Górgias (“Nada é”; “Se é, não pode ser conhecido”; “Se pode ser conhecido, não pode ser comunicado”), o encanto pela dita primeira Sofística foi ao máximo da curiosidade por conhecê-la melhor, desde então me propus a estudá-la, e, posso garantir, não me arrependo, pois ela abriu meus olhos para um conhecimento sem dogmas, sem crendices, sem terror e sem medo!
A Sofística me realizou como homem e como estudante, pois é admirável sobre todos os aspectos.
A Sofística te tira tudo, mas, em compensação, te dá tudo em dobro!
Maldosamente, em especial por parte dos pedófilos dos dogmas, a Sofística foi e é usada (neste caso por ignorância) apenas na sua parte em que tira tudo do homem, esquecendo seus difamadores de dizer que ela coloca outra coisa muito melhor no lugar daquilo que ela tirou!
E o que a sofística tirou do homem?
Tirou deuses, tirou, portanto, tudo que é sobrenatural. Tirou o fundamento da legalidade das leis como sendo a divindade. Desmascarou a escravidão e a desigualdade entre os homens, e, por fim, disse que o conhecimento é impossível, além de muitas outras questões de suma importância em todos os ramos do conhecimento humano!
Quem pode, portanto, dirão os de má-fé, ser a favor das pessoas que fizeram tudo isso?
Eu fui procurar essas pessoas e encontrei: Protágoras, Górgias, Licofronte, Pródico, Trasímaco, Hípias, Antifonte, Crítias, Anônimo de Jâmblico e Duplos Discursos.
Você os conhece?
Não?!
Claro que sim, pelo que já dissemos acima!
Então aprofunde seus estudos hoje mesmo para conhecê-los melhor, vá desarmado dos preconceitos que pessoas que desejam que você não os conheça incutiram em todos nós.
Por que pessoas querem que você não os conheça?
Por saberem que, conhecendo-os, você nunca mais será o mesmo! Pode até não gostar deles – o que eu reputo impossível –, mas jamais será indiferente ao que eles disseram, e o que eles disseram continua sem respostas e eles são de uma atualidade impressionante em todos os ramos do saber, pois eles fundaram, praticamente, todos esses ramos.
Assim, Sofistas não são os outros!
Quando se quer desqualificar um interlocutor costuma-se chamá-lo de Sofista, que seu discurso é um sofisma, retórico!
Tudo isso decorre da carga negativa que a palavra sofista, que já significou sábio, recebeu ao longo dos milênios.
O pior é que quem costuma usar tal argumento desqualificador do dialogador, a ele recorre sempre, dentre outros motivos, por desconhecimento do que seja realmente um Sofista, preferindo ficar com o que os fanáticos, em especial os religiosos, dizem sobre eles, sem qualquer preocupação em conhecer o que realmente pensavam/diziam esses mestres, mesmo que em cima de pouquíssimos fragmentos que nos restam. Ou seja, somente conhecem os Sofistas por intermédio de seus difamadores, em especial Platão e Aristóteles e, depois, todas as religiões que se aproveitaram desses dois, muitas vezes até deturpando-os, tudo para atingir o seu objetivo: que os dois gregos dissessem o que eles, intérpretes aproveitadores querem que eles digam!
O que os acusadores não fazem é se olhar no espelho, pois se o fizessem teriam uma grata surpresa! Descobririam que eles próprios, acusadores, são Sofistas! Que Platão e Aristóteles só se salvam pela Sofística.
E o que é um sofisma?
Segundo seus detratores é um discurso com o qual não concordam, se concordarem, não é sofisma!
Como se combate um sofisma?
Usando, exatamente, o mesmo suporte que usam os Sofistas para criar o que os detratores chamam de sofisma! Ou seja, o discurso!
Na verdade, a batalha que travam os sofistas e seus detratores ocorre, justamente no campo do discurso, ou seja, estes fazem uso exatamente daquilo que condenam nos outros, o discurso!
É o velho mal de apontar para os outros com o indicador, quando os outros quatro dedos apontam para si!
Mas, “eu não sou sofista, sofista são os outros”!
Os detratores são verdadeiras madalenas arrependidas!
E o grande dilema é: não há como não se ser Sofista, já que todos nós usamos o discurso para dialogar.
Platão e Aristóteles nada mais fizeram que deixar os seus discursos gravados por e na escrita. Felizmente deixaram! É que são eles, e a contradição é clamorosa, as maiores e melhores fontes que possuímos sobre a Sofística grega!
Na verdade, se soubessem que o tiro sairia pela culatra, certamente que os fanáticos teriam destruído as obras de Platão e Aristóteles, como fizeram com a obra dos Sofistas.
Por que as obras dos Sofistas foram queimadas em praça pública?
Todos condenam aqueles que queimaram livros, como ocorreu no caso da Biblioteca de Alexandria, por exemplo, mas poucos lamentam a situação que viveu a produção literária dos mestres do século de Péricles! O que é uma gigantesca e gritante contradição.
Porém, voltemos à questão de os Sofistas tirarem tudo e porem outra coisa melhor no lugar.
Mas o que foi mesmo que eles puseram no lugar de tudo que eles tiraram?
VOCÊ!
Simples assim!
Eles disseram, simplificadamente, o seguinte:
“Homem, toma teu destino em tuas mãos, pois és capaz de, com a razão de que és dotado, conviver com os demais, criando consenso a partir do discurso (lógos), consenso sem garantia de definitividade, pois sempre poderás evoluir para outro melhor, embora sem nunca chegar a algo imutável, já que não existe uma verdade, mas muitas verdades, cabendo a ti escolher a melhor”.
Como diz Mario Untersteiner, um dos maiores estudiosos da Sofística, capaz de produzir um livro com 543 (quinhentas e quarenta e três) páginas sobre ela, quando os autores “tradicionais e comprometidos com o obscurantismo” não passam, muitas vezes, de 2 (duas):
“O caminho do saber não tem uma meta imóvel. O importante é estar no caminho”!
Veja alguns exemplos de como se trabalha com tudo que ensinaram os Sofistas no dia a dia da atualidade:
“Por que presidentes dos EUA decepcionam
Esperamos demais quando se trata do desempenho presidencial. E não desistiremos da busca pelo bravo líder”.
É, portanto, para esse caminho que o convido, embora você já esteja nele, mas de maneira inconsciente e preconceituosa.
Vejamos, agora, as provas de que você é um Sofista, embora, muitas vezes, tenha vergonha de admitir, mas por ignorância, pois não te deixam conhecer a Sofística, do que por sabê-lo por ter estudado-a e a rejeitado.
Protágoras disse que sobre qualquer assunto é possível construir, no mínimo, dois discursos opostos!
Escandalosa tal afirmativa?
Absolutamente não! Vejam por exemplo o que ocorre com os grandes jornais e revistas do mundo inteiro. Eles solicitam que “especialistas” sobre determinado assunto escrevam sobre uma matéria expondo seus opostos pontos de vista!“ (Fonte:AARON DAVID MILLER, O Estado de S. Paulo, 26 de maio de 2013).
Mais exemplos:
Juízes devem ter férias de 60 dias?
SERGEI COBRA ARBEX
NÃO
Regra única para todos
A judicatura tem uma nobre e difícil missão de dizer o direito, e a finalidade do direito é a realização da Justiça. Entendo que o magistrado deve ser o primeiro a defender a equidade, que é buscada pela lei.
Ao estabelecer que os magistrados dispõem de um período de férias dobrado em comparação aos demais trabalhadores brasileiros, na esfera pública ou na esfera privada, quebra-se o princípio da equidade que deve existir, a despeito das peculiaridades do cargo exercido.
O próprio Supremo Tribunal Federal, dentro de suas atribuições legais, estuda reduzir as férias dos magistrados de 60 para 30 dias, dentro de uma reforma da Lei Orgânica da Magistratura.
Há quem afirme que a produtividade da magistratura aumentaria com a redução do período de férias. Estudo da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro publicado por esta Folha afirma que o corte no período de descanso dos magistrados aumentaria a produtividade em "2 milhões de sentenças ao ano". Esse dado é relevantíssimo, principalmente diante de um Judiciário sobrecarregado, moroso e que não propicia em tempo razoável as respostas demandadas pelo jurisdicionado. O Brasil possui 90 milhões de processo em tramitação, segundo o Conselho Nacional de Justiça. Foram ajuizadas em 2011 um total de 26,5 milhões de novas ações. O país conta com mais de 16 mil juízes, resultando na média de oito magistrados por 100 mil habitantes, uma situação similar a que encontramos em países europeus. Na Espanha, há dez juízes para cada 100 mil habitantes. Na Itália, onze por 100 mil.
A sociedade vem se expressando sobre o tema. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, encomendado pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, apontou que para 44% dos entrevistados a Justiça melhorou, mas ainda é vista como lenta, cara, enviesada e influenciável.
A análise da questão deve ser avaliada dentro da realidade viva.
Certamente a função de julgar é desgastante, a carga de trabalho atual dos magistrados é pesada. Tenho plena convicção de que os juízes têm uma jornada longa, sem condições ideais, levam trabalho para casa, trabalham nos finais de semana e nas férias. Mas esse é o ônus de uma profissão voltada ao interesse público que, por isso mesmo, não comporta qualquer tipo de distinção dos demais trabalhadores.
O período de descanso anual dos magistrados deve acompanhar os parâmetros definidos para os demais atores do Poder Judiciário, para que busquemos uma solução justa.
Aliás, os advogados, que precisam cumprir prazo processual, não têm um período definido para descanso anual. Há um projeto nesse sentido em tramitação no Congresso Nacional, que ainda não foi apreciado. Por isso mesmo, defendo que o Judiciário estabeleça férias forenses coletivas de um mês, para beneficiar o conjunto da comunidade jurídica, sem que a justiça pare, mantendo a atividade burocrática, mas suspendendo as audiências e os prazos processuais.
Certamente, a manutenção das férias de 60 dias para os magistrados -amparados nos mais diferentes argumentos- vem causando um desconforto em grande parte da sociedade, porque a democracia pede equanimidade e o Judiciário precisa encontrar um equilibro entre o que é justo e o que é ético.
SERGEI COBRA ARBEX, 40, é advogado criminal, professor de direito da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) e secretário-geral da Caixa de Assistência dos Advogados da OAB-SP (Caasp/OAB-SP)
NELSON CALANDRA
SIM
Judiciário: muito além dos factoides
A emenda constitucional 45 de 2005, na chamada reforma do Judiciário, extinguiu as férias coletivas em primeiro e segundo grau, mantendo dois períodos de férias coletivas nos tribunais superiores.
Na reforma, ficou declarado algo que já existia há muitas décadas no nosso Judiciário: que o seu funcionamento é essencial e ininterrupto.
O Brasil, que é muito maior que Brasília, sempre conviveu com a magistratura de segunda a domingo, especialmente em locais distantes onde um só juiz atende áreas imensas.
Atualmente, nas comarcas maiores, há regime de plantão, porém a enorme falta de magistrados faz com que não haja compensação. Hoje, vivemos aquilo que o ministro Ayres Britto nominou de desprofissionalização do Judiciário -cada mais cargos vagos não são preenchidos.
A supressão da aposentadoria integral, com a obrigação de pagar, o magistrado, contribuição previdenciária sobre a totalidade do seu salário para receber ao final benefício limitado ao teto previdenciário, é algo que soa kafkaniano.
Suprimidas as férias coletivas no primeiro e segundo grau, fala-se agora em redução de um período de férias, como panaceia para resolver o problema da lentidão processual. Seria reduzir a atividade da magistratura para o mesmo patamar de outras categorias, que desfrutam de horas extras, jornada de trabalho limitada e descanso semanal remunerado.
A política brasileira sempre procura localizar um factoide para desviar aquilo que deveria ser o foco. Não verificamos nenhuma proposta que traga para o Judiciário recursos financeiros suficientes para repor o atraso de várias décadas, motivada por um sistema burocrático, sem compromisso com a modernidade.
É engano pensar que a supressão de um período de férias que a lei complementar 35 concedeu em 1979 irá melhorar a Justiça brasileira. Quem acompanha as sessões do STF, com julgamentos criminais intrincados, com sessões nas turmas e no plenário seguidas por sessões no Tribunal Superior Eleitoral que adentram a madrugada, não pode em sã consciência propor supressão de férias.
Há menos que a intenção seja de ceifar a vida e saúde dos magistrados. Aquilo que a população vê na TV Justiça se repete em cada Estado. Muitos colegas presidem sessões no tribunal do júri que atravessam dias e noites. No fim de semana seguinte, respondem como plantonistas.
Será que a supressão de um período de férias é a resposta que o povo quer dar a uma magistratura que trabalhando diuturnamente e solucionou mais de 20 milhões de casos nos vários ramos do Judiciário, segundo o relatório de 2012 do CNJ "Justiça em Números"?
Vamos colocar luz sobre os factoides que aqueles que não atravessaram quase quatro décadas de trabalho na magistratura, como nós, são incapazes de ver. É preciso investir no Judiciário, reequipar instalações físicas. Não é possível que pessoas sejam assassinadas em plena audiência, como ocorreu recentemente em São José dos Campos (SP), por falta de estrutura e segurança.
Não é possível que magistrados sofram atentados à bomba, como em Rio Claro (SP). Não podemos admitir que uma juíza, depois de um expediente que acabou às 23h, seja assassinada com 21 tiros na frente de sua família, como Patrícia Acioli.
A magistratura tem escrito com sangue, suor e lágrimas a história de um país que quer poder Judiciário independente e democrático.
Suprimir direitos, manietar a magistratura e o Ministério Público, tentar sufocar o movimento associativo, que atravessou períodos ditatoriais, que teve entre seus expoentes vários ministros do STF que entraram e saíram de cabeça erguida e nunca concordando com a violação de direitos fundamentais, como Vitor Nunes Leal, Edgar Moura Bitencourt, Evandro Lins e Silva e tantos outros heróis, jamais será a solução adequada.
Que nosso debate receba as luzes da opinião pública e que estes tristes factoides se refugiem à sombra da mentira e do preconceito.
NELSON CALANDRA, 67, é presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros
Fonte: Jornal Folha de São Paulo, 23.02.13 coluna Tendências e debates, Sim e Não.).
e,
Obama está certo ao defender vigilância de civis?
Stewart Baker
Sim
Em 5 de junho, o jornal britânico The Guardian publicou um documento confidencial, expedido pelo Tribunal de Vigilância e de Inteligência Externa, determinando que sejam recolhidos dos clientes da operadora Verizon todos os registros telefônicos de chamadas feitas para ou por americanos. Em 6 de junho, o Washington Post revelou a existência do Prism, programa que permite a coleta de dados de internet em escala gigantesca. Será que isso significa o fim da privacidade, das leis e da Constituição?
Não. Há muitas razões para que tenhamos cautela. Comecemos com o documento vazado. Sua origem parece ser o tribunal criado para fiscalizar a coleta de informações de inteligência. Isso significa que não estamos falando de um programa à margem da lei. O governo teve de convencer o Judiciário de que a determinação era legal. Pode-se discordar da interpretação jurídica que permitiu a expedição de tal mandado, mas não se pode dizer que é um desrespeito à lei.
De fato, é quase certo que a tese jurídica em que se ampara um mandado desse tipo foi examinada pelas três esferas de poder e por ambos os partidos. A lei foi examinada pelas comissões de inteligência do Congresso - Senado e Câmara. Mas, mesmo que seja legal, que justificativa tem o governo para monitorar todos os telefonemas dos americanos? Nenhuma. Ninguém revogou as leis que proíbem a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) de submeter os cidadãos a monitoramento. Assim, a NSA continua proibida de coletar informações sobre americanos. Além disso, a lei também exige que o governo minimize a coleta e o uso das informações. Por isso, a NSA pode se ver impedida de utilizar dados que tenham sido coletados.
Mas por que o governo se daria o trabalho de coletar todos esses registros? Para entender é necessário um exemplo hipotético. Imaginemos que os EUA interceptem comunicações da Al-Qaeda no Iêmen. O líder da organização liga para seu especialista em armas e diz: "Nosso agente nos EUA precisa de ajuda para fabricar uma arma que será usada numa operação. Falei para ele usar um celular descartável e ligar para você amanhã, às 11 horas. Quando você atender, ele não vai dizer nada. Só vai informar o número de um segundo telefone. Então, você compra outro telefone e liga de volta para ele nesse segundo número, às 14 horas."
Isso deixaria o governo sem saber onde estava ou quem era o terrorista nos EUA. Também não saberia quais números monitorar. O governo não teria motivo para investigar nenhum americano, mas teria muitos para investigar qualquer americano que fizesse um telefonema para o Iêmen às 11 horas, desligasse após alguns segundos e recebesse uma ligação de outro número iemenita três horas depois. Encontrar essa pessoa não seria fácil, pois as autoridades só conseguiriam identificá-lo pelo padrão dos telefonemas, não pelo nome.
Como a NSA faria para descobrir o indivíduo nos EUA cujo padrão de ligações estaria de acordo com o plano dos terroristas? Bom, a agência poderia pedir que cada operadora armazenasse todas as ligações e as analisasse em busca de padrões Mas isso seria dispendioso e pouco eficaz. Não funcionaria sem o compartilhamento, em tempo real, de gigantescas quantidades de informação. A única maneira de fazer o sistema funcionar seria reunir os dados de todas as operadoras e analisá-los juntos. Em suma, a coisa teria de ficar a cargo do Estado.
Muitos não confiam no governo para deixar uma quantidade tão grande de dados em suas mãos. Mas, os que querem que o governo volte a adotar a abordagem padrão, terão de explicar como isso nos permitiria capturar terroristas que usam tecnologia sofisticada e dizer por que se aferrar a esse modelo mesmo que isso signifique um ataque terrorista nos EUA.
Timothy B. Lee
Não
Na sexta-feira, Barack Obama esteve na Califórnia para falar sobre saúde pública, mas aproveitou para amenizar as críticas sobre o monitoramento de telefones e de e-mails. "Esses programas foram autorizados pelo Congresso", afirmou. "Há uma série de salvaguardas envolvidas e os juízes federais vêm supervisionando o programa desde o início." Com base no comentário do presidente, os programas estariam sujeitos a uma fiscalização contínua e rigorosa. Mas, o simples fato de o Congresso receber informações e os juízes estarem envolvidos não significa que qualquer uma das esferas exerça um controle eficaz. Isso é improvável diante do segredo excessivo em torno dos programas.
Quando o governo informou aos congressistas sobre as atividades, a informação foi dada em reuniões onde assessores eram barrados e era proibido fazer anotações. É impossível que o Congresso consiga manter controle eficaz do programa em tais condições. Os parlamentares dependem de sua equipe para monitorar detalhes legislativos, de especialistas para assessorá-los em questões técnicas complexas e do feedback dos seus eleitores.
Por outro lado, a Lei de Supervisão de Dados de Inteligência sobre Estrangeiros (Fisa, na sigla em inglês), tira dos juízes a sua função tradicional de analisar pedidos de fiscalização de um indivíduo. Em vez disso, requer que eles aprovem categorias de vigilância. A lei restringe a liberdade dos magistrados para rejeitar programas de fiscalização e eles carecem de informações e de recursos para desempenhar a função fiscalizadora de modo eficaz.
Com o Congresso e os tribunais neutralizados, suas funções vêm sendo desempenhadas pelo Executivo. Em vez de os critérios legais serem definidos pelo Congresso e implementados por um juiz independente, temos um "processo de minimização" definido por alguns membros do Executivo e aplicado por outros. Não há um debate sobre as regras e nenhuma fiscalização para saber se estão sendo seguidas. E existem muitas evidências de que deixar o Executivo se policiar é uma receita para o abuso.
Os que defendem esses programas de fiscalização do indivíduo oferecem dois argumentos: quanto ao segredo, afirmam que revelar detalhes sobre espionagem é uma maneira de prevenir o terrorismo. Quanto ao monitoramento, alegam que um mandado judicial individual impediria o governo de se engajar numa fiscalização algorítmica. Nenhum dos argumentos convence.
Manter em segredo a espionagem pode ter sido uma vantagem nos primeiros anos do século, mas, num futuro próximo, os terroristas saberão que o governo monitora todas as formas de comunicação eletrônica. Pode ser verdade que o monitoramento revele dados de inteligência úteis, mas não é razão para eliminar a vigilância judiciária. Pelo contrário, é um argumento em favor de novos métodos de vigilância mais compatíveis com a fiscalização algorítmica.
É necessário que haja uma pessoa monitorando cada investigação para se certificar de que as regras estão sendo cumpridas. Essa pessoa deve ter autoridade para obstruir pedidos de informação que não cumpram a lei. E precisa haver a independência que somente os membros do Judiciário têm.
Os parâmetros das atividades de vigilância doméstica nos EUA devem ser estabelecidos pelo Congresso, não pelo presidente. A Fisa delegou grande parte do poder de legislar para o Executivo, mas o Congresso não pode ter um debate expressivo em meio a tanto segredo. O governo alega que as notícias desta semana "colocam em risco a segurança dos americanos". É mais provável que o risco das revelações seja desencadear um debate mais vigoroso sobre uma situação em que o Estado fiscaliza o cidadão sem prestar contas disso. Fonte: O Estado de S. Paulo, tradução de Alexandre Hubner, 09.06.13.
Quem se escandaliza com isso? Com dois discursos opostos sobre o mesmo assunto?
O que fazem os advogados quando defendem seus clientes? O Ministério Público (acusação) diz uma coisa e eles (defesa) dizem o oposto!
Os tribunais, em especial, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF), estão convocando, constantemente, Audiências Públicas, onde convidam inúmeros especialistas para exporem seus conhecimentos sobre determinado assunto, e, assim, estes vão lá e fazem seus discursos que são exatamente o oposto um do outro, e, ao fim, o Tribunal, se sente melhor preparado, pelas informações recebidas, para decidir.
Veja o que disse, talvez inconscientemente, uma pessoa que, por suas posições religiosas, parece abominar a Sofística, embora use, exatamente, o que ela propôs. Diz ele:
“A forma humana de evitar erros é submeter uma questão a vários olhares INDEPENDENTES e é isso que assegura decisões boas e evita erros.”.
Eureka depois de 2.500 anos de história!
Veja como alguns autores utilizam os conhecimentos deixados pela Sofística, sem, contudo, lhe darem o crédito devido:
“Se anteriormente o Incra era um foco de radicalismo agrário que procurava infernizar a vida dos produtores rurais, prejudicando a agricultura e a pecuária, atualmente se observa uma mudança voltada para o interesse maior dos brasileiros em geral. Nada ganha quem radicaliza. Tudo ganha quem se abre ao diálogo.”. (Fonte: Denis Lerrer Rosenfield, Estadão, 06.05.13).
e,
“Yo-Yo Ma: sons em nome do diálogo
O tempo ensinou que, com o violoncelista Yo-Yo Ma, nada é por acaso. Na bagagem de um dos músicos mais requisitados e celebrados da atualidade, estão dezesseis prêmios Grammy, mais de uma centena de discos e flertes com um repertório que parece sem fronteiras, e leva seu violoncelo do blue grass ao rock – passando, com excelência, pelos pilares da música clássica. Assim, um programa diversificado como o que ele apresenta hoje e amanhã na Sala São Paulo, pela temporada da Sociedade de Cultura Artística, se faz de mais de um punhado de peças de diferentes autores – e nasce da sensibilidade de um músico que fez do diálogo entre culturas e gêneros a sua marca. (Fonte: João Luiz Sampaio, O Estado de São Paulo, 06.05.13).
Mais,
“MDM responsabiliza Governo por risco de retorno à guerra
Maputo – O MDM, o terceiro maior partido de Moçambique, condenou o Governo por ter recorrido "abusivamente" à polícia no ataque à Renamo, no centro do país, levando aquele partido a retaliar e a ameaçar com uma nova guerra civil.
Três pessoas morreram e duas ficaram feridas no sábado num ataque a um autocarro/ônibus e a um camião por homens armados supostamente da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), principal partido a oposição, em Muxúnguè, centro de Moçambique.
O ataque de sábado seguiu-se à morte na quinta-feira de quatro membros da Força de Intervenção Rápida (FIR), a polícia anti-motim moçambicana, e de 10 feridos, durante uma suposta retaliação da Renamo a uma invasão da sede do partido em Muxúnguè e detenção de dezenas de membros seus.
Em comunicado distribuído à imprensa, o MDM (Movimento Democrático de Moçambique) responsabiliza o Governo pela tensão que se vive no país por supostamente ter recorrido abusivamente à polícia no ataque à sede da Renamo, provocando a reação dos antigos guerrilheiros do movimento.
‘O MDM condena veementemente o uso abusivo das forças da lei e ordem para a perturbação da tranquilidade pública em Muxúngué, onde filhos de moçambicanos morreram e outros tantos se encontram gravemente feridos’, refere a nota do terceiro maior partido moçambicano.
O MDM critica igualmente o Governo por ter violado a liberdade de reunião e de manifestação, ao atacar e dispersar os membros da Renamo que se encontravam na sede do partido, gerando depois o contra-ataque do partido de Afonso Dhlakama.
‘Em Moçambique, ainda há espaço para o diálogo, o diálogo deve prevalecer e não é por incompetência, arrogância e incapacidade de indivíduos que os moçambicanos devem morrer feito animais’, refere o comunicado”. (Fonte: http://www.portalangop.co.ao/motix/pt_pt/noticias/africa/2013/3/15/MDM-responsabiliza-Governo-por-risco-retorno-guerra,a12cd3b9-9a52-4349-8cd5-a6f4f0f8e0e7.html).
Ainda:
“INFORME PUBLICITÁRIO
UNIESP reafirma intenção de acordo com MEC e MPF
Diálogo deve prevalecer para não prejudicar alunos do FIES
Apoiadora de primeira hora do FIES – Fundo de Financiamento Estudantil e do Prouni – Programa Universidade Para Todos, a UNIESP tem mantido sua decisão de abrir as portas do ensino superior para o jovem de baixa renda em suas 110 faculdades e dois centros universitários espalhados por onze estados brasileiros. Somente no FIES são 100 mil alunos, o que representa uma parte expressiva do programa em nível nacional. E é possível expandir ainda mais o acesso da juventude ao ensino superior com iniciativas inovadoras como o programa "UNIESP Paga", que garante um compromisso mútuo entre a instituição e o aluno com meios próprios de financiamento. Por isso, é importante a disposição para o diálogo em torno de temas ainda não esclarecidos na relação entre a UNIESP e o Ministério da Educação. Para um programa novo e ambicioso como o FIES, é previsível que durante a sua implementação aconteçam situações que levem à necessidade de ajustes e novas regulamentações por meio de portarias. "A correção dessas eventuais questões e o crescimento do FIES são do total interesse da UNIESP. Por isso, renovamos nossa disposição para o entendimento, por meio de um acordo que envolva a participação do Ministério Público Federal% afirma Fernando Costa, presidente da UNIESP. "Espero que o MEC se sensibilize com o nosso desejo de ter um diálogo produtivo visando ao bem da nossa juventude e do Brasil", diz Costa. (Fonte: Publicados em Jornais de São Paulo).
Prosseguindo:
“DUAS MÃOS NUM BALDE
Minha esposa e eu brigamos sempre por uma única coisa: o termostato. Eu o abaixo quando ela não está olhando e ela aumenta quando eu não estou olhando. Recentemente, decidi ir além. Quando ela não estava olhando, instalei uma trava especial no termostato. Quando eu não estava olhando, ela instalou uma nova trava na porta da frente. Muitas vezes termino dando a volta na casa com pouca roupa.
Se ela pelo menos acreditasse que a sala estivesse (digamos) a uns 50 graus negativos! Então, com um termômetro, eu poderia demonstrar, feliz, que ela estava errada. Mas, infelizmente, os dois concordam que está 21 graus. O que discordamos é se 21 graus é quente ou frio. E não está claro se um dos dois está errado sobre isso.
Imagine uma experiência. Enfie uma mão no freezer e a outra num forno. Depois enfie as duas num balde com água à temperatura ambiente. Qual seria sua experiência? Sem dúvida a mão do freezer sentiria uma sensação quente, ao passo que a mão do forno, sentiria uma fria. Mas agora: a água em si está quente ou fria?
Bom, não pode ser os dois. A mesma água não pode estar quente e fria ao mesmo tempo, já que essas são propriedades opostas, e também não temos nenhuma base para dizer que é uma ou outra. As duas mãos estão sentindo de maneira igualmente correta, afinal; seria inteiramente arbitrário decidir que uma é correta e a outra, não.
Em vez disso, deveríamos concluir que não é nenhuma. Quente e frio não são realmente propriedades da água, apesar de todas as aparências, mas, em vez disso, somente sensações na mente daquele que percebe. A água pode estar a 21 graus, mas essa temperatura em si não é nem quente nem fria. Só percebemos dessa forma, e cada percepção é igualmente legítima.
Então, agora, talvez minha esposa possa aumentar a temperatura um pouquinho? (Fonte: Andrew Pessin, Filosofia em 60 segundos, Leya, São Paulo, 2012, p. 47-48.).
Prossigo:
“Embora Giuliano fosse um herói na Sicília, poderia com toda a facilidade ser visto como um ladrão comum em outros lugares: tudo dependia do ponto de vista de cada pessoa, e o mesmo se podia dizer ao se avaliar a vida de todos os homens, as atividades de todos os grupos, as políticas de todas as nações. Se Bill Bonanno tinha aprendido alguma coisa com a leitura das memórias de grandes estadistas e generais, era que a linha entre o certo e o errado, o moral e o imoral, muitas vezes era bastante tênue, sendo o veredicto final escrito pelos vencedores. Ao começar o curso do ROTC, e depois prestar serviço militar na Reserva do Exército, recebeu treinamento nas técnicas de matar legalmente. Aprendeu a usar uma baioneta, a disparar um fuzil M-1, a ajustar o telêmetro de um canhão num tanque Patton. Aprendeu de cor o código de conduta militar dos Estados Unidos, que em princípio não era diferente do código da Máfia, salientando honra, obediência e silêncio em caso de captura. E, se houvesse entrado em combate e abatido diversos norte-coreanos e comunistas chineses, talvez tivesse se tornado um herói. Mas, se matasse um dos inimigos do pai numa guerra da Máfia, onde estava inserida, nas divergências entre os grupos, a mesma mistura de cobiça e farisaísmo presente em todas as guerras das grandes nações, poderia ser acusado de assassinato”. (Fonte: Gay Talese, Honra teu pai, Cia da Letras, p. 75-76.).
Outro exemplo:
“AS CEGUEIRAS DO CONHECIMENTO: O ERRO E A ILUSÃO
Todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. A educação do futuro deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais.
Erro e ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento do Homo sapiens. Quando consideramos o passado, inclusive o recente, sentimos que foi dominado por inúmeros erros e ilusões. Marx e Engels enunciaram justamente em A ideologia alemã que os homens sempre elaboraram falsas concepções de si próprios, do que fazem, do que devem fazer, do mundo onde vivem. Mas nem Marx nem Engels escaparam destes erros.
1. O CALCANHAR-DE-AQUILES DO CONHECIMENTO
A educação deve mostrar que não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão.
A teoria da informação mostra que existe o risco do erro sob o efeito de perturbações aleatórias ou de ruídos (noise), em qualquer transmissão de informação, em qualquer comunicação de mensagem.
O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos. Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão. Ao erro de percepção acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento, sob forma de palavra, de ideia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento. Daí os numerosos erros de concepção e de ideias que sobrevêm a despeito de nossos controles racionais. A projeção de nossos desejos ou de nossos medos e as perturbações mentais trazidas por nossas emoções multiplicam os riscos de erro.
Poder-se-ia crer na possibilidade de eliminar o risco de erro, recalcando toda afetividade. De fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem-nos cegar. Mas é preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção. O enfraquecimento da capacidade de reagir emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos irracionais.
Portanto, não há um estágio superior da razão dominante da emoção, mas um eixo intelecto-afeto, e, de certa maneira, a capacidade de emoções é indispensável ao estabelecimento de comportamentos racionais.
O desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos.
A educação deve-se dedicar, por conseguinte, à identificação da origem de erros, ilusões e cegueiras.
4.2 A incerteza do conhecimento
O conhecimento é, pois, uma aventura incerta que comporta em si mesma, permanentemente, o risco de ilusão e de erro. Entretanto, é nas certezas doutrinárias, dogmáticas e intolerantes que se encontram as piores ilusões; ao contrário, a consciência do caráter incerto do ato cognitivo constitui a oportunidade de chegar ao conhecimento pertinente, o que pede exames, verificações e convergência dos indícios; assim, nas palavras cruzadas, atinge-se a precisão para cada palavra na adequação ao mesmo tempo de sua definição e sua congruência com as outras palavras que contêm letras comuns; em seguida, a concordância geral que se estabelece entre todas as palavras constitui a verificação de conjunto que confirma a legitimidade das diferentes palavras inscritas. Mas a vida, diferentemente das palavras cruzadas, compreende espaços sem definição, espaços com falsas definições e, sobretudo, a ausência de um quadro geral fechado; é somente aí que se pode isolar um quadro e tratar os elementos classificáveis, como no quadro de Mendeleiev, que se pode alcançar certezas. Uma vez mais repetimos: o conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas”. (Fonte: Edgar Morin, Os sete saberes necessários à educação do futuro, Cortez, São Paulo, 2000, p. 19/20-86).
“O renascimento foi chamado de "uma aventura da mente", que atraía não apenas artistas e intelectuais, mas também banqueiros, homens de negócios e chefes de Estado. Nenhum abismo assustador separava do mercado a torre de marfim ou o ateliê. Os homens de ideias e os homens de ação compartilhavam o prazer que extraíam do conhecimento e a paixão por Platão. Reagindo à dialética aristotélica de Tomás de Aquino, cultuavam Platão como seu deus filosófico. Esses neoplatônicos do século XVI faziam da beleza seu ideal e, do Homem, a medida de todas as coisas – o centro harmonioso da criação, livre dos cerceamentos da Igreja Medieval para expressar e realizar todos os desejos.
Em meio a essa moral condescendente, o Deus dos tomistas saiu da ribalta e a ideia do indivíduo confuso e falho, carente de confissão e contrição, foi substituída pelo homem idealizado perfeitamente bem-proporcionado, livre para se expressar nos planos sensual, artístico e intelectual.
[...]
Visto que o humanismo havia enaltecido o Homem como a medida de todas as coisas, nada era grande demais, bizarro demais ou extremo demais para ser pensado e experimentado. A arte e as ideias jorravam livremente nos corredores do palácio pontifical. O mecenato papal estendeu-se à pintura, à escultura, às artes decorativas, à arquitetura, à música, ao teatro, à literatura e à ciência, muitas vezes em detrimento da assistência pastoral.
[...]
Era a quintessência do homem renascentista – professor, filósofo, construtor de pontes, arquiteto, especialista em antiguidades clássicas, organizador da edição das cartas de Plínio e ilustrador do De architectura libri decem, de Vitrúvio. E, mais importante que tudo, era tido como o melhor engenheiro da Itália. Quando Bramante erguesse a imensa cúpula, as habilidades de engenheiro de Fra Giocondo seriam de valor inestimável.
[...]
Religião é ilusão. Nenhuma instituição compreende isso mais profundamente do que a Igreja Católica Romana. Mais do que princípios e ética.
[...]
a religião é mistério e magia, é o ato supremo de evocação, o corpo e o sangue saídos do pão e do vinho. E o brilho do ouro, as nuvens de incenso, a pessoa altiva e distante do papa, a arte sacra e a música evocadora criam essa ilusão. Despojada de tudo, à exceção de seus dogmas, a religião sofreria uma redução exponencial. Assim como a crença religiosa exige a discussão racional e a convicção da fé, sua prática requer a verdade e a ilusão.
Raramente ou nunca é possível atingir e libertar o espírito apenas pelo intelecto ou pela engenharia. A fé religiosa vai do coração para a cabeça. Leva os pecadores a se arrependerem, os orgulhosos a se humilharem e os poderosos a se curvarem ante uma autoridade superior. As emoções e a imaginação criam fanáticos, santos e mártires a partir de mortais de pés de barro.
[...]
Bernini é o grande ilusionista da história da basílica. Na arte e na arquitetura, ele considerou a mentira mais bela que a verdade, por dissimular ou ocultar o jogo subjacente da física e da estática.” (Fonte: R. A. Scotti, Basílica de São Pedro, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, ______, p. várias).
Acresço mais:
“Se os detalhes que recebemos se adequarem à imagem mental que temos de alguma coisa, então, quanto maior o número de detalhes numa situação, mais real ela parecerá, e, portanto, consideraremos que será mais provável – muito embora o ato de acrescentarmos qualquer detalhe do qual não tenhamos certeza a uma conjectura a torne menos provável. Essa inconsistência entre a lógica da probabilidade e as avaliações das pessoas com relação a acontecimentos incertos despertou o interesse dos pesquisadores, pois poderia levar a avaliações injustas ou equivocadas de situações na vida real. O que é mais provável: que um réu, depois de encontrar um corpo, deixe a cena do crime, ou que um réu, depois de encontrar um corpo, deixe a cena do crime porque teme ser acusado pelo macabro assassinato? É mais provável que o presidente aumente os gastos federais com educação ou que aumente os gastos federais com educação utilizando fundos obtidos pelo corte de outros gastos dirigidos aos estados? É mais provável que uma empresa aumente suas vendas no ano que vem ou que aumente as vendas no ano que vem porque a economia em geral passará por um bom ano? Em todos os casos, embora a segunda opção seja menos provável que a primeira, pode parecer mais provável. Ou, nas palavras de Kahneman e Tversky, "uma boa história muitas vezes é menos provável que uma ... [explicação] menos satisfatória.
“O valor de seu aparelho, escreveu Faraday, estava "na força corretiva que exerce sobre a mente do participante. Faraday notou que a percepção humana não é uma consequência direta da realidade, e sim um ato imaginativo.
A percepção necessita da imaginação porque os dados que encontramos em nossas vidas nunca são completos, são sempre ambíguos. Por exemplo, a maioria das pessoas considera que a maior prova que podemos ter de um acontecimento é vê-lo com os próprios olhos; numa corte de justiça, poucas coisas são mais levadas em consideração que uma testemunha ocular”.
[...]
Ninguém exaltou Leonard Koppett por seus acertos viciados, e ninguém exaltaria um jogador de moedas. Mas muitas pessoas exaltaram Bill Miller. No caso dele, embora o tipo de análise que realizei pareça ter passado despercebido para muitos dos comentaristas citados na mídia, não se trata de nenhuma novidade para os que estudam o mundo de Wall Street de uma perspectiva acadêmica. Por exemplo, o economista Merton Miller (que não tem nenhuma relação com Bill), ganhador do Prêmio Nobel, escreveu que, "se há 10 mil pessoas olhando para as ações e tentando escolher as vencedoras, uma dessas 10 mil vai se dar bem, por puro acaso, e isso é tudo o que está acontecendo. É um jogo, é uma operação movida pelo acaso, e as pessoas acham que estão se movendo com um propósito, mas não estão”. Devemos tirar nossas próprias conclusões conforme as circunstâncias; porém, entendendo o funcionamento da aleatoriedade, ao menos nossas conclusões não serão ingênuas”. (Fonte: Leonard Mlodinow, O andar do bêbado, como o acaso determina nossas vidas, Tradução de Diego Alfaro, Editora Zahar, Rio de Janeiro: 2011).
Mais:
“Que grande quimera, foi, é o homem! Que novidade, que monstro, que caos, que contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, minhoca imbecil; depositário da verdade, cloaca de incertezas e erro; glória e refúgio do universo”, Blaise Pascal, citado por Steven Pinker, Os anjos bons da nossa natureza, Cia das Letras, São Paulo, ________).
“Juiz de todas as coisas” = o homem é a medida de todas as coisas?
“O êxito de Vaihinger se deve à descoberta de uma possibilidade de pensar o próprio pensamento: o conceito da ficção. Vaihinger eleva a ficção à mola principal da autocompreensão do pensamento. A ficção é para Vaihinger uma construção, um instrumento do pensar que cria ideais, valores, objetivos, a moral ou imagens divinas – sempre respondendo à necessidade humana da sobrevivência. O valor dessas ficções, do pensamento em geral, é meramente prático. Vaihinger não procura "desmascarar" ficções como ilusões ou "mentiras", mas se propõe a entender como elas operam e organizam o nosso acesso ao real. Com sua reflexão, Vaihinger contribui para a "positivação" das ficções, demonstrando que elas são modos necessários de operação do pensamento humano”. (Fonte: Hans Vaihinger, A filosofia do como se, Argos, Chapecó-SC, 2011, p. 22).
Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais, na entrevista de título “Pega na mentira”, afirma:
“Num mundo onde não é possível ter certezas absolutas, certa dose de ceticismo combina bem com a vida nas democracias”. (Fonte: Juliana Sayuri, de O Estado de S. Paulo, 25 de maio de 2013).
E no mundo artístico a Sofística também contribui sobremaneira. Vejamos:
Um show da cantora Marisa Monte se chama: “O que você quer saber de verdade”. O que leva a pressupor que, você pode saber de “mentira”!
Já o cantor Falcão plantou: "Se não for verdade, pelo menos é uma excelente mentira".
Cantor e compositor, José Augusto é autor desta pérola:
“Fantasias
Me chama, me conta
Me diz como vai sua vida
Mas diz a verdade
Com jeito prá não machucar...
Me engana que sente saudade
Que ainda não me esqueceu
Que o seu amor, ainda sou eu...
Confessa que eu tinha razão
E você estava errada
Disfarça não diz
Que esse outro
Te faz mais feliz...
Me engana
Me esconde a verdade
Sonhar é melhor que sofrer
Mente prá mim
Me ajuda a viver...
Deixa eu pensar
Que é tudo fantasia
Que eu te tenho todo dia
Que eu nunca te perdi...
Deixa eu te amar
Hoje muito mais que antes
Pelo menos um instante
Quero ter você aqui...
Confessa que eu tinha razão
E você estava errada
Disfarça não diz
Que esse outro
Te faz mais feliz...
Me engana
Me esconde a verdade
Sonhar é melhor que sofrer
Mente prá mim
Me ajuda a viver...
Deixa eu pensar
Que é tudo fantasia
Que eu te tenho todo dia
Que eu nunca te perdi...
Deixa eu te amar
Hoje muito mais que antes
Pelo menos um instante
Quero ter você aqui...”.
Você já se perguntou o que são os romances afinal? Você chora com eles? Ri com eles? Toma decisões na vida a partir deles?
O ministro da Educação de Portugal, Nuno Crato, ao responder uma pergunta diz:
“Quais são esses pilares?
Um mestre tem o dever de transmitir a seus alunos os conteúdos nos quais se graduou. E, sim, precisa ter objetivos bem claros e definidos sobre o que vai ensinar. É ingênuo achar que o estudante vai descobrir tudo por si mesmo e ao seu ritmo, quando julgar interessante. Quem de bom-senso tem dúvida de que, se a criança puder esperar a hora que bem lhe apetecer para mergulhar num assunto, talvez isso nunca aconteça?”.
(Fonte: Contra a demagogia na escola, Revista Veja, nº 2324 de 05 Junho 2013, por Nathália Butti).
A comprovação do ministro põe por terra toda a besteira socrático-platônica na qual ainda se acredita, apenas para não discordar e parecer pecador, ou finge-se acreditar!
Portanto, você já se questionou qual o seu débito para com a Sofística?
Não?!
Então faça isso e verá que ele deve ser muito grande! Porém não se preocupe, ela não irá cobrá-lo, mas você seria extremamente honesto intelectualmente se apenas reconhecesse e admitisse a realidade da dívida.
Boa sorte!
Mas por que, a despeito de mortos tantas vezes por seus adversários, os Sofistas resistem até os dias atuais?
É ainda Kerferd quem pontua:
“A modernidade da extensão dos problemas formulados e discutidos pelos sofistas no seu ensino é realmente espantosa e a lista que se segue fala por si mesma. Primeiro, problemas filosóficos na teoria do conhecimento e da percepção — em que grau as percepções sensíveis devem ser consideradas infalíveis e incorrigíveis, e os problemas decorrentes nesse caso. A natureza da verdade e, acima de tudo, a relação entre o que parece ser e o que é real ou verdadeiro. A relação entre linguagem, pensamento e realidade. Depois, a sociologia do conhecimento, que reclama por investigação, porque muito do que supomos conhecer parece ser socialmente, na verdade etnicamente, condicionado. Isso abriu, pela primeira vez, o caminho para a possibilidade de uma abordagem genuinamente histórica da compreensão da cultura humana, sobretudo mediante o conceito do que foi chamado "antiprimitivismo", isto é, a rejeição da visão de que as coisas eram muito melhores no passado distante, em favor da crença no progresso e da idéia de um constante desenvolvimento na história dos seres humanos. O problema de se alcançar qualquer conhecimento a respeito dos deuses, e a possibilidade de que os deuses existam apenas em nossas mentes, ou até que sejam invenções humanas necessárias para servir às necessidades sociais. Os problemas teóricos e práticos da vida em sociedade, sobretudo nas democracias e sua doutrina implícita de que pelo menos sob alguns aspectos todos os homens são ou devem ser iguais. O que é justiça? Qual deveria ser a atitude dos indivíduos quanto aos valores impostos por outros, sobretudo numa sociedade organizada que requer obediência às leis e ao Estado? O problema do castigo. Natureza e finalidade da educação e o papel dos professores na sociedade. As ruinosas implicações da doutrina segundo a qual virtude pode ser ensinada, o que é apenas uma maneira de expressar, em linguagem fora de moda, o que queremos dizer quando afirmamos que pela educação as pessoas podem mudar a sua situação na sociedade. Isso, por sua vez, levanta de forma aguda a questão do que deve ser ensinado, por quem e a quem deve ser ensinado. O efeito de tudo isso na geração mais jovem em relação à mais velha. Como conseqüência de tudo isso, dois temas dominantes — a necessidade de aceitar o relativismo nos valores e noutras coisas, sem reduzir tudo ao subjetivismo, e a crença de que não há área da vida humana, ou do mundo como um todo, que seja imume à compreensão alcançada por meio do debate racional.” [Osório diz: Temas estudados pelos sofistas]
(Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 10-11).
Diz mais Kerferd:
“a) problemas filosóficos na teoria do conhecimento e da percepção — em que grau as percepções sensíveis devem ser consideradas infalíveis e incorrigíveis, e os problemas decorrentes nesse caso.
b) A natureza da verdade e, acima de tudo, a relação entre o que parece ser e o que é real ou verdadeiro.
c) A relação entre linguagem, pensamento e realidade.
d) Depois, a sociologia do conhecimento, que reclama por investigação, porque muito do que supomos conhecer parece ser socialmente, na verdade etnicamente, condicionado. Isso abriu, pela primeira vez, o caminho para a possibilidade de uma abordagem genuinamente histórica da compreensão da cultura humana, sobretudo mediante o conceito do que foi chamado "antiprimitivismo", isto é, a rejeição da visão de que as coisas eram muito melhores no passado distante, em favor da crença no progresso e da idéia de um constante desenvolvimento na história dos seres humanos.
e) O problema de se alcançar qualquer conhecimento a respeito dos deuses, e a possibilidade de que os deuses existam apenas em nossas mentes, ou até que sejam invenções humanas necessárias para servir às necessidades sociais.
f) Os problemas teóricos e práticos da vida em sociedade, sobretudo nas democracias e sua doutrina implícita de que pelo menos sob alguns aspectos todos os homens são ou devem ser iguais.
g) O que é justiça?
h) Qual deveria ser a atitude dos indivíduos quanto aos valores impostos por outros, sobretudo numa sociedade organizada que requer obediência às leis e ao Estado?
i) O problema do castigo.
j) Natureza e finalidade da educação e o papel dos professores na sociedade.
l) As ruinosas implicações da doutrina segundo a qual virtude pode ser ensinada, o que é apenas uma maneira de expressar, em linguagem fora de moda, o que queremos dizer quando afirmamos que pela educação as pessoas podem mudar a sua situação na sociedade.
m) Isso, por sua vez, levanta de forma aguda a questão do que deve ser ensinado, por quem e a quem deve ser ensinado.
n) O efeito de tudo isso na geração mais jovem em relação à mais velha.
o) Como conseqüência de tudo isso, dois temas dominantes — a necessidade de aceitar o relativismo nos valores e noutras coisas, sem reduzir tudo ao subjetivismo,
p) e a crença de que não há área da vida humana, ou do mundo como um todo, que seja imume à compreensão alcançada por meio do debate racional.”
É relevante, aqui, a passagem no Sofista de Platão (232b 11-e2), mencionada anteriormente, onde, depois de sugerir que o sofista se caracteriza por ser um antilogikos, o Estrangeiro Eleático pergunta qual é a série de tópicos com os quais essas pessoas se ocupavam, e ele mesmo responde com uma lista: coisas divinas na maioria invisíveis, objetos visíveis na terra e no céu, a vinda à existência e o ser de todas as coisas, leis e todas as questões de política, cada uma das artes (techné), e insiste que tudo isso não era discutido somente por Protágoras, em seus escritos, mas por muitos outros também. [Osório diz: o que estudavam os sofistas].
Isso nos fornece uma lista extensa de tópicos incluindo um título inesperado, coisas divinas. Mas é aqui que se deveria colocar o livro de Protágoras, Sobre os deuses, cujas palavras iniciais nos dão uma aplicação da doutrina dos dois argumentos opostos: "concernente aos deuses não posso vir a conhecer nem como são eles, nem como não são ou que aparência têm"; e também a obra Sobre as coisas no Hades. Pródicos (DK 34B5) discutiu a origem da crença dos homens em deuses em termos naturalistas e psicológicos, e Crítias (DK [71] sustentava que os deuses foram inventados deliberadamente pelos governantes para garantir o bom comportamento de seus súditos.” [Osório diz: frases e pensamentos dos sofistas sobre os deuses]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 10-12).
É Barbara Cassin quem diz:
“Nessa perspectiva, compreende-se o interesse de estudar os retornos da coisa sofística, a maneira pela qual ela não cessa de desfazer a censura filosófica, particularmente com o movimento que se designa a si mesmo, em pleno período imperial — ou seja, cinco séculos depois de Protágoras e Górgias — como "segunda sofística”. Diferente da filosofia, diferente da metafísica, de Platão e de Aristóteles até Hegel, e entretanto nada de pura e simplesmente irracional: eis porque a sofística é uma questão sempre atual. Sem dúvida, não se cessa de puxá-la de um lado ou de outro: primeiro esboço da Aufklärung [Osório diz: iluminismo ou esclarecimento. Aclaração, esclarecimento, iluminação], primeiro existencialismo trágico. Mas, através das contradições da crítica, a heterodoxia sofística faz ainda perceber o caráter de artefato da fronteira racional/irracional.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 8).