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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

25 – Sofistas – professores (itinerantes) da Grécia.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Antes dos Sofistas, os educadores da Grécia eram os poetas [Osório diz: os educadores da Grécia]. Só no momento em que a recitação de Homero já não constitui o único alimento cultural dos Gregos é que a sofística poderá nascer; este momento coincidirá, como demonstrou Untersteiner, com a crise da civilização aristocrática2. Mas são as instituições democráticas que permitirão o progresso da sofística, tornando-a de alguma maneira indispensável: a conquista do poder exige, de agora em diante, o perfeito domínio da linguagem e da argumentação: não se trata apenas de ordenar, há também que persuadir e explicar. É por isso que os Sofistas, como nota Jaeger, que “saíam todos da classe média”, foram, de uma maneira geral, mais favoráveis, parece, ao regime democrático. É claro que os seus alunos mais brilhantes foram aristocratas, mas foi porque a democracia escolheu, frequentemente, os seus chefes entre os aristocratas, e os jovens nobres que frequentavam os Sofistas eram os que aceitaram submeter-se às regras das instituições democráticas; os outros desinteressavam-se da vida política. [Osório diz: os sofistas e a crise aristocrática! Mesmo que fosse aristocratas, aprendiam uma nova visão, portanto, revolucionária / O que permitiu o nascimento da sofística]

Por outro lado, os Sofistas foram profissionais do saber; os primeiros fizeram da ciência e do ensino o seu ofício e meio de subsistência; neste sentido, inauguraram o estatuto social do intelectual moderno. Parece terem-se interessado por todos os ramos do saber, da gramática às matemáticas, mas estes “filómatos” [Osório diz: filomatia, significa amor à ciência] não procuravam a transmissão de um saber teórico: visavam a formação política de cidadãos escolhidos. [Osório diz: Sofistas os professores da Grécia] [Osório diz: Sofistas e a intelectualidade moderna]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 9).

 

Prossegue Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Finalmente, foram pensadores itinerantes, encontrando, apesar de tudo, em Atenas o teatro mais prestigiado do seu sucesso. Ensinando de cidade em cidade, adquirem da vida itinerante um sentido penetrante do relativismo, o primeiro exercício do pensamento crítico. O seu estatuto, de alguma maneira internacional, fê-los sair do quadro apertado da cidade e explica a descoberta do individualismo. Favorecem, de certo modo fisicamente, a circulação das ideias, e é talvez este trabalho de por em circulação que faz com que Platão, para os caracterizar, empregue de preferência metáforas comerciais e monetárias. Garnet mostra exatamente que, entre as definições platônicas do sofista, no Sofista, “haja três, isto é, metade, que se relacionam com a atividade mercantil.” [Osório diz: Professores itinerantes]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 11).

 

Kerferd ensina:

 

Seria um engano dar a impressão de que o movimento sofista era alguma coisa confinada em Atenas.

Os sofistas vieram de muitas partes do mundo grego, viajaram longas distâncias, visitando cidades por toda parte (Platão, Ap. 19e5), ou pelo menos as cidades maiores (Platão, Prot. 316c6), das quais, ao que parece, estavam sujeitos a ser expulsos, exatamente como acontecia em Atenas (Platão, Mênon 92b3). Alguns sofistas, contudo, não eram estrangeiros, mas cidadãos das cidades nas quais ensinavam (Platão, Mênon 91c2, 92b3, Sof. 223d5). Quando um sofista viajava, ia provavelmente acompanhado de alunos que, como ele, chegavam como estrangeiros nas cidades que estavam visitando (Platão, Prot. 315a7). Górgias teve alunos em Argos, onde atraiu muita hostilidade da população local (ver DK Vol. II, 425.26), e em outro período de sua vida parece que se fixou em Tessália (DK 82A19). Hípias viajou muito, especialmente no mundo dório e, portanto, até Esparta e Sicília; e Protágoras também viveu por algum tempo na Sicília.” [Osório diz: Os sofistas como professores itinerantes. Embora Atenas, por sua riqueza e poder tenha sido o palco principal deles]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 44).

 

Prossegue Kerferd:

 

Na escola primária, o sistema normal de educação consistia em três partes, cada uma com o seu próprio professor especialista. O paidotribês era responsável pela educação física e pelas atividades esportivas; o citharistês pela música. Em terceiro lugar, o grammatistês ensinava leitura, escrita e gramática e seus alunos tinham de ler e memorizar escritos dos grandes poetas, Homero, Hesíodo e outros, escolhidos por causa da sabedoria moral que continham (cf. Platão, Prot. 325d7-326a4).” [Osório diz: os professores e a educação em Atenas]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 67).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.20 – Platão, o homem que busca a verdade com mentiras.

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Nessa perspectiva, a alusão a Eurípedes parece-me apresentar o interesse de instituir um nível suplementar: Aristides não é somente um dos dois gêmeos, como Cálicles no diálogo; também não é apenas, como o Sócrates de Platão, como bom orador dialético, capaz de ser os dois pelas necessidades da sua própria causa. É também, como Eurípedes, o autor, o criador que unifica no real as duas ficções antagônicas. Como Eurípedes ou como Platão. Pois um dos trunfos mais notáveis da retórica de Aristides é o de lhe permitir perceber Platão também como um autor. Ele situa, coloca no seu devido lugar, a pretensão à verdade do discurso platônico, fazendo simplesmente notar que Platão, que finge ser Sócrates, escreve "ficções" com seus diálogos: “Quem não sabe que Sócrates, Cálicles, Górgias, Pólo, tudo isso é Platão, transformando os discursos à sua vontade?” (III, 632). Aristides, consciente da sua própria autoridade, não esquece nunca o autor do enunciado sob o sujeito da enunciação, a escritura sob a verdade em curso.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 147).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.19 – Platão e quem deveria ser “a medida de todas as coisas”.

 

Afirma Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

O agnosticismo de Protágoras é talvez disto resultante, o ponto neutro entre os dois discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da crença e o da descrença. Se os dois discursos aqui se anulam em vez de deixar um sobrepor-se ao outro, é porque se trata do domínio do invisível e do escondido; o sofista guarda a sua resposta, ou adia-a, na impossibilidade de poder levar a cabo uma fenomenologia do divino, ou de querer elaborar uma teologia do obscuro. Em todo o caso, este agnosticismo prepara e permite o momento seguinte do pensamento de Protágoras, a afirmação do homem-medida: se os deuses não se deixam afirmar, então fica o homem. A prova está em que Platão, nas Leis, substituirá a fórmula protagórica de ánthropos métron por esta: “o deus é a medida de todas as coisas.” [Osório diz: Platão joga a toalha!]

 

Protágoras prepara, assim, pela negação de todo o recurso ao absoluto, um humanismo radical. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 20-21).

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.18 – Platão: enfim um acerto dele!

 

Kerferd ensina:

 

Mas todas essas são meras referências esparsas. O que é de maior importância é o testemunho de Platão e a sua relação com o de Aristófanes. Na República, Platão tinha argumentado que é dever de todas as pessoas devotar suas energias ao cumprimento da função para a qual foram, por natureza, mais bem dotadas (423d). Quando chega no Livro V, contudo, ele revela a sua consciência de que a questão da posição das mulheres envolve todo um enxame de argumentos (logoi) que, até esta altura do diálogo, tinha permanecido dormente (450bl). Sua opinião pessoal é que a única diferença entre homens e mulheres é a da função física na reprodução. Fora isso, ambos, homens e mulheres, deveriam dedicar-se à mesma série de ocupações e desempenhar as mesmas funções na comunidade. Para isso, devem receber a mesma educação. Mas se homens e mulheres forem levar a mesma vida, será preciso abolir a família. A procriação será organizada cientificamente em base comunitária; as crianças serão cuidadas em instituições públicas, de modo que ambos, mulheres e crianças, serão "comuns", pertencendo mais ao Estado do que aos maridos e pais individuais.” [Osório diz: em fim concordo com algo que diz Platão! Mas o que ele queria mostrar é que essa solução as mulheres não aceitam, pois querem ser mães dos filhos do homem que “amam”! Talvez Platão dissesse: “apoio, mas aguentem as consequências”!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 273).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.17 – Platão incentivando Sócrates a morrer.

 

Kerferd ensina:

 

Mais discussão se concentrou em torno de Críton, onde Platão representa as leis de Atenas (50a6ss.) implorando ardentemente a Sócrates que não fuja da prisão, alegando que ele tinha livremente concordado com as leis em conformar-se com os veredictos legais pronunciados pela cidade. Esse acordo é dito ter sido feito por Sócrates, não com palavras, mas por suas ações, ao passar, voluntariamente, toda a sua vida, até aquela data, na cidade de Atenas (52d5), e não deve ser agora violado por ele.” [Osório diz: Platão incentivando Sócrates a morrer?!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 253).

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(uma biografia do conhecimento)

 

24.16 – Platão, o antijuventude.

 

Kerferd ensina:

 

O segundo ponto de Platão contra a antilógica não é tanto uma objeção quanto um receio constante do perigo de seu abuso, especialmente nas mãos dos jovens. Esse seu receio, na verdade, não se confina à antilógica, mas realmente se estende à própria dialética, que, se estudada pelos muito jovens (antes dos 30 anos), pode destruir o respeito pela autoridade tradicional, mediante a indagação de questões tais como "o que é certo" (to kalon) quando o questionador é incapaz de enfrentar essas investigações de maneira adequada e descobrir a verdade (Rep. 537el-539a4) [Osório diz: como se descobrir a verdade, mesmo para os velhos, fosse possível]. "Os jovens, quando experimentam argumentos pela primeira vez, abusam deles como num jogo, usando-os em todos os casos, a fim de estabelecer uma antilogia e, imitando os que se engajam em refutar, refutam eles mesmos outras pessoas, divertindo-se como cachorrinhos, puxando e estraçalhando, com seu argumento, todos os que deles se aproximam" (539b2-7). O resultado de repetidas refutações mútuas, ou elenchi, conduzidas dessa maneira, diz Platão, é "desacreditar tanto os interessados como a atividade toda da filosofia aos olhos do mundo [Osório diz: mas é possível desacreditar a verdade? Quem tem a verdade nada tem a temer!]. Uma pessoa mais velha não estaria disposta a participar desse tipo de loucura, mas imitará o homem que quer proceder dialeticamente (dialegesthai) e que quer ver a verdade, ao contrário do homem que fica brincando e procedendo antilogicamente por diversão [Osório diz: muito palhaço esse palhaço chamado Platão! Os velhos não contestam!]. Ele será mais comedido em sua abordagem, e fará o empreendimento mais digno de respeito do que menos digno dele" (539b9-dl). Em outras palavras, sem a dialética, a prática da antilógica é muito perigosa, pois pode ser facilmente usada para propósitos meramente frívolos. Mas uma leitura atenta dessa passagem mostra, acho eu, que Platão não está condenando a antilógica como tal. O processo de elenchus (refutação lógica) é, para Platão, uma parte normalmente necessária do processo de dialética (Cf. Fédon 85c-d, Rep. 534b-c). Na presente passagem Platão está condenando o abuso do elenchus quando usado para propósitos frívolos, mas, por implicação, ele o aprova quando usado para o propósito da dialética. Ora, o processo de elenchus, nos diálogos platônicos, toma diversas formas. Mas uma das formas mais comuns é a de argumentar que uma dada afirmação leva a uma autocontradição; em outras palavras, a duas afirmações mutuamente contraditórias. Mas duas afirmações mutuamente contraditórias são a característica essencial da antilógica.” [Osório diz: Platão é antilógico negando que é antilógico! Mais uma vez ele não condena a antilógica, mas o uso que se possa fazer dela e que o faça. Se for Sócrates, tudo bem, ele pode tudo, menos para o tribunal!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 111-113).

 

Era também contra a velhice, quando a associa à fealdade!

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.15 – Platão explica os Sofistas em Atenas.

 

Kerferd ensina:

 

A profissão de sofista, em Atenas, não era isenta de perigo. O ponto de partida, aqui, são as palavras que Platão põe na boca de Protágoras:

 

Quando um homem, que é um estrangeiro, vai para grandes cidades e lá persuade os melhores jovens a abandonar suas associações com outros, sejam parentes ou estranhos, mais velhos ou mais jovens do que eles, para se associarem consigo, movidos pela ideia de que se tornarão melhores mediante a sua associação com ele, um homem que assim procede precisa estar vigilante. Pois grandes são os ciúmes que surgem junto com outros ressentimentos e ataques contra ele [Osório diz: isso parece até uma confissão, no contexto!]. Ora, eu declaro que a arte sofista é muito antiga, mas os que a praticavam nos tempos antigos [Osório diz: já!? A antiguidade da Sofística! É que ela nasceu com o homem: falar é sofismar!], receando o ódio que despertava, construíam um escudo e máscara para si mesmos; alguns deles poesia, como no caso de Homero, Hesíodo e Simônides; alguns, ritos religiosos e profecias, como fizeram Orfeu, Museus e seus seguidores, alguns, tenho observado, também o atletismo, como aconteceu com Icos de Tarento e um outro ainda vivo, Heródico de Selimbria, originalmente de Mégara, tão sofista como qualquer outro; e música foi disfarce adotado por vosso próprio Agátocles, um grande sofista, e Pitocleides de Ceos e muitos outros. Todos esses, como digo, receando a má vontade contra eles, usaram essas artes como anteparos (Prot. 316c5-e5). [Osório diz: rol interessante de sofistas anteriores ao século V!. Muito estranha essa não condenação, o que leva a crer até em uma possível distorção dos escritos platônicos]

 

Protágoras prossegue dizendo que ele mesmo não tomou esse caminho [Osório diz: o do disfarce?]. Admite que é sofista e que educa homens. Considera isso melhor precaução do que total negação. Mas ele inventou "outras precauções também" (317b6-7) cuja natureza não é especificada, de modo que, por isso, não sofre dano em consequência de sua admissão de que é sofista.

A certa altura, Platão até põe na boca de Sócrates a afirmação de que Atenas permite maior liberdade de palavra do que qualquer outro lugar na Grécia (Górgias, 461e2), e isso se conservou, até o século IV, como uma das características das quais os atenienses se orgulhavam (cf. Demóstenes IX, 3). A "Nota de Liberdade" tem sido regularmente declarada uma das glórias do gênio grego, manifesta em Atenas mais do que em qualquer outro lugar no século V a.C. Entretanto, como escreveu E. R. Dodds,

 

os indícios que temos são mais do que suficientes para provar que a Grande Era do Iluminismo grego era também, como no nosso próprio tempo, uma Era de Perseguição — banimento de intelectuais, antolhos para o pensamento e até (a crer na tradição sobre Protágoras) queima de livros. Isso afligiu e confundiu os professores do século XIX, que não tinham a nossa vantagem da familiaridade com esse tipo de comportamento. Isso os confundia ainda mais porque acontecia em Atenas, a "escola da Hélade", a matriz da filosofia e, até onde vai nossa informação, em nenhum outro lugar. Daí a tendência para duvidar dos dados, sempre que possível; e quando possível explicar que o motivo real por trás das denúncias era político.

 

Em vista dos testemunhos acima não é de se duvidar da autenticidade da tradição segundo a qual alguns sentiam que seria prudente que o sofista ocultasse o fato de ser sofista. Encontramos isso não só na passagem do Protágoras de Platão citada anteriormente, mas também aplicado a Damon, na Vida de Péricles, de Plutarco; tratado como pilhéria por Sócrates, no seu próprio caso, em Teeteto 149a7 [Osório diz: nisso é pilhéria? No dos outros não?]; como um argumento sério na Apologia 33c4-34b5, e aplicado a outros, além de Protágoras, em Mênon 91e3-92a6. Se os sofistas poderiam ocasionalmente sentir-se inseguros em Atenas, certamente haveriam de ter recorrido ao apoio de Péricles. Consta que Péricles interveio diretamente para socorrer Anaxágoras e Aspásia. Não há por que duvidar de que sua influência estava disponível para socorrer outros também, e é provável que o apoio de Péricles fosse a secreta fonte de segurança em que se fiava Protágoras (Prot. 317B6-7). (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 39-41).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.14 – Platão e sua hostilidade aos Sofistas.

 

Kerferd ensina:

 

Das leituras que faço, e como mais adiante tentarei demonstrar, hoje tenho dúvidas se Platão, realmente, era hostil aos Sofistas ou era apenas irônico, e digo isso por ele chamar para si ensinamentos sofísticos e abraçar o sofista Sócrates como seu mestre e guia, embora ele também desvirtue o próprio pensamento socrático em prol de seu próprio pensar, como demonstrou o Fernando Pinto em “Sócrates, um filósofo bastardo”. É claro que, a religião potencializou essa “hostilidade” para afirmar seus fins e objetivos.

 

Mas quanto a essa hostilidade pontua Kerferd:

 

A hostilidade de Platão em relação aos sofistas é óbvia e sempre foi reconhecida. Mas o que exatamente ele diz sobre eles nem sempre tem sido descrito com precisão. Em dois lugares, nos seus diálogos, encontramos o que pode ser tomado como exemplo desse tratamento. No Górgias, 462b3-465e6, ele distingue entre, de um lado, uma série de atividades genuinamente científicas, que chama de technai, cujos alvos ou objetivos são o mais alto grau de excelência em cada uma de suas próprias esferas, e, de outro lado, várias atividades empíricas. Estas não são científicas, visto que não estão baseadas em princípios racionais e são incapazes de dar explicações; visam ao agradável, em vez da excelência, e fazem isso sendo complacentes com as expectativas e os desejos das pessoas. São imitações enganadoras de genuínas technai. Na área geral de preocupação com a alma humana, Platão inclui a declaração de normas de comportamento, e isso ele considera genuína techné. Corresponde a isso, contudo, uma atividade espúria, a investigação empírica conhecida como sofística.”

 

Se o empirismo não é ciência, e não defendo nada sobre o que é ou deixa de ser ciência, o que fazem os ingleses e, em especial, Newton, tido como o iniciador da “ciência moderna”?

 

Prossegue Kerferd:

 

No diálogo Sofista, a análise é mais elaborada e a hostilidade não menos marcante. Nada menos de sete diferentes definições do sofista, todas depreciativas, com uma única possível exceção, são discutidas uma por vez. Tem-se discutido se Platão as considerava todas descrições satisfatórias ou não, mas é claro, acho eu, que as concebia como expressando pelo menos aspectos particulares do movimento sofista. Elas definem o sofista (1) como o caçador assalariado de jovens ricos, (2) como um homem que vende "virtude" e, visto que vende bens que não lhe pertencem, como um homem que pode ser descrito como mercador do ensino, ou (3) que vende a varejo em pequenas quantidades, ou (4) como um homem que vende a seus fregueses bens fabricados sob encomenda. Numa outra visão, (5) o sofista é alguém que entretém controvérsias do tipo chamado erística (termo importante discutido mais adiante no capítulo 6), a fim de ganhar dinheiro com a discussão do certo e do errado. (6) Um aspecto especial do sofisma é identificado, então, como um tipo de exame verbal chamado Elenchus (refutação lógica), que educa purgando a alma do vão conceito de sabedoria. O que, exatamente, Platão está tentando transmitir aqui tem sido tema de discussão, mas parece que ele considera essa função, essencialmente negativa, um dos menos indesejáveis resultados da atividade sofista, quando a rotula de "a sofística que é de família nobre", presumivelmente para distingui-la de outros aspectos das atividades dos sofistas [Osório diz: isso casa perfeitamente com o Sócrates sofista!]. Finalmente, no final do diálogo, depois de uma longa digressão, chegamos ao ponto em que (7) o sofista é visto como o falsificador da filosofia, construindo, de maneira ignorante, contradições baseadas mais em aparências e opiniões do que na realidade.

Será necessário voltar, mais tarde, ao que Platão tem a dizer a respeito da erística, do Elenchus e da arte de inventar contradições. Mas fica claro que suas caracterizações, no Sofista, que podem ser postas ao lado de outras afirmações semelhantes em outros diálogos, constituem uma inequívoca condenação.

O currículo da educação sofista não começava do nada, - seguia-se ao término do estágio primário. Segundo Esquines, o orador,foi Sólon quem, no início do século VI a.C., tornou compulsório o ensino da leitura e da escrita, em Atenas (Esquines, In Tim. 9-12) [Osório diz: a escrita em Atenas]. Por volta da metade do século V e, provavelmente, mais cedo, havia um sistema bem estabelecido de escolas primárias. Frequentar a escola era o normal para meninos nascidos livres, embora não haja prova de que a freqüência escolar fosse obrigatória. A ampliação da educação para toda a sociedade ateniense que isso implicava não foi popular entre os que olhavam para o passado como para uma época de maior privilégio aristocrático nessas questões [Osório diz: a educação como prejudicial à hegemonia burguesa]. Píndaro (01.II.86-88) opunha aqueles cuja sabedoria vem por natureza (família e nascimento) àqueles que tiveram de aprender [Osório diz: no que “acreditava” também Platão]. Embora não se saiba ao certo a quem ele estava se referindo, pode-se, com razão, tomar isso como um lance na controvérsia Natureza-Educação, que era importante no período sofista (cf. também sua ode Nemeana, III, 41). Se aretê ou excelência, pode ser ensinada, então a mobilidade social é imediatamente possível [Osório diz: eis o pomo da discórdia e a má vontade contra os sofistas]; e é claro que Protágoras estava interessado exatamente nessa controvérsia Natureza-Educação quando escreveu: "ensinar exige ambos, Natureza e Prática" (DK 80B3; cf. B10).” [Osório diz: Frase de Protágoras]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 12-14, 66-67).

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Assim o diálogo entre Sócrates e Teeteto autoriza, sem dúvida, para sempre, o sentido relativista e subjetivista da proposição de Protágoras: se a verdade se reduz para cada um à opinião que traduz sua sensação, Protágoras, segundo esse raciocínio, teria feito igualmente bem em dizer que "a medida de todas as coisas é o porco ou o cinocéfalo" (161c4s.).

Do conjunto dos diálogos de Platão se destaca então a figura doravante tradicional da sofística. Ela é desconsiderada em todos os planos. Ontológico: o sofista não se ocupa do ser, mas se refugia no não-ser e no acidente; lógico: ele não busca a verdade nem o rigor dialético, mas apenas a opinião, a coerência aparente, a persuasão, e a vitória na justa oratória; ético, pedagógico e político: ele não tem em vista a sabedoria e a virtude, tanto para o indivíduo quanto para a cidade, mas visa ao poder pessoal e ao dinheiro; literário mesmo, já que as figuras de seu estilo são apenas intumescências de um vazio enciclopédico. Para avaliar a sofística com a medida do ser e da verdade, é preciso condená-la como pseudo-filosofia: filosofia das aparências e aparências da filosofia.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 9).

 

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(uma biografia do conhecimento)

 

24.13 – Platão e sua discordância com os sofistas.

 

Kerferd ensina:

 

Mas não é só isso. Numa frase sem ênfase, Platão de fato revela que estava ciente de que sua própria visão dos fenômenos foi antecipada por aqueles que se ocupavam com logoi antilogikoi. Isso está claramente implicado na afirmação de que tais pessoas "pensam que são os únicos que chegaram a compreender" — eles estão sendo criticados, não por sustentarem essa opinião, mas por se enganarem supondo que ninguém mais tenha chegado a essa mesma compreensão. Em outras palavras, ambos, Platão e os praticantes da antilógica, estão de acordo neste ponto: o caráter antilógico dos fenômenos. O único ponto fundamental sobre o qual Platão vai discordar é a falta de compreensão deles de que o fluxo dos fenômenos não é o fim da história — deve-se procurar alhures a verdade, que é o objeto do verdadeiro conhecimento; e, mesmo para a compreensão do fluxo e suas causas, deve-se buscar entidades mais permanentes, seguras e confiáveis, as famosas Formas platônicas. Isto, por sua vez, sugere que a base real da hostilidade de Platão aos sofistas não era porque, a seu ver, estivessem inteiramente errados, mas porque elevavam a meia verdade à verdade toda, confundindo a fonte da qual vêm todas as coisas com as suas consequências (fenomenais) (Fédon 101el-3). Isso os tornava muito mais perigosos. De fato, quando alhures Platão sugere, como o faz repetidamente, que os sofistas não estavam preocupados com a verdade, podemos começar a supor que era porque eles não estavam preocupados com o que ele considerava ser a verdade, e não porque eles não estavam preocupados com a verdade tal como eles a viam. Para Platão, embora não goste de dizer isto, antilógica é o primeiro passo no caminho que leva à dialética.” [Osório diz: a verdade que Platão que? os sofistas aceitassem: a dele!] [Osório diz: a antilógica como o primeiro passo da dialética!] [Osório diz: sempre o contraditório!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 116-117).

 

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Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.12 – Platão e a linguagem.

 

Kerferd ensina:

 

Que o próprio Platão sabia que sua visão do mundo fenomenal envolvia a antilógica aparece claramente numa famosa passagem do Fédon (89dl-90c7), cuja importância nem sempre tem sido compreendida pelos estudiosos [Osório diz: Platão admitindo a antilógica, para desespero de seus asseclas!]. É a passagem em que ele fala do perigo de vir a odiar logoi, ou argumentos, situação que ele chama de misologia [Osório diz: seria isso a percepção de que a linguagem é insuficiente para explicar, dizer o mundo?]. No caso de um ser humano, se primeiro confiamos nele e depois, mais tarde, descobrimos que não podemos confiar nele, e essa experiência se repete, é provável que acabemos na misantropia, o ódio e rejeição de todo ser humano. A mesma coisa acontece com os argumentos — se a pessoa primeiro confia e crê que um argumento é verdadeiro e depois descobre que é falso, a pessoa pode acabar odiando e desconfiando de todos os argumentos [Osório diz: daí Protágoras ser fundamental com o seu mito]. Em seguida vem a afirmação para a qual quero chamar especial atenção:

 

E, acima de tudo, os que passam o seu tempo tratando com antinomias (logoi antilogikoi) acabam, como vocês bem sabem, pensando que se tornaram os mais sábios dos homens e que são os únicos que chegaram a compreender que não há nada sólido ou seguro, seja em fatos ou em argumentos, mas que todas as coisas que existem são simplesmente levadas para cima e para baixo como o [fluxo da maré no] Euripo, e nunca param em um ponto qualquer por qualquer duração de tempo. [Osório diz: Fédon (89dl-90c7).Conferir esta ótima citação. Vide abaixo também].

 

Platão, naturalmente, vai sugerir ambos: a necessidade de fugir da misologia e os métodos a serem seguidos. Contudo, é claro que na passagem acima ele está expressando a sua própria visão do fluxo dos fenômenos. Ao longo dos diálogos, são a instabilidade e o caráter mutável do mundo fenomenal que o tornam, para Platão, incapaz de funcionar como objeto de conhecimento. O conhecimento há de ser, necessariamente, firme e imutável, e requer objetos de caráter semelhante ao seu. No Fédon, a expressão "para cima e para baixo" é usada de novo (96bl) para caracterizar a confusão (100d3) sentida por Sócrates ao tentar compreender e explicar o mundo físico em termos puramente físicos, antes de embarcar na sua "segunda viagem", baseada no método da hipótese e na doutrina das Formas. Esta provê um método de fuga (99e5) da confusão do mundo dos sentidos. Contudo, aquilo de que Sócrates deve fugir é exatamente este mundo dos sentidos, e a razão da sua necessidade de fugir dele é porque ele exibe exatamente aquelas características com as quais se identificam as pessoas conhecidas como antilogikoi. [Osório diz: Platão e a impossibilidade da ciência!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 115-116).

 

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