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87.4 – Retórica e Filosofia: a linguagem e seus objetos.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

87.4 – Retórica e Filosofia: a linguagem e seus objetos.

 

Ensina Guthrie:

 

A relação da linguagem com o seu objeto.

 

Antifonte, fr. 1, diz que as artes ou ciências (tchnai) tomam suas terminologias das espécies (eidea) e não vice-versa, pois palavras são uma tentativa de impor legislação sobre a natureza (…) ao passo que as espécies não são convencionalmente impostas, e sim crescimentos naturais.

O Crátilo de Platão mostra que a questão em pauta era se os nomes das coisas tinham uma adequação inerente, ou natural, ou eram meros sinais convencionais. [Osório diz: Aristóteles “detona” essa besteira platônica no livro gama de sua Metafísica ao dizer que “existem mais coisas no mundo do que nomes”!].

Protágoras afirma que o homem educado deve ser qualificado em seu assunto para entender quanto o poeta compõe corretamente e quando não.

Como o estudo da “correção dos nomes" incluía provavelmente especulação sobre a natural adequação dos nomes ao que eles significam, pois Sócrates introduz Homero como autoridade sobre este último assunto, citando antes de tudo sua prática de mencionar dois nomes para uma coisa, um usado pelos homens e outro pelos deuses: "obviamente os deuses devem chamá-los pelos nomes que correta e naturalmente lhes cabem" (Crát. 391d). [Osório diz: Aristóteles “detona” essa besteira platônica no livro gama de sua Metafísica ao dizer que “existem mais coisas no mundo do que nomes”!].

A “correção dos nomes” é o tema de Crátilo, que discute dois modos de ver opostos.

O fato de um grupo de homens concordarem como chamarão uma coisa não faz disso o seu nome: na verdade, uma palavra que não tem nenhuma garantia interior não é nome absolutamente. Há um nome natural e próprio pertencente a cada coisa, o mesmo para gregos e estrangeiros igualmente. Deve-se supor que tenha sido dado por original dador-de-nomes ou legislador que tenha completa intuição sobre a natureza mesma da coisa, sem dúvida como resultado de poderes supra-humanos. [Osório diz: a besteira só supra-humano!]

A esta tese de Crátilo Hermógenes opõe a sua segundo a qual a correção dos nomes é determinada unicamente por convenção e acordo, e diferem para povos diferentes. Tendo-se-lhe perguntado por sua própria opinião, Sócrates, de início, apóia Crátilo. Sustentar o caráter completamente arbitrário dos nomes leva inevitavelmente a aceitar a tese de Protágoras para quem não há nenhuma realidade objetiva e também as coisas são diferentes para cada indivíduo, ou então a de Epidemo para o qual todas as coisas possuem todos os atributos juntos e ao mesmo tempo. Isso, concordam eles, está errado. Colocando-o em seus próprios termos teleológicos, Sócrates argumenta que as ações (praxeis) e as coisas (pragmata) têm a natureza fixa e devem ser tratadas com o instrumento próprio, como cortar com uma faca. Isso inclui o discurso cujos instrumentos, ou seja, palavras e nomes (onomata), têm a função de ensinara sobre as essências de coisas reais e distingui-las. Eles são dados pelo nomos, e daí por um legislador ou fazedor-de-palavras que (em analogia com outras habilidades, por exemplo, o fabricador de máquina de tecer que subserve ao trabalho de tecelão) deve produzir o nome naturalmente adequado para o seu objeto, trabalhando sob a direção de usuário habilitado, isto é, o dialético ou experto em discussão.

[Osório diz: o Crátilo é um exemplo de que Platão, mais uma vez, se apropria de tese sofista sem querer dar o crédito, aliás, falando contra ela!] Daí eu pensar que ele é um tirador de sarro. Primeiro fala de “convenção/acordo” para os nomes, ou seja, que os nomes seriam dados por nomos, depois diz que eles provêm da natureza, ou seja, seriam dados pela phýsis!]

Em que consiste então a correção dos nomes? Sócrates nega conhecimento – esta é a província dos sofistas e poetas – mas é induzido a expor uma teoria. Um nome é uma imitação vocal de um objeto – não no sentido cru em que alguém imita uma vaca dizendo “mu”, mas comunicando a natureza da coisa, como se não tivéssemos nenhum discurso, poderíamos comunicar a natureza do peso por um movimento de cima para baixo da mão. Sendo as palavras compostas ou simples, isto se aplica mais diretamente às simples, e ainda mais diretamente às letras e sílabas de que são compostas. Estas são como os pigmentos que o pintor pode usar em separado ou em combinação para construir sua pintura. A forma da palavra às vezes o mostrará de maneira óbvia, por exemplo, a letra r imita moção ou ação violenta, l lisura; mas muitas palavras tornaram-se tão batidas e tão distorcidas no decorrer da história que a intuição do original dador-de-nome não mais é reconhecível. Sócrates passa depois a ilustrar este ponto por uma série de etimologias cuja maioria são obviamente fantasiosas, tornando evidente sua própria atitude cética para elas por várias observações irônicas. Ele parodia uma prática corrente e guarda para si sua opinião pessoal. [Osório diz: os gracejos de Sócrates são permitidos, já os de Górgias...].

Nomes não são, pois, rótulos arbitrários, e sim forma de imitação de seus objetos. Todavia (voltando para Crátilo) deve-se dizer que, como no caso dos pintores, alguns serão melhores imitadores do que os outros, e assim serão seus produtos, os nomes. Ou os nomes são corretos, ou não são nada, simplesmente barulhos sem sentido como o bater de um gongo. (É em referência a isto que Crátilo se confessa um dos que sustentam que é impossível falar falsamente) [Osório diz: aqui, e por isso, Platão se mete num beco sem saída! Daí, ao final, ele, e seu personagem Sócrates não concluírem nada!]. Sócrates responde que uma imitação nunca pode ser exatamente igual ao original em todos os aspectos, ou seria o original, mas Crátilo fica sem se convencer, e volta para o poder de super-homem do inventor original dos nomes [Aristóteles, nos primeiros capítulos de De interpr., obviamente, tem os olhos em Crátilo. Ele se coloca ao lado de Hermógenes sustentando (16 a 19) que um nome é uma phone semantike kata syntheken e que isto significa (a27) hoti physei ton onomaton ouden estin, all' hotan genetai symbolon. Ele distingue entre sons inarticulados, comuns a homens primitivos e animais, que são naturais e comunicam sentido, mas ainda não são linguagem, "nomes" que são convencionais (a28, delousi ge ti kai kw hoi agra at. psophoi, hoion therion, hon ouden estin onoma).]. [Osório diz: Platão e as ideais e os pintores. Embrião.]

Estas teorias lingüísticas têm conexão com teorias correntes do conhecimento e da realidade [Osório diz: nomos versus phýsis. Os nomes são dados por nomos ou pela natureza?]. A tese de Hermógenes, segundo a qual palavras são de origem convencional meramente arbitrária, encontra acordo no diálogo para levar à doutrina de Pitágoras de que não há realidade atrás das aparências. O modo de ver oposto de Crátilo deixa espaço para uma realidade (physis) à qual o nome está essencialmente unido (…) de sorte que “o que conhece os nomes conhece também as coisas”. Opinião ou afirmação falsa é impossível, mas pela razão oposta à dada por Protágoras. Ao passo que ele dissolveu a realidade na aparência, esta teoria mais paradoxal (que, como veremos logo, era a de Antístenes) sustenta que há uma physis para tudo e não há nenhuma possibilidade de denominá-la ou descrevê-la erroneamente [Osório diz: aquilo que tento dizer: a linguagem, por si só, ao tentar-se casá-la com a realidade leva a paradoxo, como é o caso! A mesma teoria aplica a coisas totalmente distintas, até opostas]. Aplicar-lhe o que outros chamariam de nome ou logos errado é pronunciar nome algum, mas apenas ruídos sem significado (…) Somente Sócrates apresenta explicação da linguagem baseada na antítese comumente chamada sofista, e sustentada de modo sobretudo claro por Demócrito e Antífon, entre physis e nomos [Osório diz: se ele era um deles, nada mais natural! Mas qual a explicação?]. As coisas têm natureza fixa, e as palavras são a tentativa de reproduzir aquela natureza pelo meio do som; mas esta imitação nunca perfeita, e em alguns casos muito imperfeita, mesmo desde o início, além de as palavras se corromperem através do uso e com a passagem do tempo (…) Também não são as mesmas as imitações tentadas em diferentes partes do mundo. (A possibilidade de origem não-grega para algumas palavras é mencionada em 409d-e, 416a, 425e). Ademais, assim como o retrato de Smith por ser erroneamente identificado como retrato de Jones, também uma palavra pode ser erroneamente identificada com algo diverso do que aquilo de que ela é a imagem (…) Com base nesta teoria poderia bem ser verdade, como Antífon disse, que pessoas usual ou convencionalmente apliquem a palavra “justiça” ao que não é verdadeira, correta e naturalmente justo. O final do Crátilo permite outro rápido olhar fascinante (…) sobre o modo como Sócrates virava argumentos sofísticos para seus próprios objetivos [Osório diz: o que prova que ele era um deles, como demostra Aristófanes, que, no caso, não se enganou!]. Pergunta de repente a Crátilo se, concedido que palavras são imagens de coisas, não é melhor aprender da realidade que a imagem expressa antes do que somente da imagem. Crátilo não pode negá-lo, Sócrates o leva daí ao seu próprio “sonho” de formas absolutas e imutáveis de beleza, bondade e o resto, que só se pode dizer ser real e louvável, e são diferentes de suas representações fugazes num rosto ou numa boa ação. Crátilo ainda está inclinado a se fixar em sua própria posição heracliteana, e o diálogo termina, como tantos outros, num acordo de pensar mais sobre o tema depois [Osório diz: somente dos sofistas são exigidas explicações completas, conclusivas. Platão/Sócrates nunca concluem nada e ninguém lhes pede mais do que dizem! E a isonomia?]. Mas na mente do leitor foi semeada a semente. [Osório diz: Infelizmente, ou felizmente, o leitor Aristóteles resolveu o problema ao dizer, no livro Gama de sua Metafísica, que “existem mais coisas no mundo do que nomes para designá-las”! Aliás, toda a exposição sobre o tema já devia iniciar-se assim: “Leia se quiser esse diálogo, mas ele está superado pelo ensinamento de Aristóteles que diz: '...'”. O que fazem os autores é encher linguiça!]

Antístenes, discípulo de Sócrates que esteve entre o círculo íntimo presente em sua morte, mostrou sua percepção da importância da linguagem ao intitular uma obra “Sobre a educação, ou sobre os nomes” e declarar que o “fundamento da educação é o estudo dos nomes”.

 

O ensinamento de Antístenes.

 

Como vimos (…) a ele, como a Protágoras, foi creditada a tese de que é impossível contradizer ou falar falsamente, e se pensa comumente que ele era um dos que sustentaram que predicar uma coisa de outra era errôneo: não é admissível dizer “o homem é bom”, mas só “o homem é homem” e “bom é bom”. Com efeito sustenta-se que as duas doutrinas são inseparáveis, mas obra recente mostrou que não precisa necessariamente ser assim [Grote: “'O homem é bom' era uma proposição inadmissível: afirmar que diferentes coisas é a mesma [Osório diz: por exemplo: o homem é bom e o vinho é bom. Duas coisas diferentes (homem e vinho) é a mesma coisa (bom). É isso?], ou que uma coisa é muitas [Osório diz: por exemplo: o homem é bom e o homem é mau. A mesma coisa (o homem) é muitas (bom e mau). É isso?]. Segundo isto, era impossível que dois locutores se contradissessem entre si" (Plato, 111. 521).]. [Osório diz: qual é a obra recente Guthrie não diz! Acho que é Caizzi, vide nota 77].

A tese da impossibilidade da contradição: “Todo logos (afirmação) é verdadeiro, pois aquele que fala diz alguma coisa, aquele que fala alguma coisa diz o que é, e aquele que diz o que é fala a verdade”. Falando absolutamente (“qua falso”), diz Aristóteles, um logos falso é do que não é, e, portanto, na prática quando falamos de logos falso queremos dizer um que pertence a alguma coisa outra que aquela à qual se aplica, por exemplo, o logos do círculo é falso se aplicado ao triângulo. (Um triângulo em que todo ponto é eqüidistante de um dado ponto não existe, todavia o logos “figura plana em que todo ponto é eqüidistante de um dado ponto” existe; isto é, descreve alguma coisa que é; só foi mal aplicada). Ademais, embora haja num sentido apenas um logos de cada coisa, a saber, o que descreve sua essência [Osório diz: o cara já dá como certo algo que ainda procura!], em outro sentido há muitos, uma vez que a própria coisa e [Osório diz: creio que é “é” e não “e) a coisa [Osório diz: Sócrates, por exemplo] mais certos atributos não-essenciais [Osório diz: sujo, por exemplo] são de certa forma o mesmo, por exemplo, Sócrates e o Sócrates educado (ou Sócrates e o homem educado). Esta é a razão, continua ele, por que foi tolice da parte de Antístenes supor que só se pode falar de uma coisa por seu próprio logos, um por um; do que seguia que é impossível contradizer, e praticamente impossível falar falsamente.

O sentido de logos aqui emerge do contexto. Foi entendido como uma simples palavra ou termo, mas claramente significa uma descrição, ou afirmação do que uma coisa é.

Antístenes disse “um logos é aquilo que manifesta o que uma coisa era ou é”. A “tolice” de Antístenes é alargada mais pelo pseudo-Alexandre em seu comentário (Antist. Fr. 44 B), que explica como a asserção de que cada coisa só tem um logos levou à impossibilidade de falar falsamente ou de duas pessoas se contradizerem entre si. Para se contradizer, eles devem dizer coisas diferentes sobre a mesma coisa, mas uma vez que cada coisa tem apenas um logos (que afinal, em adição a qualquer uso mais especializado, significa simplesmente ”uma coisa que pode ser dita – legesthai – sobre ela”) isto é impossível. Se elas dizem coisas diferentes, devem falar sobre diferentes coisas e daí não se contradizendo entre si. Nenhuma de nossas autoridades dá exemplos, e estudiosos modernos foram de modo semelhante reticentes [Todavia exemplos mais concretos também teriam sido bem-vindos aí, especialmente na exposição da essência e dos atributos acidentais nas pp. 33s. Para Antístenes (diz o autor), dizer "Sócrates é preto" seria não dizer nada absolutamente, ao passo que para Aristóteles é dizer Sócrates com um predicado não-verdadeiro. Seria bem-vinda uma ilustração semelhante de um logos da essência de Sócrates que mantivesse a diferença entre os dois filósofos. Field dá o exemplo de um triângulo (P. ano Contemps. 166). Isso é valioso, mas definições matemáticas são um caso especial, e a aplicação da teoria a objetos naturais não é tão óbvia para nós.]. Presumivelmente Antístenes teria afirmado que “não se pode dizer” que “um homem é animal de asas e penas”, pois isto é dizer o que não é, isto é, dizer nada (ouden legein). Aquele que não diz nada não pode ser contraditório ou contradizer, e a única alternativa é que, embora pronunciando o som “homem”, o locutor esteja falando realmente de pássaros e assim, uma vez mais, não contradiz a outrem que dá um logos diferente de homem.

Tais teorias da linguagem tornam-se mais compreensíveis pela probabilidade de que devem sua origem ao prestígio fruído pela retórica, a arte da persuasão.

Para Górgias, a persuasão era soberana, porque não havia nenhuma verdade acima do que um homem podia ser persuadido a crer, e Protágoras já ensinaria a seus discípulos que sobre cada assunto se podia argumentar posições contrárias com igual validade, o que um homem cria era verdadeiro para ele, e nenhum homem podia contradizer a outro no sentido de opor visão verdadeira a falsa. Antístenes pode ter ido mais longe do que Protágoras ao tentar uma explicação filosófica de como podia ser assim.

Em conexão com o último parágrafo, é interessante que Platão (Fedro 260b) examina os efeitos de aplicar o nome "cavalo" ao logos do burro ("animal manso com orelhas longas"), e persuadir alguém de que a criatura significada por este logos possui as virtudes geralmente atribuídas a cavalos, para compará-los com o mal feito pelos retóricos que, ignorando, eles mesmos a natureza de bem e mal, advogam o mal como sendo realmente bem. [Osório diz: Onde os retóricos fazem tal? Cite exemplos?] O próprio Antístenes escreveu exercícios retóricos, dos quais possuímos ainda discursos de Ulisses e Ajax, disputando as armas de Aquiles [Osório diz: e daí? Qual a importância ou a conclusão?].

Mas como podemos pretender ter definido ou explicado o ser de alguma coisa se simplesmente o descrevemos como composto de elementos que são eles mesmos indefiníveis? [Osório diz: grande pregunta?!].

Platão no Teeteto (201ss) descreve semelhante doutrina anonimamente. Não pode haver nenhum logos dos primeiros elementos de que nós e todas as coisas mais consistimos; apenas podem ser nomeados. Mas os compostos feitos deles, sendo complexos por sua vez, podem ter os nomes pertencentes a eles combinados para fazer um logos, pois isto é precisamente o que um logos é, uma combinação de nomes. Elementos são, pois, inexplicáveis e incognoscíveis, mas podem ser percebidos, considerando que complexos são conhecíveis, explicáveis e compreensíveis por uma verdadeira opinião. [Osório diz: isto é, Protágoras e Górgias, juntos! Ou seja, não é possível conhecer, mas é possível uma opinião a quem muitos podem aderir!].

Enquanto se pode julgar de relatos hostis e de segunda mão, não parece provável que Antístenes tenha sustentado a doutrina de que não seja possível nenhuma predicação a não ser a idêntica. Platão se refere com desprezo a isso no Sofista (251b) como algo a que aderem "jovens e velhos de inteligência retardada", "que objetam que é impossível que muitas coisas sejam um e um muitas coisas, e gostam de insistir que não devemos dizer que um homem é bom, mas apenas que homem é homem e bom é bom". Alguns identificaram isto com a tese atribuída a Antístenes por Aristóteles segundo a qual "só se pode falar de uma coisa por seu próprio logos, um a um", mas à luz de outra documentação, inclusive a do próprio Aristóteles, fica claro que logos aí não se restringe a termo singular. Não é a mesma coisa que onoma (nome) [Grote foi um que pensou que Aristóteles creditava a Antístenes a proposição de que nenhuma proposição a não ser proposições idênticas eram admissíveis, mas teve que admitir (na p. 526) que neste caso a doutrina que Aristóteles atribui a hoi Antistheneioi em Metaf. em harmonia com a que ele adscreve ao próprio Antístenes. Ele também pensou que era provável (p. 507, n. X) que, no Sofista, Platão tem a intenção de designar Antístenes como geron opsimathes. (Ele deve ter sido cerca de 20 anos mais velho do que Platão) (Plato, III, 521). Além do plural, tais comentadores ignoram o fato de que a teoria é atribuída a hoi neoi. Compare Campbell, Theaet. xxxix: a doutrina de Teet. 201d ss (que vimos ser a mesma que atribuída a Antístenes em Metaf. 1043b23ss) "é com certeza muito diferente de um nominalismo rude como este [sc. como a descrito no Sof.]... A opinião citada, se examinada adequadamente, não é negação da predicação, mas antes negação de que algo possa ser predicado dos primeiros elementos... que não é de maneira alguma a mesma coisa".] que em vista dos usos correntes de logos seria em todo caso improvável.

Se é verdade que Antístenes disse que “um logos é o que expressa o que uma coisa era ou é”, ele evidentemente continuaria a afirmar que tal logos só poderia substituir pelo nome da coisa uma coleção dos nomes de seus elementos, que por sua vez poderiam ser nomeados. Grote o chamou de o primeiro nominalista, porque negava a existência das formas e essência (eide ou ousiai) [Osório diz: a cavalidade! “Eu vejo um cavalo, mas não vejo a cavalidade”!] de coisas particulares, que Sócrates tentou definir e Platão já proclamava como realidades independentes.

(Antístenes viveu até cerca de 360). A rivalidade entre as duas filosofias é sugerida pela anedota segundo a qual Antístenes disse a Platão: “Eu vejo um cavalo, mas não vejo a cavalidade”, a que Platão replicou: “Não, pois tens o olho pelo qual um cavalo é visto, mas ainda não adquiriste o olho para ver a cavalidade”. Isso é contado por Simplício, cujo mestre Amônio citou o dito de Antístenes como ilustração de sua idéia de que “as espécies ou formas só existiam em nossos pensamentos” (em psilais epinoiais) [A estória é contada de forma um pouco diferente de Diógenes, o Cínico, naturalmente considerando bem que ele foi aluno de Antístenes e o próprio Antístenes veio a ser considerado o fundador da escola cínica. Quer seja, quer não historicamente verdadeiro, por certo é bien trouvé [Osório diz: bem escolhido ou adequado]. Outras estórias também eram correntes e atestavam o desafeto entre ele e Platão, contra o qual escreveu um diálogo sob o nome injurioso de Sathon, (V. 286, n. 97 abaixo). (Sathon, aplicado aos nenês, era diminutivo de sathe significando pênis.)]. [Osório diz: Platão e suas ideias].

Se, porém, o nominalismo é a doutrina que admite, como uma recente definição o quer, “que a linguagem impõem sua própria estrutura a uma realidade que por si não tem qualquer destas distinções[Eles mesmos acrescentam (p. 5) que realismo e nominalismo podem-se considerar variantes da teoria da natureza e da teoria da convenção do Crátilo. Poderia ser interessante comparar a última com a teoria convencionalista da verdade necessária como aparece em Hobbes, que, como os filósofos do séc. V, viu estreita conexão entre nomes e verdade: "as primeiras verdades foram arbitrariamente feitas pelos que foram os primeiros a impor nomes às coisas".], não parece que Antístenes foi seu advogado. O seu ensino não se assemelha à teoria da convenção de nomes sustentadas por Hermógenes no Crátilo de Platão, tanto como a teoria da natureza de Crátilo [A conclusão semelhante chegou von Fritz em Hermes, 1927: é doutrina de Antístenes, "gleichgültig, ob dort Antisthenes persõnlich oder allein gemeint ist oder nicht" (p. 462). V. também Dümmler, Mad. 5. Field, porém, em avaliação cuidadosamente arrazoada, concluiu que "não há nenhuma prova real para associá-lo com um ou outro modo de ver" (P. and Contemps. 168).] segundo a qual os nomes têm afinidade natural com seus objetos (ou se eles não a têm, não são nomes, e o homem que os pronuncia “não diz nada”, 429ss): eles “revelam as coisas” (433d), e aquele que sabe dos nomes sabe das coisas também (435d). Um objeto complexo pode ser analisado nomeando seus elementos, mas os elementos só podem ser nomeados ou descritos analogicamente (prata como estanho). São apreendidos por intuição ou percepção (“Eu vejo um cavalo”; ...), mas não podem ser explicados, ou sabidos tal como Sócrates e Platão entenderam o conhecimento, para os quais significava a capacidade de dar um logos da essência da coisa conhecida. Se pudermos julgar pelas críticas de Platão e Aristóteles, Caizzi está certo em dizer que a teoria de Antístenes de “um só logos próprio para cada coisa“ baseia-se numa falta da distinção entre predicação essencial e acidental mais uma confusão entre nomes próprios e comuns [A confusão seria facilitada pelo fato de que nesta fase primitiva do estudo gramatical a única palavra onoma tinha de cumprir a função tanto do "nome" como do "substantivo" (Stud. Urb. 34).]. A predicação não é impossível, mas se deve admitir que o que quer que siga a cópula é essencial ao sujeito (uma parte de “o que é”), e se algum dos elementos nomeados é inaplicável ao sujeito deve-se descartar todo logos como sem sentido. (Ele se desviou, diz pseudo-Alexandre, In Metaph, 435, 1, pelo fato de que um logos não é absoluta e primariamente (me haplos mede Kyrios) o logos de alguma coisa, dizendo que não era nada em absoluto).

Sobre os que negavam a possibilidade de predicar uma coisa de outra, Aristóteles tem o seguinte a dizer:

 

Os mais recentes dos filósofos anteriores ficaram perturbados pelo pensamento de fazer da mesma coisa uma e muitas. Por esta razão alguns aboliram a palavra "é", como fez Licófron, ao passo que outros alteraram a forma da expressão, dizendo não "o homem é branco", mas "o homem foi embranquecido" [leleukotai, uma só palavra em grego], não "está andando", mas "anda", com receio de que, acrescentando "é" fizessem do um muitos, como se "um" e "ser" tivessem só um sentido?

 

Se [de] Licófron (…) a única outra coisa conhecida sobre sua teoria do conhecimento é que ele descreveu o conhecimento como "intercurso (synousia) da psyche com o ato de conhecer". Assim o apresenta Aristóteles (Metaf. 1045ss), e o pseudo-Alexandre explica (563,21; DK, 83,1): "Licófron, se lhe perguntassem o que fazia com que o conhecimento e a alma se tornem um, responderia que era seu intercurso". Este "intercurso" ou "coexistência[Na linguagem comum synousia significava intercurso ou associação, mas também se podia, e mais literalmente, entender como "co-ser". Nos comentadores tardios, o verbo synousioomai é usado para expressar a idéia de estar essencialmente unido. V. LSJ s. v.] da mente com o conhecimento sugere um modo de ver como o de Antístenes, não ceticismo, mas crença no conhecimento por direta afinidade. Não se pode dizer "Sócrates é branco" (ele mesmo mais brancura) a não ser que se experimente "Sócrates branco" como uma essência unitária.

Eretrianos. [Poderia ser interessante comparar a doutrina deles com a que se derivou em tempos modernos da interpretação estrita do dito do bispo Butler: "Tudo é o que é e não outra coisa", citado por Moore como a divisa dos Principia ethica. Isso, afirmou-se, parece eliminar não só uma definição de "bem" (a "falácia naturalista") [Osório diz: bem! Bem! Bem! Bom! Bom! Bom! Alguém viu Platão pro aí?], mas todas as definições de qualquer termo que seja, pelo motivo de que devem ser o resultado de confundir duas propriedades, definindo uma pela outra.]

Uma doutrina que poderia levar à mesma conclusão como a que no Sofista se atribui a eles por Simplício (Phys. 120). Depois de citar de Eudemo que os erros de Parmênides eram escusáveis devido ao estado inicial da filosofia em sua época, quando ninguém teria sugerido que uma palavra pudesse ter mais de um sentido ou teria distinguido essência de acidente, ele continua: [Osório diz: veja como, aqui, o autor dá o benefício do “estado inicial da filosofia”, benefício que não aproveita os sofistas!]

Por ignorância disto mesmo os filósofos conhecidos como megarianos admitiram como premissa óbvia que coisas tendo um logos diferente eram diferentes, e que coisas diferentes estavam divididas uma das outras, e assim pensaram provar que todas as coisas estavam divididas umas das outras, por exemplo, o logos "Sócrates educado" é diferente do logos "Sócrates branco", e, por isso, Sócrates está dividido em si mesmo.

À mesma doutrina se opõe no Soph. el. de Aristóteles (166b 28ss) sem atribuição: "Corisco é um homem [mas note que o grego não tem artigo indefinido], 'homem' é diferente de 'Corisco', e, portanto, Corisco é diferente de si mesmo". Tem semelhança ao dito "um logos para cada coisa" de Antístenes, mas foi levado a conclusão mais radical. [Osório diz: esse é um dos absurdos que a lógica é capaz de fazer!]

O pensamento de Sócrates e Platão, cuja influência na história posterior da filosofia foi profunda, deve-se ver neste contexto como parte integral do debate e tentativa de achar solução definitiva a seus problemas. [Osório diz: tentativa não é solução, como muitos querem crer].

Sumário dos resultados. Durante a vida de Sócrates e Platão, sustentaram-se as seguintes posições. Nomes de alguns que as defenderam são dados entre parênteses quando são certos ou prováveis.

1. É impossível falar falsamente, pois isto é dizer o que não é, e o que não é não pode ser pronunciado. (Protágoras, Antístenes. A tese depende de Parm. Fr. 2.7-8). [Osório diz: até para citar a idiotisse de Parmênides, Guthrie, filhadaputamente, abrevia o nome do cara!].

2. Como corolário [Osório diz: consequência], ninguém tem direito de contradizer a outrem. (Protágoras, Antístenes).

3. A verdade é relativa ao indivíduo. (Protágoras e Górgias).

4. Usamos palavras inconscientemente e sem nenhuma correspondência à realidade. Isso está errado, pois há uma realidade (on, physis) e há espécies (eide) naturais, às quais nossos termos devem corresponder univocamente. (Sócrates, Antífon, o tratado hipocrático De arte).

5. A definição da essência de uma coisa é impossível, pois só se pode listar seus elementos e estes, não estando sujeitos a ulterior analise, são indefiníveis, e só se podem descrever analogicamente. (Antístenes, provavelmente Licófron).

6. A todo objeto cabe um só e só um logos próprio, que diz o que ele é nomeando os elementos de que está composto. Se algum deles não se lhe aplica, não há nenhum logos. (Antístenes).

7. Nomes têm afinidade natural com seus objetos, que são conhecidos por contato direto da mente com o objeto como na percepção sensorial (aisthesis). Um nome que não tem tal afinidade não é errado, mas não é nenhum nome absolutamente. (Antístenes, Licófron, “Crátilo” em Platão).

8. Nomes são rótulos arbitrariamente escolhidos, não tendo conexão natural com os objetos a que se aplicam. (Demócrito, “Hermógenes” em Platão [Osório diz: no Crátilo).

9. O uso de “é” para ligar sujeito e predicado é ilegítimo porque faz de uma coisa muitas, embora se possa perceber e falar de um sujeito e de seu atributo (por exemplo, Sócrates branco) como uma unidade. (Licófron).

10. Pelos mesmos motivos eleatas de que uma coisa não pode ser uma e muitas, só é possível predicação idêntica. (Megarianos, e provavelmente outros). (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 191-204).

 

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