visão geral

Você está aqui: Home | Sofistas da Atenas de Péricles | Visão geral

82.12 – Lei (physis) contra a natureza (nomos), pela sofística.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

82.12 – Lei (physis) contra a natureza (nomos), pela sofística.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Lícofron intrometeu-se também no grande debate sobre as relações entre nomos e physis, entre a lei e a natureza. Como Antífon e Hípias e, sem dúvida, porque põe em questão o caráter restrito da polis, tira à lei todo o caráter sagrado, todo o valor ético. Ela é uma criação puramente humana, uma convenção; não tem, pois, algum fundamento na natureza. A sua legitimidade encontra-se na mera utilidade que dela extraem os cidadãos, enquanto ela é “garante dos direitos recíprocos”. Lícofron, para melhor traduzir o seu pensamento, usava uma metáfora e dizia que a comunidade política (koinonía) era parecida a uma aliança: assim como os estados fazem alianças para se ajudarem, se for necessário, também cada cidadão faz aliança com todos em vista a uma ajuda mútua. Encontramo-nos perante uma concepção puramente pragmática das relações sociais.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 55).

 

Antifonte, ainda segundo Gilbert Romeyer-Dherbey, diz:

 

A felicidade do homem está ameaçada pela lei (nomos), cuja única preocupação é reprimir os desejos da natureza. Para o demonstrar, Antífon começa por denunciar a concepção tradicional que define a justiça de um ponto de vista puramente legalista e formal, como a obediência às leis da cidade de que se é cidadão. Com efeito, é recompensar o mais hábil em deturpar a lei – o que é absurdo:

A justiça está em não transgredir as leis da cidade de que se é cidadão e um homem praticará, portanto, a justiça para bem dos seus interesses se, diante de testemunhas, fizer grande caso das leis; mas, sozinho e sem testemunhas, realizará os desejos da natureza”.

Portanto, o reino do nomos tem como consequência encorajar a hipocrisia e a dissimulação. Mas porque é que aquele que em público valoriza tanto os preceitos da lei, os atraiçoa em particular? Porque estes maltratam a natureza, a começar pela dos seus pretensos seguidores. E Antífon vota-se a uma oposição sistemática entre a natureza e a lei, confrontação em que elas se encontram caracterizadas por binômios de conceitos antiéticos. Assim como na cosmologia de Antífon o arrythmiston representava o real e o profundo, o rhythmos o superficial, o aparente, a natureza representa em antropologia a necessidade interna e a verdade, e a lei a exterioridade acidental e o convencional. É o que prova o seguinte fragmento B 44 A:

Com efeito, as prescrições da lei são acrescentadas, as da natureza são necessárias. E as das leis decorrentes de um pacto não são naturais, ao passo que as da natureza são naturais e não decorrentes de um pacto.

Portanto, o transgressor das prescrições da lei, se passa despercebido aos que estabeleceram o pacto, escapa à vergonha e à condenação; se é visto, não escapa. Mas quanto às prescrições nascidas com a natureza, se as violentarmos mais do que o necessário, ainda que se passe despercebido de todos os homens, o mal não é menor, e ainda que todos o vejam não será maior. O erro verifica-se, efetivamente, não na opinião, mas de verdade”.

As determinações da natureza estão fundadas, as da lei não estão; daí, a força da primeira, a fraqueza da segunda. O ser da lei é todo de opinião, portanto, não é nada; o da natureza existe independentemente da idéia que dele se tenha, portanto, é verdade. Um acordo conjuntural não pode levar a melhor sobre o que sempre foi, o contingente sobre o necessário, o fácil de enganar sobre o que não perdoa. Ora, apesar desta desproporção de forças, a lei ousa opor-se à natureza; ela até se define por isso: “a maioria dos atos, justos segundo a lei, estabeleceram-se para fazer guerra à natureza”. Eis em que é que a lei encobre e revela o seu verdadeiro projeto: o que visa é proibir, o que quer é reprimir, o que procura fazer é fazer mal; com ela “vai-se sofrer mais quando se pode sofrer menos, fruir menos quando se pode desfrutar mais, sofrer cruelmente quando se pode não sofrer”. Mas este combate repressivo é, para a lei, um combate previamente perdido, com a condição de não fingir acreditar que vai ganhar; é por isso que Antífon substitui os conceitos severos da ética heróica pelos mais alegres da nova moral: o útil, a vida, a liberdade, a alegria:

 

Com efeito, viver depende da natureza e também morrer, e a vida dos homens depende do útil; a sua morte do prejudicial.

Ora, no que diz respeito às coisas úteis, as prescrições estabelecidas pelas leis são entraves à natureza; as que são resultados da natureza libertam. É por isso que aquilo que origina o sofrimento não é, raciocinando pelo menos corretamente, mais vantajoso para a natureza do que o que produz a alegria. É por isso que aquilo que atormenta em nada será mais útil do que aquilo que deleita”.

 

Lembremo-nos de que os preceitos da natureza eram qualificados por Antífon como “necessário”; aqui relacionam-se com a liberdade; o paradoxo antifoniano é, portanto, o de estabelecer uma ligação estreita entre necessidade natural e liberdade. Para o homem, a liberdade é poder obedecer às necessidades da physis, dizer sim à natureza; opor-se-lhe não significa libertar-se, mas simplesmente sofrer. As leis repressivas são inúteis, e até prejudiciais porque originam o sofrimento, isto é, no fim de contas, a morte. Há que naturalizar a lei para substituir o sofrimento pela alegria, a morte pela vida. O homem está sobrecarregado com uma mania legisladora que o persegue nos menores pormenores da vida, o prende, o subjuga e o cega; sucumbe sob os tabus que pesam sobre o corpo e o espírito:

 

Com efeito, fizeram-se leis para os olhos, as coisas que devem ver e as que não devem ver. Para os ouvidos, as coisas que devem ouvir e as que não devem ouvir. Para a língua, as coisas que deve dizer e as que não deve dizer. E para as mãos, as coisas que devem fazer e as que não devem fazer. E para os pés, os lugares onde devem ir e aqueles a que não devem ir. E para o espírito, o que deve desejar (epithuméin) e não desejar.”

 

Gostaríamos de saber, apesar de tudo, o que abrange exatamente esta brilhante apologia antifoniana da natureza. Pedirá uma fogosa libertação dos instintos, que não acabaria senão no delírio do egoísmo e da violência? É a conclusão a que chega Platão com o seu personagem Cálicles no Górgias. Mas pensar em tal seria equivocar-se completamente quanto às reais intenções de Antífon. Com efeito, uma das grandes obras deste intitulava-se Da concórdia (Peri Homonoias) e, como a amizade para Hípias, a concórdia tem para Antífon um fundamento natural. A natureza, lembremo-nos, constitui o terreno do necessário; ora, a amizade é uma necessidade: “as amizades novas são mais necessárias”. Antífon, por outro lado, viu que os membros de um grupo natural se imitam uns aos outros, e esta semelhança, geradora da concórdia, é também qualificada por ele como acessória: “quem vive a maior parte do dia com alguém, necessariamente se lhe torna semelhante no caráter”. [Osório diz: meu pai, analfabeto, dizia isso, ao informar que sua irmã tinha ficado igual ao seu cunhado!]. O desejo da natureza é, portanto, o de um entendimento e, para evitar todo o desvio do indivíduo e toda a ruptura da harmonia social, Antífon pensa poder apoiar-se no conhecimento. Uma falsa compreensão da natureza das coisas fecha os homens uns aos outros e impede-os de se entenderem; “mas quando conhecem a organização (diátheis) (da natureza), então escutam”. Há que espalhar, portanto, o saber entre todos os homens a fim de realizar a concórdia. O recurso à natureza servia também a Antífon para fundamentar a universalidade humana na comunidade das necessidades: as necessidades vitais também elas são da ordem da necessidade. Sob o ponto de vista, os homens nascem iguais, e não há que fazer discriminações entre nobres e plebeus, e mesmo entre Bárbaros e Helenos. A natureza ensina o cosmopolitismo e convida a superar o quadro estreito das pequenas cidades do mundo grego e respectivas hierarquias sociais [Osório diz: isso é contra o que se bate o platonismo]:

Os que descendem de pais ilustres, nós respeitamo-los e honramo-los, mas os que não são de família ilustre, não os respeitamos nem honramos. Nisto comportamo-nos uns com os outros como bárbaros, uma vez que, pela natureza, todos nascemos iguais em tudo, sejamos bárbaros ou gregos. Há que ter cuidado com as realidades naturais que são necessárias a todos os homens (...) Com efeito, todos nós respiramos o ar pela boca e narinas, e todos nós comemos com as mãos”. [Osório diz: lição fantástica contra a aristocracia, mas que, certamente, desagradava muitos, especialmente os poderosos]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 100-103).

 

Já Hípias, segundo o mesmo Gilbert Romeyer-Dherbey, diz:

 

A antropologia de Hípias está no prolongamento directo da sua teoria da natureza. Instaura uma oposição categórica entre a natureza (physis) e a lei (nomos), em benefício da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em questão.

Constatar que o nomos é incapaz de instaurar uma verdadeira justiça é, antes de mais, para Hípias, exprimir no plano do conceito a violenta crise que abala a sociedade grega no fim do séc. V e no princípio do IV. Edmond Lévy analisou minuciosamente esta “crise ideológica” ateniense, ligada à derrocada de 404. A guerra demonstrou que os deuses não defendem os justos, já que são atingidos tanto e muitas vezes até mais do que os outros [Osório diz: como é que homens que pensavam assim e diziam isso poderiam ser aceitos? Daí o ódio nutrido, até hoje, contra eles, pois questionavam o divino]; levantam-se dúvidas, então, quanto à idéia da providência divina, claramente expressas por alguns heróis de Eurípedes. A decadência da crença na providência arrasta a da crença nos valores tradicionais de que a principal era a justiça [Osório diz: aqui a mesma coisa, apenas a crítica é dirigida contra a justiça, outro “pilar” da ordem que eles questionavam]: estas, escreve E. Lévy, “reduzem-se a onómata kelá[Osório diz: “belas palavras”]. Por outro lado, as discórdias políticas, o confronto interno na cidade entre democratas e oligarcas e a sua transição sucessiva para poder fazer ver claramente que as leis que promovem são a expressão disfarçada dos seus interesses de partido. A lei é desacralisada; perdeu a neutralidade do direito; é um disfarce para o poder, e a obediência à lei não poderá já definir a justiça [Osório diz: como os sofistas viam o direito e a justiça e as leis]. Enfim, sabemos que Hípias é um dos criadores da etnologia [A etnologia é o "estudo ou ciência que estuda os fatos e documentos levantados pela etnografia no âmbito da antropologia cultural e social, buscando uma apreciação analítica e comparativa das culturas."]; como embaixador e professor itinerante, contactou com múltiplas legislações positivas, e verificou os desacordos e as contradições. Ninguém melhor do que ele poderia ter a sensação da relatividade daquilo que as diferentes culturas chamam “justo” e “bom”.

É por isso que Hípias destrona o nomos e chama à lei “o tirano dos homens” [Osório diz: o que é a lei?]. O Sofista emprega aqui propositadamente a palavra tyrannos que distinguia da palavra basileus (“rei”); opõe-se assim a Píndaro, que exaltava o nomos basileus, expressão da justiça, quando, para Hípias, não é mais do que a expressão de uma violência contra a natureza. Com efeito, se a lei é um tirano, que tiraniza ela? Hípias responde: a natureza. Este conceito de natureza é ambíguo, sendo necessária prestar muita atenção ao conteúdo exato que lhe dá Hípias. Por natureza “Hípias não entendia o reino da violência e das simples relações de força, como faz o Cálicles do Górgias, ao falar do 'justo segundo a natureza'; muito pelo contrário, a natureza desempenha o papel de uma norma moral universal, que ultrapassa o particularismo do nomos[Osório diz: diferença entre Hípias e Cálicles ou Platão]. No Protágoras vê-se Hípias a pôr-se como árbitro entre Protágoras e Sócrates; começa por apelar para a fraternidade que, a seus olhos, liga entre si todos os homens ali presentes: “Penso que sois todos de idêntico nascimento, parentes e co-cidadãos pela natureza e não pela lei”. Existe, portanto, uma benevolência espontânea do homem pelo seu semelhante, e é talvez a pensar em Hípias que Aristóteles dirá, na Ética a Nicómaco, que quem viajou sabe como o homem é simpático ao homem. Por uma espécie de paradoxo que Rousseau encontrará, a natureza, aos olhos de Hípias, cria uma sociabilidade que precisamente a sociedade destrói: com efeito, os pequenos grupos sociais fechados são destruídos pela calúnia, quando a natureza aconselha a amizade recíproca. Ainda aqui as leis mostram a sua insuficiência, não punindo os caluniadores à semelhança dos ladrões; com efeito, os caluniadores “roubam a amizade que é um bem de entre os melhores”. A natureza, longe de ser uma escola de brutalidade, é para Hípias, escreve J. C. Fraisse, “o princípio de todo o bom entendimento”. Com o mesmo espírito, Hípias estigmatiza a inveja, embora reconheça que uma das suas formas é justa [Osório diz: inveja positiva]; esta restrição explica-se se a interpretarmos politicamente: o espírito democrático, que visa uma rigorosa igualdade dos cidadãos, não consente que um indivíduo suba demasiado acima dos outros. Vê-se que a democracia, em conformidade com o princípio da semelhança, tem um fundamento natural [Osório diz: o espírito democrático]. A afetividade desempenha um papel importante na análise de Hípias: é a aparição da natureza humana que pode fundar uma sociedade boa. Auguste Bill opõe, neste sentido, Antífon a Hípias, para o primeiro, o fundamento da comunidade humana é a identidade das necessidades; para o segundo, há que encontrá-la nas relações afetivas.

Mas é a propósito do problema da justiça que melhor aparece o papel normativo da natureza. Nos Memoráveis de Xenofonte, Sócrates ocupa-se com Hípias deste problema; importa ver, como prova Dupréel, que o fundo da discussão é extraído da doutrina de Hípias, embora seja Sócrates a expô-la. Parte-se da definição das leis positivas: são, diz Hípias, “as que os cidadãos decretaram, tendo-se posto de acordo sobre o que há a fazer e a evitar” [Osório diz: o que são as leis positivas]. É por isso que as leis são flexíveis a todas as interpretações; falta-lhes a estabilidade e universalidade; perante a sua versatilidade, quem pode pensar que as leis “são um assunto sério”? E é esta reação que é catastrófica [Osório diz: por que as interpretações das leis são tão instáveis e variáveis]. Com efeito, sem obediência às leis, não há concórdia (homonoia) nem nas cidades, nem nas famílias; os assuntos políticos como os privados estão em perigo. Ora, as leis positivas não são, felizmente, as únicas manifestações da legalidade. Também há o que os Gregos chamavam “as leis não escritas”, que Antígona invoca contra Creonte e que, atualmente, chamaríamos o direito natural. (p. 87) No diálogo de Xenofonte, é Sócrates que se lhes refere, mas Hípias vai defini-las muito bem e aprova calorosamente Sócrates; trata-se, portanto, aqui do que Hípias tinha a dizer de “novo” sobre a justiça. As leis não escritas são válidas em todos os países; o que lhes tira o particularismo e a relatividade é que elas não emanam dos homens. Mas de onde vêm elas? Dos deuses, diz o Sócrates de Xenofonte; mas há motivos de sobra para crer que Hípias teria antes respondido: da natureza [Osório diz: de onde vêm o direito natural?]. Com efeito, os exemplos dados para ilustrar o que são as leis não escritas são as proibições do incesto, devido à degenerescência daí resultante, a condenação da ingratidão, porque o ingrato não pode ter verdadeiros amigos e é detestado pelo seu benfeitor. O elemento comum destes exemplos é o da sanção natural; trata-se, portanto, de uma justiça imanente, que reconcilia norma e efetividade, já que “as leis por si mesmas incluem castigos para quem as transgride”. Nisto está a superioridade das leis não escritas relativamente aos códigos legislativos: não se podem infringir impunemente; são, portanto, unanimemente tidas como respeitáveis, sempre e em toda a parte.

A justiça é, por conseguinte, obra do direito natural; esta noção deve ser tomada aqui no sentido que Aristóteles dá, mais tarde ao seu physikon dikáion, e não no sentido de Hobbes ou de Espinosa. Hípias concilia natureza e ética; a sua rejeição do nomos político é feito em nome de uma lei maior e mais ampla, mais rigorosa também. A invocação da natureza – há ainda que insistir nisto – não tem como resultado, para Hípias, permitir a ilegalidade e de alguma maneira avalizá-la; o Anónimo de Jâmblico, atribuído por Untersteiner a Hípias, insiste na exigência da igualdade. Tomemos um dos exemplos que cita: a lei da natureza, que estabelece a interdependência econômica. A justiça consiste, pois, em obedecer à lei, mas não à lei escrita da natureza; o nomos é assim superado, ao mesmo tempo que o estreito quadro da cidade que lhe dava origem. A teoria hipiana do direito natural desemboca então no cosmopolitismo, que se adapta plenamente ao enciclopedismo sofista. Hípias chamava à Ásia e à Europa “filhas do Oceano”, estabelecendo assim uma identidade entre estes dois continentes, que era costume contrapor para demonstrar a clivagem entre Bárbaros e Gregos. Por este cosmopolitismo, Hípias opõe-se antecipadamente ao que Hípias chama o “nacionalismo inumano” de Platão; anuncia a filantropia estóica e, em certo sentido, a “catolicidade” cristã. Pensa-se, com efeito, na resposta de Eudoro a Cimodoceu em Chateaubriand, quando Eudoro cobre com o seu manto um escravo encontrado à beira do caminho; Cimodoceu diz-lhe: “Pensaste, sem dúvida, que este escravo era algum deus? – Não, respondeu Eudoro, pensei que era um homem”(). [Osório diz: pqp! Que coisa linda!].

Se o cosmopolitismo é movido por esta idéia que o grupo humano deve integrar e não excluir, compreende-se que, politicamente falando, Hípias foi favorável ao regime democrático. Apesar de tudo, tal como o sistema de Atenas lhe forneceu o modelo; quer-se o reformador da democracia. Com efeito, protestou contra o seu sistema de acesso às magistraturas, que podia dar, temporariamente, o poder a incompetentes; semelhante procedimento é demagógico e absurdo: porque não fazer tocar a cítara ao tocador de flauta e a flauta ao tocador de cítara? Hípias, apesar de tudo, está aqui muito longe de Sócrates, que condenava ao mesmo tempo o sorteio e a democracia; Hípias condena a tiragem à sorte porque, devia dizer, “sou de opinião que não é nada democrática”. Os partidários do sorteio são os inimigos objetivos da democracia [Osório diz: mas como ocorriam as candidaturas? Ou todos eram candidatos naturalmente?]; “existem, com efeito, nas cidades dos homens inimigos do povo”; se uma sorte cega os escolhe, “destruirão o governo popular”. O intelectualismo de Hípias inclina-se a favor da democracia esclarecida, arrancando a Sócrates e a Platão o seu melhor argumento contra o governo do povo. Enquanto homem universal aberto a todas as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios particulares não prejudica necessariamente os conhecimentos intelectuais gerais, ou seja, a polimatia [Osório diz: isso devia arrasar Platão]; rejeita, assim antecipadamente a argumentação platônica segundo a qual os artistas, agarrados à especialidade da sua arte, não podiam julgar validamente os assuntos da Cidade, por falta de conhecimentos no domínio muito mais amplo da política. [Osório diz: Platão era um idiota mesmo! O que diria de Ronald Regan? (eu não gosto deste, mas...)]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 85-89).

 

Nos diz Guthrie:

 

É “lei da natureza” que o mais forte faça o que está em seu poder e mais fraco ceda …

 

Voltando-nos de causas para facetas de mudança (à medida que se podem distinguir os dois aspectos), destas últimas a mais fundamental é a antítese entre physis e nomos que se desenvolveu nesta época entre filósofos naturais e humanistas igualmente. [Osório diz: Natureza e Leis].

O individualismo desmedido dos que, como Cálicles de Platão, defendiam que ideias de lei e justiça eram mero expediente da maioria de fracos para afastar o homem forte, que é o homem justo da natureza, do lugar que por direito lhe cabe.

Na idéia de que leis são assuntos de acordo humano, "alianças feitas pelos cidadãos", como Hípias as chamou (p. 130 abaixo)

Temos a essência da teoria do pacto social que se desenvolveu sobretudo na Europa dos sécs. XVII e XVIII.

Uma afirmação inequívoca da teoria contratual da lei é atribuída por Aristóteles a Licófron, discípulo de Górgias, e, em sua forma histórica, como teoria da origem da lei, é afirmada claramente por Gláucon na República como modo de ver corrente que ele gostaria de refutar.

Além de leis no sentido comum, a opinião contemporânea reconheceu-a existência de "leis não-escritas", e a relação entre ambas ilustra bem a natureza transitória deste período de pensamento. Para uns, a frase denotava certos princípios morais eternos, válidos universalmente e prevalecendo sobre as leis positivas dos homens porque tinham sua origem nos deuses. Esta noção é mais bem conhecida pelas esplêndidas linhas de Sófocles na Antígona (450ss), onde Antígona defende o funeral de seu irmão morto contrário ao edito de Crêon declarando: "Não foi Zeus nem foi a Justiça que decretaram estes nomoi entre os homens, nem julgo tua proclamação tão poderosa que tu, um mortal, possas subverter as leis seguras e não-escritas dos deuses". Mais tarde veremos outras referências a estas leis divinas que existiram em todo tempo, e sua superioridade sobre os decretos falhos e mutáveis dos homens. Contudo, com a difusão de idéias democráticas, a frase ganhou sentido novo e mais sinistro. A codificação da lei veio a ser considerada proteção necessária para o povo. Não só Eurípedes (Suppl. 429ss) considerou-a garantia para direitos iguais e baluarte contra a tirania, mas também na prática a democracia restaurada no fim da guerra do Peloponeso proibiu expressamente ao magistrado fazer uso de leis não-escritas (p. 119 abaixo). (p. 26) [Osório diz: lei não escrita era a burguesia!] [Osório diz: cada coisa no seu contexto!].

(...)

O crescimento do ateísmo e do agnosticismo nesta época também esteve conexo com a idéia de nomos. [Osório diz: Religião]

O sentido de physis emerge de um estudo dos pré-socráticos. Pode-se traduzir seguramente por “natureza”, … pressupõe um sujeito agente – que crê, pratica ou divide – uma mente de que emana o nomos. …

 

Aparece também nas "leis não-escritas" da Antígona de Sófocles, que são divinas e perpétuas e que nenhum mortal pode desafiar com sucesso, como Crêon aprende muito tarde (v. 1113; sobre "leis não-escritas" veja pp. 112ss abaixo). Mas quando se alui [Osório diz: “tirar a solidez à base de”] a crença nos deuses, e não há mais "moeda corrente" (nomisma),5 não mais existe esta autoridade universal para o nomos. Então a frase "lei não-escrita" toma significado novo e mais sinistro, apropriado ao realismo da idade.

[Osório diz: Leis não-escritas: (a) inicialmente, eram as “leis não-escritas” emanadas dos deuses e, assim, tal qual estes, divinas e perpétuas, logo não poderiam ser desafiadas com sucesso por nenhum mortal. Aqueles que a desafiavam sofriam castigos. (b) depois mantêm-se a denominação (leis não-escritas) mas muda-se a fonte da qual elas originavam. Abandona-se os deuses como autores das ditas leis].

 

Eurípedes outro porta-voz do novo pensamento...

 

A lei, escreveu Aristóteles ...”não tem nenhum poder para compelir à obediência a não ser a força do costume”. [Osório diz: o autor certamente, fala da eficácia pela obediência espontânea. Depois se evoluirá para a obediência pela imposição pela autoridade constituída, imposição estatal].

Na sociedade primitiva (…) o próprio costume tem força vinculante [Osório diz: sim, mas a penalidade a ser aplicada ao descumpridor da lei é apenas moral. Não há condenação a prisão ou a pagamento de multa, por exemplo]. Só se torna necessária codificação em fase bastante avançada de civilização [Osório diz: quando o grupo se expande, os costumes aumentam e a escrita se faz presente e a necessidade de dar conhecimento é premente].

A distinção entre o que é legalmente obrigatório e o que é moralmente certo era de muito menor precisão entre os gregos do que entre nós” [Osório diz: havia confusão ente o legal e o moral, mas a condenação moral, como até o presente, não preocupa muito, ou em nada, os violadores, pois a reprimenda é apenas o olhar enviesado do vizinho, que pode mudar de idéia com um convite para um belo jantar regado a suaves bebidas].

Era da natureza humana, tanto para os Estados como indivíduos, comportar-se egoística e tiranicamente, se dada a oportunidade, alinhavam-se aqueles para os quais isto pareceria não só inevitável, senão também justo e adequado. Para estes, o tirano era fato não só inevitável, como também ideal. [Osório diz: é o caso do siracusano Platão? {Apenas para constar: ele foi duas, e não uma única vez à ilha! Ou seja, é reincidente!}]

Estas ideias são sustentadas por homens que aos olhos dos jovens parecem sábios, tanto escritores em prosa como em versos, que dizem que a perfeição da justiça é conquista ganha pela força [Estes homens são, pois, de estampa diversa de Trasímaco, para o qual a tirania era he teleotate adikia e o tirano ten holen adikian edikekos (p. 91, n. 79, acima). [Osório diz: e o siracusano Platão?]]. Daí os jovens caem na irreligião, como se não houvesse deuses tais como nos mandam acreditar. Daí também irrupções de discórdias civis, sendo os homens atraídos para a “vida certa segundo a natureza”, que, expressa claramente, significa vida de dominação sobre os companheiros e recusa de servir aos outros como lei e costume (nomos) ordenam. [Osório diz: Platão/Sócrates queria mudar as leis de Atenas com sua República!]

[Osório diz: Sócrates, se tivesse algo a ensinar, foi tão “perverso” que não escreveu nada!]

Cálicles é figura um tanto misteriosa, pois, além de seu aparecimento como personagem no diálogo de Platão, não deixou nenhum traço na história registrada. [Osório diz: ver, sobre a identidade de Cálicles, o que diz Rommily] Todavia é descrito com soma de pormenores autênticos que é difícil acreditar ser personagem fictícia. E provável que tenha existido e sido conhecido como tendo as idéias que Platão lhe adscreve, embora, em sua ânsia de apresentar em toda sua brutalidade o caso que quer demolir, Platão pode muito bem ter tomado elementos de diversas fontes e edificado na pessoa de Cálicles uma apresentação um tanto estilizada da doutrina "força é direito" em sua forma mais extrema [Por "pormenor autêntico" quero dizer que se atribui aldeia real e se lhe dão características-~ históricas como a seus amigos e conhecidos. Três modos de ver são possíveis e foram sustentados: (1) ele é pura ficção, (2) o nome é uma máscara para uma personagem bem conhecida como Crítias ou Alcebíades, (3) ele é uma figura histórica. O último ponto é mais provável. Veja Dodds, Górgias, 12s, e para várias opiniões também Untersteiner, Sophists, 344, n. 40. Dodds conjectura que um homem "assim ambicioso e tão perigosamente franco" pode muito bem ter perdido a vida nos anos tormentosos dos fins do séc. V, antes de ter marcado a história. [Osório diz: quais amigos e conhecidos?]]. Ele é jovem rico e aristocrata [Osório diz: ou seja, é Platão!], que entrou há pouco na vida pública (515a), e, se bem que agindo como tropa de Górgias, não é sofista [Osório diz: Ufa!]. Ele descarta os “que professam educar os homens na arete” como porção sem valor, [O próprio Górgias, embora se possa com certeza classificar como sofista (p. 41, n. 29, acima), ria, diz-se, dos que exerciam esta profissão (Menu 95c). Cálicles pode ter pensado sobretudo em Protágoras, que enfaticamente a exerceu, e cuja moderação e cujo respeito pelo nomos não se lhe teriam recomendado. [Osório diz: Platão usa o mesmo tema em vários diálogos! Quando suas idéias “fazem água”/furam, ele as reescreve, assim como a Igreja Católica tem reescrito a Bíblia para tentar melhorar suas incoerências e inconsistências]]

Demos, o filho de Pirilampes, padrasto de Platão, e sua amizade com Ândron, que foi um dos Quatrocentos estabelecidos no poder na revolução oligárquica de 411, e seu orgulho de sua descendência menciona-se em 512d [Possivelmente também por defesa da própria physis. Dodds observa (Gorgias, p. 13) que "o louvor da physis comumente se associa a um pressuposto aristocrático, de Píndaro em diante", mas a situação talvez fosse mais complexa. Veja c. X abaixo. [Osório diz: o povo queria a lei escrita, em princípio, pois ela, inicialmente, trazia a igualdade. Entretanto, depois...]]. [Osório diz: justamente a família de Platão! Inveja? Raiva? Seu tio Crítias]

Cálicles retoma a argumentação com Sócrates depois da derrota de Pólus, o jovem e impetuoso aluno de Górgias, que tentou sustentara mesma tese de Trasímaco, segundo a qual "muitos atingem a felicidade mediante a injustiça" (470d).

Chamando-os de iníquos, como Cálicles frisa, fez o jogo de Sócrates [Osório diz: do autor da peça!], pois lhes restou moral convencional bastante para concordar que, se bem que a iniqüidade seja coisa boa para o iníquo, todavia é desonrosa e censurável [Osório diz: e daí?]. Absurdo, diz Cálicles. Pólus errou ao conceder a Sócrates sua alegação de que cometer injustiça era mais censurável do que sofrê-la. Esta visão convencional, mas apresentá-la como a verdadeira é vulgar e medíocre. Natureza e convenção opõem-se geralmente, de forma que, se um homem é impedido por vergonha de dizer o que pensa, é compelido a se contradizer. Os que estabelecem as convenções a fazerem as leis são “os mais fracos, isto é, a maioria” [Osório diz: mas era pela minoria que advogava Sócrates/Platão, desde que a minoria da aristocracia da qual eles faziam parte]. São eles que dizem que a autopromoção é infame e injusta, e equiparam a injustiça com o desejo de ter mais que os outros. A natureza diz que é justo para o melhor ter mais do que pior, e o mais poderoso do que o menos poderoso [(At 488b-d, Cálicles diz que usa beltion, kreitton e ischyroteros — melhor, superior e mais forte —como sinônimos). Esta sentença e a seguinte (483c-d) mostram claramente a influência da associação de Cálicles com Górgias (se na verdade neste ponto ele é mais do que a boca pela qual ele reproduz a retórica inescrupulosa do próprio Górgias). Cf. Gorg. Hel. 6 pephykegar ou to kreisson hypo tou hessonos kolyesthai alfa to hesson hypo tou kreissonos archesthai kai agesthai.].

Observamos aí a contradição formal a Trasímaco, o qual disse que os que fazem as leis são a parte mais forte, quer tirano, quer oligarca, quer democrata (Rep. 338e). [Osório diz: Cálicles versus Trasímaco!] Adimanto aproximou-se mais de Cálicles ao argumentar que os fracos são os que defendem a justiça (no sentido convencional em curso) e censuram a injustiça, não por convicção, mas por causa de sua própria impotência.

Mas ambos receberiam a censura de Cálicles, como Pólus recebeu, por usarem justiça e injustiça em seus sentidos convencionais [Trasímaco, podemos lembrar, não admitiria que ele estimasse a injustiça não só vantajosa, mas também honrosa e virtuosa (p. 90, acima). As próprias ideias diferenciam de alguém que disposto a aplicar a palavra justo" ao que o mundo considera injusto podem ser provas a mais que foi deliberado o fato de ele evitar o comprometimento.[Osório diz: As palavras fluem! Quem as cumpre? Os políticos? Não é o que diz o povo! Ver Carolina Maria de Jesus]].

Muitas coisas estão a indicar que o critério da justiça para o mais forte é tirar o melhor do mais fraco, como, por exemplo, o comportamento dos animais e dos homens coletivamente como Estados e raças. Dario e Xerxes, invadindo o território de outros povos [Osório diz: E Péricles invadindo as outras cidades gregas?], agiam de acordo com a natureza da justiça — e também segundo a lei, se entendes a lei da natureza, se bem que não segundo as leis que nós, homens, estabelecemos. A frase "lei da natureza”, nesta sua primeira ocorrência, usa-se como paradoxo deliberado, e, com efeito, em nenhum de seus sentidos posteriores, nem da lex naturae, que teve longa história na teoria ética e legal desde os estóicos e Cícero até os tempos modernos, e nem no sentido das leis da natureza dos cientistas que são "apenas uniformidades observadas". Mas ela sintetizou uma atitude já corrente em fins do séc. V, e os atenienses, no diálogo de Melos de Tucídides, chegaram muito perto dela até verbalmente, ao expressar o princípio de que devia governar quem é capaz, como questão de "necessidade natural" e ao mesmo tempo lei eterna. [Osório diz: isso não é Sócrates?] O critério bestial do comportamento natural (tomando os animais como modelos [Osório diz: isso é , convenhamos, ridículo. A racionalidade e os desejos são suficientes para mostrar quão diferentes são) também era conhecido no séc. V. Heródoto, ao citar um exemplo, exclui expressamente os gregos (2.64), mas é parodiado mais de uma vez em Aristófanes (Nuvens 1427ss, Pássaros 753ss).

Nossas leis não-naturais, continua Cálicles, modelam nossos melhores homens desde sua juventude, ensinando-lhes que a igualdade é bela e justa, mas, se surgisse um caráter naturalmente mais forte, sacudiria, como um leãozinho, estes grilhões, quebraria sua jaula e tornar-se-ia patrão ao invés de escravo. Brilharia então com toda a sua glória a justiça da natureza. Sócrates tenta fazê-lo retirar pelo menos para a posição do Trasímaco platônico, frisando que na democracia, uma vez que “os muitos” fazem e sancionam as leis, eles são o elemento mais forte e melhor (tendo o próprio Cálicles equiparado estes dois epítetos), e por isso, com base no argumento de Cálicles, o que eles decretam é naturalmente certo e direito; mas são muitos os que insistem que justiça significa direitos iguais para todos e que fazer injustiça é mais desonroso do que sofrê-la, e, portanto, tudo isso deve ser certo segundo a natureza e não só segundo o nomos. [Osório diz: E se vários leãozinhos se unirem, como, aliás, ocorre? Mas Sócrates/Platão não acreditavam na maioria! Isso é Platão e seu balão de ensaio! Justamente eles que não defendiam a democracia, aqui aparecem como democratas. Podem até ser democratas, mas com a finalidade de destruir a democracia]

Cálicles replica numa explosão de raiva que Sócrates fala absurdo e está enganando-o com palavras [Osório diz: e o autor Platão sabe que estava mesmo, daí revelar isso!]. Ao dizer que os mais fortes eram os melhores, ele quis dizer homens melhores — melhores naturalmente (492a), e não uma população indefinível e abjeta [Osório diz: e era o que Sócrates/Platão pensava mesmo, já que era aristocrata e tirano!].

A ideia de que devam "governar a si mesmos", isto e, exercer autocontrole, é ridícula. A bondade e justiça natural decreta que o homem que vivesse corretamente não deveria controlar seus desejos, mas deixá-los crescer tanto quanto possível, e por sua coragem 104 e senso prático ser capazes de satisfazê-los ao máximo. [Osório diz: Ridículo é dizer que o forte tem que também ser burro!]

O tipo comum de homens condena tais excessos apenas por vergonha de sua própria incapacidade para eles [Osório diz: pois se tornam seus praticantes no primeiro momento que podem fazê-lo!].

A verdade é esta: intemperança, libertinagem e liberdade de restrições, se apoiadas pela coragem, constituem excelência (arete) e felicidade; tudo o mais é conversa bonita, acordos humanos contrários à natureza, absurdo sem valor [Osório diz: quem discorda disso, honestamente?].

É o hedonismo extremado que realmente identifica prazer e bem, depois arranca-o de sua posição por táticas de choques até ele dar meia-volta desavergonhada e dizer que não falava sério: ele crê com certeza que alguns prazeres são bons e outros maus. [Osório diz: Bingo! As palavras têm limites se justificam isso ou aquilo].

[Osório diz: A história do super-homem é ridiculamente distorcida para atingir um objetivo {justificar ou fundamentar um posicionamento}, como sempre ocorre! Se ele é um super-homem {inclusive na inteligência} é para enfrentar um contra um ou ele contra todos? Se ele é super-homem ele debe ser maior que o todo. Mas, mesmo que ele, sozinho, não seja maior que o todo, pode fazer aliança com outros super-homens maus e, assim, todos os super-homens maus do mundo podem enfrentar os bonzinhos! Mais: sendo ele super-homem e inteligente, quem disse que ele não encontrará partidários entre os bonzinhos? O capital escraviza, mas todos querem estar ao seu lado!].

Os nomoi humanos existentes são totalmente não-naturais, porque representam a tentativa da multidão de fracos e sem valor de impedir a meta da natureza, segundo a qual o forte deve prevalecer [Osório diz: posição aristocrática de Platão!]. O homem verdadeiramente justo não é o democrata, nem o monarca constitucional, mas o tirano insensível [Osório diz: perfeito! É o Platão siracusano].

É esta a moralidade contra a qual Platão se voltou resoluta e decididamente [Osório diz: inclusive indo apoiar, por duas vezes, o tirano de Siracusa?], desde o tempo em que, como jovem fervoroso seguidor de Sócrates, aprendeu deste que "nenhum homem erra voluntariamente" (no sentido ordinário) [Osório diz: essa pode ser uma situação confortável: até o fim de sua vida, quando a ele mais uma vez se opôs nas Leis e, visto que suas raízes estavam na ciência natural do homem, tornou-se ele próprio cosmogônico no Timeu para aluir seus fundamentos mais profundos.

É preciso enfatizá-lo porque existe uma teoria curiosa de que Platão nutria secreta simpatia para com Cálicles, que representava algo profundamente implantado em sua natureza pessoal, que talvez só tenha reprimido sua familiaridade com Sócrates. Cálicles é "um retrato do eu rejeitado de Platão" [Osório diz: rejeitado!?]. "Embora fundamentalmente se oponha às ideias de Cálicles, ele as afirma com a facilidade e simpatia de homem que as suprimiu em si próprio [Osório diz: a supressão deu-se em Siracusa?], ou ainda havia de suprimi-Ias, ou como Rensi o coloca, “o conflito Sócrates-Cálicles no Górgias não é conflito entre dois indivíduos mas conflito que se passa dentro de uma só mente” [As citações são de H. Kelsen como citadas por Levinson, Defense of P. 471, e Highet e Rensi citados por Untersteiner, Sophists, 344, n. 40.]. Dodds concorda com isso até a medida que, visto Platão ter sentido "certa simpatia" por homens da estampa de Cálicles, o seu retrato de Cálicles "não só tem calor e vitalidade, 106 mas se tinge de afeição pesarosa". [Osório diz: Platão/Cálicles – ida à Siracusa e amante de Esparta, portanto, nada de supressão!]

Podemos mais facilmente nos associar ao brando protesto de Levinson (Defense of P. 472) de que "não é sadio identificar Platão com as personagens dele que ele detesta" [Osório diz: e ele detesta? Onde, quando e como?]. É instrutivo comparar o tom da conversação aqui com o tom em Protágoras, em que Sócrates fala a um homem pelo qual, embora esteja em desacordo com ele em coisas fundamentais, tem verdadeiro respeito. [Osório diz: o autor fraqueja! Ã hã!]

Quando Protágoras, ocasionalmente, e justificadamente, irrita-se, Sócrates o acalma, e os amigos de ambos logo se dispõem a arranjar as coisas entre eles com palavras de calma. A crítica é bem-humorada, a atmosfera é de amizade e tolerância, e o diálogo termina com expressão de mútua estima. Aqui, de outro lado, há evidente amargura e mau humor. Falar disparates, oratória de populacho, trocadilhos de sofista [Osório diz: vejam como não foi apenas Aristófanes que sabia que Sócrates era um sofista!], mentalidade medíocre, violência, e a marcação barata de pontos para o debate, são algumas das acusações que Cálicles arremessa contra Sócrates, e Sócrates faz retornar da mesma forma como recebe [Osório diz: essa é uma das teses de que Platão traiu Sócrates e talvez o detestasse]. Considerando psicologicamente, tudo isso é sem dúvida compatível com a existência de um Cálicles reprimido no próprio Platão, mas visto no contexto de toda a sua filosofia parece muito improvável [Osório diz: Parece? Se parece pode ser!]. Dodds vê até maior importância na "vigorosa e perturbadora eloqüencia que Platão concedeu a Cálicles", mas não deve ser nenhuma novidade para nós que Platão foi soberbo dramaturgo [Osório diz: a fuga conveniente do autor, pois Platão somente é dramaturgo quando está em becos sem saída! Do contrário é só filósofo profundo e único!]. Esta eloquência convenceu o jovem Nietzsche, ao passo que o raciocínio de Sócrates o deixou frio. Isto não é surpreendente, mas pouco relevante. O apóstolo da Herrenmoral (Moral do senhor), da Wille zur Macht (Vontade de poder) e Unwertung ller Werte (Revolução de todos os valores) não precisava de muito convencimento, pois ele era irmão de sangue de Cálicles, ao passo que Sócrates se ornou para ele, para citar de novo Dodds, "uma nascente de falsa moralidade" [Dodds, Gorgias, 388.O que Nietzsche chamou de cultura sofistica para ele era "este movimento sem valor no meio do engano moral e ideal das escolas socráticas". "Os sofistas", disse ele, "eram gregos: quando Sócrates e Platão tomaram o lado da virtude e da justiça, foram judeus ou não sei o que". Não admira que foi Cálicles que o atraiu. Estas passagens são citadas na p. 146 de A. H. J. Knights em seu livro Some aspectos of the life and work of Nietzsche, and particularly of his connexion with Greek literatura and thought, que podiam talvez ter sido mencionadas por Doods quando, no começo de seu apêndice informativo sobre Sócrates, Cálicles e Nietzsche (Gorgias, 387-91), ele diz que o laço entre Nietzsche. Nas pp. 147s Knight cita um longo extrato do discurso de Cálicles no Górgias. V. também Nestle, V MzuL, 341s.]. [Osório diz: É que o pensamento de Sócrates não fecha dentro da racionalidade humana].

Alternativamente, sustentou-se que não há nenhuma contradição, porque as passagens que estamos a ponto de considerar não revelam o seu autor “como o inimigo imoral de nomos e controle social, mas como seu crítico, utilitarista realista, mas socialmente intencionada”. A primeira questão pode-se omitir porque para a presente discussão basta que representem idéias correntes no séc. V. Se soa ou não imorais e hostis ao nomos deve emergir à medida que as vamos considerando. Pode antes ser que a hostilidade ao nomos seja um de seus traços constantes, que na prática pode levar, quer a preceito egoísta (“ignora o nomos em teu comportamento pessoal se podes evitar de ser descoberto”), quer a uma humanidade abrangente (“a distinção entre gregos e bárbaros é só questão de nomos”). [Osório diz: o intérprete usa a vontade!].

(Antífon fr. 44A DK): a justiça consiste em não transgredir as leis e usos (nomina) do próprio Estado. Por isso o mais vantajoso meio de manipular a justiça [Osório diz: ou seria a lei?] é respeitar as leis quando testemunhas estão presentes, mas em caso contrário seguir os preceitos da natureza. Leis são contratos artificiais, falta-lhes a inevitabilidade do crescimento natural. Daí, transgredir as leis sem ser descoberto não faz nenhum mal, ao passo que toda a tentativa de violar os ditames inatos da natureza é danoso sem considerar a descoberta dos outros, pois o dano não é apenas, como no caso do transgressor da lei, uma questão de aparecer ou reputação, mas realidade. A justiça no sentido legal está em geral em disparidade com a natureza. As leis prescrevem o que devemos ver, ouvir ou fazer, aonde devemos ir, e até o que devemos desejar [pode-se pensar nos dez mandamentos], mas, no que diz respeito à conformidade à natureza, o que proíbem é tão bom como o que mandam. [Osório diz: aqui o autor identifica justiça = lei. Para Antifonte, isso é diferente! Mas aí entram os adversários dos sofistas e dizem que eles pregavam a injustiça e não o descumprimento das leis que eles reputavam injustas].

Vida e morte são ambas naturais, uma benéfica ao homem, e a outra desvantajosa [Tomando apo em sentido partitivo (V. Lw, s. v. I 6). Manifestamente se costuma entendê-lo como causativo Cresulta das coisas benéfico..."r. Kerferd nota (loc. cit. 31) que evidentemente nem tudo que é physei é vantajoso, e a norma de Antífon deve ser restringida a ta physei tzympheronta. (C£ também Heinimann, N. u, Ph. 137). Isso parece mais razoável do que a afirmação de Stenzel (RE Suppl. IV, 36) para quem toda a ênfase está na vida, e a morte só se introduz como "expressão polar" e por antítese retórica. O argumento parece ser que tanto a natureza como a lei produzem dano ou bem (até um defensor da natureza como Antífon poderia dificilmente negar a ocorrência de desastres naturais como terremotos e inundações), e que têm critérios diferentes do que sejam bem e mal, e os da natureza se devem preferir.]. Mas “beneficio” tal como a lei o entende é uma resistência à natureza; em seu sentido natural significa liberdade. Dores não estão presentes na natureza mais do que prazeres, e o que é verdadeiramente beneficente deve ajudar, e não prejudicar. Não se pode dizer que o que causa dor seja mais benéfico do que traz prazer [Doutrina hedonística semelhante é criticada em Xen. Mem. 1.6 como de Antifon. Como diz Croiser, pode-se imaginar que destruição Sócrates faria com uma linguagem imprecisa deste tipo! [Osório diz: Sócrates seria um masoquista?]]... [lacuna de sete linhas no papiro]... aqueles que, embora se defendam a si mesmos, nunca tomam a ofensiva, aqueles que estimam pais que os tratam mal,[Kerferd (loc. cit. 29) diz, referindo-se especialmente a esta cláusula, que o que aí se menciona vai além do que exige a lei, e representa, portanto, terceiro padrão de ação distinto tanto da natureza como das leis. Mas não haveria nenhum terceiro padrão na mente de Antífon, pois um dever socialmente reconhecido como o de filhos e filhas adultas de dar apoio aos pais (um dos mais profundamente enraizados de qualquer sociedade grega) era nomos tanto quanto qualquer lei positivamente decretada. Cf. p. 58 acima).

Bignone, em sua tentativa de demonstrar que há estreita afinidade entre as doutrinas das duas obras Sobre a verdade e Sobre a concórdia, ambas representando "utilitarismo filantrópico", ignora completamente esta passagem. Em todo o seu ensaio em Studi sul pensiero antico não se menciona esta afirmação de que um comportamento, como recusar atacar a outros a não ser em autodefesa e tratar mal aos pais, é hostil à "natureza" que é o ideal de Antífon.] e aqueles que dão a seus (p. 104) oponentes a oportunidade de se ligar por juramento recusando a fazê-lo eles mesmos. Muitas destas ações são contra a natureza, pois implicam mais dor do que prazer, e mau tanto quando o reverso é possível. Se as leis protegessem tal comportamento e infligissem perda aos que agem de outra maneira, poderia ser vantajoso obedecer-lhes; mas assim como é, a justiça legal não é suficientemente forte para isso. Ela não impede o ataque nem o sofrimento da vítima, e quando se busca reparação ela favorece tanto o opressor como o oprimido. A vítima deve persuadir o tribunal de que foi injustiçada, e seus atacantes têm facilidades iguais de negá-lo. [Osório diz: vítima e réu no tribunal se igualam! A vítima sofre duas vezes: a violência primeira e a prova de que a sofreu. O réu leva vantagem, pois pode até provar que a vítima é a culpada]

Acredita-se que a justiça é algo bom, e dar testemunho verdadeiro mútuo considera-se em geral justo, da mesma foram que ser úteis nas relações humanas. Mas não será justo, se o critério da justiça é que um não deve infligir nenhuma injúria ao outro a não ser que este tenha primeiro injuriado. A testemunha, mesmo se confiável, inflige injúria ao homem contra o qual atesta, embora aquele homem não a tenha injuriado, e pode injúria sofrer em retorno. Pelo menos ele deve ter cuidado com o ódio dos outros que fez seus inimigos[Osório diz: a delicada posição da testemunha]. Assim injúria está implicada em ambos os lados, e chamar tais atos justos não se pode reconciliar com o princípio de que não é justo nem infligir nem sofrer injúria. Deve-se concluir que inquérito judicial, julgamento e arbitração não são justos, qualquer que seja seu resultado, pois uma decisão que beneficia um lado injuria o outro. [Osório diz: A “justiça legal” sempre injuria alguém!]

Basta pensar que impressão teríamos de Platão se nosso conhecimento da República se limitasse a alguns fragmentos do discurso de Gláucon (por exemplo, a sentença em 359c: "É natural a todo homem buscar a ambição egoísta como um bem, mas o nomos nos seduz para o respeito da igualdade") sem a explicação de que agia provisoriamente como advogado do diabo para que o caso fosse demolido por Sócrates. [Osório diz: Sócrates foi um personagem construído para ganhar! Era o “mocinho” de Platão!] [Osório diz: o que diz o autor serve para todos os que deixaram apenas fragmentos ou apenas para Sócrates?] Deparamo-nos aí com três noções de justiça, que às vezes se têm ensinado como irreconciliáveis e, sendo assim, necessariamente de origens diversas. [Osório diz: Qual é a de Antifonte? E se ele tivesse somente expondo uma tese para depois contestá-la? Se ele estivesse fazendo o papel de “advogado do diabo”, tal Gláucon?]

Conformidade a leis e costumes do próprio Estado. Estes, como na avaliação de Gláucon, se depreciam como questões de acordo humano. O auto-interesse exige que o homem se conforme apenas quando de outra forma fosse observado e punido. Lei e natureza têm ideias diferentes. Na natureza, vida, liberdade e prazeres são benéficos, e a morte não o é, mas a lei manda coisas que são dolorosas e impõe restrições artificiais à natureza. Estas não são verdadeiramente benéficas. Na visão esboçada por Gláucon, as virtudes aceitas devem ser praticadas por medo do pior, embora, se fosse dado o anel de Giges, ninguém seria ou deveria ser virtuoso, mas aí se crê obviamente que oportunidades não-observadas de desafiar o nomos ocorrem e se devem aproveitar. Apóia-se isso por outro argumento, o de que a lei não pode se proteger a si mesma. Ela só age depois do evento, e a chegada do pede Poena claudo [Osório diz: “o castigo claudica”, diz Horácio ao afirmar que o crime, nem sempre é imediatamente castigado.] é de pouco uso para homem assassinado. Pior do que isso, os tribunais de fato oferecerem oportunidade igual ao ofensor e à vítima [Osório diz: a lei não protege sequer a si mesma!].

A definição de justiça aí criticada soa, à primeira vista, exatamente como a citada com forte aprovação por Sócrates nos Memorabilia de Xenofonte (4.412-13), a saber, que “legal e justo são a mesma coisa” [ Cf. também Lísias, 2.19 anthropois prosekei nomo horisai to dikaion. A equiparação de nomima e dikaia por Protágoras (em Platão, Theaet. 172a) é bastante diferente: as leis de uma cidade são dikaia para esta cidade enquanto estão em vigor, mas não são necessariamente sympheronta. Cf. 167c, e pp. 125, 162s abaixo. Bignone (Studi 74s) pensou que era Protágoras o alvo da crítica de Antífon.]. [Osório diz: caso legal e justo fossem a mesma coisa, Sócrates poderia ter se defendido no tribunal? Não é ele que defende a obediência absoluta à lei? Logo ao que é justo!] Também se admite aí que as leis são meras criações dos cidadãos que concordam sobre o que se deve ou não se deve fazer, argumentando-se, porém, com certa amplidão em prol dos méritos deste conceito de justiça. [Osório diz: cidadãos para quem é democrata, para Sócrates/Platão bastam os ditadores!] Corporativamente, a obediência às leis produz unidade, força e felicidade, e para o indivíduo ela ganha amizade e confiança e (em direta contradição a Antífon) fornece a melhor oportunidade de vitória nos tribunais. Tudo isto se aplica às leis positivamente decretadas, mas, contrariando a Antífon, Sócrates continua inserindo as “leis não-escritas” que são de aplicação universal e aceitas por ele e por Hípias como divinamente ordenadas. Estas não são certamente os “ditames da natureza” de Antífon, pois abrangem o dever de honrar os próprios pais [Osório diz: mesmo que os país não honrem os filhos?] e a retribuição de benefícios, e Sócrates afirma que a obediência a eles é vantajosa e compensadora para o indivíduo, e (como Antífon com seus desconsiderar impunemente (p. 113 abaixo).

Nem fazer nem sofrer injúria [Osório diz: e revidar a uma injúria é injuriar?]. Sustentou-se que estas duas definições de justiça conflitam e, portanto, não podem receber adesão da parte das mesmas pessoas. Mas pode ter parecido assim para Antífon, pois o modo de ele introduzi-las no começo e no fim de sua argumentação de que testemunhar contra um homem “não é justo” implica que são idênticas ou muito semelhantes. Completa liberdade de injustiça [Osório diz: penso que o autor, Guthrie inverte e perverte! Veja-se que logo acima Antifonte diz que o ideal é “nem fazer nem sofrer injúria”, como, então, pois, a liberdade para a injustiça? / O que ele também não diz, é que Antifonte poderia estar combatendo as leis injustas! Lembremos que estávamos no início da história das leis escritas, pelo menos no Ocidente!], tanto de fazê-lo como sofrê-la, é o ideal, mas não está no poder de quem quer que seja assegurar-se de que nenhum outro homem lhe faça injustiça, de sorte que a melhor expressão prática da justiça é nunca tomar a iniciativa de fazer a injúria [Osório diz: por isso a lei não garante nada! A pena, posterior a injúria, não faz o tempo retroagir para apagar a injúria por parte de quem a sofreu]; e obviamente, se isto se observasse universalmente, seguiria a outra: se ninguém agisse a não ser em autodefesa, não haveria nenhum ataque para tornara necessária a autodefesa [Osório diz: sim, mas aí o mundo não seria mundo e o ser humano não seria humano!]. Muito provavelmente a terceira descrição de justiça era equivalente na mente de Antífon à primeira, uma vez que Platão faz Gláucon dizer que na opinião geral a lei era “acordo mútuo a não infligir nem sofrer injúria”.

Uma moralidade inculcada pela lei e pelo costume é contrária à natureza, e se deve preferir o caminho da natureza. Em OP 1364, ele alega que reprimir-se para não sofrer injustiça, exceto em autodefesa, é contra a natureza [Osório diz: e não é?], mas isto não o impede de frisar em 1797 que, se, como muitas pessoas, o aceitares como princípio de ação correta, encontrar-te-ás imediatamente em conflito com outro princípio geralmente aceito, o princípio de que quem quer que tenha informação que possa fazer um criminoso ser levado às barras da justiça tem o dever de apresentá-la. [Osório diz: as regras e as exceções. Isso não é ser moralista?]

Isso nos leva ao nível de Sócrates ou Jesus [Osório diz: as duas figuras da perniciosa religião à razão. Aliás, a religião somente é boa para os celerados dispostos a cometer injúria!], e Sócrates argumenta em seu favor mais uma vez, por exemplo, na República (335d, "Pois não é o papel do homem justo, Polemarco, prejudicar o seu amigo ou qualquer outro que seja") e Crito (49b, "Pois devemos não infligir injúria por injúria, como muitas pessoas crêem", e c, "Pois uma pessoa não deve tratar nenhum homem injustamente em revide, ou prejudicá-lo, qualquer coisa que soframos de suas mãos") [Para avaliar o caráter revolucionário da ética socrática, deve-se lembrar como estava profundamente enraizada na moralidade grega a doutrina de que "o autor sofrerá", que tornou a exação de revide ou vingança não só direito, mas também dever religioso. Cf. Ésqu. Ag. 1563s, Cho. 144,306- 14, Eur. H. E 727s. Outras passagens são citadas por Thompson, Oresteia, II, 185. [Osório diz: Então, todo o legal, que é justo (vide p. 119) não debe existir! Existe para quê? Se existe é por que o homem não presta!]

[Osório diz: pregunta a Sócrates: para que saber o que é o justo, se basta a edição de uma lei dizendo o que ele é?]. [Osório diz: e o cretino do Sócrates foi para a guerra! Isso seria Platão tirando sarro! Ou ele foi para guerra para que?] Os presentes fragmentos não oferecem nenhuma prova de que Antífon era moralista deste calibre [Osório diz: calibre vagabundo, diga-se de passagem, pois a pregação nega a prática]. Obviamente era pensador sério, e muito do que diz aqui se pode interpretar altruisticamente: a alegação de que o prazer é mais benéfico do que a dor poderia representar um utilitarismo hedonista de espécie universal, advogando uma conduta que assegurará o máximo de prazer no mundo em geral. De outra parte, porém, como quando ele deprecia o reprimir-se de agressão não-provocada como contrário àquela "natureza" que é seu ideal, parece que o hedonismo é egoísta e individualista [Na medida que Antífon está correto, esses comentários são feitos com certeza com base na suposição de que as idéias em questão são dele mesmo. Apesar dos argumentos de Bignone e Kerferd, esta ainda é minha impressão. Naturalmente, lidando com extratos assim fragmentários, preservados acidentalmente, só se podem tirar conclusões com precaução, e o propósito do presente capítulo é apenas mostrar que tais ideias eram correntes no séc. V.]. [Osório diz: E isto não pode ser? Onde um contraria o outro?]

Outras testemunhas. A visão antinomista reflete-se e muitas passagens da literatura do tempo. Ela é provável na linha isolada de Eurípedes (fr. 920):

Foi a Natureza que o quis, ela que não se incomoda com a lei. [Osório diz: imaginemos uma lei que disponha: é proibido chover!]

 

… “o coro antecipa em princípio a solução dada por Platão à controvérsia nomos-physis, ou seja, que quando se entendem propriamente os dois termos, vê-se que nomos está fundado na physis”. É privilegio do poeta pronunciar, como uma verdade eterna, o que o filósofo sente dever provar pela argumentação. [Osório diz: boa piada! Tudo vem de Platão para o autor e outros. Claro que o nomos deveria ser fundado na physis, e é isso que querem os sofistas. Mas para que tal fundamento, se a physis já seria suficiente? Para melhorar, aprimorar e facilitar o conhecimento da lei, bem por por existirem leis contra os costumes, justamente contra as quais já lutavam os sofistas! Isso em data posterior, pois, inicialmente, a lei foi boa e útil para a igualdade democrática]

 

A filosofia exposta aí ao ridículo é a de Cálicles, e lembra o argumento de Antífon de que a lei favorece ao culpado tanto quanto ao inocente. [Osório diz: Cálicles não é posterior a Antifonte? Não é um personagem de Platão? E mesmo Platão não é posterior a ambos? Escreve ele depois que Antifonte está morto!]

O autor do nomos foi apenas homem como tu e eu, e, sendo assim, por que não deveria eu fazer um novo nomos, de que os filhos possam bater em seus pais em revide ao ato de lhes bater? É uma paródia, mas em Antífon encontramos defendido com toda seriedade que o dever sagrado de respeitar os próprios pais era “contra a natureza”. [Osório diz: onde o erro “lógico” do ensinamento? Primeiro foi a lei feita pelo homem, depois os filhos só devem respeitar quem os respeita, inclusive os pais, que podem injuriá-los, como qualquer outro injuriador]

Uma vez que "natureza" e “necessidade natural" surgem tão amplamente nestas tiradas antinomistas, não surpreende que, como já observamos, deviam muito aos escritores ostensivos "Sobre a Natureza”, os filósofos naturais pré-socráticos. Aristófanes caricatura a lógica disso num argumento expresso por Estrepsíades contra um de seus credores: "Como podes merecer ter teu dinheiro de volta se és tão ignorante dos fenômenos meteorológicos?" [Já se mencionou a prática de tomar animais como nossos modelos (p com n. 103, acima), e Aristófanes tem também a resposta a isso. Quando Feidípides justifica bater no pai referindo-se aos hábitos não-filiais dos galos, seu pai replica: "Se queres imitar os galos, por que não comer sujeira e empoleirar no galinheiro?" (ib. 1430). É bom também lembrar que estórias de deuses (p. ex., o freqüente adultério de Zeus) também podiam ser invocadas por parte dos iníquos (ib. 1080). A crueza da religião popular, baseada em Homero, deu sua própria contribuição para o crescimento do humanismo arreligioso. (Cf. Platão, Leis 886b-d). Isso será exposto mais tarde (c. IX abaixo). [Osório diz: Platão usa também! Mas ele pode?]]. Dificilmente poderia ser melhor encerrar esta relação dos paladinos imoralistas da natureza contra a lei com o sumário de Platão de seus argumentos nas Leis. 128 [Osório diz: Por que estudá-los tão longamente, então, senhor Guthrie?] As coisas maiores e melhores do mundo são à obra da natureza, ou possibilidade (que é a mesma coisa) [Osório diz: donde, então, alguém que segue o melhor ser imoral?]. Os quatro elementos, a terra, o sol, a lua e as estrelas que são feitos deles, são matéria sem vida. Movendo de acordo dom suas propriedades tidas por acaso, os elementos de certa forma se juntaram apropriadamente — quente com frio, seco com molhado, mole com duro — e combinando-se pela inevitabilidade da oportunidade geraram todo o cosmo e tudo nele. Os animais, as plantas e as estações do ano, tudo deve sua existência a estas causas, a saber, natureza e oportunidade: nenhum deus, nenhuma inteligência ou arte teve parte nisso [Osório diz: se tivesse teria em suas falhas também?]. Arte, ou desígnio (techné), veio depois, uma força mais insignificante de origem meramente humana, cujas criações têm pouca substância ou realidade em si. As únicas artes que têm algum valor são aquelas que, como a medicina, a agricultura e o treinamento físico, ajudam as forças da natureza. A habilidade política tem alguma leve conexão com a natureza, mas é em sua maior parte assunto da arte, e a legislação nada tem a ver, absolutamente, com a natureza. É inteiramente artificial, e seus postulados não são verdadeiros. [Osório diz: o autor quase reza para poder dizer isto!]

[Osório diz: O deus do autor e o de Platão é obra do nomos ou da natureza?

Os próprios deuses não têm nenhuma existência na natureza, mas são produto do artifício humano, e variam em diferentes lugares de acordo com convenções locais. Bondade é uma coisa na natureza e outra pelo nomos, e quanto à justiça, a natureza nada sabe dela. Os homens estão sempre disputando sobre ela e alterando-a, e toda mudança é válida desde o momento em que é feita, devendo sua existência a convenções artificiais antes do que à natureza. É por teorias como estas que agitadores incitam os jovens à irreligião e sedição, levando-os a adotar “a vida certa segundo a natureza”, pelo que querem dizer uma vida de ambição egoísta em vez de vida de serviço a seus companheiros de humanidade e à lei [Osório diz: ao contrário! Protágoras prega, no mito de Prometeu, a convivência entre os homens, ou seja, põe-se sua “vida a serviço de seus companheiros de humanidade e à lei! Quem prega a escravidão do homem pelo homem é Platão! Francamente!].

A justaposição atribuída a Arquelau (“as criaturas vivas primeiro surgiram do barro, e a justiça e baixeza existem não naturalmente, mas por convenção”, p. 59 acima) era menos incongruente do que soava.

Os sofistas tinham muito a ver com sua promulgação, e em geral estavam de acordo com suas premissas científicas. As conclusões éticas egoístas, porém, que Platão achou tão chocantes, nem eram comuns, como vimos, a todos os sofistas nem exclusivas da profissão [Osório diz: uma honestidade do autor! A escravidão platônica não faz parte de uma ética egoística? E a tirania?].

Uma crença antiga sobre a lei atribuía-a em última instância aos deuses. O legislador ou criador humano da constituição (cuja existência não se negava) era apenas o canal pelo qual os mandamentos do céu se tornavam conhecidos e eficazes. No poema de Tirteu (séc. VII, fr. 3 Diehl), a constituição de Licurgo para Esparta foi ditada em detalhe por Apolo em Delfos. Mais tarde, tendeu-se a dizer que Licurgo fez a constituição, mas foi a Delfos para ter a segurança de que o deus a aprovava... (p. 127) [Osório diz: o início da besteira de incluir deus na história]

As leis cretenses por sua vez foram, como se disse, obra de Zeus (Platão, Leis, no iníc.). Mesmo Clêistenes, fazendo suas reformas democráticas no fim do séc. VI, recebeu os nomes de suas novas tribos de Pítia (Artist. Ath. Pol. 21-6). [Osório diz: como ficam as maldades não vistas pela lei? Deus cochilou? As lacunas legais, sempre existentes, matam isso!].

Pelo séc. V, uma natureza impessoal tinha substituído nas mentes de alguns homens os deuses como poder universal que produziu a ordem inteira de que os homens são uma parte. Para outros, como Hípias, ambos podem existir confortavelmente lado a lado, e Eurípides, quando fala em linguagem pré-socrática da “ordem perene da natureza imortal”, e alhures em sua poesia, manifesta o desejo de vê-los unidos. Quando, pois, como vimos, ganhava terreno a ideia de que a lei é instituição meramente humana visando a ir ao encontro de necessidades determinadas, com nada de permanente ou sagrado em si, ela pôde ser contraposta ou à ordem divina ou à ordem natural ou a ambas. Dentro desta contraposição, costuma-se dizer que o ato de legislação resultou de um acordo ou contrato (syntheke) entre os membros da comunidade, que “puseram juntos”, compuseram, ou entraram em acordo sobre certos artigos. [Osório diz: a lei é fragmentária] [Osório diz: origem da lei!! MUITO BOM!].

Os relatos de Protágoras não contêm a palavra "contrato", mas, quando os deuses são afastados de sua parábola (como em vista de seu agnosticismo devem ser), descrevem-se os homens perecendo por lhes faltar a arte de viver juntos em cidades e aprendendo por dura experiência a agir justamente e respeitar os direitos dos outros, e fundando assim comunidades políticas. Trata-se de questão de "autodomínio e justiça" (Prot. 322e). Protágoras, disse Ernest Barker, não era "nenhum crente na doutrina de contrato social". Em parte se o deve à convicção errônea de Barker ter "concebido o Estado como ordenação de Deus, existindo jure divino, antes do que como criação do homem, existindo ex contractu", e em parte porque "um contrato que resulta numa unidade artificial mantida por leis artificiais logo se romperia ao se formar. Aquilo de que se precisa e é tudo, é... uma mente comum para perseguir um propósito comum de vida boa". Isto é verdade, mas implicar-se-á na teoria do contrato esta artificialidade?

A exaltação que Píndaro faz dos dons naturais (phya) é aristocrática, e os contextos em que se expressa mostram como a questão se pode ensinar a arete se insere na antítese geral entre physis e arte, ou physis e nomos.

Ol. 2,86: "Sábios são aqueles para os quais o conhecimento de muitas coisas vem por natureza; mas os que aprendem impetuosos e gárrulos como vacas, pronunciam palavras inúteis. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 22, 25-26, 57-58, 97-109, 127-129).

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

A antropologia de Hípias está no prolongamento direto da sua teoria da natureza. Instaura uma oposição categórica entre a natureza (physis) e a lei (nomos), em benefício da primeira, sendo a lei positiva duramente posta em questão.

Constatar que o nomos é incapaz de instaurar uma verdadeira justiça é, antes de mais, para Hípias, exprimir no plano do conceito a violenta crise que abala a sociedade grega no fim do séc. V e no princípio do IV. Edmond Lévy analisou minuciosamente esta “crise ideológica” ateniense, ligada à derrocada de 404. A guerra demonstrou que os deuses não defendem os justos, já que são atingidos tanto e muitas vezes até mais do que os outros [Osório diz: como é que homens que pensavam assim e diziam isso poderiam ser aceitos? Daí o ódio nutrido, até hoje, contra eles, pois questionavam o divino]; levantam-se dúvidas, então, quanto à ideia da providência divina, claramente expressas por alguns heróis de Eurípedes. A decadência da crença na providência arrasta a da crença nos valores tradicionais de que a principal era a justiça [Osório diz: aqui a mesma coisa, apenas a crítica é dirigida contra a justiça, outro “pilar” da ordem que eles questionavam]: estas, escreve E. Lévy, “reduzem-se a onómata kelá[Osório diz: “belas palavras”]. Por outro lado, as discórdias políticas, o confronto interno na cidade entre democratas e oligarcas e a sua transição sucessiva para poder fazer ver claramente que as leis que promovem são a expressão disfarçada dos seus interesses de partido. A lei é desacralisada; perdeu a neutralidade do direito; é um disfarce para o poder, e a obediência à lei não poderá já definir a justiça [Osório diz: como os sofistas viam o direito e a justiça e as leis]. Enfim, sabemos que Hípias é um dos criadores da etnologia [A etnologia é o "estudo ou ciência que estuda os fatos e documentos levantados pela etnografia no âmbito da antropologia cultural e social, buscando uma apreciação analítica e comparativa das culturas."]; como embaixador e professor itinerante, contactou com múltiplas legislações positivas, e verificou os desacordos e as contradições. Ninguém melhor do que ele poderia ter a sensação da relatividade daquilo que as diferentes culturas chamam “justo” e “bom”.

É por isso que Hípias destrona o nomos e chama à lei “o tirano dos homens” [Osório diz: o que é a lei?]. O Sofista emprega aqui propositadamente a palavra tyrannos que distinguia da palavra basileus (“rei”); opõe-se assim a Píndaro, que exaltava o nomos basileus, expressão da justiça, quando, para Hípias, não é mais do que a expressão de uma violência contra a natureza. Com efeito, se a lei é um tirano, que tiraniza ela? Hípias responde: a natureza. Este conceito de natureza é ambíguo, sendo necessária prestar muita atenção ao conteúdo exato que lhe dá Hípias. Por natureza “Hípias não entendia o reino da violência e das simples relações de força, como faz o Cálicles do Górgias, ao falar do 'justo segundo a natureza'; muito pelo contrário, a natureza desempenha o papel de uma norma moral universal, que ultrapassa o particularismo do nomos[Osório diz: diferença entre Hípias e Cálicles ou Platão]. No Protágoras vê-se Hípias a pôr-se como árbitro entre Protágoras e Sócrates; começa por apelar para a fraternidade que, a seus olhos, liga entre si todos os homens ali presentes: “Penso que sois todos de idêntico nascimento, parentes e co-cidadãos pela natureza e não pela lei”. Existe, portanto, uma benevolência espontânea do homem pelo seu semelhante, e é talvez a pensar em Hípias que Aristóteles dirá, na Ética a Nicómaco, que quem viajou sabe como o homem é simpático ao homem. Por uma espécie de paradoxo que Rousseau encontrará, a natureza, aos olhos de Hípias, cria uma sociabilidade que precisamente a sociedade destrói: com efeito, os pequenos grupos sociais fechados são destruídos pela calúnia, quando a natureza aconselha a amizade recíproca. Ainda aqui as leis mostram a sua insuficiência, não punindo os caluniadores à semelhança dos ladrões; com efeito, os caluniadores “roubam a amizade que é um bem de entre os melhores”. A natureza, longe de ser uma escola de brutalidade, é para Hípias, escreve J. C. Fraisse, “o princípio de todo o bom entendimento”. Com o mesmo espírito, Hípias estigmatiza a inveja, embora reconheça que uma das suas formas é justa [Osório diz: inveja positiva]; esta restrição explica-se se a interpretarmos politicamente: o espírito democrático, que visa uma rigorosa igualdade dos cidadãos, não consente que um indivíduo suba demasiado acima dos outros. Vê-se que a democracia, em conformidade com o princípio da semelhança, tem um fundamento natural [Osório diz: o espírito democrático]. A afetividade desempenha um papel importante na análise de Hípias: é a aparição da natureza humana que pode fundar uma sociedade boa. Auguste Bill opõe, neste sentido, Antífon a Hípias, para o primeiro, o fundamento da comunidade humana é a identidade das necessidades; para o segundo, há que encontrá-la nas relações afetivas.

Mas é a propósito do problema da justiça que melhor aparece o papel normativo da natureza. Nos Memoráveis de Xenofonte, Sócrates ocupa-se com Hípias deste problema; importa ver, como prova Dupréel, que o fundo da discussão é extraído da doutrina de Hípias, embora seja Sócrates a expô-la. Parte-se da definição das leis positivas: são, diz Hípias, “as que os cidadãos decretaram, tendo-se posto de acordo sobre o que há a fazer e a evitar” [Osório diz: o que são as leis positivas]. É por isso que as leis são flexíveis a todas as interpretações; falta-lhes a estabilidade e universalidade; perante a sua versatilidade, quem pode pensar que as leis “são um assunto sério”? E é esta reação que é catastrófica [Osório diz: por que as interpretações das leis são tão instáveis e variáveis]. Com efeito, sem obediência às leis, não há concórdia (homonoia) nem nas cidades, nem nas famílias; os assuntos políticos como os privados estão em perigo. Ora, as leis positivas não são, felizmente, as únicas manifestações da legalidade. Também há o que os Gregos chamavam “as leis não escritas”, que Antígona invoca contra Creonte e que, atualmente, chamaríamos o direito natural. No diálogo de Xenofonte, é Sócrates que se lhes refere, mas Hípias vai defini-las muito bem e aprova calorosamente Sócrates; trata-se, portanto, aqui do que Hípias tinha a dizer de “novo” sobre a justiça. As leis não escritas são válidas em todos os países; o que lhes tira o particularismo e a relatividade é que elas não emanam dos homens. Mas de onde vêm elas? Dos deuses, diz o Sócrates de Xenofonte; mas há motivos de sobra para crer que Hípias teria antes respondido: da natureza [Osório diz: de onde vêm o direito natural?]. Com efeito, os exemplos dados para ilustrar o que são as leis não escritas são as proibições do incesto, devido à degenerescência daí resultante, a condenação da ingratidão, porque o ingrato não pode ter verdadeiros amigos e é detestado pelo seu benfeitor. O elemento comum destes exemplos é o da sanção natural; trata-se, portanto, de uma justiça imanente, que reconcilia norma e efetividade, já que “as leis por si mesmas incluem castigos para quem as transgride”. Nisto está a superioridade das leis não escritas relativamente aos códigos legislativos: não se podem infringir impunemente; são, portanto, unanimemente tidas como respeitáveis, sempre e em toda a parte.

A justiça é, por conseguinte, obra do direito natural; esta noção deve ser tomada aqui no sentido que Aristóteles dá, mais tarde ao seu physikon dikáion, e não no sentido de Hobbes ou de Espinosa. Hípias concilia natureza e ética; a sua rejeição do nomos político é feito em nome de uma lei maior e mais ampla, mais rigorosa também. A invocação da natureza – há ainda que insistir nisto – não tem como resultado, para Hípias, permitir a ilegalidade e de alguma maneira avalizá-la; o Anónimo de Jâmblico, atribuído por Untersteiner a Hípias, insiste na exigência da igualdade. Tomemos um dos exemplos que cita: a lei da natureza, que estabelece a interdependência econômica. A justiça consiste, pois, em obedecer à lei, mas não à lei escrita da natureza; o nomos é assim superado, ao mesmo tempo que o estreito quadro da cidade que lhe dava origem. A teoria hipiana do direito natural desemboca então no cosmopolitismo, que se adapta plenamente ao enciclopedismo sofista. Hípias chamava à Ásia e à Europa “filhas do Oceano”, estabelecendo assim uma identidade entre estes dois continentes, que era costume contrapor para demonstrar a clivagem entre Bárbaros e Gregos. Por este cosmopolitismo, Hípias opõe-se antecipadamente ao que Hípias chama o “nacionalismo inumano” de Platão; anuncia a filantropia estóica e, em certo sentido, a “catolicidade” cristã. Pensa-se, com efeito, na resposta de Eudoro a Cimodoceu em Chateaubriand, quando Eudoro cobre com o seu manto um escravo encontrado à beira do caminho; Cimodoceu diz-lhe: “Pensaste, sem dúvida, que este escravo era algum deus? – Não, respondeu Eudoro, pensei que era um homem”(). [Osório diz: pqp! Que coisa linda!].

Se o cosmopolitismo é movido por esta idéia que o grupo humano deve integrar e não excluir, compreende-se que, politicamente falando, Hípias foi favorável ao regime democrático. Apesar de tudo, tal como o sistema de Atenas lhe forneceu o modelo; quer-se o reformador da democracia. Com efeito, protestou contra o seu sistema de acesso às magistraturas, que podia dar, temporariamente, o poder a incompetentes; semelhante procedimento é demagógico e absurdo: porque não fazer tocar a cítara ao tocador de flauta e a flauta ao tocador de cítara? Hípias, apesar de tudo, está aqui muito longe de Sócrates, que condenava ao mesmo tempo o sorteio e a democracia; Hípias condena a tiragem à sorte porque, devia dizer, “sou de opinião que não é nada democrática”. Os partidários do sorteio são os inimigos objetivos da democracia [Osório diz: mas como ocorriam as candidaturas? Ou todos eram candidatos naturalmente?]; “existem, com efeito, nas cidades dos homens inimigos do povo”; se uma sorte cega os escolhe, “destruirão o governo popular”. O intelectualismo de Hípias inclina-se a favor da democracia esclarecida, arrancando a Sócrates e a Platão o seu melhor argumento contra o governo do povo. Enquanto homem universal aberto a todas as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios particulares não prejudica necessariamente os conhecimentos intelectuais gerais, ou seja, a polimatia [Osório diz: isso devia arrasar Platão]; rejeita, assim antecipadamente a argumentação platônica segundo a qual os artistas, agarrados à especialidade da sua arte, não podiam julgar validamente os assuntos da Cidade, por falta de conhecimentos no domínio muito mais amplo da política. [Osório diz: Platão era um idiota mesmo! O que diria de Ronald Regan? (eu não gosto deste, mas...)]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 86-90).

 

Ensina Kerferd:

 

Há muito se reconhece que dois termos, nomos e physis, eram de grande importância no pensamento e nos argumentos da segunda metade do século V a. C. O termo physis é comumente traduzido por "natureza". Era o termo que os cientistas ionianos passaram a usar para a totalidade da realidade, ou para a sua mais permanente fonte material, ou seus constituintes materiais mais permanentes. Mas cedo começou também a ser usado para se referir à constituição ou conjunto de características de uma coisa particular, ou classe de tais coisas, especialmente uma criatura viva ou uma pessoa, como na expressão "a natureza do homem". Em todos esses casos, o termo envolvia, pelo menos por implicação, um contraste entre as características apropriadas a uma coisa como tal, que ela possuía por direito, ou por sua própria vontade, por um lado, e características adquiridas ou impostas, por outro.

Central para o sentido do termo é o conceito estático de "o jeito como as coisas são". Mas uma série de termos, em grego, visivelmente cognatos, comportavam o sentido de "crescer". Por isso, provavelmente, a palavra physis era muitas vezes percebida como tendo uma espécie de nuança, resultante da consciência de uma certa tendência naquele sentido, e é frequentemente usada para coisas que são do jeito que são porque cresceram ou se tornaram desse jeito. Apenas ocasionalmente a palavra é de fato usada para significar alguma coisa como "nascimento, gênese ou crescimento", mas esses casos são muito raros, e o léxico filosófico de Aristóteles em Metafísica Δ 4. deve, sem dúvida, ser levado em consideração quando Aristóteles, lá, sugere que há alguma coisa um pouco estranha a respeito desse sentido, como se tivéssemos de alongar a quantidade da primeira vogal, o que seria de esperar se o termo estivesse relacionado diretamente com o verbo que significa "crescer". Seja qual for a razão, o fato é que em muitos contextos, e na maioria das aplicações, o termo physis retinha uma espécie de aspecto dinâmico. Não é acidentalmente que Aristóteles pode concluir sua discussão dos vários sentidos do termo declarando (Met. Δ. 1015al3-15): "agora, do que foi dito, natureza [physis] no sentido primeiro e estrito é a substância das coisas que têm em si mesmas, como tais, uma fonte de movimento".

Nomos, tradicionalmente traduzido por "lei", ou por "convenção", ou por "costume", conforme pareça melhor se adequar ao contexto, talvez seja um termo um pouco mais sutil do que essas traduções possam sugerir. Tanto o sentido como a história da palavra têm sido muito discutidos, muitas vezes sem apontar para qualquer conclusão muito clara. Mas creio que a questão possa ser apresentada de maneira simples. O termo nomos e toda a série de termos seus cognatos, em grego, são sempre prescritivos e normativos, nunca meramente descritivos — eles dão algum tipo de direção ou ordem que afeta o comportamento e as atividades de pessoas e coisas. O termo moderno mais próximo de nomos é "norma" — o estabelecimento ou promulgação de nomoi é a instituição de normas de conduta. Portanto nomos, como lei, é norma legalmente prescrita, e nomos, como convenção, é norma prescrita por convenção; nos dois casos, o que está sendo dito ou prescrito é que alguma coisa tem de ser feita ou não ser feita, é o que deve ou não deve ser ou tem de ser aceito como fato. Portanto, a expressão nomos physeós, a norma da natureza, quando encontrada (primeiro, de fato, em Platão, Górgias 483e3, mas antecipada em Tucídides V, 105.2), significa o que a natureza urge ou exige que façamos e nunca, simplesmente, o que de fato acontece, no nível da descrição. Segue-se daí que "costume" só é nomos nos casos, reconhecidamente frequentes, em que traz, subentendida, a ideia de ser um costume aprovado, ou costume considerado, de algum modo ou até certo ponto, normativo. O verbo cognato nomizo, tradicionalmente "penso que", deveria talvez ser entendido como significando "eu aceito" ou "eu aprovo" (que seja assim etc.); nomizetai como significando "isso é aceito como certo", ao passo que nemetai significa "é atribuído como a porção certa", e Nemesis significa seja a atribuição das porções certas ou, quando necessário, a correção de uma errada atribuição de porções.

Hábitos de comportamento, normas e leis humanas variam de comunidade para comunidade, e quanto mais longe viajavam os gregos no mundo antigo mais evidente era isso. Heródoto, ele mesmo um notável viajante, parece ter se dedicado à tarefa de coletar e descrever os costumes de citas, persas, lídios, egípcios e outros. Ele não foi o primeiro a fazer isso, tendo sido precedido por Hecateu de Mileto, no começo do século V. O segundo capítulo do Dissoi Logoi, de algum tempo depois do fim do século V, usa oposições sistemáticas entre os costumes dos diferentes povos; e referências a uma obra perdida de Aristóteles testificam um contínuo interesse por Nomina Barbarika, os costumes dos bárbaros. Heráclito de Éfeso, talvez por volta de 500 a.C., depois de censurar a insensatez e a cegueira da maioria dos homens, que os levavam a viver como se tivessem, cada um, a sua própria compreensão particular, argumentava que todas as leis humanas são alimentadas por uma lei divina, e que era a esta que eles deveriam obedecer (combinando DK 22B2 com 114, conforme Marcovitch, Heraclitus Mérida, 1967, fr. 23).

Ao apelar das leis ordinárias para uma realidade superior, Heráclito estava apelando daquilo que varia e é sujeito a mudança e a impugnação, para o que era permanente, imutável e não sujeito a impugnação. Estava, de fato, procurando alguma coisa da qual derivar as leis humanas e, no processo, justificar algumas delas, enquanto rejeitava outras como não estando de acordo com a lei superior. Por implicação, estava também provendo um critério ou padrão à luz do qual as leis ordinárias pudessem ser corrigidas ou melhoradas. Historicamente foi isso que aconteceu, quer Heráclito compreendesse ou não que era isso que estava fazendo [Osório diz: dessa ideia surgiu “o mundo das ideias de Platão”! Originalidade!]. Tudo isso foi bem entendido por Aristóteles, que escreveu na Retórica (137b4-ll):

 

Há dois tipos de lei, a particular e a comum. Por leis particulares quero indicar aquelas determinadas por cada povo em relação a si mesmo; e essas, de novo, são divididas em escritas e não-escritas; por leis que são comuns refiro-me às que estão de acordo com a natureza. Pois, de fato, há uma ideia comum do que seja justo e injusto de acordo com a natureza, que todos os homens adivinham até um certo ponto, mesmo que não haja nem partilha nem acordo entre eles. É isso o que Antígona, em Sófocles, evidentemente quer dizer quando declara que é justo, embora proibido, enterrar Polínice: que é naturalmente justo.

 

Na realidade, em Antígona, a natureza não é mencionada como um critério de justiça — Antígona apela é para as nomina divinas contrastadas com as leis determinadas entre os homens; é Aristóteles que, aqui, iguala a lei comum, universal, ao que é justo por natureza.

Quem foi o primeiro a introduzir essa equiparação, não sabemos. Mas temos uma útil declaração histórica de Aristóteles no Sophistici Elenchi, 173a7-18:

 

Um topos muito difundido leva os homens a proferir paradoxos na aplicação dos padrões de natureza e lei, como Cálicles é retratado fazendo em Górgias, e que todos os antigos consideravam válido; pois, segundo eles, Natureza e Lei são opostos, e justiça é uma coisa boa de acordo com a lei, mas não de acordo com a natureza. Assim, para um homem que falou em termos da natureza você deve replicar em termos da lei, e quando ele fala em termos da lei você deve conduzir o argumento em termos da natureza; porque em ambos os casos o resultado será ele proferir paradoxos; na opinião dessas pessoas, o que estava de acordo com a natureza era a verdade, ao passo que o que estava de acordo com a lei era o que era aprovado pela maioria. É claro, portanto, que eles também, como os homens de hoje, estavam tentando refutar o interlocutor ou fazê-lo dizer paradoxos.

Aqui é possível que "todos os antigos", em contraste com "os homens de hoje", não se refira simplesmente aos sofistas, além de Cálicles, ou a alguns desses sofistas, mas vise a uma aplicação mais geral, incluindo os que eram propriamente pré-sofistas tanto quanto os membros do próprio movimento sofista. Mas a referência a paradoxos, a declaração de que justiça é boa segundo nomos mas não segundo physis, e sobretudo o conselho para recorrer ao outro desses dois termos opostos quando seu adversário argumenta baseado num deles, sugerem, com a sua clara referência à doutrina dos dois logoi, que é sobretudo todos os sofistas que Aristóteles tem em mente.

Seja quando e como tenha surgido a antítese nomos e physis, ela sempre envolveu um reconhecimento da physis como uma fonte de valores e, portanto, em si mesma, de alguma forma prescritiva. Às vezes o apelo era simplesmente à natureza das coisas, essencialmente à natureza do mundo fenomenal. Isso é o que é feito por Hípias, no Protágoras (337c6-e2), quando se dirige aos que estavam presentes na casa de Cálias com as palavras: "Eu, de minha parte, os considero todos como parentes e como da mesma classe e como concidadãos, por natureza e não pela lei; pois os iguais são aparentados aos iguais por natureza, enquanto a lei, uma tirana sobre os seres humanos, em muitas coisas nos constrange contra a natureza. Nós que conhecemos a natureza das coisas devemos, por consequência, agir de acordo com o que é esperado de nós" [Osório diz: Hípias e os Direitos Humanos]. Aqui Hípias está apelando para o que, a seu ver, é realmente o caso. Os homens são semelhantes, e tratá-los de maneira diferente, como se não fossem semelhantes, é aplicar um princípio que, realmente, não é verdadeiro. Seu ponto de partida, aqui, não é diferente do de Demócrito quando afirmava (DK 68B9 & 125) que é por nomos que há doce, amargo, quente, frio, ou cor, mas na realidade o que há são (meramente) átomos e vazio.

Mas não é fácil deduzir prescrições simplesmente do que é o caso e, realmente, alguns filósofos descartariam a tentativa toda como implicando uma falácia — a chamada falácia naturalística. Mas no mundo antigo a tentativa era mais fácil, ou poderia parecer ter sido assim, por causa do aspecto dinâmico e frequentemente quase-biológico do sentido de Natureza. E em muitas das aplicações da antítese, no período sofista, o apelo não é para a natureza em geral, mas para a natureza do homem ou natureza humana, e isso deve ter tornado o apelo ainda mais fácil, visto que a urgência de muitas das demandas que brotam de nossa própria natureza parece dar a elas uma clara força prescritiva.

Nós estamos na última parte de uma tradição que começou com os sofistas e estamos familiarizados com os principais constituintes dessa tradição. De modo que é fácil, para nós, subestimar a magnitude da façanha daqueles que foram os primeiros a colocar claramente o problema da relação entre leis e exigências da natureza humana. Por outro lado, contudo, talvez estejamos bem situados para compreender, visto que vivemos num mundo no qual frequentemente não é só a validade de algumas leis mantidas pelo Estado que está sendo questionada, mas a de todas as leis, seja por causa das restrições que impõem ao indivíduo, seja porque se interpõem no caminho de objetivos globais preferidos, políticos ou outros. Hípias tinha dito que a lei nos constrange de modo contrário à natureza em muitas coisas. Mas no tratado Sobre a verdade, de Antífon, isso passou a ser: "a maioria das coisas que são justas pelo nomos estão em estado de guerra aberta com a natureza". Como então continuou Antífon a discutir a antítese? [Osório diz: Romilly explica bem esta situação, creio]

A resposta se encontra nos fragmentos de papiro descobertos no início do século XX. Mas sua interpretação nos faz enfrentar problemas importantes, não apenas em relação ao que diz Antífon em outro lugar, mas também problemas de consistência interna. O progresso na compreensão desses problemas nem sempre tem sido linear e constante. Mas tem havido progresso. A chave para a primeira parte do primeiro fragmento (DK 87A44) está, como já argumentei em outro lugar, em reconhecer que inicialmente Antífon não está declarando a sua própria opinião mas propondo problemas que ele se dispõe investigar. Isto é, afinal, o que ele mesmo diz, como fica claro depois que se estabelece a leitura correta da coluna 2, linha 24, no primeiro fragmento do papiro: "é por todas essas razões que estamos fazendo nossa investigação". Isso significa que Antífon está nos proporcionando uma discussão da oposição entre nomos e physis, extremamente valiosa por nos dar um vislumbre da maneira como esses temas podiam ser discutidos no período sofista.

O papiro inicia, pelo menos onde começa a ser legível, com as palavras: "Justiça é, portanto, não transgredir as nomina (observâncias) da cidade na qual se vive como cidadão". Mas, como o mais recente comentador assinalou muito bem, "a declaração inicial dificilmente pode representar uma visão da justiça sustentada por Antífon, que imediatamente passa a recomendar que se ignorem as leis quando se pode escapar delas, e mais adiante tem coisas severas a dizer a respeito das leis e do processo legal então em vigor. Ele está, presumivelmente, expondo uma visão da justiça mantida pelo homem comum" (cf. Xenofonte, Mem. IV, IV 12). A conclusão de Antífon, sobre esse ponto, é claramente expressa: se alguém segue essa visão da justiça na orientação de sua vida os resultados são contrários à natureza.

O primeiro passo é, portanto, propor uma antítese: o que é exigido por lei é contrário ao que é exigido pela natureza. Aí nos é dito que as vantagens prescritas pelas leis são grilhões para a natureza, enquanto as vantagens prescritas pela natureza levam à liberdade. Isso poderia sugerir que tudo o que for prescrito pela natureza deve ser preferido ao que é prescrito pelas leis. O que poderia parecer confirmado pela declaração que vem logo no início do papiro, a saber, que o homem deveria servir-se da justiça em seu próprio interesse, se tiver que considerar as leis como importantes na presença de testemunhas, mas, não havendo testemunhas presentes, ele deveria considerar importantes as leis da natureza. Mas há alguns indícios de que, para Antífon, a questão não deveria ser considerada assim tão simplesmente. Vida e morte, diz ele, pertencem ambas à natureza, e vida resulta de coisas que são vantajosas e morte de coisas que são desvantajosas. A morte, então, é desvantajosa, ao que parece, ainda que seja instituída pela natureza. Em outras palavras, nem tudo o que vem da physis é vantajoso, e é o vantajoso que é desejável. [Osório diz: Antifonte é utilitarista?

Isso, por conseguinte, sugere que Antífon, ao atacar as normas estabelecidas pela sociedade, está operando com um novo critério, de acordo com o qual certo e errado se identificam com "benefício" e "prejuízo". Naturalmente "benefício" e "prejuízo" naturais. O que é vantajoso, ou benéfico, favorece a natureza e o que favorece a natureza é vantajoso. E a expressão "favorecer a natureza" sugere que é mais a natureza humana do que a natureza em geral que está sendo favorecida ou prejudicada, conforme o caso. É o que beneficia o homem e a sua natureza que está sendo tratado como bem, e argumenta-se que as provisões das leis e normas da sociedade não favorecem a natureza mas, ao contrário, são grilhões e cadeias impostas a ela que impedem, em vez de favorecer, a sua realização. Isso deixa aberta a questão de saber se, excepcionalmente, algumas leis podem favorecer a natureza, questão que se tornou assunto de controvérsia, visto que qualquer que seja a resposta o ponto de vista geral dominante da discussão de Antífon é que "uma moralidade obrigada pela lei e pelo costume é contrária à natureza e é a via da natureza que se deve preferir". Particularmente mordaz é o ataque à inabilidade e ineficácia dos tribunais e do sistema legal, seja para coibir o autor da injustiça, seja para proteger a vítima ou até mesmo para proteger a pessoa que está meramente atuando como testemunha. Tudo isso não é favorável, e sim prejudicial para a natureza e para via da natureza. [Osório diz: a lei favorece o seu infrator, e não quem a cumpre!].

Mas, se perguntamos o que é a via da natureza, os escritos de Antífon de que dispomos não nos dão uma resposta. Para respostas a essa questão devemos ir a outras fontes sofistas, e me volto, primeiro, para as opiniões expressas por Cálicles no Górgias 482c4-486dl, de Platão. O argumento, no diálogo, chegou ao ponto em que Sócrates consegue que Polo admita que praticar a injustiça é mais desonroso do que sofrer uma injustiça. Cálicles não está satisfeito com a maneira como se desenvolveu o argumento porque, diz ele, se ignora a distinção fundamental entre physis e nomos. Realmente interessante é que ele acusa Sócrates de usar o que vimos Aristóteles chamar de um topos muito difundido, o de mover-se, no argumento, de um para o outro sem avisar, gerando, assim, contradições desorientadoras no argumento do adversário, a fim de embaraçá-lo e refutá-lo. [Osório diz: mais uma vez Sócrates portando-se sofisticamente!]

Cálicles então passa a argumentar que, na maioria das vezes, natureza e nomos são opostos uma ao outro. Por natureza, tudo o que é pior é mais desonroso, portanto sofrer injustiça é mais desonroso do que praticá-la. Polo tinha argumentado que sofrer injustiça era pior para a pessoa, mas praticar a injustiça era mais desonroso, querendo dizer, com isso, mais desonroso segundo nomos. Mas Sócrates impropriamente tratou Polo como se estivesse admitindo que cometer injustiça era mais desonroso por natureza. Cálicles quer argumentar que não é esse, absolutamente, o caso. Leis convencionais são feitas pela maioria que são os fracos. Eles as fazem tendo em vista seus próprios interesses e, por medo de que indivíduos mais fortes que eles obtenham porção maior do que a que eles mesmos podem obter, condenam a obtenção de mais e, sendo eles mesmos inferiores, ficam felizes de decidir por partes iguais para todos sem distinção. Conseqüentemente, por esse nomos, ou norma, chama-se de injusto e desonroso procurar ter mais do que é possuído pela maioria. Mas por natureza é correto que os melhores tenham mais do que os piores, e os mais capazes mais do que os menos capazes. [Osório diz: Sofistas 0 x N Cristianismo / Isso não é o que prega e faz o capitalismo?]

Isso é algo que a própria natureza indica, segundo Cálicles, de várias maneiras, no mundo animal, nas relações entre Estados e nas comunidades onde o julgamento humano chegou a essa conclusão; e no comportamento de Hércules, mencionado numa famosa passagem de Píndaro, quando ele levou à força o gado de Gerion. Quando surge alguém realmente forte e nobre, ele se liberta da servidão da convenção. Aquele que foi nosso escravo se levanta e se torna senhor, e desponta, então, a luz da justiça natural. Dois pontos são fundamentais para a correta compreensão da posição de Cálicles. O apelo à evidência do que acontece em tais casos foi descrito por Paul Shorey como "a mais eloquente exposição da defesa do imoral na literatura europeia". Mas contra isso protesta, com razão, E. R. Dodds, no seu comentário sobre essa passagem. A posição sustentada por Cálicles não é imoral envolvia a rejeição do direito convencional em favor do direito natural como algo reivindicado como mais alto, melhor e moralmente superior. Em segundo lugar, ao apelar para o que acontece na natureza, Cálicles não é culpável de argumentar que simplesmente porque acontece desse jeito na natureza é, por isso, melhor; em outras palavras, ele não é culpável de simplesmente reduzir "deve" a "é", como resposta à questão do que é certo. A linguagem de Platão é clara e cuidadosa. A evidência a partir do que acontece é evidência de que as pessoas de pensamento lúcido passaram a julgar que o que é certo por natureza é superior às "nossas" leis — é o nomos ou a norma da natureza, porque é o que a natureza prescreve [Osório diz: interessante defesa de Cálicles. E olha que nem era um sofista!].

Depois da conclusão da exposição de Cálicles em 486d1, segue-se uma série de discussões e objeções elaboradas e importantes. A maior parte delas é destinada (por Platão, é claro) a dar a Platão a oportunidade de introduzir algumas das suas características contribuições ao debate. Mas a posição de Cálicles é clareada ou, diriam alguns, modificada em certas direções. O homem que, para Cálicles, é a pessoa superior é o mais sábio, mais corajoso e mais viril e, consequentemente, é apropriado que seja ele um governante. Mas governante apenas de outras pessoas, não de si mesmo. Esta última condição exigiria que exercesse autocontrole. Cálicles insiste em que a liberdade, que é a prescrição da natureza, envolve a ausência de qualquer restrição sobre os seus desejos — a estes se permite que sejam os maiores possíveis, e que sejam providos de todos os objetos desejados. Luxo, falta de controle e liberdade, a par dos meios de suprir todos os objetos de desejo, isso é o que constitui virtude e felicidade (aretê e eudaimonia). A prescrição da natureza é procurar o máximo de gratificação de todos os desejos.

Essa doutrina de indulgência sensual como o ideal para o homem é algo a que Cálicles dá o seu assentimento depois de um longo argumento com Sócrates. Até que ponto representa a direção real de seu pensamento, é questão duvidosa. Certamente não é essa interpretação da doutrina de Cálicles a que empolga tanto Nietzsche quando a usa, até certo ponto, como modelo para a sua própria visão do homem que está acima dos outros homens. Nem é essa uma consequência necessária da descrição anterior que o próprio Cálicles faz do comportamento do homem superior. Esta aponta mais na direção do ideal de poder e sucesso do herói homérico. O que devemos lembrar é algo que a grandeza da arte de Platão nos encoraja a esquecer. Acho que é razoável concluir que Cálicles era uma figura real, histórica. Mas dentro de um diálogo de Platão os personagens não são pessoas reais [Osório diz: há dúvidas de que Cálicles fosse uma pessoa real, pois somente é citado, e longamente, por Platão. Não há notícia dele em outras literaturas, como diz J. de Romilly!]. Em graus variados, Platão está levando em conta as opiniões e as personalidades da pessoa real que está por trás dos personagens. Mas os argumentos concretos nos diálogos, quase sem exceção, são compostos e manipulados pelo próprio Platão. Ele é o produtor, o diretor e o autor do enredo da peça toda. E isso inclui, no caso presente, ambas as partes, a de Sócrates e a de Cálicles. [Osório diz: há quem diga, Romilly, que Cálicles é o alter ego de Platão, o siracusano, acrescento eu!]

Por isso, é provável que Platão, aqui, descreva o desenvolvimento da doutrina de Cálicles na direção da gratificação máxima de todos os desejos, não tanto para desacreditar a posição de Cálicles quanto para dar-se a si mesmo uma oportunidade de dizer em que ponto ele se separa de Cálicles [Osório diz: será que ele não faz isso com toda a sofística, inclusive com o sofista Sócrates?]. Pois Platão, de fato, concorda com Cálicles no desejo de escapar da justiça convencional a fim de passar para algo mais alto. Para Platão, a Justiça Vulgar deve ser substituída pela Justiça Platônica, a justiça apropriada acima de tudo ao governante e ao filósofo. Ambos, Platão e Cálicles, aceitam que aretê deve implicar a realização das necessidades dos seres humanos individuais. Essa realização é a eudaimonia. Mas para Platão a realização envolve um padrão de controle na satisfação dos desejos, um padrão baseado na razão, ao passo que para Cálicles nem razão, nem controle têm qualquer coisa a ver com o assunto. Este é o ponto fundamental no qual a Justiça Natural de Cálicles diverge completa e totalmente da Justiça Platônica. [Osório diz: Cálicles o alter ego de Platão, o siracusano]

Talvez Platão não achasse difícil demais refutar, no Górgias, o ideal da vida de desejos gratificados sem controle; mas ele não tocou, realmente, no âmago da doutrina de Cálicles. A questão não era simplesmente que se deva afastar da justiça vulgar pelo fato de ser inadequada e incompleta, mas que ela devia ser rejeitada definitivamente em favor do egoísmo e da busca de obter o mais possível para si mesmo. Isso é, de fato, condenado pela moralidade popular, mas Cálicles tinha argumentado (483b4-cl) que essas condenações brotavam do interesse próprio dos outros, dos fracos. Cálicles está fazendo, aqui, uma clara sugestão de que isso envolve uma contradição interna — o egoísmo é condenado a fim de promover o egoísmo. O egoísmo lúcido não levaria à rejeição definitiva de tudo o que é prescrito pela justiça vulgar? Esta é uma questão que não foi respondida no Górgias e, sem dúvida, essa é uma das razões por que o debate todo foi retomado por Platão na República [Osório diz: a tese de Cálicles não foi respondida por Platão!].

A maior parte do primeiro livro da República é dedicada à exposição e crítica das opiniões do sofista Trasímaco. Disso resulta que forma uma unidade por si mesmo, o que levou alguns a supor que tivesse sido originalmente escrito, e talvez publicado, como um diálogo à parte, o Trasímaco. Mas os argumentos em defesa dessa opinião não são muito fortes, e a íntima relação do primeiro livro com o resto da República a torna de modo geral improvável. Nunca se duvidou de que a exposição inicial, por Trasímaco, representa a posição de fato sustentada por ele como pessoa histórica. Mas a ela se segue, como frequentemente acontece em Platão, primeiro, discussão e crítica, depois uma nova exposição da posição de Trasímaco. Surge aqui um problema sobre o qual há três opiniões principais. Primeiro, pode-se supor que Trasímaco esteja meramente desnorteado e confuso. Quando sua primeira posição é minada ou mesmo destruída por Sócrates, ele muda de atitude, muito impropriamente, para assumir uma nova posição. Segundo, é possível supor que Platão tenha manipulado a posição de Trasímaco de maneira a servir aos seus próprios propósitos. A segunda exposição seria, então, não-histórica — pode, em parte, representar um destaque, de Platão, daquilo que considerou a mais importante das implicações da posição anterior e, em parte, pode representar uma franca substituição por uma nova posição. Terceiro, a opinião que eu mesmo defendo, a saber, que a segunda exposição representa uma reformulação da posição adotada logo de início, sem mudança fundamental e, sobretudo, sem qualquer inconsistência entre as duas posições, exceto no nível mais trivial e superficial, principalmente, talvez, apenas porque Trasímaco não declara tudo o que pensa logo de início.

Qualquer que seja a opinião julgada correta, não pode haver dúvida de que as duas opiniões atribuídas a Trasímaco (se é que são duas e não uma só) são de grande importância e interesse históricos, e suas raízes estão profundamente implantadas no solo do movimento sofista. É na segunda posição que Platão está mais interessado, e todo o resto da República pode ser considerado sua resposta à questão que ela suscita, de modo que acho que se justifica, aqui, uma análise razoavelmente extensa.

Ao entrar pela primeira vez na discussão (338cl-2), Trasímaco diz que a Justiça é o interesse do mais forte ou do superior. Quando solicitado a explicar melhor, declara que em cada cidade é o governo constituído que é mais forte ou superior, e quer seja numa tirania, numa democracia ou numa aristocracia, em todos os casos o governo constituído faz as leis em seu próprio interesse, de modo que em todas as cidades uma única e só coisa é justa: o interesse do governo constituído (338d5-339a3). Mas Sócrates observa que os governantes estão sujeitos a se enganar quanto aos seus interesses, e se esses enganos forem expressos em leis às quais é justo para os sujeitos obedecer, seguir-se-á que será, às vezes, justo para eles procurar o oposto do interesse dos governantes. Forçado a escolher entre essas duas posições, que justiça consiste em obedecer às leis, e que justiça consiste em procurar o interesse dos governantes, Trasímaco se recusa a aceitar a primeira e assim, pelo menos por implicação, dá o seu assentimento à segunda, argumentando que verdadeiros governantes nunca cometem enganos quanto aos seus interesses, mesmo que governantes reais ocasionalmente cometam enganos no que diz respeito aos seus próprios interesses [Osório diz: Cálicles, se não fosse o próprio Platão, poderia ter argumentandado: “estou falando do governante ideal, aquele lá do mundo das ideias, onde o erro é impossível”!].

Sócrates, então, argumenta que para toda Arte há um objeto específico e que é da total natureza de uma arte buscar promover os interesses desse objeto. Daí, no caso do governo, o governante, enquanto governante, está preocupado exclusivamente com promover os interesses daqueles sobre os quais governa. A isso Trasímaco replica que Sócrates está falseando totalmente a situação. A analogia correta é a do pastor e seu rebanho. No exercício dessa arte, pode-se dizer, em certo sentido, que o pastor procura o bem do rebanho, mas é só com o fim último de promover seu próprio interesse, ou o do seu senhor. Isso leva a um longo discurso de Trasímaco, no qual ele faz a segunda e mais extensa exposição de sua posição. Ele agora afirma que justiça consiste em procurar o bem do outro — de modo que se conclui que um governante é justo se procura os interesses de seus súditos, ao passo que o súdito é justo se procura o interesse do mais forte, que é o seu governante. Injustiça, por outro lado, consiste em procurar o próprio bem, e portanto, para o governante, o interesse do mais forte, que é ele mesmo, e para os governados o interesse do mais fraco, que são eles mesmos, a saber, os governados.

Acho que essa identificação da injustiça com a procura do próprio bem, e da justiça com a procura do bem do outro, é inteiramente consistente com a afirmação anterior de que a justiça consiste em procurar o interesse do governante, desde que se aceite que a afirmação de que a justiça é procurar o interesse do governante era feita considerando-se a questão de um único ponto de vista, a saber, do ponto de vista dos governados. Ao se perguntar sobre a justiça do ponto de vista do governante, não podemos mais dizer que a justiça consiste em procurar o interesse do governante, devemos dizer que ela consiste em procurar o interesse dos governados.

Seja como for, é a última posição declarada de Trasímaco, a equiparação da justiça com a procura do interesse do outro, e da injustiça com a procura do próprio interesse, que Platão quer examinar. É também a asserção mais importante do ponto de vista histórico. Porque Trasímaco afirma duas coisas ao declarar a sua opinião nessa segunda forma. Primeiro, os governados justos são tolos em procurar o interesse do governante e o governante justo é tolo em procurar o interesse dos governados. Um homem sensato e sábio procura apenas seu próprio interesse. Em todas as circunstâncias e para todas as pessoas a justiça é tolice e insensatez. Segundo, é a injustiça que é a verdadeira virtude para o homem, visto que é buscando a injustiça que os homens conquistam aretê e, portanto, eudaimonia, pois é só por esse caminho que eles satisfazem suas necessidades.

Trasímaco, na realidade, não usa a terminologia da antítese nomos-physis [Osório diz: ver Romilly ao diferenciá-lo de Cálicles(?)]. Mas deve ser, com toda razão, colocado entre os que a empregam, visto que ao rejeitar a justiça vulgar em favor da injustiça vulgar ele está elevando a injustiça vulgar à condição do que é correto por natureza, e o que é correto por natureza é, na linguagem da antítese nomos-physis, justiça natural. Isso é reconhecido cedo no Livro II (359c3-6), onde Glauco não hesita em expressar o problema levantado por Trasímaco exatamente nos termos da oposição nomos-physis. O que temos na República é a reafirmação da posição assumida por Cálicles, no Górgias, sem a complicação da aliança com a doutrina da satisfação dos desejos. Isso foi significativo de vários pontos de vista. Em um período de grande mudança social, ela expressava a necessidade de livrar-se de tudo o que era percebido como a herança inadequada e excessivamente restritiva de normas e exigências morais tradicionais [Osório diz: mudança a qual Platão se opunha]. A revolta contra os valores do século XIX, no século XX, pode servir de analogia. Em segundo lugar, levantou a bandeira da liberdade, ao perguntar por que haveríamos de nos submeter a controles frustradores do nosso comportamento natural [Osório diz: Platão suportaria isso?].

Mas não era meramente negativo e não proclamava um programa de simplesmente cair fora e entregar-se a impulsos sem orientação e sem propósito determinado. Pleiteava uma política alternativa para a vida, a busca racional do interesse próprio. Enfim, levantava um ponto de grande interesse filosófico, que nos é familiar desde Kant, qual seja, a exigência da autonomia da vontade e a rejeição da heteronomia. Esse é o ponto retomado por Platão. Trasímaco levanta a questão: por que haveria eu de restringir a busca de meu próprio interesse por causa dos outros? — e desde então esta tem sido uma das questões fundamentais da ética. Pois a primeira resposta — porque esse é o dever prescrito aos homens — levanta outra questão: por que teria eu de cumprir um dever que me é imposto do exterior, prescrito, portanto, de maneira heteronômica? Platão, no resto da República, oferece sua própria resposta. Para muitos, ela parece menos do que satisfatória. É verdade que ele não resolveu a questão para sempre. Mas pelo menos o caminho seguido por ele era o certo e talvez o único possível de ser seguido com alguma chance de sucesso. Pois ele procede por uma análise da estrutura e do funcionamento da alma humana individual, para provar que a fonte do que é certo não é, de fato, uma prescrição heteronômica, mas é autônoma, porque é uma prescrição que brota de dentro de nossa própria natureza. Até aí Platão aceita o desafio de Trasímaco, e não tenho dúvida de que é por isso que ele colocou a exposição da opinião de Trasímaco onde ela está, isto é, logo no início da República. [Osório diz: os sofistas e a ética].

Essa, acho eu, é a real importância da doutrina de Trasímaco. Não obstante, não se deve esquecer que ela teve, também, um papel muito mais subordinado, prático e, de fato, político a desempenhar. Pois a doutrina da justeza da busca do interesse próprio poderia ser aplicada não apenas aos e pelos indivíduos, mas também às e pelas comunidades. E que ela foi assim aplicada, ficamos sabendo por Tucídides, que estava claramente muito consciente de sua importância e resolveu desenvolver o tema, um tanto extensamente, na sua História. [Osório diz: Tucídides e os sofistas]

Primeiro, o debate Mitileneu (III, 38-48). Mitileno, um aliado não sujeito aos atenienses, na ilha de Lesbos, revoltou-se no quarto ano da Guerra do Peloponeso, em 428 a.C. Tão ofendidos ficaram os atenienses que, depois de esmagar a revolta, decidiram que toda a população adulta masculina seria condenada à morte; mas no dia seguinte a essa decisão houve um novo debate sobre isso na Assembleia, em Atenas. Cleon argumenta em favor de manter a decisão original, afirmando que a decisão tomada satisfaz as reivindicações tanto da justiça como do interesse próprio. A primeira, porque a gravidade do crime torna apropriado o castigo; a segunda, porque esse castigo repressivo é necessário para salvaguardar os interesses da dominação ateniense. Mas ele parece admitir que poderia haver possibilidade de debate com fundamento na justiça: por exemplo, se a própria dominação ateniense fosse errada. Aí ele continua dizendo (40.4): "mas se vocês se propõem a manter o poder ainda assim, a despeito de sua impropriedade, então quero que percebam que devem, em defesa do próprio interesse, puni-los, embora seja isso contrário ao que é correto, ou desistir do seu império e cultivar a honestidade sem perigo". A despeito do fato de essa fala se seguir a algumas observações suas, um tanto quanto rudes, sobre os sofistas, Cleon está obviamente sustentando que as reivindicações da conveniência ou interesse próprio devem se sobrepor às da moral convencional. Tão convincente é essa abordagem que Diodoto, na sua réplica, argumenta na base do interesse próprio dos atenienses (III, 44.1) e é baseado nisso que chega à conclusão oposta de Cleon. Semelhante abordagem é frequentemente chamada de não-moral ou até imoral [Osório diz: Cleon seria um precursor de Maquiavel?]. E, como tal, inevitavelmente parece a quem esposa a crença em normas tradicionais. Contudo, a maneira como ela é exposta mostra que, para os que a estavam expondo, essa opinião era moral, representando uma moralidade diferente, a da natureza, em contraste com a justiça vulgar da moralidade tradicional.

A segunda ocasião é ligada à ilha de Melos, que tinha se recusado ajuntar-se à confederação ateniense, como as outras ilhas e, em 416 a.C, foi atacada pelo exército ateniense, sitiada e obrigada a se render. Todos os adultos do sexo masculino foram condenados à morte. Mediante o que foi chamado de artifício curioso, Tucídides imaginou um colóquio entre os enviados atenienses e o governo mélio, o famoso Diálogo Mélio (V, 85-111). Os atenienses começam (89) dizendo que não querem tratar com belas palavras a respeito de pretensos direitos e injustiças entre os dois lados, pois os mélios sabem, tão bem quanto os atenienses, que o direito só entra em questão nos casos em que há igualdade de poder, mas os fortes fazem o que têm o poder de fazer e isso é aceito pelos fracos. Os mélios aceitam que os atenienses estejam apelando para o padrão do interesse e não para o da justiça (convencional), e o debate passa (90) para a questão de saber se é realmente do interesse dos atenienses negar justiça convencional aos que estão em perigo. Não é muito fácil para os mélios argumentar assim de maneira convincente até chegar à conclusão de que os atenienses podem ser privados da proteção divina, caso abandonem a justiça (convencional). A isso os atenienses replicam (105.2) que o que acreditam a respeito dos deuses e o que sabem a respeito dos homens os leva a concluir que é uma lei geral e necessária da natureza dominar nos casos em que se tem poder. "Este não é um nomos feito por nós, nem fomos nós os primeiros a usá-lo quando foi feito. Estamos meramente agindo de acordo com ele depois de encontrá-lo já existindo, e o deixaremos existir para sempre no futuro. Sabemos que vocês ou qualquer outro, com o mesmo poder, agiriam da mesma maneira."

Todas as teorias resumidas até aqui têm, de uma forma ou de outra, sido críticas dos nomoi tradicionais, e têm dado preferência à physis. Mas essa não é, de forma alguma, a história toda. Já na Antiguidade vieram a ser formuladas três maneiras bem distintas de interpretar o curso global da história, da cultura e da civilização humanas. Embora claramente distinguíveis, essas opiniões eram, contudo, apresentadas em muitas formas diferentes, por diferentes autores, em épocas diferentes. As suas primeiras manifestações nos levam de volta ao período dos mitos. A primeira delas veio a ser conhecida como a Teoria do Declínio, mais familiarmente mencionada como o mito de uma Idade de Ouro à qual se segue crescente degeneração. Essa concepção se encontra de forma bastante desenvolvida no mito das cinco Raças que se sucedem no tempo, em Os trabalhos e os dias, de Hesíodo. A segunda é a Teoria Cíclica da História ou o Mito do Eterno Retorno, da qual Hesíodo talvez tivesse também conhecimento. Era provavelmente de origem oriental, baseada na astrologia babilônica e na doutrina do Grande Ano, concretizada em várias cosmologias pré-socráticas. A terceira opinião era a Teoria do Progresso, segundo a qual houve e continuará a haver um progresso geral da condição humana, mesmo que sujeito a interrupções.

As teorias sofistas sobre a natureza da sociedade devem ser discutidas mais adiante. Mas um aspecto da Teoria do Progresso é diretamente relevante para a controvérsia nomos-physis. Pois segundo essa opinião o homem começou em um estado de natureza e depois passou para um estado de crescente civilização. Essa progressão é expressa de maneira especial no famoso Mito posto na boca de Protágoras, no Protágoras (320c8-322d5) de Platão. Com toda probabilidade, ela é, até certo ponto, baseada em doutrinas do Protágoras histórico, publicadas em obras tais como o seu tratado Sobre o estado original do homem. Quando os primeiros homens vieram à luz do dia, estavam suficientemente equipados com qualidades inatas que os capacitavam a se abrigar, alimentar-se e vestir-se. Mas viviam separados uns dos outros e, por causa de sua inferioridade física, eram perigosamente vulneráveis aos ataques das feras. Para autoproteção, tentaram se unir formando grupos. Mas, quando juntos, passaram a agir injustamente uns em relação aos outros — os grupos se desintegraram e eles continuaram a ser destruídos. Então Zeus enviou as duas virtudes morais, aidós e dikê — respeito mútuo e equidade ou justiça —, para serem distribuídas de modo que todos tivessem o seu quinhão.

Isso significa que a natureza, por si só, era considerada, por Protágoras, insuficiente [Osório diz: onde Hobbes bebeu aí nessa fonte?] — é condição necessária, para a manutenção de comunidades efetivas, que fossem acrescentadas, ao equipamento inato do homem, as indispensáveis virtudes políticas. E na explicação e interpretação adicional que se segue ao mito, fica claro que a justiça de que Protágoras está falando consiste nos nomina da comunidade. Em outras palavras, Protágoras produziu uma defesa fundamental de nomos em relação a physis, dizendo que nomos é condição necessária para a manutenção das sociedades humanas. Que tipo exatamente de nomos Protágoras está contemplando será discutido mais abaixo.[Osório diz: até aqui, isso põe por terra tudo que se diz contra os sofistas ou … que eles eram contra tudo ou ... eles queriam (leis), o que para Platão não interessava, até por que tudo era cópia imperfeita e a perfeição (ideias) estava na cabeça dos “filósofos”, grupo ao qual não pertenciam os sofistas, segundo Platão].

Uma defesa mais explícita e consciente das reivindicações do nomos contra a physis se encontra no chamado Anônimo Jâmblico, que provê um manual de conselhos sobre como ter sucesso na vida [Osório diz: antes de Cristo já se pregava como ter sucesso na vida?!]. Primeiro, é necessário ter nascido, mas isso não é suficiente. As qualidades naturais possuídas desde o nascimento precisam ser suplementadas e desenvolvidas por um desejo das coisas que são boas e nobres (logo, não inatas em nós), com muito esforço, prática e instrução por um longo período de tempo; a falta de qualquer uma dessas condições impedirá a realização do objetivo final. Em outras palavras, poderíamos dizer que a natureza precisa ser desenvolvida pela educação para que o homem alcance aretê, uma doutrina já encontrada em Protágoras (DK 80B3), para quem a vida humana toda era um processo de educação ética e social [Osório diz: o ensino da virtude]. O Anônimo dá ênfase à necessidade de um programa de educação e formação desenvolvido por longo tempo, incluindo também formação na arte de falar fluentemente (Euglossia, cf. 88A17) [Osório diz: isso é fundamental na democracia], que é considerada parte do longo processo. Em contraste, uma certa technê relativa a logoi pode ser adquirida rapidamente, frase que sugere referência direta à arte dos dois logoi opostos. Embora se diga que é aprendida rapidamente, não se diz, segundo alguns intérpretes, que deva ser excluída totalmente do processo de educação. É provável que o que se está declarando seja simplesmente que a educação envolve muito mais do que só a técnica formal da antilógica. [Osório diz: o que Platão nega (ensino da virtude?) p. 223]

Os talentos assim adquiridos e desenvolvidos devem ser usados apenas para finalidades boas, e isso se realizará se o homem der o seu apoio às leis e ao que é justo. Disso é razoável inferir que a finalidade, para o homem, tem uma base social e jurídica (cf. Adolfo Levi), mas certamente não significa o que foi defendido por Richard Roller, a saber, que o tratado todo é destinado a exaltar a posição do Estado. Pois o Anônimo continua dizendo que a razão pela qual se deve subordinar o interesse próprio ao respeito pelas leis é porque os homens não podem viver sozinhos e são obrigados a se associar a fim de sobreviver e prosperar, e a vida comunitária é impossível sem submissão às leis. Mesmo se, o que é impossível, houvesse um homem que não precisasse da ajuda e do apoio da sociedade, a submissão à lei ainda seria necessária para a sua sobrevivência, visto que todos os outros homens seriam seus inimigos, e com a ajuda de suas próprias leis e em virtude de serem numerosos seriam fortes demais para ele. Na realidade, a força das leis é, ela mesma, algo que está baseado na natureza. Isso provê, pelo menos indiretamente, uma refutação do princípio proclamado por Cálicles. Na verdade, não é o homem que despreza a justiça vulgar que será forte, inteligente e bem-sucedido; ao contrário, é o homem que exerce controle sobre si mesmo, e coopera com a sociedade na qual vive, quem melhor alcançará aquelas qualidades.

O tratado termina elogiando as comunidades nas quais a lei é observada — elas estão numa condição de eunomia, em contraste com os Estados que se desviaram das leis e da justiça e nos quais prevalece a anomia com as consequências que acarreta, das quais a pior é a anarquia que leva à tirania de um único governante. Sob a eunomia, os que têm boa sorte podem gozá-la com segurança, sem medo de assaltos, enquanto os que são carentes recebem ajuda daqueles que gozam de boa sorte, por causa da sua associação em comum e da confiança que resulta da eunomia.

Um conjunto semelhante de ideias se encontra em certos capítulos do discurso n. XXV atribuído a Demóstenes. Embora seja possivelmente errado tentar identificar esses trechos com um extrato de um tratado à parte, o fato é que eles preservam argumentos do mesmo tipo de fonte que a do Anônimo Jâmblico. É dito, por exemplo, que a vida toda dos seres humanos, nas cidades grandes e pequenas, é governada pela natureza e pelas leis. Mas a natureza é uma coisa carente de ordem, e varia com o indivíduo, ao passo que as leis são universais, constituem um todo ordenado, e são as mesmas para todos. A natureza, quando má, frequentemente busca maus fins, e os homens, nesses casos, se verão fazendo coisas erradas. Mas as leis buscam o que é justo, nobre e vantajoso (par. 15-16). Elas garantem um bom governo e a segurança da cidade — se forem abolidas, e a cada homem for dado o poder de fazer o que quiser, então não só a sociedade constituída será abolida, mas nossas vidas não seriam em nada diferentes das dos animais selvagens (par. 20) [Osório diz: onde Hobbes bebeu? Nesses fontes?]. Quatro motivos são selecionados, entre vários outros, para justificar por que todos deveriam obedecer à lei — ela é uma descoberta e dom dos deuses; ela é algo decidido por homens de sabedoria; ela é uma correção das ações injustas, voluntária ou involuntariamente cometidas; e é um acordo comum para a cidade como um todo, segundo o qual convém a todos, na cidade, conduzir suas vidas (par. 16). [Osório diz: Platão aceita somente alguns desses motivos...].

Esses motivos foram criticados por darem uma série de três relatos mutuamente exclusivos da origem dos nomoi: devida à origem divina, a legislações humanas e a um contrato social. Mas a crítica está mal colocada; não há três motivos, mas quatro, e são selecionados dentre muitos outros; não são teorias da origem da lei, mas razões para a aceitação das leis numa cidade; e são cumulativos, não mutuamente exclusivos. Dois deles foram, de fato, combinados por Aristóteles, na sua referência ao sofista Licofron (DK 83A3), quando diz que Nomos, para alguns, se torna um acordo e uma garantia das coisas que são justas entre os cidadãos, mas não é alguma coisa capaz de tornar os cidadãos bons e justos. As palavras usadas por Aristóteles não justificam a atribuição da teoria de um contrato social a Licofron, a despeito das afirmações frequentemente feitas nesse sentido. Entretanto, a doutrina das leis como acordos, se encontra, de fato, mencionada por Glauco, na República de Platão, Livro II (359a3), de maneira a sugerir que já seria então bem conhecida (ver mais adiante, p. 250 ss.).

O apelo do nomos para a physis tinha, num dos seus aspectos, a intenção de ser destrutivo do Nomos no sentido de normas de comportamento tradicionalmente aceitas. Mas, provavelmente, nunca (ou pelos menos dificilmente) sua intenção era ser meramente destrutivo. Seu objetivo real era substituir um conjunto de normas que já não eram mais totalmente aceitáveis por outras mais satisfatórias. Sem dúvida, a verdadeira razão pela qual as normas tradicionais passaram a ser atacadas foi o processo de mudança social e política que estava em pleno andamento, em Atenas, na última parte do século V a.C [Osório diz: mudança essa contra a qual lutava Platão]. Mas o ataque mesmo era em parte intelectual, e o ataque intelectual tinha como seu ponto de partida o argumento de que as normas tradicionais, se aceitassem exame crítico, envolviam inconsistências e contradições internas. O que estava sendo reclamado era a sua substituição, onde necessária, mas somente onde necessária, e substituição por alguma coisa que fosse intelectualmente satisfatória; em outras palavras, por alguma coisa que fosse racional e internamente consistente, e levasse também em conta a verdadeira natureza dos seres humanos. Uma vez exposto o assunto dessa maneira, deveria começar a ficar claro o quanto há em comum entre Sócrates e Platão e os outros principais sofistas. Primeiro, todos eles estão se perguntando como devem viver os homens. Segundo, eles concordam em esperar que a resposta seja expressa em termos de aretai, ou virtudes tais como virilidade (andreia, tradicionalmente traduzido como "coragem"), sabedoria e assim por diante. Mas nenhum deles está completamente satisfeito com as descrições ordinárias ou correntes dessas virtudes, e estão unidos no desejo de ir além dessas descrições, em busca de uma descrição mais adequada. Nem Sócrates, nem Platão, estão preocupados simplesmente com a preservação das crenças ordinárias. Em terceiro lugar, eles pressupõem que a soma das virtudes constituirá a virtude (no singular) ou aretê, entendida como significando cumprimento de uma função e, no caso do ser humano, cumprimento da função do homem, sendo essa função considerada algo enraizado na sua natureza. Isso significa que virtude e as virtudes são sempre benéficas para a pessoa que as pratica. Entretanto, as definições ordinárias ou correntes das virtudes sugerem que o seu exercício nem sempre produz benefício para o praticante. A necessidade de resolver esse problema aumentava, para Platão, a urgência de ir além das definições ordinárias das virtudes.

Anteriormente, neste capítulo, argumentou-se que Protágoras não era um dos que consideravam a natureza um princípio suficiente para a manutenção de comunidades políticas ordenadas. Ele supunha que nomos era essencial, acrescentado à natureza. Significaria isso que, diferentemente de Platão, de Sócrates e da maioria dos sofistas, ele não via necessidade de criticar ou ir além das leis e normas de qualquer determinada comunidade? É isso, exatamente, que tem sido sugerido frequentemente, mas acho que é um engano de interpretação da posição atribuída a Protágoras.

A interpretação que julgo estar errada é a seguinte. No mito e no logos que se segue a ele, no Protágoras, o sofista sustentava que a aretê política não é algo que é dado aos homens pela natureza; é algo que é aprendido como resultado de um processo contínuo de instrução no seio de cada comunidade. Esse é um processo ao qual todos, na comunidade, estão inescapavelmente sujeitos. Entretanto, no seio da comunidade há alguns homens, como o próprio Protágoras, que têm uma habilidade especial e superior para ensinar a bondade e, em consequência, seus alunos fazem progresso excepcional (327el-32855). Ora, tem-se afirmado que Protágoras está simplesmente identificando bondade com as tradições de um Estado civilizado existente — não há padrão moral mais absoluto do que o padrão de respeitabilidade corrente em uma dada sociedade. O que Protágoras, nessa opinião, está reivindicando é simplesmente uma excepcional habilidade para discernir e ensinar as tradições autênticas de qualquer determinada comunidade. Isso parecia combinar bem com a doutrina atribuída a Protágoras, no Teeteto, segundo a qual as práticas julgadas justas e louváveis em cada cidade assim são para essa cidade enquanto as mantém. Mas, a meu ver, essa não é uma interpretação correta. Porque essa doutrina tem um corolário: embora o que quer que pareça justo para qualquer cidade assim é, as práticas que são prejudiciais são substituídas, pelo homem sábio (o sofista), por outras que são benéficas (Teeteto 167c4-7), e estas devem ser realmente, objetivamente, benéficas e não apenas parecer que o sejam. Como já foi visto, a doutrina do homem-medida não se aplica a termos tais como "bom", "saudável" ou "vantajoso". Portanto Protágoras nem aceita os padrões de respeitabilidade de qualquer determinada sociedade como um padrão moral absoluto... nem simplesmente transmite uma miscelânea de tradições sem qualquer base teórica. Ele, como Sócrates e Platão, está empenhado em passar da justiça vulgar, quando esta se mostra inadequada, para algo superior e mais benéfico.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 189-221).

 

65

Você está aqui: Home | Sofistas da Atenas de Péricles | Visão geral