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82.5 – Lei e aristocracia.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

82.5 – Lei e aristocracia.

 

Gilbert Romeyer-Dherbey leciona:

 

Antífon opunha a fraqueza da lei à força da natureza. Crítias, que, como já vimos, exalta o esforço da formação voluntária em detrimento da espontaneidade natural, opõe a fragilidade da lei, que se pode tomar em todos os sentidos pela retórica, ao caráter que, quando presente em alguém, é inabalável. Um fragmento do Pirithoüs afirma-o claramente:

 

Um caráter nobre é mais sólido do que a lei;

A este, com efeito, nenhum orador o poderá jamais alterar,

Enquanto que a ela, a pode maltratar muitas vezes,

Subvertendo-a dos pés à cabeça pelos discursos”. [Osório diz: a interpretação da lei].

 

Importa ver que o nomos, de que aqui se trata, significa a lei democrática, a resultante dos debates da Assembleia e que é votada pelo povo. O presente fragmento possui, assim, uma dimensão política e um alcance polêmico; pense-se nos ataques de Sócrates – cujo ensino Crítias seguia – contra o governo pela fava: as incertezas da lei traduzem a falta de caráter da massa flexível em todos os sentidos.

O caráter (tropos), se não pode pertencer à multidão, é porque é próprio de um indivíduo, homem superior que está acima das leis e que, portanto, não recebe a lei senão de si próprio. A. Battegazzore chega a dizer que, “na boca de Crítias, estes versos representam o prenúncio claro do golpe de estado de 403”. Quererá dizer que Crítias julga que a humanidade regressará ao que se virá a chamar o estado da natureza? – Não: a lei é necessária à sociedade, mas esta lei é a lei imposta pelo aristocrata, cujo caráter inflexível lhe garante a estabilidade. [Osório diz: o sobrinho dele, Platão, pensa assim também].

Deve sublinhar-se, finalmente, uma dimensão anti-sofística deste fragmento de Pirithoüs; Crítias contesta, implicitamente, a idéia, tão ao gosto de Górgias, da onipotência da palavra; o seu feitiço encantatório não pode nada contra um verdadeiro caráter, isto é, nada contra o querer esclarecido do homem nobre; a marca da excelência do tropos está mesmo em saber resistir-lhe. A quinquilharia da retórica só é boa para o povo.

A crítica da lei continua na famosa passagem do Sísifo, onde Crítias analisa a astúcia da religião que inventa deuses para conseguir de cada homem a sua auto-repressão. Este fragmento surpreendente parece uma resposta à análise antifoniana do respectivo valor da natureza e da lei. Antífon proclamava sem rodeios a superioridade da natureza, cujos imperativos são necessários, em relação à lei, cujas normas são convencionais, Crítias demonstra sutilmente que, por esta razão, a vida social não seria possível, porque a lei não pode vigiar continuamente o cidadão, e os maus então “agem às escondidas”. Ora, é preciso domar a hygbris humana. Crítias descobre então que a lei é mais forte do que pensava Antífon e que ela pode domar a natureza; um dia, com efeito,

 

Um homem avisado e sábio de pensamento

Inventou para os mortais o temor dos deuses”.

 

(Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 112-114)

 

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