visão geral

Você está aqui: Home | Sofistas da Atenas de Péricles | Visão geral

81.1 – Leis – escritas ou não-escritas – origem.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

81.1 – Leis – escritas ou não-escritas – origem.

 

Afirma Guthrie:

 

O sentido de physis emerge de um estudo dos pré-socráticos. Pode-se traduzir seguramente por “natureza”, … pressupõe um sujeito agente – que crê, pratica ou divide – uma mente de que emana o nomos. …

 

Aparece também nas "leis não-escritas" da Antígona de Sófocles, que são divinas e perpétuas e que nenhum mortal pode desafiar com sucesso, como Crêon aprende muito tarde (v. 1113; sobre "leis não-escritas" veja pp. 112ss abaixo). Mas quando se alui [Osório diz: “tirar a solidez à base de”] a crença nos deuses, e não há mais "moeda corrente" (nomisma),5 não mais existe esta autoridade universal para o nomos. Então a frase "lei não-escrita" toma significado novo e mais sinistro, apropriado ao realismo da idade.

[Osório diz: Leis não-escritas: (a) inicialmente, eram as “leis não-escritas” emanadas dos deuses e, assim, tal qual estes, divinas e perpétuas, logo não poderiam ser desafiadas com sucesso por nenhum mortal. Aqueles que a desafiavam sofriam castigos. (b) depois mantêm-se a denominação (leis não-escritas) mas muda-se a fonte da qual elas originavam. Abandona-se os deuses como autores das ditas leis].

Eurípedes outro porta-voz do novo pensamento...

 

A lei”, escreveu Aristóteles …“não tem nenhum poder para compelir à obediência a não ser a força do costume”. [Osório diz: o autor certamente, fala da eficácia pela obediência espontânea. Depois se evoluirá para a obediência pela imposição pela autoridade constituída, imposição estatal].

Na sociedade primitiva (…) o próprio costume tem força vinculante [Osório diz: sim, mas a penalidade a ser aplicada ao descumpridor da lei é apenas moral. Não há condenação a prisão ou a pagamento de multa, por exemplo]. Só se torna necessária codificação em fase bastante avançada de civilização [Osório diz: quando o grupo se expande, os costumes aumentam e a escrita se faz presente e a necessidade de dar conhecimento é premente].

A distinção entre o que é legalmente obrigatório e o que é moralmente certo era de muito menor precisão entre os gregos do que entre nós” [Osório diz: havia confusão ente o legal e o moral, mas a condenação moral, como até o presente, não preocupa muito, ou em nada, os violadores, pois a reprimenda é apenas o olhar enviesado do vizinho, que pode mudar de idéia com um convite para um belo jantar regado a suaves bebidas].

 

Lei escrita e lei não-escrita.

 

A crítica da lei, e da concepção legal de justiça e direito, em favor da assim chamada "natureza" ou “liberdade”, quase sempre tem dois lados. Pode ser egoísta e brutal, como a vimos em sua forma caliclesiana, ou, de outro lado, pode ser inteiramente bem intencionada, pois nas palavras de uma autoridade moderna que se descreva como um "anarquista moralizante" (não má descrição de Antífon?):

Não podemos sustentar a complacente crença positiva de que só a lei do Estado é lei propriamente dita... Sabemos que a lei pode ser usada como instrumento de política... Ouvimos falar e podemos ter encontrado as vítimas de leis que são opressivas, brutais e degradantes. Cremos que... os Direitos Humanos podem estar acima da lei positiva [A. H. Campbell, “Obligation and obedience to law”, em Proc. Brit. Acad. de 1965. A maioria das questões que ele propõe aparece no debate ético do séc. V e seria interessante tê-las em mente enquanto o pesquisamos. Estabelece como seu tema principal a questão: Existe obrigação moral de obedecer a toda norma da lei, precisamente porque ela é lei? Entre as perguntas que lê faz estão estas:

1. Pode existir segurança sem moralidade comum? (Ele argumenta contra a resposta negativa de Devlin, que foi também a de Protágoras, p. 77 acima).

2. Se assim é, significa isso que a existência de opinão comum, que é o que os que advogam parecem significar por “moralidade” (é um lado do que os gregos significavam por nomos), justifica sua sanção social?

3. Pode-se descobrir um estoque comum de idéias de certo e errado, e, se se puder terá os mesmos limites da jurisdição de um sistema legal? (Em termos gregos, nomimom igual a dikaion?).

E ele estabelece que:

1. Desaprovação de minha conduta por outros não prova que estou errado, e menos ainda que mereço punição criminal. (p. 111)

2.”Moralidade” (= opinião pública, isto é, nomos) pode ser diferente em diversos lugares e tempos. Ele cita como exemplos os valores morais dos Planaltos do Oeste em comparação com os de Londres, a assim chamada “nova moralidade” do sexo, corrente da década de 60. (Cf. p. 21 com n. 4 acima).

3. A lei pode proibir o que eu penso ser benéfico, e também permitir ou mandar o que eu penso ser errado.

A conferencia de Campbell foi inspirada por Devlin em “The enforcement of morals”, originalmente em Proc. Brit. Acad. de 1959. No mesmo ano em que se publicou, porém, Devlin republicou o seu próprio com seis outros, levando em conta as críticas que levantara e que enumera na bibliografia (The enforcement of morals, 1965).]. [Osório diz: Muito bom!] [Osório diz: as leis de Hitler e Stalin eram o lei?]

(…)

 

De modo semelhante, diz-se de Antístenes, aluno de Górgias (p. 282, n. 88, abaixo), que se tornou devotado seguidor de Sócrates, que sustentou que "o sábio em sua atividade como cidadão será guiado não pelas leis estabelecidas, mas pela lei da arete". [Osório diz: seguidor de Sócrates... muito bem! Mas com quem ele aprendeu isso?].

Esta defesa altruística de physis contra nomos pode ter várias aplicações. Pode dar e de fato deu nascimento a idéias de igualdade, de cosmopolitismo e de unidade do gênero humano. Havia agora pessoas (das quais um era Antífon, v. 143 abaixo) disposta a declarar que distinções baseadas em raça, nascimento nobre, status social ou riqueza, e instituições como escravidão, não tinham nenhuma base na natureza, mas existiam somente por nomos. Estas eram idéias revolucionárias de incalculável potência, e merecem ser tratadas independentemente. [Osório diz: ideias que eram diametralmente opostas às defendidas por Platão, não é senhor autor?]

O que vemos neste período é o nascimento do conceito de lei natural como mais tarde foi entendida por pensadores desde os Estóicos a Rousseau [a formulação historicamente importante e influente do conceito aparece pela primeira vez em tempos pós-aristotélicos, sobretudo na Stoá, mas pode-se considerar primeiro a época dos sofistas, porque foi então que pela primeira vez se propuseram questões de forma aguda e urgente que dizem respeito à lei natural e preparam o caminho para sua formulação (Cf. Salomon, Savigny-Stif. 1911, 129ss).].

O primeiro uso do termo atual (pelo Cálicles de Platão, p. 100 acima) talvez tenha sido infeliz, e uma associação verbal de "leis não-escritas" com physis só ocorre, entre fontes sobreviventes, em autores do séc. IV. [Osório diz: Platão comete uma infelicidade! Que estranho!].

Falando da propriedade de punir crime deliberado, mas não erro involuntário, Demóstenes diz (De cor. 275): “Isso não só será encontrado nas leis [positivas], mas a própria natureza o decretou nas leis não-escritas e nos corações dos homens”. Aristóteles primeiro equipara leis não-escritas com leis universais, e depois chama as leis “de acordo com a natureza” (Rhet. 1368b7, 1373b6, 11375a32). Mas os defensores do séc. V das leis não-escritas estavam eles ao mesmo tempo do lado da physis contra os limites e erros dos nomoi positivos.[Osório diz: Esta a razão da briga deles! É que a Lei, que inicialmente igualou os homens, depois, com a retomada da sua prerrogativa em fazê-las pelos algozes, passou a escravizá-los].

Hípias (…) no Protágoras de Platão, ele louva a physis como destruidora das barreiras que o nomos erigiu entre o homem... e Xenofonte... apresenta-o questionando a equiparação de justiça com observar a lei, com base em que as leis não passam de acordos temporários que não se podem levar a sério, porque são amiúde rejeitadas e emendadas pelos mesmos homens que as fizeram. Sócrates, tendo respondido a seu argumento, continua perguntando se ele conhece também as leis não-escritas. Ele conhece, e as designa (como Aristóteles depois dele) como as que são observadas em todo país. Uma vez que todos os que as observam não podem eventualmente ter-se encontrado, e não falavam a mesma língua se se encontraram, elas devem ter sido feitas pelos deuses [Osório diz: Não! Pelos homens em suas iguais necessidades] e honrar os pais. Quanto a evitar o incesto e ao dever de retribuir ao beneficio ele está em dúvidas, uma vez que estas leis não são observadas universalmente [Vale lembrar que Hípias pode ter crido na unidade do gênero humano (pp. 151s a). O incesto era repugnante aos gregos, e sua prática entre povos não-gregos era considerada prova de sua raça barbaridade. Hermião tem intenção de fazer insulto cruel ao lembrar a Andrômaca sua raça, uma acima) em cujo seio pais e filhos, irmão e irmã têm relações sexuais, "e nenhuma lei o proíbe" (Eur. Andr. 173- 6). Sócrates fala como se só se tratasse de transgressões ocasionais de uma lei por indivíduos, mas Hípias sabia que havia sociedades inteiras em que não existia esta lei. [Osório diz: Bingo! Sócrates erra!!!!!!!]. ], mas Sócrates argumenta que dizer que uma lei às vezes é transgredida não é nenhuma desaprovação de sua validade, e sugere novo critério: a transgressão de leis feitas por homens pode escapar de punição, mas das leis divinas nunca [Osório diz: Platão palhaço! Cria-se o círculo: a lei é divina mas não protege a si mesma. Chega sempre atrasada! O agressor tem os mesmos direitos da vítima. Se for violada sem testemunhos, já era! Se o advogado for esperto, idem!]. As duas em questão passam por este teste (afirma ele) porque o incesto é disgênico e a ingratidão leva à perda dos amigos. É manifesto que estes argumentos aplicar-se-iam igualmente a um mundo governado, não pelos deuses, mas por uma natureza impessoal, e, com efeito, Antífon fez a mesma observação sobre a punição, que para uma transgressão de decretos da natureza é inevitável, mas não para o ordinário transgressor da lei.

Antígona, 450ss [Levi também segue Dümmler (M. 255) e Bignone (Studi, 132, n. 1) na curiosa idéia de que Xenofonte pôs muito da doutrina de Hípias nos lábios de Sócrates. O capítulo de Dümmler é em partes edifício bastante fantástico de hipóteses construídas sobre hipóteses (Ad. Levi, Sophia, 1942, 450, n. 13).].

Não é fácil para nós, com diferente tradição teológica [Osório diz: que podíamos transcender, pelo menos tentar], entender o lugar no pensamento grego dos poderes divinos, que podiam ter nomes e caracteres pessoais e poderiam igualmente ser o que classificaríamos como abstrações: Necessidade, Persuasão, Justiça. Para muitas de suas mentes mais reflexivas era indiferente se alguma força beneficente se atribuía a uma divindade ou simplesmente a processos naturais. Já vimos como o mesmo relato de progresso humano se referia indiferentemente à atividade de Prometeu ou da necessidade, da experiência e do tempo.

Hípias não veria, portanto, nenhuma consistência em contrapor leis positivas e leis divinas, e em dizer, em outra ocasião, que “a lei é um tirano que com freqüência faz violência à natureza” (Platão, Prot. 337d) [Para um bom exemplo de equiparação de leis naturais com divinas v. Hipócr. De victu II (VI, 486 L.): Os homens promulgaram nomos para si mesmos, mas a physis de todas as coisas foi ordenada pelos deuses. O que os homens promulgaram, certo ou errado, nunca é constante, mas o que os deuses promulgaram é certo para sempre. (Sobre a data do De victu v. Kahn, Anaximander, 189, n. 2). Isto com certeza não se restringe ao mundo antigo. Locke em seu segundo tratado, § 135, diz que a legislação "deve conformar-se com a lei da natureza, isto é, com a vontade de Deus de que aquela é uma declaração". [Osório diz: talvez os deuses da época não fossem tão tolerantes] ]. [Osório diz: as leis sempre são perfeitas? Inclusive as que condenaram Sócrates?].

Nos poetas trágicos, como é apropriado, as leis não-escritas soa inequivocamente de origem divina, as “ordenações não-escritas dos deuses” em cujo nome Antígona desafia o poder do rei Crêon. [Osório diz: e se dana!].

Em Sófocles de novo, um coro de Oedipus Tyrannus (863ss) fala de santidade em palavras e atos "porque as leis são decididas no alto, levadas à vida no ar claro dos céus, cujo pai é somente Olimpo, pois nenhum homem mortal 144 as concebeu... [Osório diz: isto é crença, não razão!].

Metaforicamente, pode-se dizer que estas leis não-escritas foram "escritas pelos deuses, como quando Íon no drama de Eurípedes censura Apolo por seu pecado contra uma mulher mortal (440ss): como pode ser certo para os deuses, que escreveram as leis para os mortais, desobedecerem eles mesmos a elas? Em Ésquilo, o respeito pelos pais (citado como uma das leis não-escritas na conversa entre Sócrates e Hípias) [Osório diz: Mas, para que um pai seja honrado pelos filhos ele também não deve honrá-los? Penso que é o mesmo princípio! E mais, é a velha máxima: a lei é feita para os outros!].

Honra [sobre que George Thomson acertadamente comenta que "escritas nos estatutos da Justiça" é apenas outra maneira de dizer que elas são não-descritas nos estatutos de legisladores mortais (Oresteia, II, 270) (Suppl. 707,). Cf. o deltographos phren de Hades em Eum. 275. A longa nota de Thomson em Eum. 269-72 é excelente, e devo algumas de minhas referências a ela. Observe somente (p. 269) que, na conversação entre Sócrates e Hípias, é Hípias, e não Sócrates, que argumenta que as leis não-escritas podiam não ter sido feitas por homens e devem, portanto, ser obra de deuses.]

Às leis especialmente as que visam à proteção dos oprimidos

Transgridem [Gomme menciona, como diferença entre Sófocles e Péricles, que para o último a lei não-escrita dificilmente era divina. Mas seus ouvintes certamente acreditavam que era divina, e ele falava de modo que entenderiam. Para comparação entre a Antigona e o epitaphios de Péricles, v. Ehrenberg, S. and P. 28-44, e a crítica dele em Gomme, loc. cit. Outra diferença entre Sófocles e Tucídides, diz Gomme, é que para o primeiro a lei não-escrita é universal, ao passo que Tucídides "provavelmente" pensa apenas nos nomima gregos. Para os gregos esta distinção era obscura: a mesma lei, que mandava sepultar os mortos, é chamada ton Panellenon nomon e nomima theon em Eur. Supplices (526 e 19). O fato é que até o séc. V os gregos ignoravam em larga medida o mundo bárbaro: "o mundo" era o mundo grego e os "deuses" eram os deuses gregos.].

As leis não-escritas geralmente reconhecidas eram as que impunham reverência aos deuses, respeito pelos pais, reconhecimento dos benfeitores, e também hospitalidade para com os estrangeiros. [Osório diz: eis um código de leis não escritas!].

Thomson notou o surpreendente paralelo entre o trecho do orador "de que se desconhece o autor" e as palavras de Antígona sobre leis não-escritas, de que "ninguém sabe de onde vêm” [Sinto-me inclinado a questionara visão de Ehrenberg desta passagem quando ela o leva a dizer que para Péricles "mesmo as leis sagradas de Elêusis não formavam parte de um mundo divino em contraste com uma ordem feita por homens" (S. and P. 47).].

A opinião de Platão sobre a democracia, na forma degenerada e extrema em que leva à tirania, é que as pessoas "desrespeitam todas as leis escritas e não-escritas, em sua determinação de não ter nenhum senhor sobre elas" [hino de medame medeis autois he despotes, provavelmente lembrança deliberada do orgulho de Damarato pelos grandes dias da Grécia: epesti gar sphi despotes nomos (p. 70 acima) (Rep. 563d,). Hirzel aponta para esta passagem de Platão como contradição direta ao eulógio de Péricles da democracia anterior, mas Platão fala de Estado em que o ideal democrático de liberdade atingiu o estágio de aplestia que é uma ruína. Não há nenhuma alusão de que Atenas tenha alcançado este stágio nos tempos de Péricles, antes do nascimento de Platão. [Osório diz: o autor e a eterna justificação de Platão]]. [Osório diz: Na tirania, que Platão tanto admira e trabalha por ela, esse descumprimento é privilégio de poucos!].

Leis dos antepassados” [agrapha nomima e patrious nomous. Embora nomima possa ser um termo mais vago que nomos, é óbvio que podiam às vezes ser usados intercambiavelmente. Cf. nomima theon em Eur. Suppl. 19 com tons theon nomous em SoLAjax 1343 (ambos se referindo ao sepultamento dos mortos), e as variações em Dem. 23 (In Aristocr.), 61 e 70. Dizendo que eles não devem ser chamados nomoi, Platão lembra sua observação em 788a que a educação das crianças é assunto de instrução e admonição antes que de lei. [Osório diz: quando é um sofista que usa termos intercambiavelmente, o mundo cai!] ].

Sociedade política, [“Sociedade não é algo que se mantém unida fisicamente; é mantida pelos laços invisíveis do pensamento comum. Se os laços fossem muito soltos, os membros se separariam. Uma moralidade comum é parte do conjunto de laços. E este conjunto de laços é o preço da sociedade; a humanidade que precisa da sociedade, deve pagar o seu preço”. (Existe também algo de Protágoras aí) (Cf. Devlin, E. of. M. 10). Para Platão, desmoi eram necessidade, para Antífon, pesadelo (fr. 44 A, col. 4). [Osório diz: o preço a ser pago pela vida em sociedade]].

Entrega ao sexo em público é um exemplo da espécie de coisa que Platão sugere que se deva desencorajar por "leis não-escritas", habituando os cidadãos a um senso de pudor, mais do que por proibição legal (Leis 841b); e (como o Sócrates de Xenofonte) ele cita incesto como num caso em que lei não escrita deste tipo já é adequada intimidação (ib. 838a-b). [Osório diz: Mas como se muda a lei da cidade sem desobedecê-la?].

Aristóteles ataca o assunto com seu gosto característico de classificação [Osório diz: o tarado da classificação]. Ele primeiro, na Retórica 1, c. 10 (1368b7), divide a lei em particular e universal: “particular” é a lei escrita de determinado Estado, e a “universal” abrange tudo o não-escrito, mas sobre que todos estão de acordo. Depois no capitulo 13, após a mesma inicial (1373b4) em particular e universal (e uma equiparação de lei “universal” com lei “natural”), passa a dividir as próprias leis de determinado Estado em escritas e não-escritas. Afirme-se a esta altura que o objeto do capítulo é classificar ações justas e injustas. A divisão das leis é subordinada ao fim, porque ações justas (p. 116) e injustas “foram definidas com relação a duas espécies de lei” [Na Ética Aristóteles argumenta que existe uma forma natural e uma legal de Leis justiça política. Alguns, diz ele, duvidaram da existência de um ~sei dikaion, porque o que é natural é constante (fogo queima em toda parte e sempre), ao passo que ta dikaia kinoumena CâÈõân (1134b18ss). Há as dúvidas da era sofista questionando as certezas de um Sólon ou de um Esquilo. Aristóteles opõe-se a elas com argumento um tanto obscuro e insatisfatório, refletindo o conflito entre platônico e sofista em sua própria mente e terminando falhamente com a afirmação de que há "uma só constituição natural saber, a melhor” Backer tem comentário interessante, mas provavelmente supersutil, sobre esta passagem em sua introdução à Natural law de Gierke (XXXV).]. A lei da natureza existe porque “Há realmente um conceito natural e universal de certo e errado, à parte de qualquer associação ou aliança”; e ele cita como exemplo a famosa pretensão de Antígona e Empédocles fr. 135. Há, pois (1374 a18), duas espécies de certo e errado moralmente, um exarado por escrito e outro não, e a segunda é novamente divida em (a) virtude e vício além do que a lei estabelece, que se saúdam respectivamente com elogios, honras e condecorações, ou com censura e desapreço (isto é, recompensas e penalidades não-legais; exemplos dos primeiros são gratidão e retribuição de benefícios e prontidão em ajudar os amigos), (b) atos que, embora possam ser objetos de lei positiva, são por esta omitidos em vista da impossibilidade de acolher toda variedade de casos no quadro de regras gerais: aí o que é escrito é mera suplementação do que é. É conhecido como equidade (ta epieikes).

O zelo de tudo reduzir a uma forma classificada ou tabulada é sempre perigoso, e Aristóteles não escapou de suas ciladas. Como frisou Hirzel, as divisões são inconsistentes, e as passagens no cap. 10 e nos caps. 13-14 talvez formem parte de diferentes discussões. Todavia, embora haja duas espécies de lei não-escrita, elas não são contraditórias, e Aristóteles defendeu os dois modos de ver: (a) os nomoi de uma comunidade particular são tanto escritos como não-escritos, os últimos (baseados em seus costumes e tradições) não contradizem, mas suplementam os primeiros; (b) “leis não-escritas” significam também leis naturais universais como na Antígona e em Demóstenes. [Osório diz: a dele é a boa!].

Lembre-se que Aristóteles escreve um manual de retórica, baseado em manuais anteriores [Osório diz: Platão não faria o mesmo? E aquele autor que diz que ele copiou Protágoras?]. Não visa a fazer ver que a lei eterna da natureza prevalece, mas mostrar como um advogado pode jogar com as noções de lei escrita e não-escrita que melhor convier ao seu caso. Assim no cap. 15 ele continua mostrando como às teorias que expôs se pode apelar na prática. Se a lei escrita está contra ele, o advogado deve apelar à lei universal, insistindo em sua maior equidade e justiça. As palavras de juramento de um jurado, “segundo minha opinião honesta[Osório diz: onde estão as opiniões desonestas?], significam que ele não seguirá como escravo a lei escrita. A lei universal é a lei da equidade, a imutável lei da natureza, ao passo que as leis escritas são instáveis [Bignone (Studi, 129, n. 1) vê nestas palavras clara reminiscência de Antífon. Pode também ser de Hípias ou de outros, mas pelo menos sua observação é prova ulterior, se fosse necessária, de que Aristóteles simplesmente repete noções já familiares no apogeu dos sofistas [Osório diz: e as de Platão?]. Hirzel (Agr. nom. 8) acha difícil entender como Aristóteles pôde dizer aqui de to epieikes que aei menei kai oudepote metaballeí em vista de variedade que antes lhe descrevera. E espantoso como estudiosos anteriores parecem ter analisado solenemente esta passagem como afirmação séria das idéias de Aristóteles, ao passo que é um par de antilogiai de contraste para gêrÁusada como o exigira ocasião nos interesses de vitória nos tribunais (Skemp é uma exceção, Plato's statesman, 198). Sobre a noção de epieikes v. Cope, Introd. to Rhet. 190-3. [Osório diz: autor canalha! Quando é contra os sofistas vale tudo, tudo pode!]]. Ele citará a Antígona, e declarará que as leis escritas não cumprem o verdadeiro propósito da lei, e assim por diante. Se de outro lado a lei escrita apóia o seu caso, explicará que o juramento do jurado não significa absolvê-lo de seguir a lei, mas apenas livrá-lo da culpa de perjúrio se ele a entende erroneamente; que ninguém escolhe o bem absoluto, mas só o bem para si ["Sc. e nossas leis escritas que foram feitas para nós, podem não alcançar o ideal abstrato de perfeição, mas elas nos convêm melhor do que se alcançassem" (Rhys Roberts, Oxf. Transi. ad. loc).]; [Osório diz: nem o infalível Sócrates? Argumento forte e o argumento fraco, de Tercio Sampaio Ferraz Jr.] que não usar a lei é tão mau como não ter nenhuma; e que não paga a pena tentar ser mais experto que o doutor.

Os gregos contribuíram para a subordinação inescrupulosa de conceitos éticos à conveniência do momento. … [Osório diz: dentre eles, Aristóteles, como se viu].

[Osório diz: Guthrie está afastando-se dos sofistas. Para mim pareceu, em princípio, que ele ia fazer um julgamento senão de defesa do movimento, pelo menos de honestidade intelectual! Achei que ele praticou estelionato, em especial pelo título e o volume de sua obra].

Para Hesíodo, a justiça baseava-se na lei de Zeus, e, para Heráclito todas as leis humanas eram emanações da divina (p. 57 acima), e Empédocles pôde falar (fr. 135) de uma lei para todos “que se estende pela vastidão dos ares e pela luz imensa dos céus”. Vê-se melhor seu fundo religioso nas palavras de Sólon no fim do séc. VII. Ao que dão os deuses imortais nenhum homem pode escapar. Prosperidade baseada em má conduta é inevitavelmente insegura, pois Zeus é guardião da lei moral. Cedo ou tarde virá o golpe, embora Zeus possa ser tardo em punir e os sofredores possam ser os filhos de ofensor. [Osório diz: Zeus, se for assim, é um FDP! Se iguala aos traficantes colombianos, que matam os filhos para que o pai pague o que debe!].

Vários estudiosos frisaram que nesta passagem “a vingança de Zeus cai com o peso e a inevitabilidade de um fenômeno natural”, que “Sólon nos dá nossa primeira insinuação da legalidade da natureza”.

A democracia restaurada no fim do séc. V decretou que "o magistrado não deve usar em nenhum caso de leis não-escritas", que as leis devem tratar todos os cidadãos igualmente sem distinção, e que devem ser expostas em público para que todos possam ver (Andócides, De mystt. 85). [Osório diz: vide p. 115. “Ninguém sabe de onde vem”].

Aristóteles mostrou como um advogado inescrupuloso podia invocar as leis não-escritas nos interesses de um caso particular. Havia, com efeito, perigo de se abusar, sobretudo quando o ideal de uma aristocracia benévola e paternal realizara o clímax do gênio político grego, a polis ou a cidade-Estado, [Osório diz: o homem, autor, endoidou! Passou a advogar, como seu admirado Platão, a aristocracia! Não é à toa que ele é inglês!].

A constituição escrita era garantia dos direitos de um cidadão e o baluarte contra tirania e opressão, e o lema era isonomia, igualdade perante a lei. Assim como se podia invocar a physis para defender ideais humanitários ou nos interesses da agressão e supressão do governo constitucional, assim também a idéia de lei não-escrita, que originalmente enfatizava o governo moral do universo, podia, numa sociedade mais democrática, simplesmente parecer como retrógrada e uma ameaça para segurança, dificilmente conseguida, dos direitos humanos que agora estavam escritos numa carta magna [Osório diz: evolução no sistema para lei escrita!].

Teseu, condenando a tirania em Supplices de Eurípides (429ss), diz que “sob leis escritas, a justiça é distribuída imparcialmente aos fracos e aos poderosos, o menor supera o maior se sua causa for justa”. Assim são as coisas “quando o demos é o senhor do país”. [Osório diz: esse, Eurípides, era democrata! Diversamente de Platão! Depois, contudo, o demos foi afastado da feitura das leis, daí nova revolta dos sofistas].

A diferença entre Sófocles e Eurípedes aí é interessante. Pareceria que Sófocles na Antígona é defensor apaixonado da lei não-escrita, e Eurípedes, da escrita. Todavia ambos opunham-se igualmente ao tirano [Osório diz: o que já não ocorre com Platão, que os apoia {Esparta e Siracusa}], e Sófocles, que teve total interesse por deveres públicos, não era menos defensor de salvaguardas constitucionais e legais. Na própria Antígona (367s), o coro declara que a espantosa capacidade inventiva do homem só levará ao bem se ele permanecer dentro do quadro da polis e respeitar as leis do país, e no Édipo em Colossas, Teseu censura a Crêon porque, “tendo vindo a uma cidade que observa a justiça e nada determina sem a lei, tu rejeitas as legitimas autorizadas”(912ss) [Osório diz: lembra Heródoto]. Não precisamos da palavra “escrita” aqui para nos dizer que Sófocles pensa em lei positiva formulada como se entendia em Atenas de sua época. Por sua vez o Teseu de Eurípides, no mesmo drama em que insiste na necessidade de leis escritas, firma o mesmo direito sagrado como Antígona, o dever de sepultar os mortos. Fazendo isso, diz ele, eu preservarei o nomos comum da Grécia (526s), e sua mãe Etra acusa Crêon de “transgredir os nomima dos deuses” (19).

Que haja diferença de humor e ênfase entre os dois poetas ninguém poderia negar. Não se pode explicar por motivos cronológicos [Na medida que se pode julgar, Antígona foi produzida cerca de 440, Supplices de Eurípides cerca de 420, e Oedipus coloneus em 401 como obra póstuma.], contudo de certa forma representam duas gerações, porque Eurípedes era muito mais atraído do que Sófocles pelas modernas correntes sofistas de pensamento. Como Protágoras, sabia que havia dois lados em toda questão, e apreciava tanto quanto Hípias, o "conflito de palavras" em que se perdiam suas personagens. O debate, entre Teseu e o arauto, se os guerreiros mortos devam ser sepultados, desdobra-se numa série sobre monarquia absoluta versus democracia [Osório diz: iguais a do autor, Guthrie, aqui! Será que isso tem algo a ver com a batalha de Arginusa? A peça é anterior?]. Embora fique claro para onde vão as simpatias de Eurípedes, o arauto não é nenhuma caricatura de um bombástico indivíduo servil do tirano, mas sofista e orador acabado. Minha cidade, diz ele, não usa absolutamente a regra do populacho. Ninguém pode ficar oscilando e jogando com sua própria vaidade, agradando-a por um momento, mas prejudicando-a a longo termo [Com tendência semelhante Hipólito – caráter muito diferente – diz orgulhosamente (Hipp. 986): "Não tenho nenhuma capacidade de falar à populaça; minha sabedoria é antes para os poucos, meus iguais. E convém que seja assim. Os que são aos olhos do sábio de pouca monta são os mais perfeitos na arte da oratória da populaça. [Osório diz: quem está sendo cutucado? A aristocracia!]]. Uma vez que todo um demos não é capaz de julgar corretamente argumentos, como será capaz de dirigir uma cidade?

A educação leva tempo, e ainda que um trabalhador não seja bobo, o seu trabalho o impede de dar atenção adequada aos negócios públicos. [Osório diz: mas os canalhas não querem e não permitem que o trabalhador tenha tempo para a política, justamente para que a classe à qual ele pertence continue governando! É o caso de Platão.].

Por que têm estes argumentos tom familiar? É Sócrates no Górgias que se queixa de que oradores numa democracia se põem a adular o demos antes que dizer o que será para o seu bem, e Sócrates de novo que disse, como Hume, que “a pobreza e o trabalho duro degradam as mentes do povo comum” desqualificando-o para a política, que era assunto para peritos treinados. [Osório diz: e o que eles fizeram para tirá-los dessa condição? Nada! Especialmente Platão/Sócrates, pois tirá-los daí não lhes era interessante. Se ele não convenciam nem a populaça analfabeta, como iriam convencer os aculturados?].

Todos sabemos quanto a paz é melhor do que a guerra, todavia renunciamos a ela em nosso desejo de escravizar uns aos outros, tanto homens como cidades. [Osório diz: Sócrates que o diga, pois foi à guerra!].

Eis um homem que estudou as technai de Górgias e outros e chegou a dominar todas as manhas retóricas [Osório diz: mais que Platão?]. Qualquer argumento que seja pode se subordinar ao oportunismo do momento. Até a argumentação em prol do pacifismo (e ninguém excede a Eurípedes no horror à guerra; veja, por exemplo, o coro em Helena 115 1ss) pode ser vividamente apresentado no interesses de um ultimato desapiedado.

Para resumir uma situação complexa, o termo “leis não-escritas” aplicava-se em primeiro lugar a certos princípios morais que se acreditavam universalmente válidos, ou alternativamente em todo o mundo grego. Seus autores eram os deuses, e nenhuma transgressão deles podia ficar sem punição. Já estavam intimamente conexos com o mundo natural, pois contrapor o homem à natureza ao invés de vê-lo como parte dela é ideia moderna antes que hábito grego. [Osório diz: lei não–escrita e seus autores] [DIFERENÇA 1].

Leis divinas ou naturais, e para as mentes questionadoras da idade sofista.

Segundo sentido de “lei não-escrita” nascia da ambigüidade da palavra nomos (p. 58 acima). Uma vez que significava os costumes e as leis de um país, os “nomoi não-escritos” significavam o que se acreditava certo e eqüitativo naquele país, mas podendo, na prática, não estar incluído num corpus da lei escrita. [DIFERENÇA 2].

Mas eles não seguem os preceitos da moralidade tradicional, pois, sob a influência de teorias científicas mecanicísticas, o mundo natural não mais se sujeita a governo moral. O efeito se vê em Antífon, para o qual o prazer é o fim natural e a velha lei não-escrita divina de que os pais devem ser honrados é "amiúde contrária à natureza". [Osório diz: poucos amam a dor! Sendo assim, tirando os masoquistas, o prazer é o bem! Pais somente merecem honra se também horarem os filhos!].

O declínio de sanções divinas coincidiu com o surgimento do governo democrático, para o qual a lei positiva se manifestava como uma salvaguarda contra o retorno da tirania ou oligarquia baseada no novo conceito de “lei da natureza” [Osório diz: bons estes parágrafos. Exceto para Platão! Vejam como a natureza também pode ser usada pela tirania e oligarquia, mas, neste caso, certamente, teria o apoio de Platão!]. Esta última era forçosamente não-escrita, e sendo assim, o conceito de “lei não-escrita” assumiu afinal sentido sinistro e foi banido da sociedade moderna, bastante mais igualitária. [Osório diz: a lei somente é interessante para a parte que é sua beneficiária. Contudo, na evolução, a aristocracia voltará a se beneficiar da lei, pois é ela quem irá produzi-la em seu benefício! Nova batalha começará! Agora pelo controle de quem fará a lei. Logo abaixo temos: “Este conceito foi invocado indiferentemente na causa do populismo e do absolutismo, pois “a natureza podia ser usada para consagrar tanto o monarca como o povo”. Na Guerra de Independência estadunidense, “foi a Lei da Natureza que, mais que qualquer outra força, implodiu a autoridade do Parlamento Inglês e a união britânica”. [Osório diz: quem estiver com a força ao seu lado usa melhor o conceito!].

Tal era o estado da questão quando Platão a retomou: de um extremo, a igualdade de todos os cidadãos sob um código de lei escrito e publicado, e, de outro, o ideal do homem forte, herói da natureza, que despreza a lei em sua marcha rumo ao poder absoluto egoisticamente exercido. A ambos Platão opôs primeiramente seu conceito da própria natureza como força inteligente e moral, e depois (Politicus 292ss) sua visão do governo sábio, ilustrado e treinado, dominador da arte de governar, cujo governo beneficiara inevitavelmente o seu povo. [Osório diz: o autor, Guthrie, em momento algum mostra o Platão espartano e siracusiano! Por que? Falava num sentido, se é que falava, basta ler a República, e agia em outro!].

Um governo deste tipo agiria melhor sem leis escritas, impondo os frutos de sua compreensão política aos súditos, quer queiram, quer não, matando ou banindo, quando necessário, para a saúde da cidade em seu conjunto. (Até o dócil jovem Sócrates protesta a esta altura) [Osório diz: FDP]. Lei codificada seria apenas um conjunto rude de métodos práticos e simples, que não pode levar em conta a variedade dos casos particulares. Um magistrado, que por elas governa, comparado com o verdadeiro estadista, será como o leigo tentando curar um paciente, lendo a doença num livro, comparado com o médico treinado, usando de sua experiência de perito. Esta conclusão drástica modifica-se consideravelmente quando Platão continua admitindo que, na ausência do estadista ideal, um bom código de leis forneceria a melhor "imitação" de seu governo e em todos os Estados normais deve-se redigir e impor com o maior rigor. [Osório diz: ainda bem que ele sabe que não existe o tal estadista ideal! Aleluia. E, enquanto não existe, a aristocracia vai fazendo as leis, pois ela “é a preparada para tanto”, segundo ele, e a vai impondo!].

O que Ernest Barker escreveu sobre a escola da Lei Natural dos sécs. XVII e XVIII:

Para começar, havia a concepção corrente de que Lei Natural de certa forma era superior à lei positiva, de sorte que atos e decretos do Estado que vão contra suas prescrições eram estritamente nulos e vazios, mesmo se na prática atual, devido à ausência de mecanismo para sua denegação, estes atos e decretos retivessem sua validade. Esta concepção – aplicada de várias formas, com maior ou menor grau ocasionalmente de reverência pela lei natural – era solvente eficaz da obrigação política. O rebelde contra autoridade constituída podia facilmente alegar obediência à lei mais alta, e podia prontamente argumentar que apenas exerceu ou defendeu os direitos naturais que gozava sob aquela lei... Um juiz inglês pronunciara o obiter dictum, em 1614, de que “mesmo um Ato do Parlamento feito contra a equidade natural... é vazio em si mesmo; pois jura naturae sunt immutabilia, e elas são leges legum”.

O obiter dictum refere-se àquela parte da decisão considerada dispensável, que o julgador disse por força da retórica e que não importa em vinculação para os casos subseqüentes. Referem-se aos argumentos expendidos para completar o raciocínio, mas que não desempenham papel fundamental na formação do julgado. São verdadeiros argumentos acessórios que acompanham o principal - ratio decidendi (razão de decidir). Neste caso, a supressão do excerto considerado obiter dictum não prejudica o comando da decisão, mantendo-a íntegra e inabalada.

 

Contrario sensu

 

A ratio decidendi são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi; trata-se da tese jurídica acolhida pelo órgão julgador no caso concreto. “A ratio decidendi (...) constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto (rule of law)”.1 “Para a correta inferência da ratio decidendi, propõe-se uma operação mental, mediante a qual, invertendo-se o teor do núcleo decisório, se indaga se a conclusão permaneceria a mesma, se o juiz tivesse acolhido a regra invertida. Se a decisão ficar mantida, então a teseoriginária não pode ser considerada ratio decidendi; caso contrário, a resposta será positiva”.2

Notas e referências:

1 (TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte doDireito. São Paulo: RT, 2004, p. 175)

2 (TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do Direito, cit. p. 177.)

 

Este conceito foi invocado indiferentemente na causa do populismo e do absolutismo, pois “a natureza podia ser usada para consagrar tanto o monarca como o povo”. Na Guerra de Independência estadunidense, “foi a Lei da Natureza que, mais que qualquer outra força, implodiu a autoridade do Parlamento Inglês e a união britânica”. [Osório diz: quem estiver com a força ao seu lado usa melhor o conceito!].

 

Apêndice

 

Nenhuma exposição da antítese nomos-physis seria completa sem mencionar a famosa alusão de Píndaro ao "nomos rei de todos, mortais e imortais igualmente", mas não há nenhum acordo quanto ao seu sentido. Posso apenas apresentar as alternativas e indicar o que me parece ser o seu sentido mais provável.

Segundo Aelio Aristides (II, 70 Dind.), as linhas de Píndaro constituem protesto indignado (scheliadzon) contra um nomos que aprova atos violentos como os de Hércules; e ele confirma-o citando outra passagem (…) onde Píndaro diz: “Estou do teu lado, Geriones, mas eu nunca direi o que desagrada a Zeus”.

Píndaro diz que Diomedes, ao tentar salvar seus cavalos, agiu "bravamente, e não desumanamente, pois é melhor morrer protegendo o que se tem do que ser covarde" (vv. 14-17). [Osório diz: Píndaro: entre patrimônio e vida, fique com o patrimônio! Nada de vá-se os anéis e fiquem os dedos!].

A discussão mais completa é a de M. Gigante. 172 Ele crê que Heródoto deturpa de propósito a citação no sentido do fr. 203 B, e que traduzir nomos aí por costume fecha o caminho para compreensão correta. Nomos é "o princípio absoluto da divindade". Píndaro intui "Deus como o Absoluto": para citar suas próprias palavras, Deus se torna "ides e forza dei mondo, non piú ideale della purezza e della pietà, ma ideale della giustizia che nel suo compiersi se servi della forza". Píndaro admite o direito do mais forte, mas unicamente como a lei e a vontade de Zeus, e não para interesses humanos e contingentes [Osório diz: isso, mais uma vez, põe por terra o argumento de Platão de “todos contra o super-homem”! Contudo, como Zeus não está no mundo, sua vontade será ditada pela boca de alguém com força suficiente para convencer os recalcitrantes!]. A mais violenta ação é justificada porque, sendo realizada pela vontade de Zeus, ela leva à justiça e ao bem-estar. Gigante cita o fr. 48 B. (57 Schr.), onde se dirige a Zeus como damiorgos eunomia kai dikas. (Mas por que não seria o fr. 203 B., alto d'alloisi nomisma, igualmente apto?). [Osório diz: traduções:...].

Um uso que pode virar a violência em justiça, fazendo santo mesmo o que é oposto ao sentimento humano do que é certo (p. 125) e justo [Osório diz: e assim Píndaro podia justificar sua fé! Os fanáticos dão mais valor ao seu fanatismo que a realidade!]. Dodds também pensa ser improvável que por nomos Píndaro queria dizer meramente costume. É "a lei do Fado, que para ele é idêntica com a vontade de Zeus", e ele também compara fr. 70 B.: "Eu nunca direi o que é desagradável a Zeus".

Todas estas interpretações parecem ignorar o que Píndaro diz claramente: domina que nomos é a vontade de Zeus, mas que até o Zeus está sujeito a nomos, que domina sobre deuses e também sobre homens. [Osório diz: mas quem diz e aplica o que é o nomos? Claro que é o homem de força para tal!].

O Fr. 70 faculta referência menos elevada do que "a lei do fado". Hércules era filho de Zeus, e assim naturalmente Zeus o favorecia, e (sendo os deuses as criaturas invejosas que são) seria imprudente para um mortal manter seu lado de vítima demais aberto. Semelhante resposta pode ser dada ao comentário de Heinimann sobre Pit. 2,86, onde nomos = forma de governo. Enumeram-se as mudanças entre tirania, democracia e aristocracia (para Píndaro "o governo dos sábios"), e diz-se que "o deus" favorece ora a esta ora àquela. Isto, pensa Heinimann, mostra que, embora mude o nomos, depende não de capricho humano, mas de Zeus (N. u. Ph. 71). O que mostra é que um deus pode ser tão caprichoso como um homem. Píndaro era piedoso no sentido de que pensava que mortais devem se submeter à vontade dos deuses, mas sua religião retém muito da homérica. Era defensor antes que crítico dos moradores do Olimpo. As mais caluniosas estórias sobre eles devem-se rejeitar e se defender sua honra (01. 1.28s,52), mas eles ainda eram seres voluntariosos, amantes e poderosos que geravam heróis mortais e devem ter seu estilo. Em geral ele se apega à atitude tradicional e prudente dos gregos de que os deuses são invejosos e "coisas mortais convêm a mortais". "É apropriado que um homem fale coisas belas dos deuses, pois assim a culpa é menor". [Osório diz: para Píndaro, embora a lei fosse a divina, seus intérpretes e aplicadores pertenciam à aristocracia].

Saber o que estava na mente de Píndaro neste poema obviamente é muito difícil, mas eu aventuraria o seguinte: Costume (uso, tradição) reconhecido tem imenso poder. Tanto deuses como homens a ele se conformam, e qualquer ato, por mais errado e terrível que possa parecer em si mesmo, parecerá justificado, bastando que seja sancionado por nomos. O que poderia ser mais violento e aparentemente injusto e cruel do que o roubo do gado de Geriones ou dos cavalos de Diomedes? Todavia o poder do nomos faz deuses e homens aceitá-los [O comentário de Dodds (Gorg. 270) de que "as ações de Hércules não são nenhum símbolo adequado do costumeiro" cai fora do assunto. O que o costume fez foi justificá-las (dikaion to biaiotaton). Para ilustrar a verdade universal expressa nas primeiras três linhas o ato mais apropriado era um ato que fosse (a) extremamente violento, e (b) perpetrado por um ser divino, o filho de Zeus que se tornou ele mesmo deus.]. Píndaro pode bem estar sacudindo a cabeça sobre este estado de coisas, como disse Pohlenz (Kl. Schr. II, 337), porém mais provavelmente prefere não fazer nenhum juízo. É atitude prudente.” [Osório diz: a lei pode ser tirânica ou aplicada tiranicamente] [Osório diz: Fala-se dos deuses como se eles existissem!!! Daí a repulsa de quem assim fala ao dito de Protágoras sobre a existência deles!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 57, 58, 59, 111-126).

24

Você está aqui: Home | Sofistas da Atenas de Péricles | Visão geral