Sofística
(uma biografia do conhecimento)
66 – Os sofistas e a igualdade política (isonomia) entre os homens.
Doutrina Guthrie:
“No séc. V, a democracia, como instituição política estabelecida e como ideal, atingiu seu clímax em Atenas e algumas outras cidades gregas. Contra ela levantava-se a oligarquia [Osório diz: proprietários rurais. Donos das terras, em especial], de nenhuma maneira uma força gasta, e, quer no poder, que na oposição, sempre um inimigo com que se devia contar [Osório diz: Platão é o seu maior escritor/defensor!]. Desenvolveu-se, portanto, naturalmente um conflito ideológico que levou os homens para além de questões constitucionais, a problemas mais abrangentes sobre a natureza humana e as relações humanas. A democracia constituía parte de um movimento geral rumo à igualdade, e a necessidade de defender a democracia era estímulo a ulteriores argumentos em seu favor. Tucídides fornece algumas das melhores amostras deles, por exemplo, no discurso de Atenágoras, líder democrático de Siracusa [Osório diz: justamente onde Platão foi tentar impor, mais ainda, a tirania!], que fala a jovens oligarcas de sua cidade (6.38.5): [Osório diz: Vico / Renascimento (sempre). Democracia (a) oligarquia-rico; (b) comércio-rico; (c) indústria-rico. Ou seja, os ricos sempre comandam as “revoluções”, justamente para se manterem poderosos. É o capital se adaptando às circunstâncias.)
Desagrada-vos estar politicamente em pé de igualdade com um número mais amplo? Mas como é justo que a membros do mesmo Estado se neguem os mesmos direitos? Dir-me-ão que a democracia não é sensata nem eqüitativa [literalmente, “igual”], e que os ricos são os mais bem qualificados para governar; mas, replico eu, primeiramente, que demos significa o Estado inteiro, e oligarquia apenas parte; em segundo lugar, que os ricos podem ser os melhores guardiães da propriedade, mas os melhores conselheiros são muitos. E na democracia, todos estes, quer agindo separadamente, quer em conjunto, têm participação igual. [Osório diz: Eis o que é a democracia. Platão devia odiar esse discurso!].
Temos aqui o ideal de uma democracia, em que os ricos têm o seu lugar, mas é papel dos mais inteligentes dar conselho – com certeza conselho conflitivo, pois há dois lados para cada questão – e a decisão está em mãos do povo todo, quando ouviu e entendeu os argumentos. Na prática, nem sempre funcionava assim, pois demos, não menos que oligoi, podia-se aplicar a uma só secção da população – podia significar plebs assim como também populus [Vlastos diz: "A ambiguidade em demos (plebs ou populus) e tanto melhor. Opositores da democracia podem tomá-lo no primeiro sentido ... ao passo que pensadores democratas podem invocar o segundo" (Is. pol. 8, n. 1).] – e como tal podia ser insensível no seu trato com os ricos e os intelectuais [Osório diz: justamente como os ricos e intelectuais costumam ser insensíveis com o populus!].
Para Protágoras, é a justiça que "acarreta ordem em nossas cidades e cria laços de amizade e união" (Platão, Prot. 322c). [Osório diz: quando Platão atribui discursos à Sócrates ninguém os põe em dúvidas a autoria, quando atribui um a Protágoras ocorre o oposto, todos duvidam. Também, convenhamos, o discurso protagórico é fulminante, logo seus adversários não o querem em sua boca, nem na de ninguém!]
Aristóteles diz que, se os cidadãos são amigos, pode-se dispensar a justiça. [Osório diz: A justiça é, portanto, para os inimigos! Direito Penal do Inimigo]
Os legisladores interessam-se ainda mais por amizade do que por justiça, pois sua meta é substituir facção por concórdia, e concórdia assemelha-se a amizade.
Concórdia é uma palavra aplicada a cidades quando os cidadãos concordam acerca de seus interesses comuns, fazem as mesmas opções politicas e as levam a efeito [em Schmid, Gesch. 163. Bignone (Studi, 87ss) argumentou em favor de intima relação entre a doutrina moral da concórdia no p. homonoias de Antifon e sua doutrina sobre ajustiça desenvolvida na Aletheia. No Clitopho, observou ele, diz-se de um dos discípulos de Sócrates ter mantido que philia era o produto de dikaiosyne e homonoia a mais verdadeira manifestação de philia (4o9a-e, acrescentando que não é homodoxia, de sorte que toda a passagem está em relação muito estreita com Aristóteles, especialmente EN 1167a22ss). Bignone podia ter acrescentado Rep. 351d, onde Sócrates diz a Trasímaco que injustiça leva a ódio e briga, mas justiça, a homonoia e philia. Apesar das passagens interessantes que Bignone aduz para comparação, dificilmente conseguiu seu objetivo. Infelizmente, os fragmentos restantes do p. hom. não fazem nenhuma referência a homonoia, por isso estamos bastante no escuro quanta ao que Antifon disse sobre ela. Ademais, ao reconciliar At. e p. hom. ele ignora completamente a col. 5 de OP 1364 fr. 1 (DK, II, 349s), onde Antifon diz que pessoas que não atacam outros a não ser provocadas, e que respondem ao trato mau dos pais com delicadeza, agem contra a natureza. [Osório diz: instinto de defesa, mesmo que exercido contra os pais! Nem todo pai é flor que se cheire!]].
Em época em que a democracia podia significar na prática não a igual participação da cidade inteira no governo, mas a tomada do poder pelos até então pobres e sem privilégios às custas dos ricos e bem-nascidos. [Osório diz: os ricos eram os super-homens de Platão/Sócrates e que foram dominados pelos fracos! Eis Platão ao vivo e em cores! Eis Platão/Cálicles. Platão trouxe o grito, antes de Marx: ricos/oligarcas, UNI-VOS!].
Igual e igualdade constituem o lema mais frequente em meados e em fins do sec. V, e o Ideal são os direitos políticos e jurídicos iguais. [Osório diz: justamente! Ninguém quer perder o poder!]
Na democracia ateniense, o poder está nas mãos do povo, nas disputas privadas todos são iguais perante a lei, e atribuem-se responsabilidades públicas não segundo qualquer sistema da classe, e sim somente pelo mérito, e a pobreza jamais é impedimento para o ofício público. [Osório diz: Platão : ({triste} com esse absurdo! O mundo, para ele, é dos melhores! E quem são os melhores? Os bem nascidos...]
Talvez se possa ver melhor a nova ênfase na igualdade nas peças teatrais de Eurípedes. Sobre a democracia mesma, o seu Teseu reflete os sentimentos de Atenágora e Péricles. (Suppl. 404): "A cidade é livre, as pessoas governam em turnos anuais de ofício, e ao pobre se dá participação igual à dos ricos". Para o elogio da igualdade como tal, temos Phoenissae (531ss), onde Jocasta suplica ao filho que deixe o pernicioso daimon da Ambição, honrando, ao invés, a Igualdade: [Osório diz: o que é a democracia e por que contra ela se volta o ódio de Platão]
que une amigo a amigo, cidade a cidade, aliado a aliado. O que é igual e elemento estável na vida humana, mas o menor é sempre inimigo do maior e anuncia-se em dias de ódio. Foi a Igualdade que estabeleceu pesos e medidas para os homens e delimitou o número. Iguais, no passar dos anos, são as veredas da noite escura e da luz do sol, e nenhuma inveja a vitória da outra. Servirão os dias e as noites aos mortais e tu não tolerarás dar ao teu irmão participação igual na dinastia contigo mesmo? Onde está nisto a justiça? [Osório diz: o que é a igualdade]. [Osório diz: aqui posso fundar minha tese no sentido de que Polinices não estava errado ao atacar não Tebas, mas ao seu irmão traidor!]
Nota-se uma vez mais a prontidão com que os gregos apelam a natureza em geral para endossar o curso da ação humana [Osório diz: o bom é que eles não se igualam aos indianos, por exemplo, que comparam animais racionais (homens) com os irracionais (insetos, por exemplo), exceto Platão]; e como lembrete de que estamos na era do fermento em que todo argumento tem dois lados, podemos ver que no Ajax de Sófocles (668ss), o ato de o inverno ceder ao verão e a noite ao dia usa-se para apoiar a moral contrária de que em todo lugar há governantes e súditos, e a submissão de um ao outro e necessária [Osório diz: diz isso quem? Platão, claro].
[É interessante que para descrever igualdade democrática nas Leis Platão usa as mesmas três palavras que Eurípedes na mesma ordem [Osório diz: mas Platão é sempre o original, o que tudo sabe!]: é ten metro . ..Jisen kai stathmo kai arithmo, e em seu louvor da isotes Jocasta diz (541s): Kai gar metr' anthopoisi kai mere stathmon [sotes etaxe karithmon diorise. V. também SM. fro 399N. A frase out' arithmo oute stathmo em Xen. Symp. 4.43 sugere elemento proverbial. [Osório diz: ver o filme “Advogado do diabo”! (veja, mas não olhe…)]]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 139-142).