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64 – Escravidão e os gregos.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

64 – Escravidão e os gregos.

 

Expõe Guthrie:

 

Para a maior parte dos gregos, era impensável sociedade sem escravidão [Osório diz: a genialidade está em ver onde ninguém consegue enxergar! E os sofistas viram além!]. O trato dos escravos, e o trabalho que se lhes confiava, variavam muito. Em Atenas eles eram empregados em serviços domésticos, em fábricas de posse privada, em minas (onde as condições podiam ser de fato duras [Osório diz: se na Inglaterra e Estados Unidos, milênios depois, ainda eram assim, imagine-se no século IV antes da era atual, por exemplo!), e em medida menor no campo, que na Ática era mormente cultivado por pequenos proprietários camponeses. A sorte dos escravos domésticos naturalmente variava, mas Aristóteles os descreve falando livremente, e as vezes descaradamente a seus senhores. Aos inteligentes se davam postos de responsabilidade como secretários e gerentes de banco, e podiam finalmente ser libertados por seus próprios donos. No sec. IV Arquestrato legou em testamento o seu banco a seu antigo escravo Pásion, que por sua vez o arrendou a seu próprio escravo liberto. Uma prática comum era para os donos de escravos industriais permitir-Ihes trabalhar independentemente, pagando uma soma fixa de seus ganhos e ficando com o resto, e estes podiam economizar bastante para comprar a própria liberdade. A queixa do "Velho Oligarca" (pseudo-Xen. Ath. Pol. 1.1o) é bem conhecida: os escravos em Atenas são gente insolente que não se afastarão de teu caminho nas ruas, e não se te permite bater neles pela simples razão de que não há nada em sua veste e em sua aparência geral que os distinga dos atenienses livres. Demóstenes também diz que escravos em Atenas tem maiores direitos de discurso livre do que os cidadãos de outros estados, e havia uma lei sob a qual qualquer pessoa podia ser perseguida por ato de hybris contra o escravo da mesma forma que contra o cidadão. Apesar de tudo isso, permanecia o fato de que o escravo era uma posse que podia ser comprada e vendida. Alguns ricos compravam um número grande de escravos e auferiam grandes rendas emprestando-os como trabalhadores.

Se a escravidão como instituição era aceita [Osório diz: com exceção dos sofistas], havia sentimento geral contra escravizar gregos.

Desta forma, a questão da escravidão estava ligada, na mente grega, como na americana, com a questão da inferioridade racial [Osório diz: e na mente inglesa? O autor parece simpatizar com a escravidão! Mas isso é natural, afinal ele é inglês!]. Como Ifigênia diz em Eurípedes (1. A 1400): "É direito dos gregos dominar os bárbaros, mas não de os bárbaros dominarem os gregos, pois eles são escravos e nós, livres". É provável, portanto, que Antifon, que negou qualquer distinção natural entre grego e bárbaro, também se tenha oposto a doutrina dos "escravos naturais" que predominava na época e depois foi defendida por Aristóteles [ … a descrição de Aristóteles do escravo como “ferramenta viva”...]; mas o fato não se registra explicitamente [Osório diz: claro que se regista! Aristóteles é confesso em sua Política!].

Dava-se cor à idéia da inferioridade bárbara pela vitória grega contra persas e pela tendência de outros povos a serem governados despoticamente, pois submissão a um tirano humano antes que às leis era ao ver dos gregos equivalente a escravidão. [Osório diz: ver passagem de Heródoto].

Eurípedes pelo fato de que, embora ele proclame que o escravo possa ser melhor do que seu dono e por isso erroneamente escravizado, ele tinha a crença comum que alguns eram ajustados pela natureza somente para a escravidão [Veja o ensaio informativo de Schlaifer em Finley, p. 127. Mas para a crença de Eurípedes na escravidão natural ele se apoia inteiramente no fr. 57, ao passo que (a) este está inteiramente sem contexto, e soa como se fosse falado por um tirano ou outra personagem desagradável, (b) o próprio texto é incerto e a palavra physei é emenda. [Osório diz: quando ele, Guthrie, quer, ele sabe justificar até os sofistas, mas, calhordamente, talvez diga: mas Eurípedes não era um deles!].]. Isolar suas opiniões pessoais é difícil, uma vez que era dramaturgo e suas personagens expressam sentimentos opostos, mas pelo menos fornece prova de maré montante de protesto contra a escravidão nos tempos em que vivia. [Osório diz: o que não fez Platão e Aristóteles! / Esse pensamento do autor, Guthrie, deveria servir para Platão também!].

Fr. 50: "Escravos que são bem dispostos para com a casa de seu dono incorrem em grande hostilidade da parte de seus iguais".

 

[Platão, que não era nenhum abolicionista, diz que escravos amiúdes se provaram melhores que irmãos e filhos, salvando a vida, as posses e a família de seus donos …[Osório diz: confissão impressionante por parte de Guthrie!].

 

Arquelau (fr. 245): "Uma coisa eu aconselho: não te deixes pegar vivo para a escravidão se tens a possibilidade de morrer como homem livre".

Uma escrava de Andrômaca consentindo em ir em missão perigosa para sua patroa (Andr. 89): "Eu irei, e se alguma coisa me acontecer - bem, a vida de mulher escrava tem pouco valor"; e em Helena (1639) outra escrava defende sua dona com as palavras: "Não mates tua irmã, mas a mim, pois para escravos nobres é glória morrer por seus senhores".

Em Íon dá-se forma universal a afirmação. (…) "Só uma coisa traz vergonha ao escravo, o nome. Em tudo o mais o escravo, se for homem bom, não e pior do que o livre". (…) A escravidão é errada em si mesma. [Osório diz: Platão e Aristóteles não a viram assim!] (…) O escravo como tal não é de menos valor que o homem livre. Se ele for moralmente inferior, isto se deve ou ao seu caráter individual ou a própria escravidão, que teria arruinado homem originalmente bom. 32

Citação de aluno de Górgias chamado Alcidamas: “Deus fez todos os homens livres; a natureza não fez nenhum homem escravo”. [Osório diz: uma única frase e a imortalidade!]

A universalidade do princípio enunciado.

[Por isso coloco tais referências numa nota de rodapé. As palavras (eleutherous apheke pantas theos' oudena doulon !1(? physis pepoieken) são citadas por um comentador sobre AI. Rhet. 1373b, onde Aristóteles argumenta pela existência de uma justiça natural enquanto distinta da meramente legal. Depois de citar as linhas familiares da Antígona sobre a lei eterna, não-escrita, e uma passagem na mesma tendência de Empédocles, ele diz: "e assim também Alcidamas no discurso de Messene". Assim o próprio Aristóteles não teve nenhuma dúvida de que Alcidamas falava de uma lei universal da natureza. Zeller (citado por Newman, Politics, 1,141, n.1), porém, pensou que atacar toda a instituição da escravidão não teria servido ao objetivo de seu discurso, e por isso não teria agido assim, e Levinson concorda (D. ofP. 142): é "muito improvável que ele fosse levado a fazer uma aplicação universal deste princípio" (um excelente exemplo do argumento retórico de manual ek tou eikotos. V. pp 169 abaixo). Mas o fato é que a afirmação é universal, e nenhuma conjetura sobre o que era prudente ou diplomático pode-se impor contra as palavras mesmas. A sinceridade do sofista, ou sua capacidade de pensamento duplo, não entra na questão. Brzoska (RE, 1,1536) supôs que a obra não era um discurso verdadeiro para a ocasião, mas apenas um "Schulstiick" (exercício escolar). O uso do comentador do verbo meletan (hyper Messenion meleta kai lege i) o apóia. Para Alcidamas V. pp. 287ss abaixo. [Osório diz: foi para ser contra sofista se arranja qualquer argumento contra! Ninguém fuça a obra de Platão tão minuciosamente! Popper? Não que devêssemos esconder, apenas fazermos para todos! Se essa defesa tivesse saído da boca dos santificados Sócrates, Platão ou Aristóteles eles seriam mais endeusados ainda! Se era um exercício escolar ou não, não vem ao caso, o que vem ao caso é que foi escrito e dito! Não se pode esquecer que o discurso somente poderia ser universal pois os sofistas eram estrangeiros em Atenas!].

A escravidão, como frisou Newman (Politics, I, 143), já "passava por rigoroso exame, em cujo decurso suas formas, uma depois da outra, se pesou na balança e se achou falha, e se eliminaram sucessivamente primeiro a escravidão por dívida, depois a escravidão de gregos, e, finalmente, a escravidão por guerra, de tal sorte que uma total condenação da instituição podia muito bem estar a mão". [Osório diz: menos nas mãos de Platão e Aristóteles!]

Levinson frisa que o código justiniano, depois de estabelecer como princípio que “a escravidão é contrária à natureza”, passa a expor os direitos do proprietário de escravos nos mínimos pormenores; e no séc. XIX um proprietário estadunidense de escravos pôde concordar com as palavras de Declaração de Independência de “que todos os homens foram criados iguais”. [Osório diz: basta lê-los! Embora tudo isso seja bem posterior aos gregos do século V!].

E uma poderosa arma para os opositores da escravidão se forjou, quando se fez pela primeira vez em público a afirmação de que não tinha nenhum fundamento na natureza. [Osório diz: o sofista Alcidamas, não esqueçamos!]

Alcidamas escreveu seu discurso de Messene cerca de 360 [Osório diz: qual a fonte?]. No fim do mesmo século reaparece numa peça de Filêmon (fr. 95 KOck): “Ainda que um homem seja escravo, ele tem a mesma carne; ninguém jamais foi escravo pela natureza, embora a causalidade escravize o corpo”. A difusão da ideia na segunda metade do séc. IV também é atestada por Aristóteles, que escreve na Política (1253b20): “Alguns, porém, sustentam que propriedade de escravos é não-natural. É somente por nomos que um é escravo e outro é livre, pois na natureza não há nenhuma diferença. E, portanto, também não é justo, pois se baseia na força”. Por esta época (provavelmente depois de 335), portanto, estes sentimentos liberais eram bem conhecidos, mas é questão de vívida controvérsia se já eram correntes no tempo com que agora sobretudo lidamos, na Atenas de Eurípides e Sócrates, e se devem ser atribuídos a uma geração de sofistas anterior a Alcidamas. Até que ponto é verdadeira a afirmação de Nestle em 1901 de que “Redundará por todo tempo para a glória da sofística grega que, partindo da concepção da lei natural, tenha se oposto à existência da escravidão por motivos teóricos, e a escola socrática, Platão e Aristóteles, representam neste ponto um passo decididamente retrógrado”? [Osório diz: até o ponto máximo! Só não vêm os fanáticos!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 146-147, 148-149).

 

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