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53.3 – Religião – teorias racionalistas – (a) agnosticismo e (b) ateísmo.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

53.3 – Religião – teorias racionalistas – (a) agnosticismo e (b) ateísmo.

 

Nos diz Guthrie:

 

Religião: teorias racionalistas: (a) agnosticismo, (b) ateísmo, c) Monoteísmo: Antístenes.

 

a) Agnosticismo: Protágoras.

 

Segundo Diógenes Laércio (9.24), o filósofo eleata Melisso disse que era errado fazer qualquer pronunciamento sobre os deuses porque era impossível o seu conhecimento. Mas o caso clássico de agnóstico neste século é o seu contemporâneo Protágoras, que ficou famoso por ter escrito:

 

Quanto aos deuses, sou incapaz de descobrir se existem ou não, ou que forma têm; pois há muitos empecilhos para o conhecimento, a obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana. [Osório diz: o cara confessa uma fraqueza sincera (o desconhecimento) e é condenado? Deveria ele mentir, como faz Platão? Aliás, mentir sobre deus é a melhor coisa, pois é impossível provar a mentira na forma que se requer!]

(...)

A forma da afirmação é de uma opinião pessoal (“Sou incapaz...") e contrasta significativamente com uma expressão como a de Xenófanes (fr. 34) de que nenhum homem viu, e nenhum homem também nunca saberá a verdade sobre os deuses [Osório diz: Protágoras não fecha portas! Não diz que o tema deva ser encerrado. Não o dá por findo para o homem, apenas para ele próprio, Protágoras]. Alguns acreditavam nos deuses e outros não, e, sendo assim, de acordo com o princípio "o homem é a medida", os deuses existiam para alguns e não para outros; mas para o próprio Protágoras a suspensão de juízo era a única maneira possível [Isto se acomoda satisfatoriamente coma alegação de T. Gomperz (GT, 1, 457) de que se Protágoras cresse, como Platão disse que cria, que "toda a verdade de um homem é a verdade que lhe parece", ele não poderia ter dito o que disse sobre os deuses. [Osório diz: claro que poderia. Uma coisa não exclui outra! Para ele, Protágoras era assim. Isso não impedia que para outro fosse diferente! Mas, daí seu gênio: um poderia convencer o outro de sua tese! Ess Gomperz, tanto pai quanto filho são dois fanáticos!]]. [Osório diz: isso mesmo! Enfim o autor, Guthrie, reconhece o que deveria ser do conhecimento de todos! Protágoras jamais proibiu, até porque nem poderia, a crença nos deuses, mas a entregou a cada qual!]

Protágoras (…) defendeu o culto religioso segundo os nomoi antepassados.

 

b) Ateísmo: Diágoras, Pródico, Crítias; os dois tipos de ateísmo de Platão.

 

"Como credo dogmático, consistindo na negação de toda espécie de poder sobrenatural, o ateísmo não foi com frequência sustentado seriamente em qualquer período do pensamento civilizado". (p. 219) [Osório diz: e onde o foi no incivilizado? / Seriamente para quem?]

Que tais ateístas ("que não criam inteiramente na existência dos deuses", 908b) eram comuns pela época de Platão é certo por sua menção deles nas Leis, onde os distingue cuidadosamente dos que afirmam (a) que existem os deuses, mas não têm nenhum interesse pela conduta humana, (b) que eles podem ser comprados por oferendas. [Osório diz: as oferendas!]

Diágoras (...) A única razão alegada para ele, e que está nas fontes tardias, é moral: diz-se que começou como poeta ditirâmbico temente aos deuses, e que depois se convenceu da não-existência dos deuses pelo espetáculo da injustiça com bom êxito e não-punida, neste caso uma ofensa específica feita a ele próprio, embora sua natureza seja narrada de várias formas. Além de sua descrença, o único outro fato registrado sobre ele por seus contemporâneos é que foi condenado por acusação de impiedade pelos atenienses, e oferecido um prêmio por sua cabeça em sua ausência da cidade.

[Osório diz: piedade: cumprimento dos deveres para com os pais, a pátria, os deuses. 1. Prática das leis religiosas. = DEVOÇÃO. 2. Vontade de diminuir ou se solidarizar com o sofrimento alheio. = COMPAIXÃO, DÓ, LÁSTIMA, MISERICÓRDIA].

Jacoby está certo quando diz que todas as testemunhas igualmente lhe atribuem "um repúdio puro e simples de todo o conceito de deuses, um ateísmo radical, extremo e sem compromisso". [Osório diz: e deveria ter compromisso com o que? Deveria ser um ateu temente a deus?].

Pródico (…) diversamente de Demócrito, viu a origem da crença religiosa na gratidão, e não no medo [Osório diz: origem da crença religiosa]. Temos as referências seguintes:

(a) “Perseu evidencia-se destrutivo, ou ignorante, do divino ao declarar em seu livro sobre os deuses que não era improvável o que escreveu Pródico, ou seja, que as coisas que nos alimentam e beneficiam eram as primeiras a ser consideradas deuses e honradas como tais, e, depois delas, os descobridores de alimentos e abrigo e as outras artes práticas tais como Demétrio, Dionísio e os...” [Osório diz: crítica estúpida! / Guthrie, na outra obra, explica isso e a idiotice não é tão idiota assim!].

(b) “Pródico diz que foram aceitos como deuses os que em suas viagens descobriram novas plantações, contribuindo assim para o bem-estar humano”.

(c) Cícero, N. D. 1.37.118: "Que espécie de religião nos deixou Pródico de Ceos, que disse que coisas úteis à vida humana foram contadas como deuses?"

(d) Ib. 15.38: "Perseu diz que os que foram considerados deuses foram os que descobriram o que era especialmente útil para a vida civilizada, e que as coisas úteis e salutares foram elas mesmas chamadas com os nomes de deuses".

(e) Sext. Math. 9.18: Pródico de Ceos diz: "Os antigos consideraram como deuses o sol e a lua, os rios, as fontes, e em geral todas as coisas que ajudam nossa vida, por causa do auxílio que elas dão, da mesma forma como os egípcios deificam o Nilo". Ele acrescenta que por esta razão o pão foi chamado Demétrio, o vinho Dionísio, a água Posêidon, o fogo Hefesto, e assim por diante com tudo o que prestava serviço. (Repete-se isso com palavras um pouco diferentes no capítulo 52).

(f) Ib. 51 inclui Pródico numa lista de ateístas "que dizem que não existe nenhum deus".

(g) ib. 39-41 critica “os que dizem que supuseram que todas as coisas que beneficiam a vida são deuses – sol e lua, rios e lagos e semelhantes”, pelo motivo de que (a) os antigos não podiam ter sido tão estúpidos para atribuir divindade a coisas que viam parecer ou mesmo comiam e destruíam eles mesmos, e (b) com este argumento deve-se também crer que homens, especialmente filósofos, são deuses, e mesmo animais e utensílios inanimados, pois todos estes trabalham por nós e melhoram nossa sorte. [Osório diz: crítica estúpida! O crítico é Sexto Empírico, como se vê na página seguinte.]

Sexto, é verdade (passagem g),

O traço da teoria de Pródico que mais impressionou foi que a origem da religião está na tendência do homem primitivo de considerar as coisas úteis para sua vida — incluindo sol, lua e rios bem como pão e vinho — como deuses. Esta teoria viria facilmente à mente de um grego racionalizante, pois em sua literatura, de Homero em diante, encontraria o nome do deus respectivo para a substância mesma, como Hefesto para fogo ("Espetaram as entranhas e as puseram sobre Hefesto, Il. 2.426), e o sol, a lua e os rios eram deuses. "Meu noivo foi um rio", diz Deianeira muito naturalmente (Soph. Trach. 9), e, sendo um deus, podia tomar qualquer forma que quisesse — de touro, de homem ou de serpente, como também da água. Empédocles deu nomes de deuses aos quatro elementos, e (pelo que possa valer) Epifânio diz que Pródico os chamou de deuses, como também o sol e a luz, "porque a vida de tudo depende deles".

Uma passagem notável nas Bacchae (274ss) mostra quão facilmente a mente grega podia escorregar da idéia de uma substância enquanto incorporando um deus vivo à do deus como seu inventor ou descobridor. Tentando acalmar a ímpia hostilidade de Penteu para com Dionísio, Tirésias lhe diz que

 

duas coisas são primárias na vida humana: primeiro, a deusa Demeter — ela é Terra, mas chama-a com qualquer nome que queiras [e com certeza Ge, a terra, era também grande deusa por aquele nome]. Ela dá aos homens todo alimento que é de natureza sólida. Para balancear isto veio o filho de Sêmele, que descobriu a substância fluida da uva... Ele, sendo deus, é derramado para os deuses.

 

Aí Dionísio, o deus do vinho, é descrito ao mesmo tempo, sem nenhuma percepção de incongruência, como o descobridor do vinho e o próprio vinho. Está, pois aí, com toda probabilidade, a chave para a doutrina de Pródico. No piedoso profeta Tirésias ele veria um exemplo perfeito (e, uma vez que é certo que Eurípedes conheceu seu ensino, também viu um exemplo) da mentalidade de que surgiu a religião: perguntar se os homens imaginaram seu alimento, bebida ou outras coisas que dão e sustentam a vida como deuses, ou alternativamente os seres que os descobriram e forneceram, era fazer distinção psicologicamente irreal. Dionísio era ao mesmo tempo vinho e doador do vinho, Hefesto fogo e doador do fogo.

Foi Pródico ateísta? Crer que vinho e pão são deuses com certeza não é ateísta, é precisamente a crença que Pródico disse que “os antigos” tinham e da qual surgiu a religião. Para o próprio Pródico eles eram apenas vinho e pão.

A afirmação de que a própria concepção de deuses resultou da prática da agricultura não soa como se viesse de crente neles.

Pródico pode ser justamente saudado como um dos mais antigos antropólogos, com uma teoria sobre a origem meramente humana da crença em deuses que não teria envergonhado o séc. XIX.

Pródico, como era de se esperar de alguém que era tanto sofista como filósofo natural [Osório diz: isso também era Sócrates, acredito, por Aristófanes] e que escreveu sobre cosmogonia, evidentemente defendia uma teoria do desenvolvimento humano como “progresso” e não “degeneração” [Osório diz: isso é darwinismo antes de Darwin?!]... e, como Protágoras, ele pensou na religião, junto com condições sedentárias, construção de cidades, o governo da lei e o avanço do conhecimento, como um dos frutos da civilização e essencial à sua preservação. Para defender estas idéias não é necessário crer na existência de deuses como objetos de adoração independentemente da concepção dos homens sobre eles [ … Frederic Harrison, que “considerou todas as religiões falsas, mas insistiu na necessidade humana da adoração”.]. [Osório diz: bom!]

Crítias [Osório diz: tio de Platão!]... era rico aristocrata que teria desprezado com altivez ser sofista profissional, mas partilhava da perspectiva intelectual que veio a ser conhecida como sofística. Em sua peça Sísifo descreveu a crença religiosa como deliberada impostura imposta pelo governo para assegurar uma sanção última e universal para o bom comportamento de seus súditos. [Osório diz: sofista por perspectiva intelectual] [Osório diz: religião como objetivo de manter o bom comportamento].

 

Portanto, se a lei impedia os homens de ações públicas de violência e eles continuavam a cometê-las em segredo, creio que homem de mente muito sagaz e sutil inventou para os homens o temor dos deuses, a fim de que houvesse algo para aterrorizar os maus ainda que agissem, falassem ou pensassem em segredo. Para isso introduziu a concepção de divindade. Existe, dizia ele, um espírito que goza de vida sem fim, que ouve e vê com sua mente, excessivamente sábio e onividente, portador de natureza divina. Ouvirá tudo o que se fala entre os homens e verá tudo o que se faz. Se estiveres tramando em silêncio o mal, este não ficará escondido aos deuses, pois são muito sagazes. Com esta estória apresentou o mais sedutor dos ensinamentos, dissimulando a verdade com palavras mentirosas. Por moradas, ele lhes deu o lugar cuja menção mais vigorosamente golpeia os corações dos homens, donde sabia ele, medos e temores caem sobre os mortais e vem ajuda para suas vidas ignóbeis, donde percebia os relâmpagos e os estrondos temerosos dos trovões, e a face e forma estrelada do céu bem trabalhada pela arte do tempo, donde também o meteoro incandescente faz o seu percurso e a chuva líquida desce sobre a terra. Com tais temores ele cercou a humanidade, e, dando, assim, por sua estória, à divindade uma bela casa em lugar apropriado, eliminou a falta de lei por ordenações... Assim sobretudo, penso eu, alguém persuadiu os homens a acreditar que existe a raça dos deuses. [Osório diz: para as ações humanas visíveis por testemunhas, a lei; para as não vistas, deus! Origem divina da lei. / Quando não tem lei, deus! Criação da religião]

 

É a primeira ocorrência na história da teoria da religião como invenção política para assegurar bom comportamento, que foi elaboradamente desenvolvida por Políbio em Roma e reviveu na Alemanha do século XVIII [ … Contudo não é o mesmo que as teorias da exploração por políticos de crenças religiosas já existentes, correntes no Renascimento e depois, e que culminaram no marxismo,...]. Não há nenhuma outra menção dela nesta época, e, sendo assim, pode muito bem ter sido original como era ousada [ ...embora dizer: “o medo conduz ao culto dos deuses” não seja o mesmo que dizer que o culto baseado no medo leve ao bom comportamento e seja inventado para este objetivo. E expressar descrença no mais incrível dos mitos (...) não era certamente ateísmo. Não há absolutamente nenhuma prova para a alegação de Nestle (V MzuL, 416) de que o ateísmo de Diágoras baseava-se na mesma teoria que o de Crítias, e era na verdade sua fonte.], e engenhosa na maneira como se subsume sob a teoria mais geral do ensino de Demócrito e Pródico de que a crença nos deuses foi produto do medo ou gratidão causados por certos fenômenos naturais. A teoria reverte ao mesmo tempo o volume crescente de críticas que atacavam os deuses por motivos morais, insistindo em que, se existissem ou merecessem o nome de deuses, deveriam ser os guardiões do código moral aprovado. Foi a exigência de sanção sobrenatural para o comportamento moral, diz Crítias, que deu antes de tudo existência aos deuses. [Osório diz: muito bom! “A teoria da religião como invenção política para assegurar bom comportamento”]

O segundo tipo de erro de Platão, segundo o qual os deuses existem, mas não se interessam pelos homens. [Osório diz: acho que há um erro quanto a Platão, ver!!!!!].

O orador Lísias falou dele junto com outros três formando uma espécie de "clube do fogo do inferno" ou bando de satanistas ("kakodemonistas", como se chamavam a si mesmos), que escolhiam de propósito dias agourentos e proibidos para cear entre si e caçoar dos deuses e das leis de Atenas. [Osório diz: eu passo debaixo de escadas quando o pintor não está lá em cima! Acho que tira o azar ou a superstição de que se tirou o azar ao não passa sob ela].

Hermas. [Para os kakodaimonistai v. Lísias ap. Ath. 12.551e. A profanação da estátua é mencionada por Aristófanes, nas Rãs (366, cf. Eccl. 330), onde o comentador diz que Cinésias foi o criminoso. Para ulterior informação acerca deles, Maas em RE, XI, 479-81, Dodds, Gks. and Irrat. 188s, Woodbury em Phoenix, 1965, 210. Woodbury (p. 199) faz a observação interessante que tais crimes de sacrilégio e blasfêmia "pressupõem a autoridade de alguma coisa santa. Uma missa negra implica a autoridade e a validade do sacramento”. Pode ser assim. Satanistas medievais, sem dúvida, criam que faziam aliança com um dos dois poderes opostos e igualmente reais. Mas também é possível cometer crimes que podiam trazer a ira dos deuses, se existissem, simplesmente para demonstrar que não existiam. É mais provável, na documentação, que esta seja a explicação dos atos de Cinésias e do seu clube de refeição, e dos perpetradores de outros ultrajes contra a religião em Atenas.]

Tudo isso pode ter pouca conexão direta com a história da filosofia, mas, junto com o racionalismo dos filósofos naturais e dos sofistas contribuiu para a atmosfera em que cresceu Platão e que o levou a construir em oposição uma teologia filosófica baseada numa teoria da origem e do governo de todo o universo e do lugar do homem nele.

Platão, considerado comumente como o mais fanático e implacável dos teístas, (…) Admite que o ateísmo não leva necessariamente a conduta imoral, e reconhece um tipo um tanto semelhante aos dos humanistas éticos de nossos dias. A passagem atinente é Leis 908b-e:

 

Embora um homem possa ser inteiramente descrente na existência dos deuses, se ele tiver caráter reto detestará os malfeitores, e, por repugnância à maldade, não terá nenhum desejo de cometer atos errados, mas evitará o que é injusto e será atraído ao bem. Mas há outros que, em acréscimo a sua crença de que não há deuses absolutamente, caracterizam-se por uma falta de autodomínio nos prazeres e dores, combinada com vigorosa memória e inteligência penetrante [Osório diz: Platão e os ateus! / Penso que exemplo disso é o Platão siracusano. / Ademais, a recíproca é verdadeira: há os crentes que praticam as piores maldades. É via de mão dupla!]. Ambos os tipos têm em comum a doença do ateísmo, mas com respeito à injustiça para com outros um faz muito menos mal do que mal que o outro. Um terá, sem dúvida, uma maneira bastante livre de falar sobre deuses, sacrifícios e juramentos, e por ridicularizar outros talvez possam fazer alguns convertidos se não for retido pela punição; o outro, porém, apóia as mesmas opiniões, mas com a reputação de ser homem dotado, cheio de manhas e perfídias – esta é a espécie que produz teus adivinhos e peritos em toda sorte de charlatanismo. Às vezes também produz ditadores, demagogos, generais, inventores de mistérios privados e os ardis dos que são chamados sofistas [Osório diz: vejo o próprio Platão em Siracusa e no seu mundo das ideias]. Existem assim muitos de ateísta mas dois que merecem a atenção do legislador. Os pecados dos hipócritas merecem mais de uma morte ou até duas, mas os outros exigem advertência e confinamento.

 

No sentir de Platão, o primeiro e maior crime contra a religião não é o ateísmo aberto, mas o estímulo à superstição [Osório diz: que o que ele, Platão, faz! Contradição sempre! Penso que é ou o contrário (a religião que causa a superstição) ou via de mão dupla!]. Também antes, na República (...) ele censurara os pseudo-sacerdotes e profetas que espoliam os ricos e ingênuos com espúrios livros órficos que prometem imunidade de punição para todos os que pagam por seus ritos e encantações. Uma personagem em Eurípides chama a profecia de “coisa sem valor, e carregada de mentiras”. As chamas do sacrifício, pensa ele, e os gritos de pássaros nada têm a nos ensinar. Bom senso e bom conselho são os melhores profetas. Mas isso não é ataque dos deuses, pois ele acrescenta: “Sacrifiquemos aos deuses e oremos pelo bem, mas abandonemos a profecia”. Também Platão não condena toda profecia igualmente. Ele respeitava inteiramente o oráculo de Delfos, o porta-voz do próprio Apolo [Osório diz: mais uma contradição de Platão: só que ele apoiava era bom! Ele se achava o dono da verdade ou seus seguidores o acham tal dono!], mas a arte mântica tem suas formas elevadas e baixas, e havia toda uma multidão de adivinhos mercenários, pretendendo dizer a vontade dos deuses pela aparência dos sacrifícios e pelo vôo dos pássaros, ou coletâneas escritas de oráculos forjados (tais como são ridicularizados nos Pássaros de Aristófanes [Osório diz: aqui Aristófanes não errou!!!! É conveniente com a tese esposada) que levavam ao desprezo da religião. Platão oferece ainda ulterior documentação da necessidade de distinguir tentativas de purificar a religião de ataques à religião mesma.

 

c) Monoteísmo: Antístenes.

 

Detectar e isolar quaisquer expressões de puro monoteísmo em escritos gregos é tão difícil como definir ateísmo não-adulterado [Osório diz: “ateísmo não-adulterado”! Pois é! ]. A questão de um deus ou muitos deuses, tão central na tradição judaico-cristã, dificilmente preocupou os gregos. Manifesta-se isto nas obras de teólogos tão filósofos como Platão.

Sobre um ponto, porém, concordam os filósofos: "o divino" mesmo não é antropomórfico, quer seja o Logos-fogo de Heráclito, o "deus uno" de Xenófanes fr. 23 (vol. I, 374), que não é "de maneira nenhuma como os mortais, quer no corpo, quer na mente", o deus de Empédocles que é pensamento puro e expressamente exclui qualquer parte corpórea (fr. 134, vol. II, 256), ou a Mente original criadora do cosmo de Anaxágoras. Alguns destes pensadores poderiam ser classificados, se quiséssemos, como monoteístas ou panteístas, sobretudo Heráclito e Xenófanes com seus ataques mordazes a crenças e cultos populares. Não se registra nenhum ataque desta espécie de Anaxágoras, mas ele expressou sua doutrina de maneira extremamente franca e sua perseguição por impiedade não surpreende. Empédocles, de outro lado, encontrou espaço para grande número e variedade de deuses em seu amálgama singular de ciência física e religião (vol. II, 257ss). Em suma, é melhor evitar estes rótulos, que, constituídos de raízes gregas, eram alheios aos próprios gregos.

Todavia no período dos sofistas e de Sócrates, que estamos considerando agora, parece haver uma expressão inequívoca de visão monoteística, expressa nos termos da corrente antítese entre nomos e physis. É visão do discípulo de Sócrates, Antístenes, cuja teoria da relação da linguagem com a realidade já analisamos, e, como de costume, possuímos poucos fragmentos de testemunho indireto. Diz-se que provêm de uma obra sobre a Natureza e afirmam que “segundo o nomos há muitos deuses, mas na natureza, ou na realidade, há um só” (…) Assim Filodemo, o Epicureu, relata, e o Epicureu de Cícero (todas as outras nossas versões são em latim) observa que “Antístenes, no livro chamado Physicus, ao dizer que há muitos deuses entre os povos, mas somente um na natureza (naturaliter unum), abole o poder dos deuses”. O cristão Lactâncio acrescenta que o deus único “natural” é o supremo artífice do universo, e afirma que só ele existe embora nações e cidades tenham seus próprios deuses populares. Escritores cristãos também citam Antístenes dizendo que o deus não é semelhante a nenhuma outra coisa (ou pessoa: o dativo podia ser masculino ou neutro) e que por isso ninguém pode saber dele a partir de imagem [Osório diz: será que por isso o Islã proíbe imagens?]. Se Lactâncio estiver certo quando o único deus era o criador do universo (que, na ausência de testemunhas melhor qualificadas, não se pode ter como certo), este será um exemplo notavelmente antigo na Grécia de um puro monoteísmo [Osório diz: monoteísmo na Grécia]. O contraste entre os muitos deuses do nomos ou da crença popular e o único deus real é claro e enfático. Sem esta adição, porém, a ênfase na unidade de Deus e a impossibilidade de representá-lo por imagem visível lembra Xenófanes, e é compatível com um credo panteístico mais do que com um monoteístico [Caizzi, o mais recente estudioso que faz estudo especializado sobre Antístenes, descreve-a cautelosamente como “uma fede monoteística, forse in germe panteistica”.]. [Osório diz: essa descrição seria e é, a meu ver, uma imagem que se tem do Islã na atualidade]

Partilhou com Protágoras, Demócrito e outros da crença na evolução progressiva da humanidade por seus próprios esforços, que pensou que as leis não eram nem inerentes à natureza humana desde o início nem eram dons dos deuses, e a religião era mera invenção visando prevenir comportamento ilegal. A religião era para o súdito, para assegurar a obediência, e não para o governante ilustrado. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 218, 221-231).

 

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