Sofística
(uma biografia do conhecimento)
51 – Pródico e 51.1 – Discurso, por Pródico.
Pontua Kerferd:
“A situação é um pouco mais clara quando nos voltamos para Pródicos. Ele era famoso, em toda a Antiguidade, pelo seu estudo de sinônimos, que deve seguramente ter figurado na sua preleção Sobre a correção dos nomes. A discussão dos sinônimos era considerada um aspecto distintivo de todo o seu ensino e de suas preleções. O aspecto mais notável de seu estudo das palavras era a maneira pela qual distinguia os sentidos de conjuntos de palavras — mais comumente duas, mas às vezes três ou mais —, todas elas de sentido muito semelhante. Isso pode ser ilustrado melhor com um exemplo de sua arte, fornecido por Platão no Protágoras (337a-c = DK 84A13):
Os que frequentam discussões desse tipo devem ouvir ambos os oradores imparcialmente, mas não igualmente. Pois há uma diferença: deveríamos ouvir ambos com imparcialidade, contudo não dar igual atenção a cada um e, sim, mais ao mais sábio e menos ao menos instruído. De minha parte, Protágoras e Sócrates, peco-vos que concordem com meu pedido de disputar, não brigar, um com o outro, por causa dos vossos argumentos: pois amigos disputam com amigos em espírito de boa vontade, ao passo que briga é entre es que estão em desacordo e em estado de inimizade um com o outro. Dessa forma, nossa reunião será o maior sucesso, visto que vós, os oradores, ganharão, assim, a maior estima, mas não louvor, de nós que vos ouvimos. Pois estima está presente no âmago das almas dos ouvintes, sendo algo genuíno e livre de engano, mas louvor se encontra frequentemente na linguagem daqueles que falam ao contrário de sua real opinião. E nós, que ouvimos, teríamos, assim, a maior alegria, mas não prazer. Pois o homem obtém alegria quando aprende alguma coisa e ganha uma cota de compreensão puramente em seu espírito, ao passo que tem prazer quem come algo ou tem alguma outra experiência corporal prazerosa. [Osório diz: diferença entre disputa e briga].
Essa passagem deixa evidente a possível aplicação retórica da técnica de Pródicos. Mas é claro que ele não queria que suas distinções entre palavras fossem meramente arbitrárias — seu objetivo era relacionar cada nome, ou onoma, a uma determinada coisa, e a nenhuma outra, exatamente como o nome de uma pessoa é o nome dessa determinada pessoa e de nenhuma outra (cf. DK 84A19), na crença de que é valioso e importante usar somente o nome certo em cada caso. Mas os exemplos dados na passagem do Protágoras deixam evidente que onoma, ou nome, era usado para palavras em geral, não simplesmente para o que hoje chamamos de nomes. Seus exemplos são, na maioria, compostos de verbos e adjetivos. Na verdade, todas as partes de uma sentença, e até uma sentença inteira, são tratadas como um nome, ou onoma, no Crátilo, de Platão. Mas um nome, para ser um nome, precisa ser o nome de alguma coisa. A coisa que é nomeada é considerada o significado do nome em questão. Daí se segue que um nome que não é o nome de coisa alguma não é um nome no sentido real do termo, e não tem, necessariamente, nenhum sentido. Assim, no Eutidemo (283e9-286b6), de Platão, é dito que o que uma sentença ou logos afirma é aquilo a que se refere a sentença. A cada segmento da realidade pertence exatamente um logos e a cada logos corresponde exatamente um segmento distinto da realidade.
As consequências dessa maneira de ver as palavras são, contudo, paradoxais, e os paradoxos assim gerados fornecem matéria para uma considerável parte da história da filosofia grega em ambos os períodos, arcaico e clássico2. Primeiro, priva de sentido toda declaração manifestamente negativa, visto que o que não é não pode ser nomeado, e isso leva à doutrina que não se pode contradizer — ouk estin antilegein — discutida abaixo (pp. 151ss) [Osório diz: em algum canto eu, Osório, disse que Parmênides leva a Protágoras quanto a tal doutrina]. Segundo, há uma dificuldade mais ou menos crucial que tem de ser enfrentada no caso de todas as expressões que envolvem qualquer grau de negação. Sentimo-nos obrigados a dizer que muitas declarações incluindo vários tipos de negação são, de fato, verdadeiras. Mas, nesse caso, o que é que eles querem dizer com a sua concepção do significado resumida acima? Heráclito estava pronto a rejeitar muito do que as pessoas sem conhecimento ordinariamente declaram ser fato. Mas ele mantinha que seu próprio logos, ou explicação, também era uma explicação correta da estrutura da realidade. Mas essa explicação correta era, para ele, uma explicação de estados de coisas que são contraditórias — o mundo aparente ao qual se refere a linguagem se acha cheio de contradições objetivas. [Osório diz: por que é impossível a contradição! A melhor explicação que encontrei!].
(...)
O método de procedimento de Pródicos não estava limitado a ele — segundo Platão (DK 84A17), ele o obteve de Damon e dele partilhavam também outros sofistas. O método consistia em Diaeresis ou Divisão dos nomes e assim é regularmente rotulado por Platão e, depois dele, por Aristóteles3. Podemos dizer que seu método normal consistia, como argumentou Classen, em pôr dois nomes um contra o outro a fim de abstrair deles o sentido básico que partilham e descobrir as sutilezas de sentido em que diferem. Mas as palavras não são definidas individualmente — ele não está perguntando "o que é x?", mas "em que aspecto x é diferente de y?" Isso serve para distinguir a sua abordagem da de Sócrates, do qual, no entanto, ele continua sendo o precursor em todos os pontos essenciais. Sócrates pergunta simplesmente “o que é x?”. Mas não há por que tentar descobrir uma outra diferença, sugerindo que Pródicos está interessado no sentido próprio das palavras, ao passo que Sócrates está interessado na coisa real. Como vimos, para ambos, o significado de uma palavra consiste naquilo a que ela se refere, e a visão correta foi expressa por Classen, quando diz que ao descrever qualquer objeto, ou uma dada situação, Pródicos observará: essa palavra é apropriada, ao passo que aquela, embora quase equivalente e idêntica quanto ao sentido, não é. Sócrates vai pelo mesmo caminho, exceto que, quando indaga o que é x, o onoma ou nome que está investigando não é usualmente uma única palavra, mas antes uma fórmula consistindo em uma série de palavras, um logos ou uma definição.” (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 122-125 e 129-130).