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40 – Sócrates era um Sofista?

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

40 – Sócrates era um Sofista?

 

No Brasil existe uma charada (adivinha) popular em que se pergunta o seguinte:

 

O que é que tem pé de porco, mas não é porco?

que tem orelha de porco, mas não é porco?

que tem rabo de porco, mas não é porco?

que tem língua de porco, mas não é porco?

que tem costela de porco, mas não é porco?

 

A resposta é: Feijoada!

 

Há quem tente separar Sócrates dos demais Sofistas, mas parece que a charada acima se aplicaria a Platão, o maior insistente nessa separação: Sócrates tem tudo de Sofista, mas não é um sofista, para ele!

O sábio Aristófanes podia ser um aristocrata conservador, mas não era um idiota, um tolo, todos reconhecem. Suas peças comprovam isso, assim, como poderia, como chega-se a afirmar, que ele errou ao caracterizar Sócrates como o caracterizou na sua peça As nuvens?

Ele sabia do que estava falando, tanto assim que as acusações que lança contra Sócrates, a de corromper a juventude e cultuar novos deuses, serão as mesmas que constarão da acusação de Anito, Meleto e Licón contra ele e que serão aceitas pelos jurados que o condenam!

Só aí temos inúmeras pessoas afirmando que Sócrates era um Sofista também: Aristófanes, Anito, Meleto e Licón e as centenas de jurados que o condenaram, dentre os quinhentos que compunham o júri popular!

Como Aristófanes era um cômico e Platão tem a fama de ser sério, já se disse que, no caso de Sócrates, o cômico Aristófanes deve ser levado a sério e o sério Platão deve ser tido por cômico!

 

Enquanto não conseguirmos levar Aristófanes a sério e Platão comicamente, não conseguiremos compreender nenhum deles. Apenas a nossa pedanteria arrogante nos leva a ignorar as incontáveis alusões de Platão a Aristófanes. Para nós, acadêmicos, não podem, pura e simplesmente, ser importantes. O professor Platão só pode falar com os seus colegas professores. A minha resposta é que temos de olhar para onde Platão nos diz para olharmos e não para onde julgamos que devemos olhar.”. (Fonte: Gigantes e Anões, Ensaios, 1960-1999. Allan Bloom. Publicações Europa-América LDA, 1990, p. 178-193.).

 

Acrescentamos, quanto a Aristófanes, um segundo fato que põe por terra a acusação de que ele enganou-se quanto a Sócrates.

Todos citam apenas a peça As nuvens como sendo aquela na qual Aristófanes equivocou-se quanto à figura de Sócrates. Entretanto, quem ler outra peça do mesmo autor de nome As rãs, encontrará a seguinte afirmativa:

 

Feliz o homem totalmente sábio! Milhares de provas atestam a veracidade desta afirmação. Este, por ter sido sábio, voltará a ver a sua casa, o que é uma vantagem para seus concidadãos, para seus parentes e seus amigos; ele deverá tudo à sua sapiência. É bom, então, não ficar perto de Sócrates conversando com ele, desdenhando a música e as partes mais importantes da arte trágica. É loucura perder tempo em conversas ociosas, em sutilezas frívolas". (As rãs. Aristófanes. Tradução de Mário da Gama Kury. Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2004, p. 273-274).

 

Aristófanes era inteligente demais para se enganar duas vezes com e sobre Sócrates (As nuvens e As rãs) e seu público tinha conhecimento bastante para saber do e sobre o que ele falava quando se referia ao mestre de Platão, basta ver o número de notas de são escritas na atualidade para que o leitor moderno entenda o enredo das peças encenadas em Atenas nos Séculos VI e V antes da era atual, e que estavam implícita no conhecimento do expectador naquele momento, pois é inconcebível que a peça parasse em sua continuidade para que alguém explicasse a questão sobre a qual ela estava tratando, ou apresentasse as pessoas sobre as quais falavam!

 

E de que os Sofistas somos acusados? Duas são as acusações básicas:

 

a) Cobrarmos por nosso trabalho,

b) Nosso ensinar não ser verdadeiro.

 

É de fazer rir tais absurdos em relação a todos os Sofistas, mas vejam como as acusações são afastadas quando se trata de Sócrates:

a) Sócrates não trabalhava e era pobre, além de ser pai de filhos e ter esposa, Xantipa. Quem sustentava ele e seus dependentes?

 

Maltrapilho e desgrenhado, nunca tinha dinheiro nem se preocupava com o problema de saber de onde viria sua próxima refeição”. [Fonte: O sonho da razão. Anthony Gottlieb. Tradução de Pedro Jorgesen Jr. Rio de Janeiro. Difel, 2007, p. 168).

 

Os demais Sofistas não podiam cobrar por seus ensinamentos, mas Sócrates podia receber?

Não é de fazer rir.

Mesmo que todos os pensadores que os antecederam fossem ricos, dos Sofistas não podemos dizer o mesmo, embora Protágoras, particularmente, não fosse um miserável. Como deveriam eles fazer, então, para comer, vestir e morar?

b) Se não ensinavam um “conhecimento verdadeiro”, pergunta-se: e qual conhecimento é o verdadeiro?

Se é que ele existe, nenhum, até agora foi concluído! Todas as questões estão em aberto. Não existe nenhuma verdade, nenhuma certeza estabelecida até hoje que não seja questionável!

Quem ensina o verdadeiro, se ninguém sequer é capaz de saber o que ele é?

Jonathan Wolff é categórico em afirmar:

 

Afinal de contas, observa-se frequentemente, ninguém pode estar absolutamente certo de coisa alguma. Praticamente todas as afirmações de conhecimento — seja ele político, científico ou filosófico — são falíveis”. [Osório diz: ou seja, não existem verdades!]. Fonte: Introdução à Filosofia Política, tradução de Maria de Fátima St. Aubyn, Gradiva, Lisboa, 2004).

 

Hoje apenas os fanáticos religiosos ainda se aferram na possibilidade de existência de verdade!

 

"As grandes ideias não aparecem nunca de súbito. As que têm a verdade por base contam sempre com precursores, que lhes preparam parcialmente o caminho. Assim aconteceu com as ideias cristãs, que foram pressentidas muitos séculos antes de Jesus e dos Essênios, e das quais foram Sócrates e Platão os principais precursores.".(Fonte: Kardec ao apresentar a doutrina de Sócrates e Platão em O Evangelho Segundo o Espiritismo).

 

E os atuais professores que recebem para ensinar, são Sofistas também? Qual a diferença entre eles e os Sofistas Atenienses, nesse quesito?

Pensem e depois me digam qual foi a sua conclusão.

c) Sócrates defendia a doutrina do raciocínio forte e fraco (n’As nuvens, de Aristófanes), além de outros conhecimentos técnicos típicos dos Sofistas. Se Aristófanes tinham conhecimento dessas doutrinas, como poderia confundir a pessoa de Sócrates, conhecido de todos, com um Sofista, se ele não o fosse um deles também. E como enganar-se duas vezes?

d) Sócrates tinha por discípulos (e amigos) Antístenes e Crítias, sabidamente tidos por Sofistas, embora este último, por ser rico, era tio de Platão, e sobre quem ele nunca fala, não cobrasse por seus ensinamentos.

e) Conclui-se, pelos diálogos platônicos, que Sócrates era amigo de Protágoras, Górgias, Hípias e Pródico.

f) A amizade com Protágoras teria vindo por intermédio de Aspásia, “etária” (ou cortesã) de Péricles, com quem ela teve um filho. Ela era muito influente no círculo filosófico e político de Atenas, promovia reuniões literárias em sua casa e participava do debate político da época, embora não se tenha conhecimento da participação de Sócrates nessas reuniões. Significaria que ele não tinha tanta importância para merecer um convite?

Não sabemos quem era Sócrates! Apenas sabemos “o que dizem que ele era”, mas há muitas contradições quando à sua doutrina, especialmente entre Aristófanes e Platão.

Seus discípulos foram os mais perniciosos que comandaram Atenas, especialmente Alcebíades, que causaram-lhe os maiores males. (Fonte: Xenofonte, Memoráveis, l, 2, 12 e segs. Fragmentos, 244).

Seu discípulo mais famoso, Platão, tinham um amor irresistível pela tirania, tanto assim que fez viagens à Siracusa para ajudar o tirano local, Dionísio, no episódio que ficou conhecido como “síndrome de Siracusa”, ou o amor pelo tirano.

Assim era Sócrates para Platão: tinha tudo de sofista, mas não era sofista!

Mas essa visão platônica sobre seu mestre não resiste a um estudo menos apaixonado ou interessado em que assim seja: que Sócrates não é um sofista.

Seria Platão um frustrado, por ciúmes amorosos do mestre por seus relacionamentos com os discípulos de Antístenes e Alcibíades (Banquete)?

Tentou Platão ser para Siracusa o que Alcibíades foi para Atenas?

Seu tio Crítias, que governou como um dos Trinta tiranos (governo imposto por Esparta em Atenas), além de participar do convívio com Sócrates, foi, também, discípulo dos sofistas, sem que ele mesmo, em sentido restrito, fosse um sofista, justamente por não ser um “professor”, não cobrar por seus ensinamentos. (Fonte: Fragmentos, 239). Plãto, em nenhum de seus diálogos, se refere ao tio, a despeito da figura de proa que ele foi.

Platão tinha dois irmãos, Gláucon e Adimanto, que são personagens de seus diálogos, a demonstrar que também eram filósofos ou cultuavam a filosofia, amavam o saber.

Pode-se dar qualquer interpretação, devida ou não, aos Sofistas, como fazem Platão e Aristóteles, pois ambos também com eles não conviveram, ou pouco conviveram, apenas conheceram seus escritos, ou, pelo menos não se tem notícias de que os Sofistas tenham respondido as questões trazidas pelos dois nominados.

Sócrates, essa figura enigmática que, por não ter deixado nada escrito, não se sabe até onde vão/foram seus pensamentos a fazer fronteira com o que Platão e Xenofontes (seus discípulos) dizem que ele pensava.

Fernando Antonio Cabral Pinto, tem livro muito interessante no qual busca separar o pensamento de Sócrates daqueles dos seus seguidores, trata-se de “Sócrates, um filósofo bastardo”. Ademais, diz o Professor:

 

Sócrates pertencia ou não ao círculo de Péricles? [...] Lembrei-me de algo que pode contribuir para uma resposta afirmativa: No diálogo Menexeno, que trata o tema das orações fúnebres (recordar a célebre oração fúnebre de Péricles relatada por Tucídides), Sócrates declara ter sido iniciado neste tipo de discursos por Aspásia, companheira de Péricles. O diálogo é escrito por Platão com intenção crítica (já não é o jovem autor da Apologia, mas o reconvertido à militância antidemocrática que o escreve). Sócrates reproduzirá uma oração composta por Aspásia, ela que também teria composto a oração fúnebre proferida por Péricles. Uma vez que Platão descreve o espaço social dentro do qual se moviam os intelectuais e os políticos contemporâneos de Sócrates, e sendo esse espaço necessariamente limitado, é legítimo deduzir-se que as mesmas pessoas (amigos e críticos) se cruzavam todos nos mesmos lugares, tanto públicos como privados. Daí poder deduzir-se também, sem grande risco de erro, que Sócrates fazia parte do círculo de Péricles”.

 

Kerferd diz:

 

Fica assim claro que Sócrates era geralmente considerado parte do movimento sofista. Mediante a sua notória amizade com Aspásia, é provável que estivesse em contato bem íntimo com o círculo de Péricles, e seu impacto intelectual e educacional sobre os jovens ambiciosos em Atenas era tal que foi, nessa função, corretamente considerado sofista. O fato de não receber pagamento não altera em nada a sua função”. [Osório diz: E como se sustentava e aos seus familiares esse homem pobre?].

 

Embora, não privasse da amizade ou admiração do estadista, como Protágoras, por exemplo

 

Diz mais o citado autor:

 

Foi no caso do julgamento dos generais que na batalha de Arginusa, 406, impedidos pela tempestade, não recolheram os mortos a fim de lhes ser dada sepultura. Tanto bastou para que os adversários do regime democrático, esquecendo a importante vitória que aqueles estrategos, entre os quais se contava um filho de Péricles, tinham acabado de alcançar, reclamassem para eles a condenação à morte por sacrilégio. Há sobre este episódio coincidência nas referências que a ele fazem Platão (Apologia, 32 b) e Xenofonte, este na dupla qualidade de historiador (Helénicos, I, VII, 15) e de discípulo de Sócrates (Memoráveis, I, I, 18 e IV, IV 2). Sócrates, na altura um dos cinquenta prítanes em exercício e ocupando o lugar de presidente-, foi a única voz que se ergueu contra as irregularidades então cometidas e contra a sentença de morte proferida por uma assembleia dominada pelo fanatismo religioso que alguns oligarcas reacionários, entre os quais Teramene, souberam instrumentalizar” (Fonte: Sócrates, um filósofo bastardo. F. Cabral Pinto. Livros Horizonte. Lisboa. 1985, p. 44-45).

 

A se crer em Platão e Xonofontes, Sócrates, tido como o homem mais sábio do mundo, seria o mais sábio de Atenas, consequentemente o mais sábio, no século de Péricles, de quem foi contemporâneo e contemporâneo. Teria, segundo dizem aqueles, se recusado a participar de julgamento de generais atenienses que deixaram de recolher corpos de outros militares atenienses lançados ao mar durante a batalha de Arginusa. Entretanto, lendo-se a obra de Tucídides (História da guerra do Peloponeso), na qual é narrada a referida batalha e o citado julgamento, não é feita nenhuma (nem uma) única citação ao personagem Sócrates! Nem mesmo quando Tucídides fala sobre o discípulo de Sócrates Alcibíades cita o mestre! O que justificaria a omissão de personagem tão conhecido, ilustre e participante da vida política ateniense?

E os juízes que o condenaram?

 

Sabendo que os juízes estavam predispostos contra ele devido às calúnias de Aristófanes, Sócrates tentou corrigir essas falsas impressões. Ele não é, diz, um homem que ensina por dinheiro como os "sofistas" profissionais com quem Aristófanes o confundiu. Parece que isso era verdade: Sócrates não cobrava. Mas pedia que o convidassem para a ceia. Aceitava a hospitalidade alheia em barganhas tácitas por sua conversação instrutiva e aparentemente não tinha qualquer outro tipo de trabalho. A forma como ganhava a vida não era, na verdade, diferente da dos sofistas - não que tais modos de vida pudesse ser hoje considerados intrinsecamente suspeitos. Tentou também rebater a calúnia de que ensinava às pessoas que não tinham razão a ganhar discussões com trapaças. Longe disso, protestou, pois não sabia o suficiente para ensinar nada a ninguém”. (O sonho da razão, Anthony Gottlieb, tradução de Pedro Jorgesen Jr., Rio de Janeiro, Difel, 2007, p. 177). [Osório diz: Bingo!].

 

Aliás, a maior prova de que Sócrates, muitas vezes, parece não ser o Sócrates tão cultuado por todos, está no fato de que ele, durante seu julgamento, que ele reputava injusto, não foi capaz de convencer seus juízes da sua inocência, de provocar nestes o conhecimento que ele afirmava ser capaz de fazer qualquer um parir. Para este caso sua maiêutica não funcionou, decididamente!

Por fim, Sofista não explica, apenas complica! Daí Sócrates ter sido um sofista, já que apenas perguntava, sem nunca explicar, o que Platão levou a vida toda “sofisticamente” negando!

O Cristianismo, por opção, irá eleger Sócrates como o “cristão antes de Cristo”, e a partir disso aumentará as distorções de Platão para com os Sofistas.

O cristianismo santificou Sócrates, como, contraditoriamente, fez com muitos dos seus sanguinários santos!

 

Durante os doze primeiros séculos da era Cristã, o Timeu foi a base de toda a cosmologia ocidental. Do século da era cristã em diante, e até que fossem traduzidas as obras científicas de Aristóteles, dentre outros, no século XII, a única descrição sistemática da natureza em geral disponível provinha de versões parciais desse livro, em latim. A popularidade de alguns dos diálogos se devia ao fato de que o Deus do Timeu podia, numa emergência, ser interpretado como o Deus do Gênesis. Lendo-se, porém, Platão sem antolhos bíblicos, vê-se que isso requeria um bocado de imaginação interpretativa; mas os cristãos estavam sempre prontos para fazê-lo. As principais diferenças entre o Deus de Platão e o Deus bíblico são as seguintes: o Deus de Platão não é a coisa mais importante do Universo (as Formas sim, e é Deus quem tem de acompanhá-las); ele não é o único Deus, pois tem muitos assessores; ele não é onipotente, tem de cooperar com as forças naturais; ele não criou o Universo a partir do nada, usou materiais já disponíveis; ele não tinha nenhum interesse particular nas pessoas - na verdade passou a tarefa de criá-las aos seus subordinados para mantê-los ao alcance da mão”. (O sonho da razão, Anthony Gottlieb, tradução de Pedro Jorgesen Jr., Rio de Janeiro, Difel, 2007, p. 253-254).

 

Eis aí a simbiose entre Platão e cristianismo!

Platão, filho de Ariston, dedicou-se primeiramente à poesia e compôs versos heroicos. Em seguida ele os queimou, como fazendo pouco caso deles, depois que, comparando-os com os de Homero, sentira quanto os seus eram inferiores...” (Fonte: Histórias diversas de Eliano, Martins Fontes, São Paulo: 2009, p, 73).

Passou, então, acrescente-se, a escrever suas peças, em forma de diálogos, no que, aí sim, foi mestre, mas, costuma-se esquecer que são apenas peças teatrais, tanto assim que ele, não tendo como falar mal dos Sofistas, criou o personagem Cálicles, que apenas ele conhecia e deu notícia!

Até o que se vê na figura de Sócrates poderia ser questionado. Veja-se:

a) Já era velho o bastante (cerca de 70 anos), em 399 (O sonho da razão, Anthony Gottlieb, tradução de Pedro Jorgesen Jr., Rio de Janeiro, Difel, 2007, p. 173), quando escolheu a forma de sua morte;

b) O maior debatedor/convencedor não foi capaz de fazer a própria defesa salvadora;

c) Tucídides não lhe dedica uma palavra, a despeito dele “ser um herói de guerra e o homem mais famoso (sábio) de Atenas;

d) Participou de guerras, portanto, matou pessoas, por quê?

Voltemos a Tucídides:

Tucídides nasceu cerca de 460 e 455 e morreu por volta de 404 antes da era atual.

Sócrates, por sua vez, nasceu por cerca de 470/469 e morreu em 399, antes da era atual.

Tucídides é considerado “o pai da história”, e sua única obra preservada, "A história da Guerra do Peloponeso", é fenomenal mesmo.

É riquíssima em detalhe das batalhas e em aspectos das vidas de alguns personagens históricos, bem como da vida da própria cidade de Atenas, quando descreve a peste, por exemplo.

Antífon (ou Antifonte), os sofistas, Péricles, Alcibíades etc., são citados por Tucídides na referida obra.

Sócrates, segundo se diz, foi tido como “o homem mais sábio da Grécia”, pelo oráculo de Delfos.

Entretanto, o que me chamou a atenção ao ler “o pai da história”, foi constatar que ele não faz uma única referência a Sócrates! Por quê?

O único Sócrates citado por Tucídides é “Sócrates filho de Antígenes”! O famoso filósofo era filho de Sofronisco.

E por que deveria citá-lo? Eles foram contemporâneos. Sócrates era, afinal, o homem mais sábio da Grécia? E, segundo Platão, “Sócrates combateu na batalha de Délion onde salvou a vida de Alcibíades.”. Tucídides, que narra a referida batalha não cita o filósofo, entretanto.

Alcibíades sim, é citado inúmeras vezes!

Deixemos a resposta para os especialistas.

Por todo o exposto, não temos dúvidas em afirmar que Sócrates era também um Sofista, nos mesmos moldes de Protágoras – possivelmente seu amigo, pois conhecido com certeza, pois é a ele que recorre o jovem Hipócrates quando vai pedir-lhe que interceda junto a este para que ele o aceite como aluno –, Górgias e todos os demais. Mas Kerferd põe uma pá de cal sobre essa discussão ao sustentar:

 

Um aspecto especial do sofisma é identificado, então, como um tipo de exame verbal chamado Elenchus (refutação lógica), que educa purgando a alma do vão conceito de sabedoria. O que, exatamente, Platão está tentando transmitir aqui tem sido tema de discussão, mas parece que ele considera essa função, essencialmente negativa, um dos menos indesejáveis resultados da atividade sofista, quando a rotula de "a sofística que é de família nobre", presumivelmente para distingui-la de outros aspectos das atividades dos sofistas [Osório diz: isso casa perfeitamente com o Sócrates sofista!].

Como vimos, a partir de outro testemunho, antes de citar a passagem de Fedro, o método de falar brevemente estava muito claramente relacionado, por Sócrates, ao método de pergunta e resposta (ver Prot. 329b3-5,334d4-7,335a6, bl-2) — de fato, é de se perguntar como poderia ter sido diferente, sobretudo com um sofista, o menos inclinado, entre todos os homens, a querer falar brevemente, na discussão, e depois ficar calado [Osório diz: Kerferd está dizendo que Sócrates era sofista?]. Consequentemente, não é plausível a sugestão6 de que a brevidade no discurso de Protágoras e Górgias era simplesmente um estilo lacônico, "de pôr uma coisa no menor número possível de palavras", e não uma técnica de investigação. No mínimo, se não era uma técnica de investigação, era certamente uma técnica de argumentação e de ensino [Osório diz: boa defesa dos Sofistas por Kerferd].

Eis um assunto que, para alguns, oferece muita matéria a ser discutida. Pois a técnica em questão é a base do que conhecemos como a tradição socrática em educação; na realidade Diógenes de Laércio recorda a tradição segundo a qual Protágoras foi o primeiro a desenvolver o método socrático de argumentação [Osório diz: o antes veio depois! Não seria que Sócrates desenvolveu o método protagórico?]. O que foi considerado uma tentativa de roubar de Sócrates o crédito por esse feito suscitou, talvez e inevitavelmente, forte sectarismo. É o que vem à tona, muito claramente, na discussão de Henry Sidgwick. A seu ver, se Protágoras tivesse realmente inventado a disputa metodológica de perguntas e respostas curtas, seria "absolutamente incrível” que pudesse jamais ser representado assim como o representa Platão no diálogo que leva o seu nome. Ele estava a pensar que a arte de disputa, mais tarde atribuída aos sofistas em alguns dos diálogos de Platão, tais como o Eutidemo e o sofista, originou-se inteiramente com Sócrates, e que ele é totalmente responsável ao menos pela forma dessa “segunda" espécie de sofística. [Osório diz: Sócrates seria segunda sofística!!!]

Essa opinião é frequentemente citada com aprovação, seja com ou sem restrições8. Que eu saiba, a mais cuidadosa discussão recente dessa questão é a de Norman Gulley. Ele tem consciência, eu diria, de que a opinião de Sidgwick simplesmente não se sustenta, e que os sofistas realmente desenvolveram um método de argumentação por pergunta e resposta. Esta, eu diria, é a única opinião possível com base no testemunho que temos. Mas Gulley se sente obrigado a reforçar a conclusão o mais possível, argumentando da seguinte forma: o procedimento dos sofistas era provavelmente um desenvolvimento bastante tardio, influenciado, na sua formulação, pelo método de exame por perguntas e respostas de Sócrates. É provável que qualquer elemento de questionamento no método de Protágoras fosse um elemento quase incidental, e tivesse uma importância mais dramática do que filosófica. Portanto, conclui ele, seria mais prudente seguir Platão e chamar o método de Sócrates de "dialético" em contraste com o método "erístico" dos sofistas. [Osório diz: quem disse que em filosofia não existe o jeitinho brasileiro?]

O contraste entre os termos "dialética" e "erística" será discutido mais adiante. Quanto ao resto das controvérsias mencionadas acima, simplesmente não há nenhum indício, nada que possa sugerir que o método de Protágoras, e dos outros sofistas, fosse posterior ao de Sócrates. Mas temos motivo para associar o método de Protágoras com a sua doutrina dos Dois Logoi, um oposto ao outro. De fato, Platão, no Sofista, numa passagem a ser discutida logo mais (232b), destaca um aspecto como distintivo de todos os sofistas como tais, a saber, que eles eram Antilogikoi, que opunham um logos a outro. Isto significa que o que estamos chamando de método de Protágoras tem fundamento na própria teorização de Protágoras, e isso certamente sugere que é mais provável que o método seja mesmo dele do que simplesmente de Sócrates. Portanto, a seguinte esquematização do “método de Protágoras" tem considerável plausibilidade, embora seus detalhes vá um pouco além dos testemunhos: (1) um estilo de exposição formal seja na preleção ou no manual, (2) troca oral num pequeno grupo de discussão informal, e (3) a formulação antitética de posições públicas e o estabelecimento de princípios a serem seguidos pelos membros do grupo. O que podemos dizer com certeza é que temos todos os motivos para atribuir a Protágoras o uso de um método tutorial para suplementar exposições esteriotipadas, e que não há razão para supor que isso se tenha originado com Sócrates. [Osório diz: o método socrático é protagórico]

Por isso, para resumir, eu diria que em certo sentido o problema está longe de ser tão importante quanto tem parecido. O método socrático, mesmo que possa ter se originado com Sócrates, não obstante originou-se a partir de dentro do movimento sofista, porque o próprio Sócrates fazia parte desse movimento [Osório diz: Sócrates era sofista]. Uma vez reconhecido que outros sofistas, além de Sócrates usaram, de fato, o método de pergunta e resposta, e isso certamente temos de reconhecer, então o grau de originalidade de Sócrates e o grau em que ele foi influenciado por outros sofistas são, ao mesmo tempo, uma questão sem resposta e também de importância subordinada, sob todo e qualquer ponto de vista que não seja o do sectarismo socrático. [Osório diz: para o sectarismo socrático tudo é socrático!]

A resposta de Protágoras, dada por Platão (Prot. 318d7-319a2), é esta:

 

Quando Hipócrates vier a mim, não será tratado como seria se fosse a qualquer outro sofista. Pois os outros causam danos aos que são jovens [Osório diz: disputa entre sofistas! Daí Platão fazer do Sofista Sócrates o sofista diferente de todos os demais]; quando saem dos estudos especializados, eles os pegam outra vez contra a sua vontade e os lançam de novo em estudos especializados, ensinando-lhes cálculos matemáticos, astronomia, geometria, música e literatura — e ao dizer isso, olhou para Hípias —, mas se vier a mim ele não estudará nada mais além daquilo que veio aprender. E o assunto é boa política: em negócios particulares, como governar sua própria família do melhor modo possível; e, nos negócios públicos, como falar e agir mais eficazmente nos negócios da cidade. [Osório diz: o que Protágoras se propunha a ensinar].

 

Uma questão que, sabemos, foi de grande interesse durante todo o período era o problema da quadratura do círculo, que preocupava Anaxágoras (DK 59A38) e que Antífon afirmava ter descoberto como fazer pelo método da exaustão. Temos sorte de ter um relato minucioso de sua proposta, preservado por Simplício (DK 87B13). O método, é claro, está baseado num engano, e Aristóteles podia, com razão, afirmar que ele não está baseado em princípios geométricos sólidos. Não obstante, era uma tentativa de resolver o problema [Osório diz: ninguém condena os “doutores da igreja” por discutirem quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete]. Ao próprio Hípias se atribuía a descoberta de uma curva, a quadratrix, usada na tentativa de fazer a quadratura do círculo, e também a trissecção de um ângulo. É natural supor que quando, no Mênon, Sócrates passa a obter respostas de um menino escravo, por meio de um diagrama, sem dúvida desenhado na areia, ele esteja seguindo um método bem conhecido de ilustrar problemas geométricos com desenhos [Osório diz: com isso, não se pode dizer que Sócrates não conhecia física, como se diz para combater Aristófanes em As nuvens]. Que havia discussões geométricas nos círculos sofistas está bem atestado pela observação casual de Sócrates, naquele diálogo (85b4), dizendo que a linha desenhada de canto a canto através de um oblongo é chamada de diagonal pelos sofistas. Como esta é apenas a segunda vez que a palavra diametros, em lugar de "diagonal", é encontrada em grego (a primeira vez é em Aristófanes, As rãs 801), é provável que a palavra fosse um termo técnico relativamente novo e pouco familiar — na verdade, não é impossível que a palavra tivesse, realmente, sido inventada por um dos sofistas. No caso da astronomia, temos uma prova muito forte no Nuvens de Aristófanes. Aí, Pródicos é descrito como um tipo de “sofista de ar superior” (meteorosophistes) e Sócrates é mostrado num palco, balançando-se num tipo de cesto que lhe possibilita ver mais claramente os objetos no céu que ele está ocupado em contemplar. [Osório diz: ninguém questiona a descrição de Pródico, já a de Sócrates...]

Diz-se, de vez em quando, que os sofistas simplesmente não estavam interessados em especulações físicas. Se excluirmos pensadores como Empédocles, Anaxágoras e Demócrito das fileiras dos sofistas, então é verdade que nenhuma contribuição teórica importante veio do resto. Mas é igualmente claro que eles de fato conversavam regularmente sobre questões físicas. O interesse por questões físicas, tanto nas discussões como nos seus escritos, é de fato atestado por Cícero (DK 84B3) em relação a Pródicos, Trasímaco e Protágoras. Xenofonte procura defender Sócrates e o faz afirmando que Sócrates nem mesmo falava sobre os tópicos discutidos por muitos dos sofistas, a saber, a natureza do universo, como surgiu o cosmo, e as leis essenciais que governam os corpos celestes, argumentando que os que pensavam a respeito dessas questões tinham perdido o juízo (Mem.I,1.11). Aqui Xenofonte está apelando, sem dúvida, para o testemunho do Fédon para defender Sócrates contra a ideia, oriunda de As nuvens, de que ele estava interessado em ciências físicas. Mas ele de fato afirma que Sócrates era mais ou menos o único a evitar tais tópicos [Osório diz: interessante essa defesa contra Aristófanes. Xenofonte é posterior à Platão na escrita, aquí ele se vale do Fédon!]. Sexto Empírico atribui a Protágoras uma doutrina de emanações físicas semelhante à de Empédocles e dos atomistas (DK 80A14), e Êupolis, o poeta cômico, o satirizou por seu interesse por questões físicas (DK 80A11). Górgias também estava interessado na teoria de Empédocles sobre poros e emanações (DK 31A92 e 82B5). Parece que ele teria dito que o sol era uma massa incandescente (DK 82B31) e foi representado, no túmulo de Isócrates, fitando uma esfera astronômica (DK 82A17). De Pródicos se diz que discutiu os quatro elementos identificando-os com deuses e também com o sol e a lua como a fonte da força vital em todas as coisas, qualificando-se, assim, para um lugar ao lado de Empédocles e Heráclito (Epifânio, Adv. Haeres. III, 2.9.21 = Diels, Doxography Graeci, 591). Há, provavelmente, uma referência às suas teorias em Aristófanes, Os pássaros 685ss. Além disso, foi-lhe atribuída, por Galeno, uma opinião particular sobre a natureza do catarro (DK 84B4). [Osório diz: o único sofista a não se interessar com o conhecimento que se derramava ao seu redor era Sócrates!]

O Dissoi Logoi é um texto anônimo encontrado no fim dos manuscritos de Sexto Empírico. Escrito num tipo de dialeto dórico, começa com as palavras: "duplos argumentos são enunciados na Grécia por aqueles que filosofam, concernentes ao bom e ao mau" [Osório diz: “por aqueles que filosofam”! Engraçado isso!!!], e o título moderno é simplesmente tirado das primeiras palavras iniciais. Foi composto no final da Guerra do Peloponeso. A inferência de que deve ter sido escrito logo depois do seu término baseia-se meramente na incompreensão do que é dito em I, 8, onde as palavras "os acontecimentos recentes primeiro" simplesmente significam que ele se inicia com a Guerra do Peloponeso, indo de volta ao passado para as primeiras guerras. A natureza da obra é curiosa, e há quem pense que represente as anotações de um prelecionador ou, possivelmente, notas tomadas por um ouvinte. Sua estrutura básica consiste claramente em colocar lado a lado argumentos opostos a respeito da identidade, ou não-identidade, de termos morais ou filosóficos aparentemente opostos, como bom e mau, verdadeiro e falso. Como isso é uma aplicação do método de Protágoras, leva a pensar que esteja baseado no Antilogiai daquele sofista. Mas essa conclusão não é válida, porque — como será argumentado neste livro — o método de Sócrates era de fato o método do movimento sofista todo [Osório diz: Nossa! Que confissão!]. Nem se pode atribuir o texto a qualquer determinada fonte de inspiração.

A idéia mesma de incluir Sócrates como parte do movimento sofista é, no máximo, um paradoxo e, para muitos, um absurdo. Platão procura apresentar Sócrates como o arquiinimigo dos sofistas e de tudo o que eles representavam. Pareceria que o fosso entre Sócrates e os sofistas tem se tornado, através dos séculos, ainda mais largo e intransponível, na medida que Sócrates se tornou um símbolo e um chamado de arregimentação [Osório diz: pelas religiões?]. Ele tem sido muitas vezes considerado como sobrepujado em grandeza moral somente pelo fundador do cristianismo e como encarnando, em sua própria vida e personalidade, tudo o que há de mais nobre e mais valioso nas tradições intelectuais da civilização ocidental.

Entretanto, Sócrates era um ser humano vivendo num determinado período de tempo [Osório diz: Kerferd tentando trazer Sócrates para a terra!]. Ele só pode ser compreendido se visto no contexto de seu próprio mundo contemporâneo. É assim que Platão o retrata, vivendo naquele mundo, e participando vivamente nas controvérsias do século V com adversários tais como Protágoras, Górgias, Pródicos e Hípias. Além disso, podemos dizer com alguma certeza que Platão não se convencia de que os argumentos desses adversários tivessem sido adequadamente refutados e sentia que era tarefa sua desenvolver uma visão mais completa da realidade a fim de chegar ao tipo de respostas exigidas [Osório diz: Platão sabia que Sócrates não foi capaz de refutar os Sofistas, tanto assim que o abandonou e tentou, ele próprio refutá-los].

Mas isso, ou alguma outra coisa, nos dá motivo para pensar que Sócrates fosse um sofista? Quero sugerir que, pelo menos em parte, nossa resposta a essa pergunta deveria ser sim. Em primeiro lugar não há dúvida nenhuma de que ele era considerado como tal pelos seus contemporâneos, inclusive por Aristófanes quando se divertiu às suas custas, em As nuvens, em 423 a.C. Mas há um problema ao citarmos Aristófanes, porque em As nuvens Sócrates é retratado como diretor de uma escola onde os alunos são internos, e Sócrates é pago para ensinar. Há outras diferenças fundamentais, além desses dois pontos, entre o retrato de Aristófanes e o modo como Sócrates é descrito por Platão e Xenofonte. Em Aristófanes, por exemplo, Sócrates é descrito como engajado em especulações físicas, e no Apologia de Platão ele nega esse interesse [Osório diz: cremos que Aristófanes está certo, pois Sócrates discutia qualquer terma, inclusive especulações físicas, e para tal discussão é necessário estudá-lo. Ademais, Sócrates era antenado com os ensinamentos dos filósofos que o antecederam]. Não é plausível dizer simplesmente que Aristófanes estava certo e Platão e Xenofonte estavam errados, e não é muito mais plausível dizer que ambos os relatos estão certos, mas são verdadeiros somente em relação a diferentes estágios da vida de Sócrates. Devemos concluir que, pelo menos até certo ponto, Aristófanes está distorcendo o retrato, ao atribuir a Sócrates características que pertencem aos sofistas em geral, mas que não pertenciam a Sócrates. Até certo ponto, sim, mas até que ponto? [Osório diz: ver a peça As rãs, também de Aristófanes, onde o Sócrates também é um “enganado”, mais uma confusão de Aristófanes, que era “burro demais para errar duas vezes”!].

A seção "autobiográfica" do Fédon (96a6-99d2) é prova clara de um interesse antigo de Sócrates por ciência, e consta que ele, ao enfrentar a morte, passou a sua última hora discutindo a estrutura geológica da terra (Fédon 108d2-113c8). Já no século V ele foi associado ao filósofo físico Arquelau, por Íon de Quios (DK 60A3), que disse que Sócrates viajara com ele para Samos. A acusação formal de impiedade feita com sucesso contra Sócrates, em 399 a.C., alegava que ele era culpado de não aceitar os deuses que a cidade aceitava, de introduzir outras divindades estrangeiras e de corromper os jovens. Platão, no Apologia (19b2-cl, 23d5-7), afirma que por trás das acusações formais estavam preconceitos populares, segundo os quais Sócrates estava ocupado com especulações físicas, não acreditava nos deuses, tornava melhor o pior argumento [Osório diz: isso não é natural de quem ensina? Toda a população estava errada?] e ensinava essas coisas aos outros. Embora essas acusações sejam negadas por Sócrates em sua defesa, é lá também abertamente admitido que jovens das classes mais ricas iam a ele espontaneamente, sem qualquer pagamento, e depois passavam a aplicar o que aprendiam com ele em debates com outros.

Fica assim claro que Sócrates era geralmente considerado parte do movimento sofista. Mediante a sua notória amizade com Aspásia, é provável que estivesse em contato bem íntimo com o círculo de Péricles, e seu impacto intelectual e educacional sobre os jovens ambiciosos em Atenas era tal que foi, nessa função, corretamente considerado sofista. O fato de não receber pagamento não altera em nada a sua função [Osório diz: e como se sustentava e aos seus este homem pobre?] [Osório diz: Sócrates e o círculo de Péricles] [Osório diz: Crítias também não recebia e é considerado como tal] [Osório diz: quando advogo que Sócrates era um sofistas não quero trazê-lo para o lado dos sofistas para fazer esse lado forte, mas epans mostrar que Platão foi quem “se divertiu as nossas custas”! Aliás, a depender de Platão, Sócrates, realmente, não faz falta à Sofística].

Mas não havia diferenças entre ele e o resto dos sofistas? A resposta exige que se tente descobrir qual era o método e qual era o conteúdo do ensino de Sócrates, e isso é difícil, especialmente no caso do conteúdo. Algumas sugestões serão feitas abaixo sobre como esse conteúdo estava relacionado a problemas levantados por outros sofistas, tomando como ponto de partida a afirmação de Aristóteles (Met, 1078b27-31) de que há duas coisas que temos razão em atribuir a Sócrates, epactic logoi, que provavelmente se refere ao processo de generalização a partir de exemplos que têm o poder de nos levar além de nós mesmos, e definições gerais. Isso se ajusta bem ao retrato regularmente encontrado nos diálogos de Platão, nos quais Sócrates é mostrado tentando descobrir O que é x, isto é, qual é o logos correto de x, onde x é alguma coisa que aparece no mundo à nossa volta, acima de tudo uma virtude ou uma qualidade moral ou estética [Osório diz: a filosofia e a linguagem, desde sempre, pois a linguagem é o instrujmento com o qual o filósofo tenta conhecer e “ordenar” o mundo, quando, materialmente, é o mundo que ordena o discurso!]. Diferentemente dos platônicos, diz Aristóteles, Sócrates não separava os universais ou as definições das coisas às quais se aplicavam. Mas isso também se ajusta muito bem ao retrato dos outros, entre os sofistas, que também se ocupavam com a busca do logos mais forte ou o logos correto em relação às afirmações conflitantes de logoi aparentemente opostos. É deste ponto de vista que proponho que Sócrates deva ser tratado como tendo um papel a desempenhar dentro do movimento sofista.

Qual é, então, a atitude de Platão em relação a esse método de antilógica? É muito claro que ele não o aprecia muito como método de debate filosófica. A sua primeira objeção é a de inadequação — é do método de dialética que precisamos. Embora seja possível que as pessoas, sem o saber, confundam antilógica com dialética (Rep. 454a4-5), falta-lhe uma característica essencial da dialética, a saber, a capacidade de discutir com base na divisão das coisas em espécies. A antilógica, ao invés, procede com base em contradições (meramente) verbais [Osório diz: o problema aqui é gorgiano: como chegar nas coisas em si? Mas a filosofia não é instrumentalizada pelo verbo? É o que fará Aristóteles, segundo Fausto dos Santos]. Observação semelhante é feita no Teeteto 164c2-d8, onde Sócrates expressa sua insatisfação com sua própria réplica anterior a Protágoras, alegando que estava inconscientemente agindo de maneira antilógica, recorrendo a coincidências verbais (isto é, para estabelecer as consequências contraditórias da posição de Protágoras e, da mesma forma, para as de Teeteto — 164d5-10) [Osório diz: essa piada é ótima e aponta o esforço de Platão de separa o joio do trigo]. De novo, como na passagem da República, o lapso de Sócrates na antilógica é involuntário e inicialmente inconsciente, e isso deixa claro que sua ação não é desonesta — ele não está tentando "impingir um argumento capcioso ao seu interlocutor"6, e não está agindo eristicamente. Ele simplesmente ficou aquém do que é devido e falhou porque seu método, embora bem-intencionado, é inadequado para a tarefa em mãos [Osório diz: quando Sócrates usa algo condenável ele o faz involuntariamente! Para ele tudo se justifica!].

Mas, se perguntamos o que é a via da natureza, os escritos de Antífon de que dispomos não nos dão uma resposta. Para respostas a essa questão devemos ir a outras fontes sofistas, e me volto, primeiro, para as opiniões expressas por Cálicles no Górgias 482c4-486dl, de Platão. O argumento, no diálogo, chegou ao ponto em que Sócrates consegue que Polo admita que praticar a injustiça é mais desonroso do que sofrer uma injustiça. Cálicles não está satisfeito com a maneira como se desenvolveu o argumento porque, diz ele, se ignora a distinção fundamental entre physis e nomos. Realmente interessante é que ele acusa Sócrates de usar o que vimos Aristóteles chamar de um topos muito difundido [Osório diz: veja abaixo], o de mover-se, no argumento, de um para o outro sem avisar, gerando, assim, contradições desorientadoras no argumento do adversário, a fim de embaraçá-lo e refutá-lo. [Osório diz: mais uma vez Sócrates portando-se sofisticamente!]

Diz-se, frequentemente, que a principal função dos sofistas foi preparar o caminho para Platão, e isso é regularmente dito de tal maneira que sugere serem eles, por conseguinte, de importância limitada. Mas virtualmente todo os pontos do pensamento de Platão têm seu ponto de partida na sua reflexão sobre os problemas levantados pelos sofistas. Virtualmente todos os diálogos, de um modo ou de outro, têm um ou mais sofistas visíveis ou ocultamente presentes, influenciando suas discussões. E isso é verdade mesmo se Sócrates for totalmente excluído da companhia de seus contemporâneos [Osório diz: Sócrates sofista]. Virtualmente todos os aspectos da atividade humana, todas as ciências sociais podem ser vistos como assuntos constantes do debate sofista, em muitos casos pela primeira vez na história humana. Isso é algo muitas vezes mais reconhecido por autores modernos especializados em vários ramos da sociologia do que por aqueles mais diretamente interessados na Antiguidade clássica [Osório diz: quase todos estes religiosos ou ligados aos mosteiros]. O que estamos estudando são as tradições e os remanescentes fragmentários de um grande movimento do pensamento humano. [294] (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 59-62, 69-71, 96-100, 199).

 

Mas, ser Sofista não é crime, crime é querer pinçar os que tinham tudo de Sofistas, e o eram, e o que nos agradam, lançando desonra sobre os demais que nos desagradam.

Por fim, e o acima foi apenas para mostrar a má-fé platônica, Sócrates não faz nenhuma falta ao movimento sofista, pois, com ele ou sem, as coisas teriam sido igual, especialmente por, repito, ser extremamente difícil saber o que é o pensamento socrático e o de seu taquígrafo Platão.

 

 

 

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