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39 – Por que e por quem os Sofistas foram combatidos (a quem incomodavam)?

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

39 – Por que e por quem os Sofistas foram combatidos (a quem incomodavam)?

 

Nos diz Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

O pensamento de Crítias acaba por nos aparecer menos embebido de contradições do que se disse. O preconceito aristocrático do seu pensamento vai a par do compromisso pró-oligárquico da sua vida [Osório diz: como seu sobrinho, Platão, de quem ninguém diz nada sobre isso! Exceto Popper]. Certamente que Crítias parece professar uma visão antilógica do real, quando declara: “para os homens, o rosto mais belo é o rosto feminino; para as mulheres, pelo contrário, é o inverso.” Mas o fragmento não afirma explicitamente a duplicidade radical do ser; antes sugere, segundo o que sabemos de Crítias, a idéia de uma dominação: o que é belo é o homem dominando os traços femininos que estão nele, a mulher os traços masculinos, da mesma maneira que é belo o domínio das sensações pelo pensamento e o dos bons sobre os maus, isto é (segundo Crítias), dos oligarcas sobre o povo. Sem tensão não há beleza, mas é uma mistura sem graça. Pensamento da contradição, sem dúvida, mas de uma contradição estabilizada no mesmo sentido pela vitória de um dos contrários – vitória, como o demonstra o fragmento sobre os Espartanos e os Hilotas, sempre afirmada por uma vigilância sem falha. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 115-116).

 

Kerferd ensina:

 

A certa altura, Platão até põe na boca de Sócrates a afirmação de que Atenas permite maior liberdade de palavra do que qualquer outro lugar na Grécia (Górgias, 461e2), e isso se conservou, até o século IV, como uma das características das quais os atenienses se orgulhavam (cf. Demóstenes IX, 3). A "Nota de Liberdade" tem sido regularmente declarada uma das glórias do gênio grego, manifesta em Atenas mais do que em qualquer outro lugar no século V a.C. Entretanto, como escreveu E. R. Dodds,

 

os indícios que temos são mais do que suficientes para provar que a Grande Era do Iluminismo grego era também, como no nosso próprio tempo, uma Era de Perseguição — banimento de intelectuais, antolhos para o pensamento e até (a crer na tradição sobre Protágoras) queima de livros. Isso afligiu e confundiu os professores do século XIX, que não tinham a nossa vantagem da familiaridade com esse tipo de comportamento. Isso os confundia ainda mais porque acontecia em Atenas, a "escola da Hélade", a matriz da filosofia e, até onde vai nossa informação, em nenhum outro lugar. Daí a tendência para duvidar dos dados, sempre que possível; e quando possível explicar que o motivo real por trás das denúncias era político.

 

Sem dúvida, os que atacavam os filósofos, em Atenas, estavam atacando Péricles. Isso é simplesmente prova do íntimo envolvimento e da patronagem de Péricles em relação ao movimento sofista. Mas os indícios são realmente fortes de que houve toda uma série de processos contra filósofos e outros em Atenas, na segunda metade do século V a.C., geralmente sob a acusação de Asebeia ou impiedade. Isto é preservado não por uma fonte, mas por várias. Entre as vítimas se incluía a maioria dos líderes do pensamento progressista em Atenas: Anaxágoras, Diágoras, Sócrates, Aspásia, Protágoras e Eurípides, embora no seu caso pareça que a denúncia não foi bem-sucedida. De Protágoras se disse que foi exilado de Atenas e seus livros foram queimados (DK 80Ale3); parece não haver dúvida de que Anaxágoras foi exilado, embora a data seja incerta. Fídias, depois de condenado por apropriação indébita, ou morreu na prisão ou foi exilado. Damon, como vimos, sofreu o ostracismo. É difícil acreditar que tudo isso foi simplesmente inventado, a despeito da incerteza sobre alguns detalhes. [Osório diz: perseguição aos intelectuais em Atenas. Mais uma vez Sócrates não difere dos demais sofistas! Sócrates, no entanto, parece que não é do agrado de Péricles! Se o fosse, talvez Platão tivesse dito ou o destacou dos demais, justamente para fazer o contraponto, tentando dizer que ele era o melhor, daí não ter recebido atenção].

Plutarco (Per. 31-32) reúne um certo número dessas acusações e as situa por volta do início da Guerra do Peloponeso, associando-as a um decreto de Diopeites prescrevendo a instauração de processo público (pelo processo de eisangelia) contra os que não acreditavam em coisas divinas ou que davam lições de astronomia [Osório diz: talvez esse seja o real motivo para Sócrates negar a astronomia! Medo!]. As tentativas de datar o decreto depois do início da guerra, claramente motivadas por um desejo de associá-lo com a histeria da guerra e mesmo com emoções evocadas pela praga, deveriam ser descartadas. É até possível que alguns dos processos reais fossem anteriores a 432 a.C. Finalmente, tem de ser feita referência a uma intrigante afirmação na Retórica 1397b24, de Aristóteles, segundo a qual a rejeição de uma afirmação provável é aceita como um bom argumento para a rejeição de outra afirmação menos provável. Portanto, se não se deve menosprezar outros especialistas, os filósofos também não deveriam ser menosprezados. Se os generais não devem ser menosprezados porque estão frequentemente sujeitos à morte, tampouco devem ser menosprezados os sofistas. Aqui a interpretação do texto thanatountai é segura e não deveria ser alterada. Mas não significa realmente condenados à morte, mas apenas sujeitos à ameaça de morte. O que Aristóteles está dizendo é que a profissão de sofista era perigosa, embora menos do que a de general. [Osório diz: a profissão de sofista era perigosa por que eles mexiam com interesses profundos da sociedade: dinheiro e poder ou poder e dinheiro. Alternância de poder e divisão de riqueza gera conflitos, e dos maiores].

Em vista de tudo o que foi dito, podemos agora concluir que não somente a situação geral em Atenas, mas também o franco encorajamento de Péricles é que trouxeram tantos sofistas a Atenas. A sua vinda não foi provocada simplesmente por algo de fora mas, antes, por um desenvolvimento interno à história de Atenas. Eles faziam parte do movimento que estava produzindo a Nova Atenas de Péricles, e era como tal que foram, ao mesmo tempo, bem-vindos e atacados. Eles atraíam o entusiasmo e o ódio que regularmente advêm àqueles que estão profundamente envolvidos num processo de fundamental mudança social. A mudança que estava se realizando era, ao mesmo tempo, social e política, de um lado, e intelectual, de outro. Mas esses dois aspectos não eram separados; ambos faziam parte de um único processo complexo de mudança [Osório diz: qual autor não diz! Mas podemos dizer: poder político e divisão de riqueza].

O currículo da educação sofista não começava do nada, - seguia-se ao término do estágio primário. Segundo Esquines, o orador,foi Sólon quem, no início do século VI a.C., tornou compulsório o ensino da leitura e da escrita, em Atenas (Esquines, In Tim. 9-12) [Osório diz: a escrita em Atenas]. Por volta da metade do século V e, provavelmente, mais cedo, havia um sistema bem estabelecido de escolas primárias. Frequentar a escola era o normal para meninos nascidos livres, embora não haja prova de que a freqüência escolar fosse obrigatória. A ampliação da educação para toda a sociedade ateniense que isso implicava não foi popular entre os que olhavam para o passado como para uma época de maior privilégio aristocrático nessas questões [Osório diz: a educação como prejudicial à hegemonia burguesa]. Píndaro (01.II.86-88) opunha aqueles cuja sabedoria vem por natureza (família e nascimento) àqueles que tiveram de aprender [Osório diz: no que “acreditava” também Platão]. Embora não se saiba ao certo a quem ele estava se referindo, pode-se, com razão, tomar isso como um lance na controvérsia Natureza-Educação, que era importante no período sofista (cf. também sua ode Nemeana, III, 41). Se aretê ou excelência, pode ser ensinada, então a mobilidade social é imediatamente possível [Osório diz: eis o pomo da discórdia e a má vontade contra os sofistas]; e é claro que Protágoras estava interessado exatamente nessa controvérsia Natureza-Educação quando escreveu: "ensinar exige ambos, Natureza e Prática" (DK 80B3; cf. B10). [Osório diz: Frase de Protágoras]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 40-43 e 66).

 

Prossegue Kerferd:

 

Não obstante, Protágoras declarava ser, e era, um profissional. De fato, o profissionalismo dos sofistas, na segunda metade do século V a.C., distinguia-os manifestamente de todos os seus supostos predecessores. O primeiro elemento de seu profissionalismo é o fato de receberem honorários por seu ensino. Segundo Platão, isso era uma inovação em comparação com os que vieram antes deles (Hipp. Mal 282c6) e é claro que, para muitos, o mero fato de receberem honorários, não o valor dos honorários, é que era inadmissível. Por que Isso? [Osório diz: por que ainda se dá ouvido a uma idiotice dessas? Quem não era rico, como era o caso dos sofistas profissionais, precisava de dinheiro para se manter, não vivia de “comer o ar”! Sócrates mesmo não explica como, sendo pobre, sustentava mulher e filhos, nem como conseguia pagar sua cota para participar de banquetes! Cabe em relação a ele o termo moderno: “não existe almoço grátis”!] Não se reprovava a venda de bens por dinheiro, em Atenas (cf. Platão, Górgias 520d) [Osório diz: daí vem que o pseudo problema de Platão com os sofistas não era questão de pagamento de honorários, mas era de fundo político, a briga política que estava por detrás de tudo isso: democracia (Sofistas) versus Oligarquia (Platão)]. Poetas, artistas e doutores, todos recebiam honorários. Píndaro, escrevendo logo depois do fim da invasão persa de 480 a.C. (Isthm. II), diz que já se fora o tempo em que os poetas escreviam canções sem receber dinheiro em pagamento — o dinheiro faz o homem! De fato, relata-se que ele recebeu 10.000 dracmas de presente pelo seu poema em louvor de Atenas (Isócrates XV, 166), e Simônides também recebia pagamento por suas odes (Ar. Ret. 1405b23-ss). Para pagamentos de um talento, ou mais, ao médico Demócedes, temos a prova de Heródoto III, 131. [Osório diz: todos os profissionais recebiam honorários em Atenas, mas só os pagos aos Sofistas escandalizavam seus adversários, o rico e oligárquico Platão, por exemplo!]

Por que, então? A resposta clássica tem sido que não era o fato de cobrarem honorários que desagradava; era o fato de venderem instrução em sabedoria e virtude. Essas não eram da espécie de coisas a ser vendidas por dinheiro; amizade e gratidão deveriam ser recompensa suficiente (cf. Xen. Mem. I, 2,7-8) [Osório diz: isso para quem não era rico e podia ensinar gratuitamente! Mas nem Sócrates assim agia, pois era um comensal de banquetes “caros”! Repita-se, a questão era política! Os Sofistas ensinavam os “fora do poder” a lutar pelo poder!]. Mas é duvidoso que isso teria sido realmente suficiente para separar os profissionais sofistas dos poetas, por exemplo; quando examinamos mais atentamente as repetidas objeções registradas em Platão e Xenofonte, descobrimos que quase regularmente as objeções têm uma outra característica, não muito enfatizada na literatura moderna. O que está errado é que os sofistas vendem sabedoria a todos os que se apresentarem sem discriminação — ao cobrar honorários eles se destituíam do direito de escolher seus alunos [Osório diz: e desde quando professor pode e debe rejeitar aluno? Ao contrário, debe aceitar qualquer um para torná-lo melhor!]. Isso, é dito, envolve prelecionar diante "de todo tipo de gente" [Osório diz: eis o motivo do ódio platônico! Apenas os aristocratas poderiam receber tal educação, não o povo que ia atrás de saber para se impor democraticamente](Hipp. Mai. 282dl) — uma expressão tão desdenhosa em grego como em português — e receber dinheiro de quem quer que venha (Xenofonte, Mem. l, 2.6,1,5.6,1,6.5,1.6.13). Uma das consequências, se diz, era destituir o sofista da sua liberdade e fazê-lo escravo de todos quantos vinham a ele com dinheiro [Osório diz: se for como na modernidade, não eram somente os sofistas que se vendem! Os advogados, em especial, mas outros profissionais, inúmeros, aliás, também o fazem! Intelectuais são viciados em se venderem!]. Mas é de se duvidar que seria a solicitude pela independência do sofista a base real dessa objeção. Na realidade, nem é mesmo certamente verdadeiro ser esse o caso do ensino sofista. Claramente, no Protágoras, o jovem Hipócrates não está absolutamente seguro de ser capaz de persuadir Protágoras a aceitá-lo como aluno, e espera ansioso que Sócrates o recomende ao grande homem (310d6-e3) [Osório diz: contradição platônica! O caso é mesmo, repita-se: político. Platão não queria gente preparada capaz de enfrenta a sua classe!].

Por conseguinte, é provável que a verdadeira razão da objeção não fosse a preocupação de proteger os sofistas contra o ter de se associar com todo tipo de gente [Osório diz: kkkkk. Essa é a melhor piada que já ouvi dentro de milhas leituras! “Desmerecer, desdenhar, criticar, escarnecer para proteger”!]; a objeção era contra todo o tipo de gente poder obter o que os sofistas tinham para oferecer, simplesmente pagando por isso [Osório diz: e o que eles tinham a oferecer era a desenvoltura política na democracia!]. O que eles tinham para oferecer, nas palavras atribuídas a Protágoras, incluía ensinar o homem a respeito dos assuntos de Estado, de modo que ele pudesse vir a ser uma verdadeira força nos negócios da cidade [Osório diz: política], tanto como orador quanto como homem de ação [Osório diz: conquista e manutenção do poder]; em outras palavras, tornar-se um político eficiente e bem-sucedido (Prot. 319al - 2). Era certamente essa a fonte da poderosa atração exercida pelos sofistas em Atenas, e também do ódio que levou aos ataques pelos autores de comédias, aos processos e, finalmente, à morte do próprio Sócrates, na passagem do século V para o IV.” [Osório diz: as razões para que os sofistas fossem odiados: a tomada do poder! Kerferd, propositalmente, omite o ódio de Platão e Aristóteles, cujas razões eram as mesmas]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 46-48).

 

 

 

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