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37 – De que os Sofistas são acusados (cobrança de honorários)?

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

37 – De que os Sofistas são acusados (cobrança de honorários)?

 

Nos diz Guthrie:

 

Sócrates era filho de cortador de pedras e provavelmente seguiu o mesmo negócio, mas (impopular que era em muitos lugares) isto nunca se aduziu contra ele. Poetas tinham sido pagos por seu trabalho, de artistas e doutores se esperava que fossem pagos to por sua atividade e por ensiná-la a outros. [Veja, p. ex., Isocr. Antid. 166; Ar Rhet. 1405b24 (poetas); Platão, Prot. 311c, Meno 91d (escultores); Prot. 311b e Hdt. 3.131.2 (doutores). Outras experiências estão, V MzuL, 259, n. 36. Platão diz de Zenão, o filósofo, que arrecadou a impressionante soma de 100 minas por um curso (Ale. 119a), embora, quando autoridades posteriores dizem o mesmo de Protágoras (como na verdade o fazem de Górgias, Diod. 12.53.2), Zeler o descarte como altamente exagerado (ZN, 1299, n. 2). Todavia Zenão parece não ter partilhado do nome e da censura dos sofistas. [Osório diz: a acusação é seletiva! Zenão não é político ateniense. Não é um aristocrata brigando contra a democracia]].

Os motivos pelos quais Sócrates criticava sua aceitação de pagamento eram bem diferentes, e típicas do homem. Ele sustentava (temo-lo não de Platão, mas de Xenofonte) que, ao aceitar dinheiro, eles se privavam de sua liberdade: estavam obrigados a conservar com todos os que podiam pagar suas taxas, ao passo que ele era livre para gozar da companhia de qualquer que escolhesse”. [Osório diz: escolher o aluno ou ser escolhido por ele? Mudavam a “formatação” do curso por causa do aluno?]

Chegou ao ponto de chamá-lo prostituição, vender sua mente não era melhor que vender seu corpo.

A sabedoria era algo que devia ser gratuitamente partilhada entre pessoas amigas e amadas (1.6.13). Esta era a maneira como a filosofia tinha sido considerada até então, sobretudo na escola pitagórica, de que Platão com certeza, e Sócrates provavelmente, eram admiradores.” [Osório diz: viver e capital]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 41 e 42).

 

Sobre isso diz Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Se os Sofistas, com efeito, foram professores pagos, não era porque estivessem motivados por uma cupidez sem limites, como se acreditou de acordo com Platão, mas muito simplesmente porque tinham necessidade disso para viver, tal como um mestre moderno. [Osório diz: foi o que sempre pensei!].

Tanto assim que o tio de Platão, Crítias, não cobrava, justamente por ser rico. Era mecena! (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 14).

 

São duas as acusações básicas, e hoje quase infantis, que lhes atribuíam:

 

a) cobravam por seus ensinamentos,

b) não ensinavam e buscavam a “verdade”.

 

Se vistas com os olhos de hoje e a experiência acumulada ao longo destes dois mil e quinhentos anos, as acusações soam mais como falta de acusações, quase beirando ao ridículo do acusar por acusar por não ter do que acusar!

Todos os filósofos ditos pré-socráticos eram ricos, nos diz Anthony Gottlieb.

Não sei se entre os ricos de que fala o autor, estão os Sofistas, já que ele não diferencia, como deveria, os Sofistas dos pré-socráticos e já que para muitos aqueles sequer eram filósofos, qualificação de apenas do Hegel devidamente creditada!

Se entendermos que filósofos são “os amantes do saber”, nada tira dos Sofistas essa condição, pois eles, mais que ninguém, prezam o saber, pois não se consegue ser professor sem antes ter-se instruído.

De qualquer modo, pelo simples fato de cobrarem por seu trabalho, já que os ricos não cobravam, indica que eram pobres, ou que, pelo menos, tinham receio de perder suas fortunas, pois aquela que não é multiplicada constantemente tende a extinguir-se.

Porém, o mais importante era que cobravam para ensinar e existiam pessoas (discípulos/alunos) que estavam dispostas a pagar, e pagavam, aliás, pagavam muito bem!

Se alguém objetar que Sócrates era pobre e não cobrava por seus ensinamentos, deve-se informar mais, pois ele tinha amigos ricos que o banqueteavam! Tinha mulher e filhos que precisavam comer, beber, vestir-se e habitar!

Mas, o que dizer dos professores atuais, que “cobram” por seus ensinamentos?

Ou seja, a história deu razão aos Sofistas!

Quanto a quem ensina a verdade, se esta permanece, ainda, tão desconhecida quanto no tempo em que as acusações contra os Sofistas foram lançadas há dois mil e quinhentos anos?

Quem não ensinava a verdade, os Sofistas ou os ditos filósofos?

Antes da resposta, se pode dizer que quem mentiu/enganou foram os filósofos adversários dos Sofistas, pois prometiam ensinar aquilo que não sabiam, como de resto não se sabe até hoje o que é: a verdade!

Foram os filósofos que se aferraram a essa ideia de que existe verdade, portanto, são eles que têm que responder por ela.

Os Sofistas contentavam-se com menos, tanto assim que aboliram a verdade, preferindo falar apenas “no melhor”!

Assim é que:

 

"'Bem, Protágoras, quanto à razão de nossa vinda, começarei como o fiz antes. Hipócrates mostra-se desejoso de estudar contigo e, portanto, declara que gostaria de saber qual o resultado que obterá de tuas aulas. Nisso se resume tudo que temos a dizer.'

A resposta de Protágoras veio celeremente: 'Jovem, o resultado de frequentares minhas aulas é o seguinte: a partir do primeiro dia já voltarás para casa como um homem melhor. O mesmo acontecerá no dia seguinte. A cada dia te aprimorarás mais e mais'". (Fonte: Protágoras. Platão. Edipro, Bauro, tradução de Edson Bini, 2007, p. 262).

 

Portanto, nada de o verdadeiro, já que este critério estava abolido, em vez disso, apenas de o melhor!

Assim, não se deve cobrar verdade de quem nunca prometeu ensiná-la, como foi o caso dos Sofistas!

Quem prometeu a verdade foram seus adversários. Prometeram e, diga-se, nunca cumpriram!

 

Kerferd ensina:

 

Uma questão subsidiária, mas difícil, é saber a importância dos honorários recebidos pelos sofistas pelos seus serviços. Aqui, as afirmações gerais que chegaram até nós são conflitantes, e as afirmações particulares são difíceis de interpretar. Somos informados de que Górgias e Pródicos ganhavam notáveis somas de dinheiro, assim como Hípias e Protágoras (Platão, Hipp. Mal 282b8-283b3), e consta que o rico Cálias pagou "muito dinheiro" a esses mesmos três sofistas. (Xen. Symp. 1,5). De Protágoras se diz que ganhou mais dinheiro do que Fídias junto com quaisquer dez outros escultores (Platão, Mênon, 91 d). Ao contrário, escrevia Isócrates (XV,155-156):

 

No geral, não se achará nenhum desses sofistas que tenha acumulado muito dinheiro: alguns viviam em condições de pobreza, outros em condições moderadas. Quem, na nossa lembrança, ganhava mais era Górgias. Ora, ele passava seu tempo em Tessália, quando os tessalianos eram o povo mais próspero da Grécia; viveu uma longa vida e dedicou-se a fazer dinheiro; não tinha domicílio fixo em nenhuma cidade e não pagava nada para as necessidades públicas, nem qualquer imposto; não era casado e não tinha filhos... assim mesmo, quando morreu, deixou apenas mil estáteres [umas 20.000 dracmas]. [Osório diz: este depoimento é destruidor das mentiras platônicas!].

 

Nada disso realmente equivale a grande coisa. Em primeiro lugar, não temos meios de saber se as informações são literalmente verdadeiras ou não. Segundo, deveríamos, a esta altura, já estar bastante familiarizados com a maneira como argumentos desse tipo, sobre a remuneração de profissionais tais como médicos, advogados ou professores universitários, tendem a ser conduzidos atualmente — a discussão tende a ser influenciada pelos sentimentos e pelos interesses das partes em questão [Osório diz: por que a questão dos honorários não deve ser nem interessante nem fundamental].

Talvez os números reais pudessem nos ajudar mais. Mas aqui também há claras divergências, e os números poderiam ser colocados em três grupos (1) Pitódoros, filho de Isólocos e Cálias, filho de Calíades, pagaram 100 minas (10.000 dracmas) cada um a Zenão, segundo a afirmação no diálogo que é, provavelmente, pseudo-platônico, o Primeiro Alcibíades (Ale. I,119al-6). Segundo fontes posteriores, Górgias cobrava 100 minas de cada aluno (DK 82A2 e 4), e esse era o preço também cobrado por Protágoras, segundo Diógenes de Laércio (DK 80A1). (2) Por outro lado, Sócrates, na Apologia de Platão (20b9), diz que Cálias pagou, a Eueno de Paros, 5 minas pela educação de seus dois filhos; Isócrates cobrava 10 minas (Plutarco, Mor. 837d), e Pródicos normalmente cobrava meia mina por uma única preleção (DK 84 A11). À primeira vista, o segundo grupo representa uma escala muito inferior ao primeiro e isso tem gerado dúvidas quanto aos números mais altos, se não seriam grandemente exagerados. Um terceiro conjunto de números também não nos ajuda muito (3): Hípias teria afirmado que foi uma vez à Sicília, numa época em que Protágoras também estava lá, e, apesar da competição, Hípias fez mais de 150 minas num curto espaço de tempo, inclusive 20 minas numa cidadezinha, e que, de modo geral, seus ganhos constituíram mais do que os obtidos por quaisquer dois outros sofistas.

Duas grandes dificuldades impedem quaisquer inferências confiáveis a partir desses números. Primeiro, está claro que havia uma enorme diferença entre os honorários. Sócrates, na passagem já citada (DK 84A11), depois de nos contar que o preço normal para uma preleção de Pródicos era meia mina, continua dizendo que ele não podia se dar a esse luxo, de modo que só ia às preleções de uma dracma, isto é, de um qüinquagésimo do custo [Osório diz: Se Sócrates pagava, ou queria/pretendia pagar, ele incentivava a cobrança, não é? Se incentivava... Outra: quer dizer que Sócrates se corrompia ao pagar ou querer pagar?]. E Isócrates (XIII, 3-4 e 9), depois de dizer que alguns pedem 3 ou 4 minas, acrescenta que outros tentavam reunir o maior número possível de estudantes cobrando preços muito baixos. Segundo, nenhuma informação nos é dada quanto à relação entre o preço, o número de estudantes e a duração do curso, que poderia ser até de três ou quatro anos (Isócrates XV; 87). De modo que, embora possamos desconfiar de que 100 minas de honorário seja alto demais, acho que não podemos ter certeza de que seja simplesmente falso.

Qualquer que seja a verdade a respeito da escala de honorários cobrados, interessa perguntar qual era a importância social de cada honorário em particular. A mina foi calculada como contendo aproximadamente 425 gramas de prata: ao preço da praça vigente em 1978 isso equivaleria a umas 38 libras ou 74 dólares. Maior informação, porém, é dada pela comparação de uma mina, valendo 100 dracmas, com o salário médio de um dia de um artesão, calculado em uma dracma, ou umas 3 ou 4 minas por ano, com base nos registros de pagamento para as construções de templo no final do século V a.C. Isso sugere que o pagamento de quatro ou mais minas por um curso de um ano pode não ter sido considerado particularmente caro para os que podiam pagá-lo e, excepcionalmente, honorários mais altos não seriam impossíveis para um sofista no ápice de suas capacidades e da carreira. Se Pródicos podia realmente ganhar, por preleção, meia mina de cada estudante presente, então o rendimento total seria, no caso de 20 estudantes presentes, 10 minas; e um curso de dez preleções poderia render até 100 minas. Essa inferência seria invalidada se a meia mina não fosse por uma única preleção mas pelo curso todo. Muitos tradutores dessa passagem de fato supõem exatamente isso. Mas a favor da opinião de que era o preço de uma única preleção temos o uso do substantivo singular epideixis, normalmente usado, como veremos, para falar de uma única exposição. De qualquer forma, se se tratasse de um curso inteiro, então uma dracma seria realmente uma soma ridícula pedida por Pródico. Talvez valha a pena notar que, no pseudo-platônico Axiochus 366cl-3 (DK 84B9), preços de uma dracma, duas dracmas e quatro dracmas são mencionados para o que parece ter sido uma única apresentação. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 48-51).

 

 

 

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