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35 – Os Sofistas e seus herdeiros, dentre eles Aristóteles.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

35 – Os Sofistas e seus herdeiros, dentre eles Aristóteles.

 

Ensina Guthrie:

 

O idealismo de Platão ocupou o dia, e, uma vez que ele próprio quisera suprimir o ensino de seus oponentes, seus seguidores propriamente o suprimiram; ou pelo menos, como filosofias contrárias se entrincheiraram, ninguém viu razão para preservar o que se considerava geralmente ideias não-ortodoxas e censuráveis. Assim ocorreu, para citar Havelock (L. T. 18), que "a história da teoria política grega, assim como também da política grega, escrita nos tempos modernos exatamente como Platão e Aristóteles teriam querido que fosse escrita".

Ademais, uma vez que muito de suas obras era educacional, do tipo do manual, ficaria naturalmente incorporado nos manuais de mestres posteriores, inclusive Aristóteles, que se poderia dizer que tomou o seu lugar. Aristóteles, além de escrever sua própria Arte da Retórica, compilou um sumário das "artes" anteriores, desde sua origem em Tísias em diante, do qual Cícero escreveu que não só ele explicou lucidamente os preceitos de cada mestre, mas também superou os (p. 53) originais em brevidade e estilo atraente, de sorte que mais ninguém os consultou, preferindo ler Aristóteles como expositor muito mais prático de seu ensino.

Mas, e quanto a Aristóteles, também se deve advertir contra falar de "Platão e Aristóteles" de um só fôlego, 60 como se sua oposição ao empirismo sofístico fosse igual e idêntico. Nos assuntos em que os sofistas estavam primariamente interessados, o ponto de vista de Aristóteles estava de muitas formas mais próximo ao deles que o de Platão.

Pois ele fez distinção explícita entre os fins, e em consequência entre os métodos, da pesquisa científica de um lado e a inquirição dos problemas do comportamento humano de outro. Nos primeiros, deve-se exigir os mais exatos padrões de exatidão, mas estes seriam inadequados para o estudo do material humano, que é empreendido não para fins teóricos mas práticos.

Na Ética ele faz a observação muitas vezes, talvez mais convincentemente ao afirmar que exigir prova lógica estrita de um orador não é mais ajuizado que permitir a um matemático usar das artes de persuasão [Veja também 1098a26ss (o carpinteiro não busca a mesma exatidão que o geômetra), 1104a3,1102a23.].

No campo da ética, o abandono das normas ou modelos morais absolutos e auto-existentes de Platão tinha conseqüências de longo alcance, pois tornava possível um divórcio entre teoria e prática, conhecimento e ação, que para Platão teria sido impensável. Aristóteles pode escrever (1103b27): "O objeto de nossa inquirição não é saber o que é virtude, mas nos tornar homens bons", ao passo que no modo de ver socrático-platônico "saber o que é virtude" é essencial pré-requisito para se tornar bom. Ele prefere claramente o método de Górgias de enumerar virtudes separadas à exigência socrática de uma definição geral de virtude, que ele chama de autodecepção (Pol. 126a25), e no primeiro livro da Ética, que contém um de seus ataques mais argumentados e eficazes à teoria platônica das formas, encontramos uma defesa da relatividade e multiplicidade de bens quase poderia ter sido escrita por Protágoras [A brevidade das observações acima pode expó-las à acusação de supersimplificação. Enquanto Aristóteles cria na relatividade da bondade, era apenas no primeiro dos dois sentidos enumerados à p. 157, abaixo, e ele era bastante socrático para combiná-lo com uma crença numa só função do homem como tal, resultando de nossa natureza humana comum e dominando as diversas funções subordinadas de indivíduos e classes. Este e pontos correlates são bem expostos no artigo de Lloyd sobre analogias biológicas de Aristóteles em Phronesis, 1968, em que, porém, fica-se cônscio todo o tempo de figura influente que está no fundo embora nunca mencionada: Protágoras. [Osório diz: Aristóteles, aí, é totalmente protagórico].]. (p. 55). (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 54-55).

 

Kerferd ensina:

 

Qual é, então, a importância disso? Nem é preciso dizer que ninguém, nos tempos modernos, acreditou por um só instante na verdade literal da alegação. Faz parte de uma série de acusações de plágio dirigidas a Platão por críticos hostis, e muitos se satisfazem com simplesmente ignorá-las como uma invenção maldosa. Entretanto, por mais maldosa que tenha sido a acusação, ela só poderia ter sido feita se houvesse pelo menos alguma base para comparação, por superficial que fosse. Em outras palavras é sinal de que Protágoras tratou pelo menos alguns dos temas que interessavam a Platão na República [Osório diz: isso me leva a afirmar que, a despeito do que diz Romilly para a não preservação dos escritos dos sofistas (não tinham eles discípulos para os continuarem e assim, os preservarem), os maiores discípulos dos sofistas foram, justamente, Platão e Aristóteles!]. Naturalmente, este é o ponto em que começam as especulações. Possivelmente Protágoras tinha esboçado a sua própria versão do Estado ideal, ou pelo menos alguma coisa paralela ao primeiro estágio do Estado ideal de Platão, a "Cidade dos Porcos" na República, Livro II. Outros pensaram na emancipação das mulheres, na República, como alguma coisa que podia ter sido antecipada por Protágoras. Isso não é refutado pela declaração, na Política de Aristóteles (1266a34ss, cf 1274b9-ll), de que nenhum outro pensador, além de Platão, tinha proposto novidades tais como a comunidade de esposas e crianças, ou refeições comuns para as mulheres. Porque Aristófanes, como veremos, já tinha tentado ridicularizar o que devia equivaler a uma espécie de Movimento em prol dos Direitos das Mulheres que já era conhecido, em Atenas, no século V. Na ausência de outros testemunhos, é simplesmente impossível dizer quais poderiam ter sido os temas realmente tratados por Protágoras. Mas é provável que fossem importantes e não estivessem simplesmente limitados à aplicação do princípio dos dois-logoi aos assuntos políticos.” [Osório diz: Não se deve esquecer, também, que quando Platão escreveu seus diálogos, as Leis de Túrios, dadas por Protágoras, podiam por ele ser consultadas!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 237-238).

 

 

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