Sofística
(uma biografia do conhecimento)
32.2 – Currículos ensinados pelos Sofistas.
Kerferd ensina:
“Passo, agora, (3) para os currículos ensinados pelos sofistas, e a série de estudos por eles proposta. De vez em quando, no passado, fizeram-se tentativas de argumentar que os sofistas estavam totalmente, ou predominantemente, preocupados com uma única área de estudo e de ensino. E essa preocupação era, então, tida como a marca distintiva de um sofista — a retórica como ideal educacional, a oposição entre natureza e convenção, sucesso político, o ideal de educação em geral, rejeição da ciência física, recusa da religião, a visão humanista do homem como centro do universo, o homem como um personagem trágico do destino [Osório diz: o que ensinavam os sofistas]. Todos esses, cada um por vez, ou em combinação, têm sido sugeridos por diferentes especialistas modernos, em épocas diferentes. As referências reais que temos a respeito do ensino sofista sugerem que ele cobria uma faixa extremamente larga; em todo caso, a questão é em parte complicada pela necessidade de decidir de antemão exatamente que personagens devem ser incluídos e quais devem ser excluídos do título de sofista. Depois há a dificuldade da não-sobrevivência dos escritos sofistas. É claro que eram realmente numerosos, e às vezes se diz que, de modo geral, desapareceram de circulação em apenas algumas décadas de sua produção. Afinal de contas, sugere-se, eles não eram principalmente eruditos e sua obra educacional mais séria era destinada a homens vivos, não a futuros leitores. Assim diz Jaeger, na sua influente obra Paideia (Vol. I, trad. inglesa de 1939, p. 302), que foi citada com aprovação por Untersteiner [Osório diz: somente agora, e com espanto em relação aos dois autores citados, é que se pode ver como estão errados! A busca pelas ditas obras os desmente vergonhosamente!].
[Osório diz: o que ensinavam os sofistas:
a) a retórica como ideal educacional,
b) a oposição entre natureza e convenção,
c) sucesso político,
d) o ideal de educação em geral,
e) rejeição da ciência física,
f) recusa da religião,
g) a visão humanista do homem como centro do universo,
h) o homem como um personagem trágico do destino.
Acerca disso deve-se dizer, como acerca de tantas das afirmações gerais regularmente repetidas sobre os sofistas, que é apenas em parte verdadeiro. Para demonstrá-lo, basta mencionar alguns fatos. Quanto a Protágoras, os manuscritos de Diógenes Laércio dão uma lista de "obras existentes", compreendendo 12 títulos, e a lista original de Diógenes pode ter sido mais longa. É natural supor que essa lista venha de um catálogo de biblioteca, talvez a de Alexandria. Uma outra obra sua parece ter sido arrolada no chamado catálogo Lamprias, de Plutarco. Porfírio, no século III d.C., encontrou, por acaso, uma cópia de uma outra obra e afirma ter resumido seus argumentos (DK 80B2); e temos uma peça de crítica literária de Homero, feita por Protágoras, num fragmento de papiro de Oxyrrhynchus de não antes do século I d.C. (DK 80A30). Por outro lado, é provável que o chamado novo fragmento de Protágoras, publicado em 1968, extraído de um comentário bíblico por Dídimo o Cego, seja simplesmente oriundo de um tipo qualquer de obra doxográfica cética, e não diretamente dos escritos de Protágoras. E isso mesmo provavelmente acontece com a valiosa nova informação sobre Pródicos, encontrada em um outro dos comentários de Dídimo. Mas quanto a Antífon, a nossa principal informação, de fato, vem de duas peças distintas, na série dos Oxyrrhynchus Papiri, o que significa que sua obra principal era conhecida e copiada no Egito. Se Antífon, o sofista, pode ser identificado com Antífon de Ramnonte, temos, naturalmente, além disso, a coleção existente dos discursos conhecidos como as Tetralogias, junto com dois outros discursos. A identificação foi considerada incerta, por Hermógenes, no final do século II d.C., porque o estilo ou, melhor, a forma literária dos escritos do sofista era bem distinta. Isso implicaria que ele tivesse lido um ou mais deles; de fato, uma extensa citação do Da Concórdia foi feita por João Estobeu por volta da metade do século V d.C. Quanto a Górgias, temos os dois remanescentes Encomia e dois sumários do seu Sobre a Natureza; um deles, o de Sexto Empírico, pertence ao final do século II d.C. Jâmblico, por volta de 300 d.C., pôde fazer extensas citações do tratado, que passou a ser conhecido como o Anónimo Jâmblico (DK 89). Um catálogo de Memphis, do século III d.C., preservado num papiro de S. Petersburgo, continha o título de uma obra de Hípias (DK 86B19); e um tratado de Pródicos, Sobre a natureza do homem, parece ter sido conhecido por Galeno, no século II d.C. (DK 84B4). [Osório diz: algumas das obras dos sofistas].
Pelo visto, parece que um número considerável de escritos sobreviveu por um bom tempo. No que os sofistas foram menos afortunados do que outros, entre os pré-socráticos, foi na virtual ausência de relatos doxográficos. Provavelmente a principal razão disso foi a sua rejeição, como pensadores, por Aristóteles [Osório diz: isso foi e é uma suprema contradição, pois mesmo eles “não sendo pensadores”, o dito pensador, Aristóteles, gastou muita tinta para combatê-los!]. Isso significa que foram virtualmente excluídos da série de sínteses encomendadas à escola de Aristóteles, que foi uma importante fonte de informação subsequente. Eles provavelmente foram incluídos na sua síntese de escritos retóricos e esta é pelo menos uma razão pela qual a tradição subsequente acentuou tão pesadamente este aspecto da obra deles. A geral omissão deles na tradição doxográfica, unida à opinião platônica e aristotélica de que seu pensamento e seu ensino eram falsos, explica por que foram, de fato, virtualmente ignorados pela cultura helênica, e por que mesmo essas suas obras que sobreviveram não eram lidas. No período imperial, só estavam preparados para levá-las a sério os membros do chamado Segundo movimento sofista iniciado com o século II d.C. Entretanto, esse foi um movimento que realmente estava mais interessado em linguagem e retórica do que em filosofia. No século III d.C., Flávio Filostratos, membro do círculo intelectual da imperatriz síria Júlia Doma, escreveu seu Vidas dos Sofistas, no qual incluiu Górgias, Protágoras, Pródicos, Polo, Trasímaco, Antífon e Crítias. Mas, na realidade, parece que ele viu apenas as obras dos dois últimos da lista, e seu interesse quase que exclusivamente retórico fez com que não dissesse nada acerca das doutrinas mesmo quando a informação sobre elas lhe era acessível, como por exemplo a doutrina do Homem-medida de Protágoras.
O currículo da educação sofista não começava do nada, - seguia-se ao término do estágio primário. Segundo Esquines, o orador,foi Sólon quem, no início do século VI a.C., tornou compulsório o ensino da leitura e da escrita, em Atenas (Esquines, In Tim. 9-12) [Osório diz: a escrita em Atenas]. Por volta da metade do século V e, provavelmente, mais cedo, havia um sistema bem estabelecido de escolas primárias. Frequentar a escola era o normal para meninos nascidos livres, embora não haja prova de que a freqüência escolar fosse obrigatória. A ampliação da educação para toda a sociedade ateniense que isso implicava não foi popular entre os que olhavam para o passado como para uma época de maior privilégio aristocrático nessas questões [Osório diz: a educação como prejudicial à hegemonia burguesa]. Píndaro (01.II.86-88) opunha aqueles cuja sabedoria vem por natureza (família e nascimento) àqueles que tiveram de aprender [Osório diz: no que “acreditava” também Platão]. Embora não se saiba ao certo a quem ele estava se referindo, pode-se, com razão, tomar isso como um lance na controvérsia Natureza-Educação, que era importante no período sofista (cf. também sua ode Nemeana, III, 41). Se aretê ou excelência, pode ser ensinada, então a mobilidade social é imediatamente possível [Osório diz: eis o pomo da discórdia e a má vontade contra os sofistas]; e é claro que Protágoras estava interessado exatamente nessa controvérsia Natureza-Educação quando escreveu: "ensinar exige ambos, Natureza e Prática" (DK 80B3; cf. B10). [Osório diz: Frase de Protágoras].
Na escola primária, o sistema normal de educação consistia em três partes, cada uma com o seu próprio professor especialista. O paidotribês era responsável pela educação física e pelas atividades esportivas; o citharistês pela música. Em terceiro lugar, o grammatistês ensinava leitura, escrita e gramática e seus alunos tinham de ler e memorizar escritos dos grandes poetas, Homero, Hesíodo e outros, escolhidos por causa da sabedoria moral que continham (cf. Platão, Prot. 325d7-326a4). [Osório diz: os professores e a educação em Atenas]
Esse era o tipo de educação já adquirida pelo estudante que se entregava a um sofista para maior instrução. Não havia um currículo sofista padrão de estudos, como tem sido repetidamente apontado por especialistas modernos. Mas há algum indício a sugerir que também pode não ter havido tanta diversidade como geralmente se supõe. Pois, quando indagado por Sócrates sobre o que o jovem Hipócrates iria aprender com ele, a resposta de Protágoras, dada por Platão (Prot. 318d7-319a2), é esta:
Quando Hipócrates vier a mim, não será tratado como seria se fosse a qualquer outro sofista. Pois os outros causam danos aos que são jovens [Osório diz: disputa entre sofistas! Daí Platão fazer do Sofista Sócrates o sofista diferente de todos os demais]; quando saem dos estudos especializados, eles os pegam outra vez contra a sua vontade e os lançam de novo em estudos especializados, ensinando-lhes cálculos matemáticos, astronomia, geometria, música e literatura — e ao dizer isso, olhou para Hípias —, mas se vier a mim ele não estudará nada mais além daquilo que veio aprender. E o assunto é boa política: em negócios particulares, como governar sua própria família do melhor modo possível; e, nos negócios públicos, como falar e agir mais eficazmente nos negócios da cidade. [Osório diz: o que Protágoras se propunha a ensinar].
Supõe-se, frequentemente, que Protágoras esteja simplesmente ridicularizando um método de instrução que era peculiar a Hípias. Poderia ser, mas não é o que Protágoras diz. Suas palavras são bem claras — o que ele está rejeitando é a abordagem de todos os outros sofistas, todos os que, ele dá a entender, ensinam estudos especializados (318d8 e 9). É verdade que referências, em outro lugar, sugerem que o programa anunciado por Protágoras não era só seu, mas, em certo sentido, representava o que era ensinado por outros sofistas tanto como por ele mesmo (cf. Mênon 91al-b8, Gorg. 520e2-6 Rep. 60Cc7-2, Xen. Mem. 1,2.15). Mas há igualmente prova de que o tipo de conhecimento ensinado por Hípias era aprendido com outros sofistas também. De modo que Protágoras fez um ataque detalhado e aparentemente técnico contra os geômetras (DK 80B7). Uma questão que, sabemos, foi de grande interesse durante todo o período era o problema da quadratura do círculo, que preocupava Anaxágoras (DK 59A38) e que Antífon afirmava ter descoberto como fazer pelo método da exaustão. Temos sorte de ter um relato minucioso de sua proposta, preservado por Simplício (DK 87B13). O método, é claro, está baseado num engano, e Aristóteles podia, com razão, afirmar que ele não está baseado em princípios geométricos sólidos. Não obstante, era uma tentativa de resolver o problema [Osório diz: ninguém condena os “doutores da igreja” por discutirem quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete]. Ao próprio Hípias se atribuía a descoberta de uma curva, a quadratrix, usada na tentativa de fazer a quadratura do círculo, e também a trissecção de um ângulo. É natural supor que quando, no Mênon, Sócrates passa a obter respostas de um menino escravo, por meio de um diagrama, sem dúvida desenhado na areia, ele esteja seguindo um método bem conhecido de ilustrar problemas geométricos com desenhos [Osório diz: com isso, não se pode dizer que Sócrates não conhecia física, como se diz para combater Aristófanes em As nuvens]. Que havia discussões geométricas nos círculos sofistas está bem atestado pela observação casual de Sócrates, naquele diálogo (85b4), dizendo que a linha desenhada de canto a canto através de um oblongo é chamada de diagonal pelos sofistas. Como esta é apenas a segunda vez que a palavra diametros, em lugar de "diagonal", é encontrada em grego (a primeira vez é em Aristófanes, As rãs 801), é provável que a palavra fosse um termo técnico relativamente novo e pouco familiar — na verdade, não é impossível que a palavra tivesse, realmente, sido inventada por um dos sofistas. No caso da astronomia, temos uma prova muito forte no Nuvens de Aristófanes. Aí, Pródicos é descrito como um tipo de “sofista de ar superior” (meteorosophistes) e Sócrates é mostrado num palco, balançando-se num tipo de cesto que lhe possibilita ver mais claramente os objetos no céu que ele está ocupado em contemplar. [Osório diz: ninguém questiona a descrição de Pródicos, já a de Sócrates...]
Diz-se, de vez em quando, que os sofistas simplesmente não estavam interessados em especulações físicas. Se excluirmos pensadores como Empédocles, Anaxágoras e Demócrito das fileiras dos sofistas, então é verdade que nenhuma contribuição teórica importante veio do resto. Mas é igualmente claro que eles de fato conversavam regularmente sobre questões físicas. O interesse por questões físicas, tanto nas discussões como nos seus escritos, é de fato atestado por Cícero (DK 84B3) em relação a Pródicos, Trasímaco e Protágoras. Xenofonte procura defender Sócrates e o faz afirmando que Sócrates nem mesmo falava sobre os tópicos discutidos por muitos dos sofistas, a saber, a natureza do universo, como surgiu o cosmo, e as leis essenciais que governam os corpos celestes, argumentando que os que pensavam a respeito dessas questões tinham perdido o juízo (Mem.I,1.11). Aqui Xenofonte está apelando, sem dúvida, para o testemunho do Fédon para defender Sócrates contra a ideia, oriunda de As nuvens, de que ele estava interessado em ciências físicas. Mas ele de fato afirma que Sócrates era mais ou menos o único a evitar tais tópicos [Osório diz: interessante essa defesa contra Aristófanes. Xenofonte é posterior à Platão na escrita, aquí ele se vale do Fédon!]. Sexto Empírico atribui a Protágoras uma doutrina de emanações físicas semelhante à de Empédocles e dos atomistas (DK 80A14), e Êupolis, o poeta cômico, o satirizou por seu interesse por questões físicas (DK 80A11). Górgias também estava interessado na teoria de Empédocles sobre poros e emanações (DK 31A92 e 82B5). Parece que ele teria dito que o sol era uma massa incandescente (DK 82B31) e foi representado, no túmulo de Isócrates, fitando uma esfera astronômica (DK 82A17). De Pródicos se diz que discutiu os quatro elementos identificando-os com deuses e também com o sol e a lua como a fonte da força vital em todas as coisas, qualificando-se, assim, para um lugar ao lado de Empédocles e Heráclito (Epifânio, Adv. Haeres. III, 2.9.21 = Diels, Doxography Graeci, 591). Há, provavelmente, uma referência às suas teorias em Aristófanes, Os pássaros 685ss. Além disso, foi-lhe atribuída, por Galeno, uma opinião particular sobre a natureza do catarro (DK 84B4). [Osório diz: o único sofista a não se interessar com o conhecimento que se derramava ao seu redor era Sócrates!].
É relevante, aqui, a passagem no Sofista de Platão (232b 11-e2), mencionada anteriormente, onde, depois de sugerir que o sofista se caracteriza por ser um antilogikos, o Estrangeiro Eleático pergunta qual é a série de tópicos com os quais essas pessoas se ocupavam, e ele mesmo responde com uma lista: coisas divinas na maioria invisíveis, objetos visíveis na terra e no céu, a vinda à existência e o ser de todas as coisas, leis e todas as questões de política, cada uma das artes (techné), e insiste que tudo isso não era discutido somente por Protágoras, em seus escritos, mas por muitos outros também. [Osório diz: o que estudavam os sofistas].
Isso nos fornece uma lista extensa de tópicos incluindo um título inesperado, coisas divinas. Mas é aqui que se deveria colocar o livro de Protágoras, Sobre os deuses, cujas palavras iniciais nos dão uma aplicação da doutrina dos dois argumentos opostos: "concernente aos deuses não posso vir a conhecer nem como são eles, nem como não são ou que aparência têm"; e também a obra Sobre as coisas no Hades. Pródicos (DK 34B5) discutiu a origem da crença dos homens em deuses em termos naturalistas e psicológicos, e Crítias (DK [71] sustentava que os deuses foram inventados deliberadamente pelos governantes para garantir o bom comportamento de seus súditos. [Osório diz: frases e pensamentos dos sofistas sobre os deuses].
Finalmente, literatura. Aqui temos notícia de Protágoras dizendo (Prot. 338e6-339a3) que, na sua opinião, a maior parte da educação de um homem consiste em ser perito em assunto de versos, isto é, ser capaz de entender, na fala dos poetas, o que foi correta ou incorretamente composto, saber como distingui-los e comentá-los quando solicitado [Osório diz: justamente a repetição de que falará Sócrates]. E prossegue introduzindo uma elaborada discussão de um poema por Simônides; esta, por sua vez, provoca novas análises por Sócrates e Pródicos, e a proposta de uma exposição por Hípias, que é rapidamente recusada por causa de uma reunião presidida por Alcibíades, com a solicitação de que a faça numa outra ocasião. Que a exposição rejeitada de Hípias poderia ter sido enfadonha é sugerido pelas referências às suas epideixis sobre Homero e outros poetas, no Hípias Menor 363 al-c3. A discussão toda, no Protágoras, ocupa mais ou menos um sexto do diálogo completo; e sabemos, por um fragmento de papiro que Protágoras de fato comprazia-se na crítica literária de Homero (DK 80A30). Um pouco mais tarde, Isócrates (XII, 18) conta como certa vez, no Liceu, três ou quatro sofistas, simples e comuns, estavam sentados discutindo poetas, especialmente Hesíodo e Homero. É claro que a prática seguida por Protágoras continuou por muito tempo depois. [Osório diz: Protágoras e a crítica literária].
Os testemunhos citados até aqui indicariam que o contraste entre Protágoras e Hípias pode não ter sido tão grande como é sugerido pela declaração que Platão põe na boca de Protágoas. Essa declaração tem, na verdade, probabilidade de ser essencialmente correta naquilo que realmente diz. Mas há, entre as duas abordagens, uma diferença que, historicamente, é de considerável importância. Protágoras, na sua crítica de Hípias e de outros como ele, está levantando uma questão de relevância ao sugerir que ele, Protágoras, ensinará o que o estudante realmente quer aprender como preparação para a vida que está pretendendo levar. Associada a essa, há uma outra questão também. Heráclito tinha atacado Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes e Hecateu, alegando que polimatia ou aprendizagem em muitos assuntos não produzia compreensão (DK 22B40), sem dúvida porque isso não tinha levado os homens a uma compreensão do que ele considerava sua própria especial percepção da natureza do universo. Daí em diante, o valor de polimatia foi uma questão discutida, e encontramos Demócrito dizendo (DK 68B65) que o que é preciso não é polimatia no sentido de aprender muitas coisas mas, antes, no de compreensão de muitas coisas. Essa era a questão entre Protágoras e Hípias, não a da série de coisas que precisamos compreender. É provável que a posição de Protágoras esteja resumida na declaração atribuída a ele (DK 8DB11): educação não brota na alma, a menos que se vá a uma profundidade maior. É possível que isso signifique que não basta ficar no nível dos fenômenos, que são a matéria da polimatia mas que precisamos prosseguir para o que é hoje chamado de estudo em profundidade, numa tentativa de compreender os princípios subjacentes comuns a todos os assuntos que devem ser estudados.” [Osório diz: frase de Protágoras]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 63 a 70, 72, 73).