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31 - O que os Sofistas ensinavam e qual a sua finalidade?

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

31 - O que os Sofistas ensinavam e qual a sua finalidade?

 

Protágoras ensinava a “arte política”, como diz Platão, na sua obra Protágoras:

 

Eu segui um caminho inteiramente diferente destes e reconheço que sou um sofista e que educo homens. Já há muitos anos que estou neste ofício (se juntar todos os anos, não há dúvida de que já tenho muitos). Pela idade eu poderia ser pai de todos vós, sem excluir ninguém. Ó jovem, se te associares a mim, ser-te-á possível, logo no dia em que começares a conviver comigo, regressares a casa melhor por causa disso e exactamente o mesmo no dia seguinte; e em cada dia ser-te-á possível progredires para melhor. Os outros tratam mal os jovens. Tendo estes fugido das ciências, os seus mestres reconduzem-nos às ciências contra a sua vontade, ensinando-lhes Cálculo, Astronomia, Geometria e Música. (E, ao mesmo tempo lançava o olhar para Hípias). Pelo contrário, o que vier até mim não aprenderá outra coisa senão o que quer. Aquilo que aprende é a prudência nos assuntos domésticos, a fim de administrar da melhor maneira a sua própria casa, e a prudência nos assuntos da cidade, para que seja o mais capaz quer no plano das ações quer no das palavras”. Sócrates acrescenta: “Parece-me que falas da arte política e prometes tornar os homens bons cidadãos”. E Protágoras conclui: “É pois esse mesmo, ó Sócrates, o compromisso que assumo”. Sócrates retoma a palavra dizendo: “Ao reivindicares publicamente, diante de todos os Gregos, o nome de sofista, apresentaste-te como mestre de educação e de excelência e foste o primeiro a julgar-se merecedor de pagamento por isso”. [317 b e seguintes].

 

Já Górgias afirmava quanto ao seu ensino:

 

Sócrates: É indiscutível que respondeste, mas ninguém indagou a respeito da qualidade de sua arte, mas simplesmente qual era essa arte e com que nome devemos designar Górgias. Portanto, tal como Querefonte formulou suas primeiras questões a ti e o respondeste de uma forma admiravelmente breve, deves de modo idêntico indicar que arte é essa e como devemos chamar Górgias. Ou melhor, Górgias, podes nos informar tu mesmo em que arte és versado e, daí, como devemos chamá-lo?

Górgias: É a retórica, Sócrates.

Sócrates: Portanto, cabe-nos chamar-te de orador?

Górgías: Sim, e um bom orador, Sócrates, se quiseres me chamar do que ¡ª para empregar a frase de Homero ¡ª gabo-me de ser.

Sócrates: Claro que quero.

Górgias: Então chama-me assim.

Sócrates: E estaríamos facultados a declarar que és capaz de tornar a outros como tu, isto é, oradores?

Górgias: Sim, mesmo porque é o que professo fazer, não só aqui como, inclusive, em outros lugares”. (Fonte: Platão, Protágoras, Edipro, Bauro, tradução de Edson Bini, 2007, p. 44/45).

 

Os demais Sofistas seguiam, em linhas gerais, numa dessas duas profícuas trilhas.

 

Diz Guthrie:

 

d) Interesses e perspectiva geral

É exagero dizer, como temos dito amiúde, que os sofistas nada tinham em comum exceto o fato de serem mestres profissionais, nenhum campo comum nos assuntos que ensinavam ou na mentalidade que estes produziam. Um assunto pelo menos todos eles praticavam e ensinavam em comum: a retórica ou a arte do logos.

[T. Gomperz: "É ilegítimo, se não absurdo, falar de mente sofista, moralidade sofista, ceticismo sofista e assim por diante". (Até o mero fato de ser mestres profissionais pode ter um efeito: alguns pelo menos estariam dispostos a sustentar que existe tal coisa como uma mente magistral ou uma mente empavoada) (Gr. Th. 1, 415). Para semelhante ponto de vista veja H. Gomperz, Soph. u. Rh. 39.]

[Veja as provas coligidas por E. L. Harrison, Phoenix, 1964, 190ss, mi. 41 e 42. A alegação de Schmid (Gesch. gr. Lit. 1.3.1, 56s) de que a retórica era desconhecida entre os primeiros sofistas e introduz Górgias no último terço do século, não é produzida pelas provas. [Osório diz: de que sofistas fala ele? Todos os sábios eram sofistas. Talvez ele se refira ao cenário: Atenas não democrática]]

A palavra é déspota poderoso”, como Górgias disse

Quando ao jovem Hipócrates se perguntou o que ele pensava ser o sofista, respondeu: “Mestre na arte de fazer oradores hábeis”.

O uso correto da linguagem em geral [Para as technai escritas veja Platão, Fedr. 271c hoi nyn graphontes... technas logon e 266d. Isócrates, In Soph. 19, fala "daqueles de uma primeira geração" que escreveram tas kaloumenas technas. A orthoepeia de Protágoras é mencionada no mesmo contexto por Platão (267c; v. p. 192, n. 58, abaixo), e a lista de suas obras em D. L. inclui techne epistikon. Segundo Platão (Soph. 232d) ele publicou séries de argumentos para capacitar o homem a sustentar o seu próprio ponto de vista contra peritos em diversas artes e capacidades. Ele também escreveu sobre gramática. Para Górgias veja Platão, Fedr. 261b-c. Ele technas rhetorikas protos exeure, Diod. 12. 53. 2 (DK, A4). D. L. 8.59 fala dele como hyperechonta en rhetorike kai technen apoleloipota, e Quint. 3.1.8 (A 14) coloca-o entre os artium scriptores. Trasímaco escreveu uma techne retórica (Suda, Ai) que parece ter sido conhecida como a Megale Techne (B 3). Para algo de seu conteúdo veja Fedr. 276c com DK, B 6. Pródico e Hípias também são mencionados na recensão de Platão dos bíblia ta peri logon technes gegrammena (Fedr. 266d ss), e a perícia de Hípias nas minúcias do discurso em Hip. Min. 368d. A paixão de Pródico de distinguir entre sinônimos aparentes é referida com freqüência por Platão, por ex., Prot. 337c, Eutid. 277c (peri onomaton orthotetos), Laches 197d (onomata diairein). Mais sobre isto, abaixo, pp. 207s].

Todos menos Górgias admitiriam ser mestres de arete (da qual, tal como por eles entendida, a arte do discurso persuasivo era pré-requisito), e pode-se suspeitar que a recusa de Górgias era um pouco insincera (cf. pp. 252s abaixo): [Osório diz: E a de Sócrates também, quando dizia que nada sabia, por exemplo?]

[Bluck frisou que arete segundo Górgias se diz ser aí "a capacidade de governar os homens", que é precisamente o que o próprio Górgias, em Górgias (425d), alegra ministrar pela arte da persuasão (sobre Meno 73d).].

Hípias (…) astronomia (de que Protágoras zombava como inútil para a vida prática).

Foi dito dos sofistas que eram herdeiros tanto dos filósofos pré-socráticos como dos poetas. W. Schmidt afirmou para Protágoras uma dívida para com Heráclito, Anaxágoras, os físicos de Mileto e Xenofonte, e lhe dá o crédito de tornar as conclusões paradoxais de Heráclito e Parmênides geralmente correntes em círculos instruídos.

 

rejeição da causação divina.

 

No Protágoras de Platão (318e, uma fonte melhor), Protágoras descarta interesse por todos estes estudos não-práticos.

Hippias Major (285b) Sócrates fala-lhe das "estrelas e outros fenômenos celestes, nos quais é perito"; [Osório diz: mas não se diz que Sócrates não se interessava por tais assuntos? Então como é que ele sabe discuti-los?]

Um ramo da filosofia pré-socrática exerceu profunda influência na sofistica como também em todo outro pensamento grego: o monismo extremado de Parmênides e seus seguidores. Seu desafio à evidencia dos sentidos, e rejeição de todo o mundo sensível como irreal, inspirou reação violenta nas mentes empíricas e praticas dos sofistas, que se lhe opuseram em nome do senso comum. Protágoras, diz-nos, afastou-se do ensino político da arete para escrever uma obra sobre o Ser que se dirigia contra “os que sustentam a unidade do Ser” e e Górgias em seu Sobre o não-ser mostrou sua mestria no argumento eleático fazendo-o voltar contra seus inventores. Todavia os sofistas não podiam, não mais do que qualquer outro pretendente a pensamento sério, eliminar o dilema eleático, que forçava uma escolha entre o ser e o tornar-se, a estabilidade e o fluxo, a realidade e a aparência. Uma vez que não mais era possível tê-los a ambos, os sofistas abandonaram a ideia de uma realidade permanente atrás das aparências, em favor de fenomenismo, relativismo e subjetivismo extremos. [Osório diz:!!!]

Os sofistas eram, com efeito, individualistas, e até rivais, competindo entre si por favor público. Não se pode, pois, falar deles como escola. De outro lado, pretender que filosoficamente nada tinham em comum é ir longe. Partilhavam da perspectiva filosófica geral descrita na introdução sob o nome de empirismo, e com este ia ceticismo comum sobre a possibilidade de conhecimento certo, em razão tanto da inadequação e falibilidade de nossas faculdades como da ausência de uma realidade estável para ser conhecida. Todos igualmente acreditavam na antítese entre natureza e convenção. Podem diferir em sua avaliação do valor relativo de uma, mas nenhum deles sustentaria que leis, costumes e crenças religiosos humanos eram inabaláveis porque enraizados numa ordem natural imutável. Estas crenças — ou falta de crenças — eram partilhadas por outros que não eram sofistas profissionais, mas caíram sob sua influência: Tucídides, o historiador; Eurípedes, o poeta trágico; Crítias, o aristocrata, que também escreveu dramas, mas foi um dos mais violentos dos Trinta Tiranos de 404 a.C. Nesta aplicação mais ampla, é perfeitamente justificável falar de mentalidade sofista ou de movimento sofista no pensamento. [Osório diz: este parágrafo está muito bom!]

[Quando se diz acima “todos igualmente”: Isso está expressamente atestado para Protágoras, Górgias, Hípias e Antífon, e pode-se afirmar com confiança de Pródico, que partilhava da idéia de Protágoras acerca das metas práticas de sua instrução (Platão, Rep. 600c-d). Pode-se mostrar em sofistas posteriores como Alcidamas e Licófron, e seria difícil produzir claro exemplo contrário.].

Os sofistas, com sua instrução formal auxiliada pelos escritos e oratória pública, eram os motores principais do que se convencionou chamar de Idade do Iluminismo na Grécia.

Este termo, tomado do alemão, pode-se usar sem muito receio para significar fase necessária de transição no pensamento de qualquer nação que produz filósofos e filosofias próprios. Assim escreveu Zeller (ZN, 1432): "Da mesma forma que nós, alemães, dificilmente teríamos um Kant sem a Idade do Iluminismo, assim também os gregos dificilmente teriam um Sócrates ou uma filosofia socrática sem a sofistica" [Burnet queixa-se da influência que esta "analogia superficial" tivera sobre escritores alemães, e alega que se há algum paralelo ocorre muito antes, e Xenófanes e não Protágoras é seu apóstolo. Mas Xenófanes foi antes a primeira andorinha que não faz verão; a idade do iluminismo sofistica significa não só Górgias, Hípias, Antífon, Crítias, Eurípedes e muitos outros. A seguinte observação de Burnet, de que "não é quanto à religião, mas quanto à ciência que Protágoras e Górgias assumem atitude negativa", é observação estranha para fazer de homem que declarou que ele não sabia se havia ou não deuses. Como regra geral, tais advertências contra analogias fáceis são salutares, mas [p. 49] as semelhanças entre o iluminismo e a era dos sofistas são muitas e surpreendentes (Th. to P. 109). O relacionamento filósofos e seus contemporâneos com seus predecessores no mundo antigo, tanto gregos como romanos, é discutido por Peter Gay em The Enlightenment (1967), 72-126 (capítulo intitulado "lhe first lightenment").].

Que Sócrates e Platão nunca teriam existido sem os sofistas (p. 49) é repetido por Jaeger (Paid. I. 288), e isto em si compensaria estudá-los ainda que não fossem (como alguns deles são) importantes figuras por si mesmos.

Protágoras de Abdera, Pródico de Cos e Hípias de Elis. Estes últimos, além de interessados por educação em seu sentido mais amplo [Osório diz: mas Platão não diz que eles não visavam à verdade?], frisaram o uso correto da linguagem (orthoepeia, orthotes onomaton) e assim foram levados de seu interesse por falar em público a iniciar os estudos de filosofia e gramática, etimologia e as distinções sinonímicas. [Osório diz: áreas de estudos dos sofistas]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 47-50).

 

Ensina Guthrie:

 

A História de Zeller em sua primeira edição (1844-52) talvez tenha sido a última a sustentar sem desafios a idéia de que o ensino, até o do melhor dos sofistas, visava afinal a reduzir tudo a assunto de preferência e preconceito individual, convertendo a filosofia da busca da verdade em meio de satisfazer às exigências do egoísmo e da vaidade; e que a única maneira para evadir foi a de Sócrates, que buscou reobter pela razão fundamento mais profundo e mais seguro para o conhecimento e a moralidade (ZN, 1439). Esta visão tem sido sustentada de forma particularmente forte na Alemanha, a que Grote se opôs no vigoroso capítulo lXVII de sua História da Grécia. Os historiadores alemães da filosofia, queixa-se ele, "erigem um demônio chamado 'A Sofística', que afirmam ter envenenado e desmoralizado, por ensinamentos corruptores, o caráter moral dos atenienses". Grote era utilitarista e democrata, numa época em que, ao descrever o surgimento da democracia ateniense, viu-se constrangido a observar que "acontece que a democracia é intragável para a maioria dos leitores modernos". Sua defesa dos sofistas foi saudada como "descoberta histórica do mais alto alcance" por Henry Sidgwick em 1872, que assim sintetizou a opinião corrente acerca dos sofistas:

Eram uma súcia de charlatães surgida na Grécia no séc. V, ganhando muito bem a vida impondo-se à credulidade popular: professando ensinar a virtude, ensinavam na verdade a arte do discurso fanático [Osório diz: isso depõe contra Platão que, sob o pálio de dizer que a virtude não era passível de ser ensinada, vedada o ensino de qualquer coisa! Ou será que ele dizia que apenas o que é ruim é passível de ser ensinado?], propagando doutrinas práticas imorais. Gravitando em redor de Atenas, o pritaneu da Grécia, Sócrates os encontrou aí e os derrotou, expondo o vazio de sua retórica, revirando de dentro para fora os seus sofismas, e defendendo triunfalmente princípios éticos sadios contra seus sofismas perniciosos.

Falei como se as circunstâncias políticas e as ações públicas dos Estados gregos originassem as teorias morais arreligiosas e utilitárias dos pensadores e mestres, mas é mais provável que prática e teoria agissem e reagissem mutuamente entre si. Sem dúvida, os atenienses não precisavam de um Trasímaco ou de um Cálicles para ensinar-lhes como lidar com uma ilha recalcitrante, mas os discursos que Tucídides põe nos lábios dos porta-vozes atenienses, no que ele tipifica um debate com a assembleia meliana, trazem marcas inconfundíveis de ensino sofista. Péricles era amigo de Protágoras, e quando Górgias apareceu diante dos atenienses em 427, os novos floreios da oratória com que ele pleiteou a causa de sua terra natal, a Sicília, suscitaram admiração e surpresa (p. 169, n. 11, abaixo). Se os sofistas foram produto de seu tempo, por sua vez também ajudaram a cristalizar suas idéias. Mas seu ensino pelo menos caiu em terreno bem preparado. Ao ver Platão, não eram eles que deviam ser declarados culpados por infeccionar os jovens com pensamentos perniciosos, pois nada mais faziam do que refletir os prazeres e as paixões da democracia existente:

Cada um destes mestres profissionais, que o povo chama de sofistas e considera seus rivais na arte da educação, não ensina, com efeito, nada mais do que as crenças do povo expressas por ele mesmo em suas assembléias. É isso que afirma como sua sabedoria.

A preocupação parece ter-se voltado para a espécie de assuntos que os sofistas professavam ensinar, especialmente a arete. Protágoras, interrogado sobre o que Hipócrates aprenderá dele, replica (Prot. 318e): "O cuidado adequado de seus próprios família, também negócios,Vala que possa administrar melhor sua e à o cuidado dos negócios do Estado, para se tornar poder real na cidade quer como orador, quer como homem de ação". Em breve, diz Sócrates, a arte da cidadania, e Protágoras enfaticamente concorda. Embora alguns deles ensinassem muitas outras também, tudo inclusive avanço político em seu currículo, e a chave para este, na Atenas democrática, era o poder do discurso persuasivo [De modo semelhante nas Nuvens (v. 432) Sócrates, que é aí caricaturado entre outras coisas um sofista profissional (cf. 98 argyrion en tis dido), assegura a Estré—p-Ma ~e.que`p.r sua instrução en to demo gnomas oudeis nikesei pleionas e sy. Em Górg. 520e Sócrates sugere uma razão pela qual ensinar esta espécie de coisa não era visto com bons olhos.]. Górgias concentrou-se de fato só na retórica recusando-se a ser inserido entre os mestres de arete, pois sustentava que a retórica era a arte-mestra a que todas as outras devem acatar [Gretes didaskaloi era o modo regular de Platão se referir aos sofistas (Dodds, Górgias, 366). Para Górgias veja Meno 95c., Górg. 456-e, especialmente ou gar estin peri hotou ouk an pithanoteron thanoteron eipoi ho retorikos e allos hostisoun ton demiourgon en plethei. Górgias até admite que seus alunos aprenderão dele os princípios do certo e do errado "se acontece que já não o sabem" (460a), mas sustentando ao mesmo tempo que o mestre não é o responsável pelo uso feito de seu ensino [Osório diz: esta lição somente vale, segundo os fanáticos, quando aplicada a Sócrates, se os alunos forem dos sofistas...]. Para a correção de incluir Górgias entre os sofistas veja agora E. L. Harrison em Phoenix, 1964 (contra Raeder e Dodds).]. [Osório diz: Por ser seu igual, Platão não o queria sofista? Vide nota 22, p. 39]

Ora, "ensinar a arte da política e empreender fazer dos homens bons cidadãos" (Prot. 319a) era o que precisamente em Atenas se considerava o campo especial do amador e do cavalheiro. Todo ateniense da alta classe devia entender a conduta adequada dos negócios por uma espécie de i finto herdado de seus antepassados, e estar preparado para transmiti-lo aos filhos. Até Protágoras admitia isso, embora pretendendo que ainda deixava espaço para sua arte pedagógica como suplemento. [Osório diz: Instinto nada! Exemplo e meios para tal]

Na passagem do Meno, a que já se referiu, Sócrates sugere inocentemente a Anito, importante líder democrático que se tornou seu principal acusador, que os sofistas eram as pessoas adequadas para instilar no jovem a sophia que o adequará para administrar o Estado, governar a cidade, e em geral demonstrar o savoir-faire próprio do cavalheiro. Quando Anito os injuria como ameaça para a sociedade, e Sócrates pergunta a quem, então, na sua opinião, o jovem deve se dirigir para tal treinamento, ele replica que não há nenhuma necessidade de mencionar indivíduos particulares, pois "todo cavalheiro decente ateniense que lhe acontecer encontrar, faria dele melhor homem do que os sofistas poderiam fazer". [Osório diz: Na democracia, nem todos são democratas, nem seus líderes!]

Havia, como vimos, uma arte que todos os sofistas ensinavam, a saber, a retórica, e uma posição epistemológica de que todos partilhavam, a saber, um ceticismo segundo o qual o conhecimento só podia ser relativo ao sujeito que percebe. Os dois estavam mais diretamente conexos do que se podia pensar. A retórica não desempenha o papel em nossas vidas que desempenhou na Grécia antiga. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 16 e 41-42),

 

Kerferd ensina:

 

Estes dois aspectos da democracia pericleana foram, sem dúvida, importantes no desenvolvimento de uma demanda pelos serviços dos sofistas. Mas estaremos provavelmente certos se pusermos maior ênfase no segundo. O que "os sofistas estavam aptos a oferecer não era, de forma alguma, uma contribuição para a educação das massas. Eles ofereciam um produto caro, valiosíssimo para os que estavam buscando fazer carreira na política e na vida pública em geral, isto é, uma espécie de educação secundária seletiva, em continuação à da instrução básica recebida na escola, em linguagem e literatura (Grammatikê e Mausikê), aritmética (Logistikê) e atletismo (Gymnastik)ver, por exemplo, Platão, Prot. 318el; Xenofonte, Constituição dos espartanos, II, 1. Como a educação da escola elementar se completava normalmente no ponto em que o menino deixava de ser criança (Pais) para tornar-se um adolescente ou um jovem (Meirakion) (ver Platão, Laques 179a5-7; Xenofonte, Const. dos espartanos III, I), e visto que se tornar um Meirakion era equacionado com a idade da puberdade, tradicionalmente fixada aos 14 anos (Aristóteles, HA VII. 581al2ss.), podemos dizer, em termos modernos, se quisermos, que os sofistas ministravam uma educação seletiva para a idade de 14 anos em diante.

Essa educação, embora variasse quanto ao conteúdo, parece ter sido sempre, em boa parte, orientada para a carreira. Por volta do início da Guerra do Peloponeso, se é que podemos acreditar em Platão no diálogo Protágoros, estava já suficientemente estabelecida uma outra função — a de treinar mais professores que deveriam, por sua vez, tornar-se sofistas profissionais (Prot. 312a-b). Mas, como a finalidade principal continuava sendo a de preparar homens para uma carreira na política, não é de surpreender que uma parte essencial da educação oferecida fosse treinar na arte do discurso persuasivo. Sobre isso, observou muito bem J. B. Bury:

 

As instituições de uma cidade democrática grega pressupunham, no cidadão comum, a faculdade de falar em público, o que era indispensável para quem quer que ambicionasse uma carreira política. Um homem que fosse arrastado ao tribunal por seus inimigos e não soubesse como falar era como um civil desarmado atacado por soldados. O poder de expressar ideias claramente e de maneira a persuadir seus ouvintes era uma arte a ser aprendida e ensinada. Mas não bastava adquirir domínio do vocabulário; era necessário aprender como argumentar, e exercitar-se na discussão de questões políticas e éticas. Havia uma procura de educação superior. [Osório diz: por que os sofistas eram necessários às circunstâncias e necessidades da Atenas do século V]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 34-36).

 

Continua Kerferd:

 

Passo, agora, (3) para os currículos ensinados pelos sofistas, e a série de estudos por eles proposta. De vez em quando, no passado, fizeram-se tentativas de argumentar que os sofistas estavam totalmente, ou predominantemente, preocupados com uma única área de estudo e de ensino. E essa preocupação era, então, tida como a marca distintiva de um sofistaa retórica como ideal educacional, a oposição entre natureza e convenção, sucesso político, o ideal de educação em geral, rejeição da ciência física, recusa da religião, a visão humanista do homem como centro do universo, o homem como um personagem trágico do destino [Osório diz: o que ensinavam os sofistas]. Todos esses, cada um por vez, ou em combinação, têm sido sugeridos por diferentes especialistas modernos, em épocas diferentes. As referências reais que temos a respeito do ensino sofista sugerem que ele cobria uma faixa extremamente larga; em todo caso, a questão é em parte complicada pela necessidade de decidir de antemão exatamente que personagens devem ser incluídos e quais devem ser excluídos do título de sofista. Depois há a dificuldade da não-sobrevivência dos escritos sofistas. É claro que eram realmente numerosos, e às vezes se diz que, de modo geral, desapareceram de circulação em apenas algumas décadas de sua produção. Afinal de contas, sugere-se, eles não eram principalmente eruditos e sua obra educacional mais séria era destinada a homens vivos, não a futuros leitores. Assim diz Jaeger, na sua influente obra Paideia (Vol. I, trad. inglesa de 1939, p. 302), que foi citada com aprovação por Untersteiner.” [Osório diz: somente agora, e com espanto em relação aos dois autores citados, é que se pode ver como estão errados! A busca pelas ditas obras os desmente vergonhosamente!].

 

[Osório diz: o que ensinavam os sofistas:

 

a) a retórica como ideal educacional,

b) a oposição entre natureza e convenção,

c) sucesso político,

d) o ideal de educação em geral,

e) rejeição da ciência física,

f) recusa da religião,

g) a visão humanista do homem como centro do universo,

h) o homem como um personagem trágico do destino.

(Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 63).

 

 

 

 

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