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24.2 – Platão e suas contradições.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

24.2 – Platão e suas contradições.

 

Afirma Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Encontramo-nos, portanto, perante três interpretações possíveis. A primeira leva-nos diretamente, como reconheceu Platão, ao relativismo cético, doutrina que se destrói a si própria reduzindo todos os seus testemunhos ao mesmo plano: com efeito, Protágoras deveria confessar que não é superior em juízo “não digo apenas a qualquer outro homem, mas mesmo até a um peixe-cabeçudo” [Osório diz: idiotice platônica, já que peixe não emite juízo! O mal dele de misturar as coisas!]. O ensino torna-se inútil “se verdadeira é a Verdade de Protágoras” [Osório diz: não é “verdade”, é que a afirmação é apenas uma parte do ensino. O mito de Prometeu dá a outra parte!], porque a opinião do mestre não tem nenhuma precedência sobre a do aluno. Segundo esta primeira interpretação, Protágoras teria, portanto, afirmado de alguma maneira muito antes de Pirandello: “A cada um a sua verdade.” – A sorte desta leitura, que não conta sequer com as retificações de Platão na continuação do Teeteto, explica-se, sem dúvida, pela coincidência com a imagem desfavorável que se fizera dos Sofistas, que tradicionalmente só existem para servir de alavanca fácil.” (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. 24-25).

 

Ensina Kerferd:

 

Os quatro argumentos restantes, contudo, têm certamente afinidades com os que Protágoras estava preocupado em responder. São eles: que teria havido professores de virtude reconhecidos, como os de música, se virtude pudesse ser ensinada; que os homens sábios teriam transmitido sua sabedoria a seus amigos e suas famílias; que alguns alunos tinham ido para os sofistas e não tinham obtido nenhum [225] benefício deles; e que muitas pessoas que se elevaram à eminência não estiveram associadas aos sofistas. Será conveniente considerar esses argumentos na sua forma mais extensa, tal como é vista na discussão no Protágoras de Platão; Protágoras, no início do diálogo, é apresentado com um novo aluno, Hipócrates, e declara o que se propõe a ensiná-lo: "a prudência nos negócios domésticos que o capacite a dirigir a sua própria casa, e a sabedoria nos negócios públicos que melhor o qualifique para falar e agir nos negócios do Estado" (318e). Sócrates pergunta se essa é a arte da política e se Protágoras está se encarregando de fazer dos homens bons cidadãos, e Protágoras concorda (319a). Sócrates replica que supunha que essa arte não pudesse ser ensinada, e dá duas razões: (1) os atenienses são tidos como sábios, entretanto, embora introduzam especialistas na assembleia para os aconselhar em assuntos técnicos, consideram todos os cidadãos igualmente capazes de aconselhá-los em assuntos relativos à cidade (319b-d) [Osório diz: Platão versus Sócrates! Este fala aos atenienses]; (2) os mais sábios e melhores dos cidadãos não são capazes de transmitir essa virtude aos outros. Assim, Péricles educou bem seus filhos em tudo que poderia ser ensinado por professores, mas não tentou ensinar-lhes, ou providenciar que lhes fosse ensinada, a sua própria sabedoria, mas deixou que eles a adquirissem sem ajuda (319d-320b). [Osório diz: mais uma contradição platônica!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 225-226).

 

Acrescenta Kerferd:

 

Platão e suas contradições.

 

Por que, então? A resposta clássica tem sido que não era o fato de cobrarem honorários que desagradava; era o fato de venderem instrução em sabedoria e virtude. Essas não eram da espécie de coisas a ser vendidas por dinheiro; amizade e gratidão deveriam ser recompensa suficiente (cf. Xen. Mem. I, 2,7-8) [Osório diz: isso para quem não era rico e podia ensinar gratuitamente! Mas nem Sócrates assim agia, pois era um comensal de banquetes “caros”! Repita-se, a questão era política! Os Sofistas ensinavam os “fora do poder” a lutar pelo poder!]. Mas é duvidoso que isso teria sido realmente suficiente para separar os profissionais sofistas dos poetas, por exemplo; quando examinamos mais atentamente as repetidas objeções registradas em Platão e Xenofonte, descobrimos que quase regularmente as objeções têm uma outra característica, não muito enfatizada na literatura moderna. O que está errado é que os sofistas vendem sabedoria a todos os que se apresentarem sem discriminação — ao cobrar honorários eles se destituíam do direito de escolher seus alunos [Osório diz: e desde quando professor pode e debe rejeitar aluno? Ao contrário, debe aceitar qualquer um para torná-lo melhor!]. Isso, é dito, envolve prelecionar diante "de todo tipo de gente" [Osório diz: eis o motivo do ódio platônico! Apenas os aristocratas poderiam receber tal educação, não o povo que ia atrás de saber para se impor democraticamente](Hipp. Mai. 282dl) — uma expressão tão desdenhosa em grego como em português — e receber dinheiro de quem quer que venha (Xenofonte, Mem. l, 2.6,1,5.6,1,6.5,1.6.13). Uma das consequências, se diz, era destituir o sofista da sua liberdade e fazê-lo escravo de todos quantos vinham a ele com dinheiro [Osório diz: se for como na modernidade, não eram somente os sofistas que se vendem! Os advogados, em especial, mas outros profissionais, inúmeros, aliás, também o fazem! Intelectuais são viciados em se venderem!]. Mas é de se duvidar que seria a solicitude pela independência do sofista a base real dessa objeção. Na realidade, nem é mesmo certamente verdadeiro ser esse o caso do ensino sofista. Claramente, no Protágoras, o jovem Hipócrates não está absolutamente seguro de ser capaz de persuadir Protágoras a aceitá-lo como aluno, e espera ansioso que Sócrates o recomende ao grande homem (310d6-e3) [Osório diz: contradição platônica! O caso é mesmo, repita-se: político. Platão não queria gente preparada capaz de enfrenta a sua classe!].

A principal instrução dos sofistas, contudo, não era dada, com toda a certeza, nem em preleções públicas, nem em debates públicos, mas em classes menores, ou seminários, como o descrito na casa de Cálias quando o jovem Hipócrates vem buscar conhecimentos com Protágoras. Aqui, Hípias estava sentado numa cadeira no pórtico, discursando para um grupo de ouvintes, aparentemente sobre a natureza e questões de astronomia, e respondendo a perguntas. Pródicos está numa despensa convertida em sala de aula, falando em voz alta e retumbante, enquanto Protágoras anda de um lado para outro no pórtico de entrada, acompanhado por toda uma multidão de atenienses e estrangeiros pressurosos à sua disposição. Muitos desses tinham deixado suas cidades para acompanhar Protágoras nas suas viagens; se, nesses casos, a pensão era suprida por Protágoras, isso explicaria por que alguns de seus preços eram tão altos. Certamente parece haver aí certa ênfase na íntima associação do professor com o aluno, numa espécie de viver junto como parte do processo de educação [Osório diz: isso põe por terra o simples pagamento, embora isso seja besteira]. O resultado disso terá sido, naturalmente, que os estudantes ganhavam não só com o íntimo contato com a mente e a personalidade do sofista, mas também com o estímulo intelectual da associação de uns com os outros, num grupo de jovens, todos interessados nos mesmos estudos. Sem dúvida esse era um dos motivos da intensa excitação que podemos suspeitar no jovem Hipócrates ante a perspectiva de entrar para o grupo de estudantes associados a Protágoras; uma excitação tão intensa que ele não pode esperar o tempo normal, mas vai à casa de Sócrates, todo nervoso e agitado com suas emoções, quando Sócrates ainda está na cama [Osório diz: esse comentário põe por terra o de Platão ao dizer que não existia vínculo entre mestre e discípulo! Há, também, aí, uma clara demonstração da importância e influência de Protágoras sobre todos, inclusive o próprio Sócrates que sai da cama para ir ter com ele, mostrando que Protágoras tinha algo a dizer, pois caso fosse um qualquer Sócrates não acompanharia Hipócrates tão cedo da manhã para ir ao encontro de um “velho” conhecido!]. Isso leva, naturalmente, à (2) questão dos métodos de ensino. Primeiro, havia a preleção preparada sobre um determinado tema. Algumas delas eram essencialmente exercícios retóricos sobre um tópico mítico, tais como as obras existentes de Górgias, Helena e Palamedes. Mais diretamente relacionado com o treinamento dos futuros oradores nos tribunais, ou nas assembleias [Osório diz: locais para os quais os estudantes eram ensinados a fazerem uso do que aprendiam], eram os exercícios retóricos do tipo que chegou até nós na coleção das Tetralogias de Antífon — cada uma delas consiste em um conjunto de quatro discursos: discurso do acusador, resposta do defensor, depois um segundo discurso de cada lado. São como que modelos esquemáticos de discurso; a segunda Tetralogia trata o tema já mencionado — a questão da responsabilidade quando um rapaz é acidentalmente atingido por um dardo quando estava como espectador num ginásio. É claro que exemplos de discurso desse tipo eram dados para os estudantes estudarem e imitarem. [Osório diz: este parágrafo expõe mais uma contradição de Platão: se era só pagar, por que o jovem Hipócrates foi se socorrer de Sócrates para “pedir-lhe uma vaga”?].

 

Platão, o antijuventude.

 

O segundo ponto de Platão contra a antilógica não é tanto uma objeção quanto um receio constante do perigo de seu abuso, especialmente nas mãos dos jovens. Esse seu receio, na verdade, não se confina à antilógica, mas realmente se estende à própria dialética, que, se estudada pelos muito jovens (antes dos 30 anos), pode destruir o respeito pela autoridade tradicional, mediante a indagação de questões tais como "o que é certo" (to kalon) quando o questionador é incapaz de enfrentar essas investigações de maneira adequada e descobrir a verdade (Rep. 537el-539a4) [Osório diz: como se descobrir a verdade, mesmo para os velhos, fosse possível]. "Os jovens, quando experimentam argumentos pela primeira vez, abusam deles como num jogo, usando-os em todos os casos, a fim de estabelecer uma antilogia e, imitando os que se engajam em refutar, refutam eles mesmos outras pessoas, divertindo-se como cachorrinhos, puxando e estraçalhando, com seu argumento, todos os que deles se aproximam" (539b2-7). O resultado de repetidas refutações mútuas, ou elenchi, conduzidas dessa maneira, diz Platão, é "desacreditar tanto os interessados como a atividade toda da filosofia aos olhos do mundo [Osório diz: mas é possível desacreditar a verdade? Quem tem a verdade nada tem a temer!]. Uma pessoa mais velha não estaria disposta a participar desse tipo de loucura, mas imitará o homem que quer proceder dialeticamente (dialegesthai) e que quer ver a verdade, ao contrário do homem que fica brincando e procedendo antilogicamente por diversão [Osório diz: muito palhaço esse palhaço chamado Platão! Os velhos não contestam!]. Ele será mais comedido em sua abordagem, e fará o empreendimento mais digno de respeito do que menos digno dele" (539b9-dl). Em outras palavras, sem a dialética, a prática da antilógica é muito perigosa, pois pode ser facilmente usada para propósitos meramente frívolos. Mas uma leitura atenta dessa passagem mostra, acho eu, que Platão não está condenando a antilógica como tal. O processo de elenchus (refutação lógica) é, para Platão, uma parte normalmente necessária do processo de dialética (Cf. Fédon 85c-d, Rep. 534b-c). Na presente passagem Platão está condenando o abuso do elenchus quando usado para propósitos frívolos, mas, por implicação, ele o aprova quando usado para o propósito da dialética. Ora, o processo de elenchus, nos diálogos platônicos, toma diversas formas. Mas uma das formas mais comuns é a de argumentar que uma dada afirmação leva a uma autocontradição; em outras palavras, a duas afirmações mutuamente contraditórias. Mas duas afirmações mutuamente contraditórias são a característica essencial da antilógica [Osório diz: Platão é antilógico negando que é antilógico! Mais uma vez ele não condena a antilógica, mas o uso que se possa fazer dela e que o faça. Se for Sócrates, tudo bem, ele pode tudo, menos para o tribunal!].

O aspecto essencial desse uso da antilógica é o estabelecimento de logoi ou argumentos opostos acerca da questão em debate. Mas para Platão é muito mais do que isso. Basicamente, para ele, o mundo fenomenal está sempre em estado de mudança e fluxo, de tal forma que pode ser descrito, em certo sentido, como que se revolvendo entre ser alguma coisa e não ser essa coisa [Osório diz: por que Platão não tinha saída a não ser voltar-se para a fé, a crença, o místicismo]. Mais ainda, isso não é meramente algo que acontece entre dois pontos no tempo. A qualquer momento, "coisas que dizemos ser grandes ou pequenas, leves ou pesadas, podem igualmente ser descritas pelo epíteto oposto" (Rep. 479b6-8). Isso mostra duas coisas. Primeiro, a oposição entre logoi pode ser simultânea no sentido de que os logoi são opostos não um depois do outro mas ao mesmo tempo. Em qualquer dado momento, o mesmo homem, por exemplo, é ao mesmo tempo alto e baixo, dependendo de com quem ele é comparado. Segundo, a oposição entre logoi, que é o ponto de partida para a antilógica, aplica-se não somente a argumentos opostos, mas também aos fatos do mundo fenomenal aos quais se referem os argumentos. [Osório diz: Platão e o ser e não-ser ao mesmo tempo? O contraditório!].

Mas não é só isso. Numa frase sem ênfase, Platão de fato revela que estava ciente de que sua própria visão dos fenômenos foi antecipada por aqueles que se ocupavam com logoi antilogikoi. Isso está claramente implicado na afirmação de que tais pessoas "pensam que são os únicos que chegaram a compreender" — eles estão sendo criticados, não por sustentarem essa opinião, mas por se enganarem supondo que ninguém mais tenha chegado a essa mesma compreensão. Em outras palavras, ambos, Platão e os praticantes da antilógica, estão de acordo neste ponto: o caráter antilógico dos fenômenos. O único ponto fundamental sobre o qual Platão vai discordar é a falta de compreensão deles de que o fluxo dos fenômenos não é o fim da história — deve-se procurar alhures a verdade, que é o objeto do verdadeiro conhecimento; e, mesmo para a compreensão do fluxo e suas causas, deve-se buscar entidades mais permanentes, seguras e confiáveis, as famosas Formas platônicas. Isto, por sua vez, sugere que a base real da hostilidade de Platão aos sofistas não era porque, a seu ver, estivessem inteiramente errados, mas porque elevavam a meia verdade à verdade toda, confundindo a fonte da qual vêm todas as coisas com as suas consequências (fenomenais) (Fédon 101el-3). Isso os tornava muito mais perigosos. De fato, quando alhures Platão sugere, como o faz repetidamente, que os sofistas não estavam preocupados com a verdade, podemos começar a supor que era porque eles não estavam preocupados com o que ele considerava ser a verdade, e não porque eles não estavam preocupados com a verdade tal como eles a viam. Para Platão, embora não goste de dizer isto, antilógica é o primeiro passo no caminho que leva à dialética.” [Osório diz: a verdade que Platão queria que os sofistas aceitassem: a dele!] [Osório diz: a antilógica como o primeiro passo da dialética!] [Osório diz: sempre o contraditório!]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 47, 54, 55, 56, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117).

 

Mas a suprema contradição de Platão é esta, segundo Keferd:

 

Conhecemos um pouco Trasímaco por outras fontes além de Platão, ao passo que nada sabemos de Cálicles fora do vívido retrato dele no Górgias de Platão. Em consequência disso, sua existência como pessoa real foi posta em dúvida por Grote e alguns outros especialistas, embora a maioria esteja pronta a aceitá-lo como uma figura histórica. Segundo Platão, ele veio do demo de Acarnânia, na Ática, e é em sua casa que seu amigo Górgias está hospedado ao se iniciar o diálogo de Platão (447b2-8). Sócrates diz dele (520al-b2) que prefere retórica a ensinar virtude aos jovens, e noutra parte, numa famosa passagem (484c4-486dl) [Osório diz: Sócrates queria que ele ensinasse virtude? Mas não é ele que diz que a virtude não é ensinável?], que era desdenhoso da filosofia quando adotada como uma ocupação adulta. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 91).

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

O que introduz então essa substituição? Trata-se, para Sócrates, de esquivar a equivalência parmenideana do légein ao eînai, do dizer e do ser, que torna possível a demonstração sofística: ao banir o légein por demais filosófico em benefício de uma série de verbos cada vez mais contextualizados, cada vez mais pragmaticamente marcados, ele tenta deslocar a problemática, da ontologia para uma prática da enunciação. Há aqui um redobrar de sutileza, já que, se o sofista combateu de início a filosofia com a ajuda das próprias armas da filosofia, é agora o filósofo que busca combater o sofista com a ajuda das próprias armas da sofística [Osório diz: Contradição Platônica]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 35)

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Todos os outros gêneros de discurso então — para não deixarmos de falar neles — estão em relação ao discurso da retórica exatamente como as guloseimas em relação ao pão e à carne. De modo que os mais renomados em cada gênero são os que aí introduziram o máximo de retórica e, dentre eles, sobretudo aquele que tiver chegado mais próximo da retórica. (428). Homero, e essas passagens em Homero, Sófocles, e essas passagens em Sófocles. Mas o próprio Platão, o que nos diz? Pois, longe de ignorá-lo, estamos prontos a colocá-lo no lugar de honra do coro. [Osório diz: Platão, o contraditório]

Como quer que seja, de Élio Aristides a Perelman, a retórica torna-se, de direito, a potência de universalidade por excelência: retórica "basílica", reinante ou real, "Império retórico". Mesmo se essa universalidade comporte ainda e sempre um paradoxo. Como se estruturalmente a retórica não pudesse se impedir de imitar essa filosofia que a denigre, ela produz o limite, denegado, adiado, redefinido, de um mau uso ou de uma profanação dela mesma que faz contrafação: que faz "sofística". Aí ainda, quando se trata de designar o mau orador, Élio Aristides se mostra, creio, mais retórico do que Perelman. Pois, "no domínio evasivo da retórica, onde se é sempre o sofista de alguém" 13, Aristides distingue dois tipos de maus sofistas; de um lado, classicamente, os asianistas, que são apenas os "efeminados", as "prostitutas" (os "coloristas") da eloquência. Mas também, e sobretudo, o próprio Platão, ele que não cessa de fingir ser o que não é, um filósofo, e que recusa ser o que é, um orador; ele que acusa os outros de amar, convencer ou agradar enquanto ele mesmo volta à Sicília para seduzir os tiranos; ele que, enfim, grande promotor do verdadeiro, não cessa de fazer falar Sócrates em ficções dialogadas 14. Assim, no final do Contra Platão ei-lo, "o pai e o professor dos oradores" (465), reconduzido por Aristides sob o jugo da retórica como um "escravo fugitivo" (463). Audácia, ironia e humor desse procedimento sofístico por excelência, de retorno ao remetente e de catástrofe em espelho, que não são exatamente da sensibilidade de Perelman. [Osório diz: Platão o contraditório]. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 168-169).

 

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