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23.12 – Sócrates, o sofista.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

23.12 – Sócrates, o sofista.

 

Ensina Guthrie:

 

Um modo de ver como o de Grote só se pode sustentar pela prática acrítica (que não será acompanhada aqui) de aceitar como fato todas as referências aos sofistas em Platão que são neutras ou simpáticas (“Mesmo Platão foi forçado a admitir...") e descartar toda observação menos lisonjeira como apenas devida a preconceito não-liberal. Quando Protágoras no Protágoras de Platão se confessa sofista e educador apesar do ódio que se liga ao termo, um ódio que ele explica como devido ao fato de que eles entram nas grandes cidades da Grécia como estrangeiros e afastam seus mais prometedores jovens de suas relações e amigos pretendendo que seu ensino é melhor, não existe nenhuma razão para duvidar da realidade do estado de coisas que ele descreve. Seu alarde tem um elemento de bravata: e preciso coragem para se declarar sofista. Igualmente verdadeira para o caráter dos atenienses é a observação de Sócrates no Eutifro (3c) de que não importa se pensam se alguém é deinos contanto que o guarde para si mesmo, mas se ele começa a ministrar sua superior experteza a outros pelo ensino, eles ficam com raiva, ou por ciúme ou por qualquer outra causa. Aqui Sócrates tem em mente sua própria situação difícil, mas obviamente a observação se aplica também aos sofistas profissionais; ele, com efeito, participava de sua reputação, como o deixam claro as Nuvens. [p. 37] No século seguinte, Esquines, o orador, pôde se referir a ele casualmente como "Sócrates o sofista" [Foi no mesmo discurso que Esquines chamou Demóstenes de sofista. Embora o lapso dos séculos o faça de alcance duvidoso para a presente discussão, é interessante que Luciano tenha podido se referir a Cristo como "o sofista crucificado" (Peregrinos 13). [Osório diz: Se Cristo também foi chamado... O argumento serve para defender apenas Sócrates ou a todos?]]. [p. 38] [Osório diz: O que Platão não soube, foi separar o joio do trigo. Além do mais, além de ter escolhido os melhores para nomear, ele não os enfrenta nas questões que diz condenar, já que não acusa ninguém, especificamente]

Que Sócrates e Platão nunca teriam existido sem os sofistas (p. 49) é repetido por Jaeger (Paid. I. 288), e isto em si compensaria estudá-los ainda que não fossem (como alguns deles são) importantes figuras por si mesmos. (p. 50)

Aos olhos de Platão, Sócrates era, na realidade, o verdadeiro mestre desta arte [Osório diz: isso confirma o que eu disse acima!]. Fez dela uso diferente dos sofistas, mas embora não fosse nenhum retórico[Osório diz: é muito cara de pau!]. Crítias, ao tornar ilegal ensinar a arte dos logoi, (p. 168) teve Sócrates particularmente em mente [Osório diz: mais uma prova de que Sócrates seria um sofista, menos para seu amante!], 6 isso não foi inteiramente irrazoável. Estava convencido de que se alguém entendeu uma coisa podia "dar um logos dela" [Osório diz: isso reforça meu entendimento de que, a contrário, somente fala sobre algo quem sabe algo sobre ele!], e sua exigência de definições era exigência de que as pessoas devam provar que entenderam, a essência da coragem, da justiça ou qualquer outra coisa que estivesse em discussão, encontrando uma fórmula verbal que pudesse cobrir todos os seus casos.

Aristóteles (Rhet. 14o2a17) o liga com Córax. Platão (Fedr. 273a-b) atribuí-o em forma um tanto adulterada e caricaturada a Tísias, de que se disse ser seu discípulo [Osório diz: Platão e a caricatura! Daí eu acreditar que Sócrates era um Diógenes, o cão, que Platão deu-lhe a aura]. V. também Arist. ap. Cic. Brut. 12.46 (presumivelmente da Synagoge technon) para Córax e Tísias como os primeiros a escreverem manuais de retórica depois da expulsão dos tiranos da Sicília, e em geral Aulitzky em RE, Xl, 1379-81.

A relação de Sócrates e Platão com os sofistas é sutil [Osório diz: daí o acerto de Aristófanes ao descrever Sócrates!]. Diz-se geralmente que, ao passo que os sofistas eram empiristas que negavam a possibilidade de uma definição geral de "bem" pelo motivo de ela diferir relativamente aos indivíduos e às sociedades e suas circunstâncias, Sócrates (e Platão depois dele [Osório diz: este é um problema!]) insistiu em que havia um bem universal, cujo conhecimento daria a chave para a ação reta para todos em toda parte. Assim Aristóteles (como Platão no Meno) descreve-o insistindo numa definição geral de arete em contraste a Górgias que preferia enumerar virtudes separadas (Pol. 1260a27). Todavia, no Fedro é o "verdadeiro retórico", isto é, o filósofo dialeticamente treinado [Osório diz: vejam como Platão aproveita tudo dos sofistas, apenas diz que o que ele, Platão, expõe é o certo, o verdadeiro, a verdade], que é comparado com um médico qualificado, que não só sabe como ministrar vários tratamentos mas também entende o que é apropriado a determinado paciente, e quando e por quanto tempo – um homem, pelo que parece, na tradição empírica do melhor ensino médico grego. Ao invés, o retórico comum, que "por ignorância da dialética é incapaz de definir a natureza da retórica", assemelha-se a curandeiro que aprendeu de livro como dar vomitório ou purgante, mas não tema menor idéia de quando seu uso será apropriado (Fedr. 268a-c, 269b) [Osório diz: eis o elitismo! Como se os primeiros médicos não estivessem mais para curandeiros!]. Pode ser que a busca socrática de definições, e seu fruto, a dialética platônica da "coleção e divisão", antes incluem e transcendem do que anulam a obra dos sofistas e retóricos [Osório diz: isso seria até aceitável, não fosse a volta ao misticismo (deuses) e a fixação em verdade, que é sempre provisória, paradigma]. Descreve-se, afinal, seu ensino no Fedro como sendo, se bem que não a arte da retórica propriamente dita, uma necessária propedêutica para ela (ta pro tes technes anagkaia, 269c). Tais questões exigem cuidadosa consideração; v. especialmente Sócrates, c. III, § 8. [Osório diz: Sofistas e Sócrates são tão parecidos que não se consegue separá-los!]

[Osório diz: Sócrates faziam perguntas sobre determinados temas sem dominá-los? Estranho, pois até para que se possa perguntar, com profundidade, como era o caso, é preciso conhecer e somente se conhece estudando! Como, sem ter conhecimento, ele perguntava o mesmo que os físicos sobre assuntos da natureza?]

O final do Crátilo permite outro rápido olhar fascinante (…) sobre o modo como Sócrates virava argumentos sofísticos para seus próprios objetivos [Osório diz: o que prova que ele era um deles, como demostra Aristófanes, que, no caso, não se enganou!].

Pergunta de repente a Crátilo se, concedido que palavras são imagens de coisas, não é melhor aprender da realidade que a imagem expressa antes do que somente da imagem. Crátilo não pode negá-lo, Sócrates o leva daí ao seu próprio “sonho” de formas absolutas e imutáveis de beleza, bondade e o resto, que só se pode dizer ser real e louvável, e são diferentes de suas representações fugazes num rosto ou numa boa ação. Crátilo ainda está inclinado a se fixar em sua própria posição heracliteana, e o diálogo termina, como tantos outros, num acordo de pensar mais sobre o tema depois [Osório diz: somente dos sofistas são exigidas explicações completas, conclusivas. Platão/Sócrates nunca concluem nada e ninguém lhes pede mais do que dizem! E a isonomia?]. Mas na mente do leitor foi semeada a semente. [Osório diz: Infelizmente, ou felizmente, o leitor Aristóteles resolveu o problema ao dizer, no livro Gama de sua Metafísica, que “existem mais coisas no mundo do que nomes para designá-las”! Aliás, toda a exposição sobre o tema já devia iniciar-se assim: “Leia se quiser esse diálogo, mas ele está superado pelo ensinamento de Aristóteles que diz: '...'”. O que fazem os autores é encher linguiça!]

Anito expressou seu desprezo pelos profissionais, afirmando que “qualquer cavalheiro ateniense” seria para Meno mais apto para a vida política do que qualquer sofista. [Osório diz: Anito é outro, que bem ou mal, se destacou na vida política ateniense, logo, não era tolo, logo não poderia, também, ter confundido tanto Sócrates com os Sofistas]

... inclusive argumento falacioso e sem escrúpulos, da parte de Sócrates [Osório diz: impossível <:]

Dizer que o levou a renunciar ao ceticismo e relativismo de seus irmãos sofistas é prestar-lhe homenagem que eu estaria inclinado a reservar a Sócrates.

Não se pode deixar inteiramente de levar em conta isso pelo motivo de que aplicou a mesma palavra a Sócrates, pois há toda probabilidade que os primeiros anos de Sócrates tenham sido marcados de fato pelo interesse pela filosofia natural suficiente para dar alguma base real à descrição. (Veja Sócrates, 96ss). Para a referência de Cícero a Pródico, juntamente com outros sofistas, como tendo escrito etiam de natura rerum, v. p. 47, acima. Gélio, de outro lado, o compara com Anaxágoras como rhetor, e não como physicus (15.20, DK, A 8). [Osório diz: é a minha tese! Para falar algo sobre ele teve que aprender antes. Perfeito!]

Este era o ginásio destinado a bastardos, ou homens de descendência mista (Demóst. 23.213 e fontes posteriores), que corresponde ao relato de sua origem meio estrangeira. Mas D.L. ou sua fonte [p. 282] tenta por todos os meios apresentá-lo como o fundador do cinismo. "Cinosarges" introduz-se como origem alternativa para o nome, e D.L. imediatamente continua dizendo que o próprio Antístenes era chamado Haplokyon (da mesma forma como foi chamado Kyon por Heródico no séc I a.C. ap. Aten. 216b), ao passo que pode haver pouca dúvida de que o Cão original foi Diógenes. Aristóteles já o conheceu pelo nome (Ret. 1411a24), mas falou dos seguidores de Antístenes como Antistheneioi. A estória em D.L. (loc. cit.) segundo a qual tinha poucos alunos porque, como ele disse, "os afugentava com uma vara de prata", se tiver base no fato, implica que, apesar de seu socraticismo, cobrava tanto que muitos não queriam pagar. Teria aprendido a agir desta maneira como retórico e aluno de Górgias. [Osório diz: D.L = Diógenes Laércio / Tudo que não presta vem dos Sofistas! Ainda bem que, cada vez mais me convenço que Sócrates era um deles, e isso é uma prova de tal entendimento]

O mesmo se pode dizer da teoria de Joël segundo a qual a descrição que Xenofonte faz de Sócrates não tem nenhum valor histórico, porque fazia dele uma figura essencialmente antistenesiana e cínica. [Osório diz: para o fanático Joël, somente Platão, nada mais que Platão! Mas, isso casa com o que diz Arsitófanes] . (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. 37-38, 50, 168-169).

 

e,

 

64 [Platão, Protágoras, 309 d.] A acção descrita poderá situar-se por volta de 423-422-a. C. Protágoras ensinou anteriormente em Atenas, frequentando Péricles e o seu círculo de amigos, o que explica que tenha sido incumbido da elaboração da constituição de Túrio, em 444 a. C. (cf. A 1, etc.). A reunião decorre em casa de Cálias, que pertence a uma das famílias mais ricas e ilustres da cidade, sendo um tópico conhecido os seus gastos com os sofistas. Uma crítica paralela é posta em cena na comédia de Êupolis, Aduladores, vencedora de um concurso em 421 a. C.: todavia, na peça, Sócrates é incluído entre os sofistas, apresentados como indivíduos que vivem à custa dos outros. [Osório diz: Este é mais um testemunho de que Sócrates era Sofista! Ademais, Aristófanes tem duas peças e não apenas uma (As nuvens) em que apresenta Sócrates como sofista. Poderia ele errar duas vezes?]. (Fonte: Sofistas – testemunhos e fragmentos, Casa da Moeda. Lisboa. p. 68).

 

Kerferd ensina:

 

Mas, se perguntamos o que é a via da natureza, os escritos de Antífon de que dispomos não nos dão uma resposta. Para respostas a essa questão devemos ir a outras fontes sofistas, e me volto, primeiro, para as opiniões expressas por Cálicles no Górgias 482c4-486dl, de Platão. O argumento, no diálogo, chegou ao ponto em que Sócrates consegue que Polo admita que praticar a injustiça é mais desonroso do que sofrer uma injustiça. Cálicles não está satisfeito com a maneira como se desenvolveu o argumento porque, diz ele, se ignora a distinção fundamental entre physis e nomos. Realmente interessante é que ele acusa Sócrates de usar o que vimos Aristóteles chamar de um topos muito difundido [Osório diz: veja abaixo], o de mover-se, no argumento, de um para o outro sem avisar, gerando, as- [199] sim, contradições desorientadoras no argumento do adversário, a fim de embaraçá-lo e refutá-lo. [Osório diz: mais uma vez Sócrates portando-se sofisticamente!]

...

 

Não se tentou analisar ou avaliar todo o material existente relativo aos sofistas individuais e às várias doutrinas que lhes eram atribuídas. Mesmo assim, a primeira impressão deve ser a da vasta extensão do campo coberto pelo movimento sofista. Diz-se, frequentemente, que a principal função dos sofistas foi preparar o caminho para Platão, e isso é regularmente dito de tal maneira que sugere serem eles, por conseguinte, de importância limitada. Mas virtualmente todo os pontos do pensamento de Platão têm seu ponto de partida na sua reflexão sobre os problemas levantados pelos sofistas. Virtualmente todos os diálogos, de um modo ou de outro, têm um ou mais sofistas visíveis ou ocultamente presentes, influenciando suas discussões. E isso é verdade mesmo se Sócrates for totalmente excluído da companhia de seus contemporâneos [Osório diz: Sócrates sofista]. Virtualmente todos os aspectos da atividade humana, todas as ciências sociais podem ser vistos como assuntos constantes do debate sofista, em muitos casos pela primeira vez na história humana. Isso é algo muitas vezes mais reconhecido por autores modernos especializados em vários ramos da sociologia do que por aqueles mais diretamente interessados na Antiguidade clássica [Osório diz: quase todos estes religiosos ou ligados aos mosteiros]. O que estamos estudando são as tradições e os remanescentes fragmentários de um grande movimento do pensamento humano. [294]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 199 e 294).

 

Diz mais Keferd:

 

Um aspecto especial do sofisma é identificado, então, como um tipo de exame verbal chamado Elenchus (refutação lógica), que educa purgando a alma do vão conceito de sabedoria. O que, exatamente, Platão está tentando transmitir aqui tem sido tema de discussão, mas parece que ele considera essa função, essencialmente negativa, um dos menos in [14] desejáveis resultados da atividade sofista, quando a rotula de "a sofística que é de família nobre", presumivelmente para distingui-la de outros aspectos das atividades dos sofistas [Osório diz: isso casa perfeitamente com o Sócrates sofista!].

Como vimos, a partir de outro testemunho, antes de citar a passagem de Fedro, o método de falar brevemente estava muito claramente relacionado, por Sócrates, ao método de pergunta e resposta (ver Prot. 329b3-5,334d4-7,335a6, bl-2) — de fato, é de se perguntar como poderia ter sido diferente, sobretudo com um sofista, o menos inclinado, entre todos os homens, a querer falar brevemente, na discussão, e depois ficar calado [Osório diz: Kerferd está dizendo que Sócrates era sofista?]. Conseqüentemente, não é plausível a sugestão de que a brevidade no discurso de Protágoras e [59] Górgias era simplesmente um estilo lacônico, "de pôr uma coisa no menor número possível de palavras", e não uma técnica de investigação. No mínimo, se não era uma técnica de investigação, era certamente uma técnica de argumentação e de ensino [Osório diz: boa defesa dos Sofistas por Kerferd].

Eis um assunto que, para alguns, oferece muita matéria a ser discutida. Pois a técnica em questão é a base do que conhecemos como a tradição socrática em educação; na realidade Diógenes de Laércio recorda a tradição segundo a qual Protágoras foi o primeiro a desenvolver o método socrático de argumentação [Osório diz: o antes veio depois! Não seria que Sócrates desenvolveu o método protagórico?]. O que foi considerado uma tentativa de roubar de Sócrates o crédito por esse feito suscitou, talvez e inevitavelmente, forte sectarismo. É o que vem à tona, muito claramente, na discussão de Henry Sidgwick. A seu ver, se Protágoras tivesse realmente inventado a disputa metodológica de perguntas e respostas curtas, seria "absolutamente incrível” que pudesse jamais ser representado assim como o representa Platão no diálogo que leva o seu nome. Ele estava a pensar que a arte de disputa, mais tarde atribuída aos sofistas em alguns dos diálogos de Platão, tais como o Eutidemo e o sofista, originou-se inteiramente com Sócrates, e que ele é totalmente responsável ao menos pela forma dessa “segunda" espécie de sofística. [Osório diz: Sócrates seria segunda sofística!!!].

Essa opinião é frequentemente citada com aprovação, seja com ou sem restrições. Que eu saiba, a mais cuidadosa [60] discussão recente dessa questão é a de Norman Gulley. Ele tem consciência, eu diria, de que a opinião de Sidgwick simplesmente não se sustenta, e que os sofistas realmente desenvolveram um método de argumentação por pergunta e resposta. Esta, eu diria, é a única opinião possível com base no testemunho que temos. Mas Gulley se sente obrigado a reforçar a conclusão o mais possível, argumentando da seguinte forma: o procedimento dos sofistas era provavelmente um desenvolvimento bastante tardio, influenciado, na sua formulação, pelo método de exame por perguntas e respostas de Sócrates. É provável que qualquer elemento de questionamento no método de Protágoras fosse um elemento quase incidental, e tivesse uma importância mais dramática do que filosófica. Portanto, conclui ele, seria mais prudente seguir Platão e chamar o método de Sócrates de "dialético" em contraste com o método "erístico" dos sofistas. [Osório diz: quem disse que em filosofia não existe o jeitinho brasileiro?].

O contraste entre os termos "dialética" e "erística" será discutido mais adiante. Quanto ao resto das controvérsias mencionadas acima, simplesmente não há nenhum indício, nada que possa sugerir que o método de Protágoras, e dos outros sofistas, fosse posterior ao de Sócrates. Mas temos motivo para associar o método de Protágoras com a sua doutrina dos Dois Logoi, um oposto ao outro. De fato, Platão, no Sofista, numa passagem a ser discutida logo mais (232b), destaca um aspecto como distintivo de todos os sofistas como tais, a saber, que eles eram Antilogikoi, que opunham um logos a outro. Isto significa que o que estamos chamando de [61] método de Protágoras tem fundamento na própria teorização de Protágoras, e isso certamente sugere que é mais provável que o método seja mesmo dele do que simplesmente de Sócrates. Portanto, a seguinte esquematização do “método de Protágoras" tem considerável plausibilidade, embora seus detalhes vá um pouco além dos testemunhos: (1) um estilo de exposição formal seja na preleção ou no manual, (2) troca oral num pequeno grupo de discussão informal, e (3) a formulação antitética de posições públicas e o estabelecimento de princípios a serem seguidos pelos membros do grupo. O que podemos dizer com certeza é que temos todos os motivos para atribuir a Protágoras o uso de um método tutorial para suplementar exposições esteriotipadas, e que não há razão para supor que isso se tenha originado com Sócrates. [Osório diz: o método socrático é protagórico]

Por isso, para resumir, eu diria que em certo sentido o problema está longe de ser tão importante quanto tem parecido. O método socrático, mesmo que possa ter se originado com Sócrates, não obstante originou-se a partir de dentro do movimento sofista, porque o próprio Sócrates fazia parte desse movimento [Osório diz: Sócrates era sofista]. Uma vez reconhecido que outros sofistas, além de Sócrates usaram, de fato, o método de pergunta e resposta, e isso certamente temos de reconhecer, então o grau de originalidade de Sócrates e o grau em que ele foi influenciado por outros sofistas são, ao mesmo tempo, uma questão sem resposta e também de importância subordinada, sob [62] todo e qualquer ponto de vista que não seja o do sectarismo socrático. [Osório diz: para o sectarismo socrático tudo é socrático!]

 

a resposta de Protágoras, dada por Platão (Prot. 318d7-319a2), é esta:

 

Quando Hipócrates vier a mim, não será tratado como seria se fosse a qualquer outro sofista. Pois os outros causam danos aos que são jovens [Osório diz: disputa entre sofistas! Daí Platão fazer do Sofista Sócrates o sofista diferente de todos os demais]; quando saem dos estudos especializados, eles os pegam outra vez contra a sua vontade e os lançam de novo em estudos especializados, ensinando-lhes cálculos matemáticos, astronomia, geometria, música e literatura — e ao dizer isso, olhou para Hípias —, mas se vier a mim ele não estudará nada mais além daquilo que veio aprender. E o assunto é boa política: em negócios particulares, como governar sua própria família do melhor modo possível; e, nos negócios públicos, como falar e agir mais eficazmente nos negócios da cidade. [Osório diz: o que Protágoras se propunha a ensinar].

 

Uma questão que, sabemos, foi de grande interesse durante todo o período era o problema da quadratura do círculo, que preocupava Anaxágoras (DK 59A38) e que Antífon afirmava ter descoberto como fazer pelo método da exaustão. Temos sorte de ter um relato minucioso de sua proposta, preservado por Simplício (DK 87B13). O método, é claro, está baseado num engano, e Aristóteles podia, com razão, afirmar que ele não está baseado em princípios geométricos sólidos. Não obstante, era uma tentativa de resolver o problema [Osório diz: ninguém condena os “doutores da igreja” por discutirem quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete]. Ao próprio Hípias se atribuía a descoberta de uma curva, a quadratrix, usada na tentativa de fazer a quadratura do círculo, e também a trissecção de um ângulo. É natural supor que quando, no Mênon, Sócrates passa a obter respostas de um menino escravo, por meio de um diagrama, sem dúvida desenhado na areia, ele esteja seguindo um método bem conhecido de ilustrar problemas geométricos com desenhos [Osório diz: com isso, não se pode dizer que Sócrates não conhecia física, como se diz para combater Aristófanes em As nuvens]. Que havia discussões geométricas nos círculos sofistas está bem atestado pela observação casual de Sócrates, naquele diálogo (85b4), dizendo que a linha desenhada de canto a canto através de um oblongo é chamada de diagonal pelos sofistas. Como esta é apenas a segunda vez que a palavra diametros, em lugar de "diagonal", é encontrada em grego (a primeira vez é em Aristófanes, As rãs 801), é provável que a palavra fosse um termo técnico relativamente novo e pouco familiar — na verdade, não é impossível que a palavra tivesse, realmente, sido inventada por um dos sofistas. No caso da astronomia, temos uma prova muito forte no Nuvens de Aristófanes. Aí, Pródicos é descrito como um tipo de “sofista de ar superior” (meteorosophistes) e Sócrates é [69] mostrado num palco, balançando-se num tipo de cesto que lhe possibilita ver mais claramente os objetos no céu que ele está ocupado em contemplar. [Osório diz: ninguém questiona a descrição de Pródicos, já a de Sócrates...].

Diz-se, de vez em quando, que os sofistas simplesmente não estavam interessados em especulações físicas. Se excluirmos pensadores como Empédocles, Anaxágoras e Demócrito das fileiras dos sofistas, então é verdade que nenhuma contribuição teórica importante veio do resto. Mas é igualmente claro que eles de fato conversavam regularmente sobre questões físicas. O interesse por questões físicas, tanto nas discussões como nos seus escritos, é de fato atestado por Cícero (DK 84B3) em relação a Pródicos, Trasímaco e Protágoras. Xenofonte procura defender Sócrates e o faz afirmando que Sócrates nem mesmo falava sobre os tópicos discutidos por muitos dos sofistas, a saber, a natureza do universo, como surgiu o cosmo, e as leis essenciais que governam os corpos celestes, argumentando que os que pensavam a respeito dessas questões tinham perdido o juízo (Mem.I,1.11). Aqui Xenofonte está apelando, sem dúvida, para o testemunho do Fédon para defender Sócrates contra a ideia, oriunda de As nuvens, de que ele estava interessado em ciências físicas. Mas ele de fato afirma que Sócrates era mais ou menos o único a evitar tais tópicos [Osório diz: interessante essa defesa contra Aristófanes. Xenofonte é posterior à Platão na escrita, aquí ele se vale do Fédon!]. Sexto Empírico atribui a Protágoras uma doutrina de emanações físicas semelhante à de Empédocles e dos atomistas (DK 80A14), e Êupolis, o poeta cômico, o satirizou por seu interesse por questões físicas (DK 80A11). Górgias também estava interessado na teoria de Empédocles sobre poros e emanações (DK 31A92 e 82B5). Parece que ele teria dito que o sol era uma massa incandescente (DK 82B31) [70] e foi representado, no túmulo de Isócrates, fitando uma esfera astronômica (DK 82A17). De Pródicos se diz que discutiu os quatro elementos identificando-os com deuses e também com o sol e a lua como a fonte da força vital em todas as coisas, qualificando-se, assim, para um lugar ao lado de Empédocles e Heráclito (Epifânio, Adv. Haeres. III, 2.9.21 = Diels, Doxography Graeci, 591). Há, provavelmente, uma referência às suas teorias em Aristófanes, Os pássaros 685ss. Além disso, foi-lhe atribuída, por Galeno, uma opinião particular sobre a natureza do catarro (DK 84B4). [Osório diz: o único sofista a não se interessar com o conhecimento que se derramava ao seu redor era Sócrates!].

O Dissoi Logoi é um texto anônimo encontrado no fim dos manuscritos de Sexto Empírico. Escrito num tipo de dialeto dórico, começa com as palavras: "duplos argumentos são enunciados na Grécia por aqueles que filosofam, concernentes ao bom e ao mau" [Osório diz: “por aqueles que filosofam”! Engraçado isso!!!], e o título moderno é simplesmente tirado das primeiras palavras iniciais. Foi composto no final da Guerra do Peloponeso. A inferência de que deve ter sido escrito logo depois do seu término baseia-se meramente na incompreensão do que é dito em I, 8, onde as palavras "os acontecimentos recentes primeiro" simplesmente significam que ele se inicia com a Guerra do Peloponeso, indo de volta ao passado para as primeiras guerras. A natureza da obra é curiosa, e há quem pense que represente as anotações de um prelecionador ou, possivelmente, notas tomadas por um ouvinte. Sua estrutura básica consiste claramente em colocar [94] lado a lado argumentos opostos a respeito da identidade, ou não-identidade, de termos morais ou filosóficos aparentemente opostos, como bom e mau, verdadeiro e falso. Como isso é uma aplicação do método de Protágoras, leva a pensar que esteja baseado no Antilogiai daquele sofista. Mas essa conclusão não é válida, porque — como será argumentado neste livro — o método de Sócrates era de fato o método do movimento sofista todo [Osório diz: nossa! Que confissão!]. Nem se pode atribuir o texto a qualquer determinada fonte de inspiração.

 

Sócrates como membro do movimento sofista

 

A ideia mesma de incluir Sócrates como parte do movimento sofista é, no máximo, um paradoxo e, para muitos, um absurdo. Platão procura apresentar Sócrates como o arquiinimigo dos sofistas e de tudo o que eles representavam. Pareceria que o fosso entre Sócrates e os sofistas tem se tornado, através dos séculos, ainda mais largo e intransponível, na medida que Sócrates se tornou um símbolo e um chama- [96] do de arregimentação [Osório diz: pelas religiões?]. Ele tem sido muitas vezes considerado como sobrepujado em grandeza moral somente pelo fundador do cristianismo e como encarnando, em sua própria vida e personalidade, tudo o que há de mais nobre e mais valioso nas tradições intelectuais da civilização ocidental.

Entretanto, Sócrates era um ser humano vivendo num determinado período de tempo [Osório diz: Kerferd tentando trazer Sócrates para a terra!]. Ele só pode ser compreendido se visto no contexto de seu próprio mundo contemporâneo. É assim que Platão o retrata, vivendo naquele mundo, e participando vivamente nas controvérsias do século V com adversários tais como Protágoras, Górgias, Pródicos e Hípias. Além disso, podemos dizer com alguma certeza que Platão não se convencia de que os argumentos desses adversários tivessem sido adequadamente refutados e sentia que era tarefa sua desenvolver uma visão mais completa da realidade a fim de chegar ao tipo de respostas exigidas [Osório diz: Platão sabia que Sócrates não foi capaz de refutar os Sofistas, tanto assim que o abandonou e tentou, ele próprio refutá-los].

Mas isso, ou alguma outra coisa, nos dá motivo para pensar que Sócrates fosse um sofista? Quero sugerir que, pelo menos em parte, nossa resposta a essa pergunta deveria ser sim. Em primeiro lugar não há dúvida nenhuma de que ele era considerado como tal pelos seus contemporâneos, inclusive por Aristófanes quando se divertiu às suas custas, em As nuvens, em 423 a.C. Mas há um problema ao citarmos Aristófanes, porque em As nuvens Sócrates é retratado como diretor de uma escola onde os alunos são internos, e Sócrates é pago para ensinar. Há outras diferenças fundamentais, além desses dois pontos, entre o retrato de Aristófanes e o modo como Sócrates é descrito por Platão e Xenofonte. Em Aristófanes, por exemplo, Sócrates é descrito como engajado em [97] especulações físicas, e no Apologia de Platão ele nega esse interesse [Osório diz: cremos que Aristófanes está certo, pois Sócrates discutia qualquer terma, inclusive especulações físicas, e para tal discussão é necessário estudá-lo. Ademais, Sócrates era antenado com os ensinamentos dos filósofos que o antecederam]. Não é plausível dizer simplesmente que Aristófanes estava certo e Platão e Xenofonte estavam errados, e não é muito mais plausível dizer que ambos os relatos estão certos, mas são verdadeiros somente em relação a diferentes estágios da vida de Sócrates. Devemos concluir que, pelo menos até certo ponto, Aristófanes está distorcendo o retrato, ao atribuir a Sócrates características que pertencem aos sofistas em geral, mas que não pertenciam a Sócrates. Até certo ponto, sim, mas até que ponto? [Osório diz: ver a peça As rãs, também de Aristófanes, onde o Sócrates também é um “enganado”, mais uma confusão de Aristófanes, que era “burro demais para errar duas vezes”!].

A seção "autobiográfica" do Fédon (96a6-99d2) é prova clara de um interesse antigo de Sócrates por ciência, e consta que ele, ao enfrentar a morte, passou a sua última hora discutindo a estrutura geológica da terra (Fédon 108d2-113c8). Já no século V ele foi associado ao filósofo físico Arquelau, por Íon de Quios (DK 60A3), que disse que Sócrates viajara com ele para Samos. A acusação formal de impiedade feita com sucesso contra Sócrates, em 399 a.C., alegava que ele era culpado de não aceitar os deuses que a cidade aceitava, de introduzir outras divindades estrangeiras e de corromper os jovens. Platão, no Apologia (19b2-cl, 23d5-7), afirma que por trás das acusações formais estavam preconceitos populares, segundo os quais Sócrates estava ocupado com especulações físicas, não acreditava nos deuses, tornava melhor o pior argumento [Osório diz: isso não é natural de quem ensina? Toda a população estava errada?] e ensinava essas coisas aos outros. Embora essas [98] acusações sejam negadas por Sócrates em sua defesa, é lá também abertamente admitido que jovens das classes mais ricas iam a ele espontaneamente, sem qualquer pagamento, e depois passavam a aplicar o que aprendiam com ele em debates com outros.

Fica assim claro que Sócrates era geralmente considerado parte do movimento sofista. Mediante a sua notória amizade com Aspásia, é provável que estivesse em contato bem íntimo com o círculo de Péricles, e seu impacto intelectual e educacional sobre os jovens ambiciosos em Atenas era tal que foi, nessa função, corretamente considerado sofista. O fato de não receber pagamento não altera em nada a sua função [Osório diz: e como se sustentava e aos seus este homem pobre?] [Osório diz: Sócrates e o círculo de Péricles] [Osório diz: Crítias também não recebia e é considerado como tal] [Osório diz: quando advogo que Sócrates era um sofistas não quero trazê-lo para o lado dos sofistas para fazer esse lado forte, mas epans mostrar que Platão foi quem “se divertiu as nossas custas”! Aliás, a depender de Platão, Sócrates, realmente, não faz falta à Sofística].

Mas não havia diferenças entre ele e o resto dos sofistas? A resposta exige que se tente descobrir qual era o método e qual era o conteúdo do ensino de Sócrates, e isso é difícil, especialmente no caso do conteúdo. Algumas sugestões serão feitas abaixo sobre como esse conteúdo estava relacionado a problemas levantados por outros sofistas, tomando como ponto de partida a afirmação de Aristóteles (Met, 1078b27-31) de que há duas coisas que temos razão em atribuir a Sócrates, epactic logoi, que provavelmente se refere ao processo de generalização a partir de exemplos que têm o poder de nos levar além de nós mesmos, e definições gerais. Isso se ajusta bem ao retrato regularmente encontrado nos diálogos de Platão, nos quais Sócrates é mostrado tentando descobrir O que é x, isto é, qual é o logos correto de x, onde x é alguma coisa que aparece no mundo à nossa volta, acima de tudo uma virtude ou uma qualidade moral ou estética [Osório diz: a filosofia e a linguagem, desde sempre, pois a linguagem é o instrujmento com o qual o filósofo tenta conhecer e “ordenar” o mundo, quando, materialmente, é o mundo que ordena o discurso!]. Diferentemente dos platônicos, diz Aristóteles, Sócrates não se- [99] parava os universais ou as definições das coisas às quais se aplicavam. Mas isso também se ajusta muito bem ao retrato dos outros, entre os sofistas, que também se ocupavam com a busca do logos mais forte ou o logos correto em relação às afirmações conflitantes de logoi aparentemente opostos. É deste ponto de vista que proponho que Sócrates deva ser tratado como tendo um papel a desempenhar dentro do movimento sofista.

Qual é, então, a atitude de Platão em relação a esse método de antilógica? É muito claro que ele não o aprecia muito como método de debate filosófica. A sua primeira objeção é a de inadequação — é do método de dialética que precisa- [110] mos. Embora seja possível que as pessoas, sem o saber, confundam antilógica com dialética (Rep. 454a4-5), falta-lhe uma característica essencial da dialética, a saber, a capacidade de discutir com base na divisão das coisas em espécies. A antilógica, ao invés, procede com base em contradições (meramente) verbais [Osório diz: o problema aqui é gorgiano: como chegar nas coisas em si? Mas a filosofia não é instrumentalizada pelo verbo? É o que fará Aristóteles, segundo Fausto dos Santos]. Observação semelhante é feita no Teeteto 164c2-d8, onde Sócrates expressa sua insatisfação com sua própria réplica anterior a Protágoras, alegando que estava inconscientemente agindo de maneira antilógica, recorrendo a coincidências verbais (isto é, para estabelecer as consequências contraditórias da posição de Protágoras e, da mesma forma, para as de Teeteto — 164d5-10) [Osório diz: essa piada é ótima e aponta o esforço de Platão de separa o joio do trigo]. De novo, como na passagem da República, o lapso de Sócrates na antilógica é involuntário e inicialmente inconsciente, e isso deixa claro que sua ação não é desonesta — ele não está tentando "impingir um argumento capcioso ao seu interlocutor", e não está agindo eristicamente. Ele simplesmente ficou aquém do que é devido e falhou porque seu método, embora bem-intencionado, é inadequado para a tarefa em mãos [Osório diz: quando Sócrates usa algo condenável ele o faz involuntariamente! Para ele tudo se justifica!].

Mas, se perguntamos o que é a via da natureza, os escritos de Antífon de que dispomos não nos dão uma resposta. Para respostas a essa questão devemos ir a outras fontes sofistas, e me volto, primeiro, para as opiniões expressas por Cálicles no Górgias 482c4-486dl, de Platão. O argumento, no diálogo, chegou ao ponto em que Sócrates consegue que Polo admita que praticar a injustiça é mais desonroso do que sofrer uma injustiça. Cálicles não está satisfeito com a maneira como se desenvolveu o argumento porque, diz ele, se ignora a distinção fundamental entre physis e nomos. Realmente interessante é que ele acusa Sócrates de usar o que vimos Aristóteles chamar de um topos muito difundido [Osório diz: veja abaixo], o de mover-se, no argumento, de um para o outro sem avisar, gerando, as- [199] sim, contradições desorientadoras no argumento do adversário, a fim de embaraçá-lo e refutá-lo. [Osório diz: mais uma vez Sócrates portando-se sofisticamente!].

Diz-se, frequentemente, que a principal função dos sofistas foi preparar o caminho para Platão, e isso é regularmente dito de tal maneira que sugere serem eles, por conseguinte, de importância limitada. Mas virtualmente todo os pontos do pensamento de Platão têm seu ponto de partida na sua reflexão sobre os problemas levantados pelos sofistas. Virtualmente todos os diálogos, de um modo ou de outro, têm um ou mais sofistas visíveis ou ocultamente presentes, influenciando suas discussões. E isso é verdade mesmo se Sócrates for totalmente excluído da companhia de seus contemporâneos [Osório diz: Sócrates sofista]. Virtualmente todos os aspectos da atividade humana, todas as ciências sociais podem ser vistos como assuntos constantes do debate sofista, em muitos casos pela primeira vez na história humana. Isso é algo muitas vezes mais reconhecido por autores modernos especializados em vários ramos da sociologia do que por aqueles mais diretamente interessados na Antiguidade clássica [Osório diz: quase todos estes religiosos ou ligados aos mosteiros]. O que estamos estudando são as tradições e os remanescentes fragmentários de um grande movimento do pensamento humano. [294]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. 14-15, 59-69 95-98, 110, 199, 294).

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Arendt nos apresenta, para dizer a verdade, um Sócrates muito estranho: um Sócrates dilacerado entre o já filosófico e o ainda pré-socrático. Enquanto pré-socrático, no sentido arendtiano e não heideggeriano, Sócrates me parece ter todas as características de um sofista. E isso que ressalta, parece-me, da "resposta de Sócrates" em "O que nos faz pensar?" (V.E., I, pp. 190-219), assim como do curto texto sobre "Filosofia e política" (C.G., pp. 85-94). [Osório diz: Sócrates sofista].

Afirmar de Sócrates que ele é pensador não profissional é finalmente sustentar duas afirmações em uma: dizer que ele é pensador e dizer que é cidadão. Com o pensador, trata-se antes do Sócrates de Platão, do Sócrates platonizante: com o cidadão, trata-se antes do Sócrates sofista. [Osório diz: dois Sócrates!]

Segundo elemento; a diferença entre dóxa e alétheia, pluraidade das dóxai e unicidade, coação solitária da verdade. Na pólis grega, a alétheia só existe como produto das dóxai e se confunde com ela. É contra isso que Platão se insurge, mas é a essência mesma da política dos sofistas, e, em uma certa medida, da de Sócrates. Deve-se confrontar, com efeito, o que Arendt diz de Sócrates, em oposição com os sofistas, em "Filosofia e política", com o que diz dos próprios sofistas em "O conceito de história". "Em oposição aos sofistas, (Sócrates) tinha descoberto que a dóxa não é nunca uma ilusão subjetiva ou uma distorção arbitrária, mas que a verdade lhe está invariavelmente ligada" (“Filosofia e política” C.G., p, 90); precisemos: Sócrates, dando à luz a cada um de seu dokeî moi, de seu "parece-me" irredutivelmente singular, torna entretanto manifesto que é o mesmo mundo que se abre diferentemente para cada homem, e essa é a verdade da dóxa; "esse tipo de compreensão, ver o mundo... [p. 197] do ponto de vista do outro, é a percepção política por excelência" (ibidem, p. 89). Ora, em A crise da cultura, é dessa vez graças aos sofistas, "num fluxo de argumentos totalmente inesgotáveis, tais como os sofistas os (apresentam) aos cidadãos de Atenas", que o grego aprende "a trocar seu próprio ponto de vista, sua própria 'opinião', com as de seus concidadãos..., a olhar o mesmo mundo a partir da perspectiva de um outro grego" (p. 71). Homero, nesse sentido, é o primeiro sofista ao mesmo tempo que o primeiro historiador, já que canta ao mesmo tempo Aquiles e Heitor, e lhe seguem os passos Hesíodo e Tucídides. Em outros termos, Sócrates, como todos aqueles que sabem tornar manifesta a verdade relativa de cada ponto de vista para criar um mundo comum, é realmente protagórico. [Osório diz: Sócrates sofista].

Todos esses elementos convergem em direção a um quarto: o estatuto do lógos como condição do político. Arendt, retomando Burckardt, repete que a pólis é o "sistema mais tagarela de todos": trata-se sem cessar de uma competição entre lógoi, e de promover a convicção adaptando seu lógos ao kairós, à "oportunidade"; pois o lógos enunciado segundo o kairós é uma prâxis, uma "ação", a ação política por excelência. O processo de Sócrates é assim uma ruptura, marcando a desconfiança quanto a peithó, à persuasão, quer dizer a forma política do lógos. Mas quanto à Sócrates, "tavão, parteira, raia-elétrica" (V.E., I, p. 198), "foi o maior dentre (todos os sofistas), porque pensava que havia, ou poderia haver, tantos lógoi diferentes quanto homens, e que todos os lógoi reunidos formam o mundo humano, na medida em que os homens vivem juntos sobre o modo da fala" ("Filosofia e política", em C.G., p. 90). O discurso socrático, enquanto sofístico, representa então, para Arendt, um modelo de unidade que não é uma unidade de unicidade, mas uma unidade constituída pelas singularidades diferenciadas, unidade tal que a pluralidade possa aparecer como a condição do político. Reen- [p. 198] [Osório diz: Sócrates sofista] contramos aqui, por contraste com o organicismo hierarquizado da república platônica, as metáforas aristotélicas, que respeitam ao mesmo tempo a igualdade e as distinções, onde mesmo os defeito individuais são favoráveis à melhor realização do todo, como num coro, um navio, e como num banquete, tal como nosso piquenique, "onde os convivas trazem seu quinhão, melhor do que aqueles em que as despesas são arcadas por um só" (Política, III, 11, 1281b 2s., seguindo a trad. Tricot). Ora, sabemos desde Platão, justamente, que essa prática da persuasão, capaz de conferir o poder e mesmo o dinheiro, não é filosófica: foi ela, ao contrário, que soube fazer dos sofistas, para retomar a expressão de Hegel, "os mestres da Grécia", ou, segundo Grote, os iniciadores da democracia e os precursores da Aufkläruns. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 194-195, 197 a 199).

 

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