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12 – Sofística e Psicanálise.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

12 – Sofística e Psicanálise.

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

Psicanálise em estado nascente; pseudo-Plutarco nos explica com efeito, que Antifon inventou uma "arte de curar o sofrimento" (téchnê alypías, 18) e abriu um consultório próximo à Ágora de Corinto, onde "se declarava capaz de tratar daqueles que estavam em sofrimento psíquico recorrendo à linguagem" e onde "interrogando as causas, tranquilizava os doentes". Eis aí a invenção de um decifrador de sonhos, para quem a mântica foi sempre apenas "a conjectura do homem sensato" (Gnomol. Vindob, 50, 14, Wachsm. = A 9 D.K.). [Osório diz: Freud!]

(Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 138).

 

Prossegue Barbara:

 

Sofística - vista pela psicanálise.

 

A sofística, recalcada como não-sentido, obriga a reconsiderar os limites do conceito de sentido: assim sendo, não nos surpreenderemos em encontrar um dos pontos de retorno mais marcantes do lógos sofístico na psicanálise.

Freud, como toda a tradição filosófica, deixou-se tragar pela exigência aristotélica do sentido [Osório diz: ver Poper no “Parmênides”]. Não há um traço da teoria e da prática analítica que não possa testemunhar isso: sintoma, mas também sonho, lapso, ato falho, chiste, só se tornam a esse preço objetos da psicanálise. O próprio inconsciente, do qual eles são as formações mais ou menos diretas, só deve seu estatuto de "hipótese necessária e legítima" a um "ganho de sentido e de coerência" (Metapsicologia, na trad. franc. de Laplanche e Pontalis, Paris, 1968, p. 66s.). O projeto freudiano consiste em estender de forma virtualmente infinita o domínio do sentido, de modo que aí [17] possa entrar o que foi sempre considerado insensato: nessa perspectiva, a definição recorrente do chiste como "sentido no não-sentido” poderia servir para definir todo o projeto freudiano.

Em O chiste e suas relações com o inconsciente, uma das categorias mais importantes, situada nas tentativas de taxinomia, é justamente a de "sofisma". A posição freudiana em relação ao sofisma aparece então, em um termo que só a reflexão de Freud sobre a não-contradição permite introduzir, ambivalente. O sofisma ou chiste sofístico é simultaneamente desvalorizado sem apelo como erro de raciocínio, não-sentido, derivando de uma atividade regressiva, infantil, toxicomaníaca, neurótica, até psicótica; e valorizada sem cessar e apesar de tudo como prazer: prazer pensado, talvez de maneira um pouco imprópria, em termos econômicos como "poupança", mas também prazer de jogar com as palavras e com os sons (de "gorgianizar" como dizia Aristófanes), e sobretudo prazer, mais próximo do essencial da sofística, que o espírito sabe tomar em si mesmo, "em sua própria atividade" (Na trad. franc., ver Le mot d'esprit, Paris, 1930, p. 155). O sofisma diz assim a verdade do desejo e libera do jugo da "razão crítica": é um exercício de liberdade. Se o sofisma se torna finalmente "o porta-voz da verdade", é porque exalta por meio da suspensão da inibição, no lugar da "verdade filosófica", essa verdade mais verdadeira que é, aos olhos de Freud, a expressão do inconsciente.

Quando Lacan reflete por sua vez sobre a prática psicanalítica da linguagem — uma perfeita farmacêutica —, e custosa ou paga, ele reencontra a oposição entre ontologia e logologia. "Distingo-me da linguagem do ser. Isso implica que possa haver aí ficção de palavra. Quero dizer a partir da palavra" (Encore, Paris, 1975, p. 107). E mais, se o ser é um "efeito de dizer", "um fato de dito" (ibidem, p. 107), então é preciso distinguir a dimensão do significante; da mesma forma que a logologia não procede do ser ao dizer, mas do dizer ao ser, não se irá do significado ao significante, mas inversamente: "O que ouvimos é o significante. O significado é o efeito do significante" (ibidem, p. 34). Pois o grande recurso do significante é confundir a certeza do sentido, que se define por sua unicidade, jogando com o equívoco, a homonímia, a anfibolia, armas arroladas desde Aristóteles como perversões sofísticas. Assim, de Górgias a Lacan, somos transportados para um mundo onde "só existe o ouvir" (Tratado do não-ser, 980b9).

Aristóteles definia o sofista pelo "falar por (o prazer de) falar". Lacan define a psicanálise como Aristóteles a sofística, [18] mas com uma inversão reveladora dos séculos aristotélicos: "A psicanálise, a saber, a objetivação daquilo que o ser falante passa ainda o tempo a falar em pura perda" (Encore, p. 79).

A perda e o lucro constitutivos de uma autonomia discursiva, quer dizer, de um lógos alternativo em relação à lógica platônico-aristotélica que não cessou de ser a nossa; eis o que a sofística, em filosofia, em política, em literatura, poderia, à sua maneira, contribuir para fazer perceber. (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 17-18).

 

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