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10.3 – Sofística vista pelo aristotelismo.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

10.3 – Sofística vista pelo aristotelismo.

 

É Barbara Cassin quem diz:

 

É de forma mais insidiosa ainda que os julgamentos feitos sobre a sofística continuam transidos [Osório diz: penetrado] de aristotelismo. [Osório diz: ver Popper em “Parmênides”].

Assim, quando Heidegger repensa o conjunto da filosofia pré-socrática à luz da história do ser e a partir da diferença ontológica, critica uma interpretação do subjetivismo de Protágoras que faria dele "o Descartes da metafísica grega" (Nietzsche, II, p. 114 da trad. francesa, Gallimard): trata-se antes, com a proposição de Protágoras lida por Heidegger, de uma restrição, de uma moderação, até mesmo de uma justa-medida da não-ocultação; de maneira que a sofística, que só se deixa pensar "contra um fundo e como forma derivada" da interpretação helênica do ser, é em suma um subproduto, mais ou menos capaz de autenticidade, do pré-socratismo parmenideano. Mas nem por isso o lógos sofístico é objeto de uma verdadeira reconsideração: é ainda e sempre com a medida da alétheia [Osório diz: verdade], qualquer que seja a interpretação que se lhe dê, que ele é avaliado. Heidegger, comentando o princípio de não-contradição como princípio do ser, acentua que ao homem que se contradiz não falta somente o ente, mas falta ele mesmo, sem outro sintoma, "nessa noite feita de crescente inconsciência", a não ser uma tagarelice que erroneamente acreditamos inofensiva (Nietzsche, I, trad. franc., p. 468). [Osório diz: mas Heidegger fala de verdade da e na poesia! Ou a poesia como a única produtora de verdade].

Essa rejeição do "falar por falar" de início criada por Aristóteles para estigmatizar a resistência sofística, é estruturalmente necessária para as modernas teorias do consenso. Para K. O. Apel, aquele que se recusa a se submeter às "regras do jogo de linguagem transcendental" (Aristóteles dizia: "de significar alguma coisa para si mesmo e para outrem") deve pagá-lo "com a perda da identidade de si como agente sensato, no suicídio" ou "na paranóia autista" ("A questão de uma fundação última da razão", Critique, out. 1981, p. 926): as plantas que falam vão para o necrotério ou para o hospício. De sua parte, J. Habermas acentua que "a robinsonada1 do cético conseqüente é praticamente insustentável (Morais et communication, trad. franc., Paris, 1987, p. 117): da mesma forma, para Aristóteles, não se vê aquele que recusa o princípio da não-contradição conformar sua prática à sua teoria, para caminhar "direto para o poço ou para o precipício" como se ele acreditasse igualmente que fosse "bom e não-bom" cair aí (Metafísica, Gama, 4, 1008b 15-17).

 

O lógos sofístico é assim, de uma maneira ou de outra, sempre remetido àquilo mesmo que ele procura cercear ou catastrofar2**: o ser, e a fala do ser, idêntica ou adequada. Para tentar fazer justiça à sofística, seria necessário ao menos aceitar considerar, além das oposições entre filosofia e retórica, sentido e não-sentido, suas prestações lógicas como tomadas de posição sagazes contra a ontologia: a sofística como esquiva do metafísico e alternativa, desde os pré-socráticos, à linhagem clássica, parmênido-hegeliana, da filosofia.” (Fonte: Ensaios Sofísticos, Barbara Cassin, Tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Edições Siciliano, São Paulo, 1990, p. 16 a 17).

 

1 * No original, robinsonnade (N. das T.)

2 ** No original, catastropher (N. das T.)

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