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4 – Atenas riqueza e democracia. Ambiente do e para o nascimento da sofística.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

4 – Atenas riqueza e democracia. Ambiente do e para o nascimento da sofística.

 

Após as guerras pérsicas [Osório diz: guerras travadas entre a Grécia e a Pérsia (atual Irã)], na qual a Grécia saiu vitoriosa, coube a Atenas, por sua forte e decisiva participação no conflito, especialmente com sua marinha, a primazia de administrar os recursos que tinham sido arrecadados pela contribuição de seus aliados e concentrados na cidade de Delos para fazer frente as despesas para com o conflito presente e futuros, caso fosse necessário. Pouco depois, Péricles acabou por determinar a transferência desses recursos para o próprio território ateniense, onde passou a gastá-los com o aformoseamento da cidade e com a melhoria das condições de vida dos seus cidadãos. É por isso que Péricles, o artífice de tudo, chega a dizer, segundo nos narra Tucídides:

 

35. "Muitos dos que me precederam neste lugar fizeram elogios ao legislador que acrescentou um discurso à cerimônia usual nestas circunstâncias, considerando justo celebrar também com palavras os mortos na guerra em seus funerais. A mim, todavia, ter-me-ia parecido suficiente, tratando-se de homens que se mostraram valorosos em atos, manifestar apenas com atos as honras que lhes prestamos - honras como as que hoje presenciastes nesta cerimônia fúnebre oficial - em vez de deixar o reconhecimento do valor de tantos homens na dependência do maior ou menor talento oratório de um só homem. É realmente difícil falar com propriedade numa ocasião em que não é possível aquilatar a credibilidade das palavras do orador. O ouvinte bem informado e disposto favoravelmente pensará talvez que não foi feita a devida justiça em face de seus próprios desejos e de seu conhecimento dos fatos, enquanto outro menos informado, ouvindo falar de um feito além de sua própria capacidade, será levado pela inveja a pensar em algum exagero. De fato, elogios a outras pessoas são toleráveis somente até onde cada um se julga capaz de realizar qualquer dos atos cuja menção está ouvindo; quando vão além disto, provocam a inveja, e com ela a incredulidade. Seja como for, já que nossos antepassados julgaram boa esta prática também devo obedecer à lei, e farei o possível para corresponder à expectativa e às opiniões de cada um de vós.

36. "Falarei primeiro de nossos antepassados, pois é justo e ao mesmo tempo conveniente, numa ocasião como esta, dar-lhes este lugar de honra rememorando os seus feitos. Na verdade, perpetuando-se em nossa terra através de gerações sucessivas, eles, por seus méritos, no-la transmitiram livre até hoje. Se eles são dignos de elogios, nossos pais o são ainda mais, pois aumentando a herança recebida, constituíram o império que agora possuímos e a duras penas nos deixaram este legado, a nós que estamos aqui e o temos. Nós mesmos aqui presentes, muitos ainda na plenitude de nossas forças, contribuímos para fortalecer o império sob vários aspectos, e demos à nossa cidade todos os recursos, tornando-a auto-suficiente na paz e na guerra. Quanto a isto, quer se trate de feitos militares que nos proporcionaram esta série de conquistas, ou das ocasiões em que nós ou nossos pais nos empenhamos em repelir as investidas guerreiras tanto bárbaras quanto helênicas, pretendo silenciar, para não me tornar repetitivo aqui diante de pessoas às quais nada teria a ensinar. Mencionarei inicialmente os princípios de conduta, o regime de governo e os traços de caráter graças aos quais conseguimos chegar à nossa posição atual, e depois farei o elogio destes homens, pois penso que no momento presente esta exposição não será imprópria e que todos vós aqui reunidos, cidadãos e estrangeiros, podereis ouvi-la com proveito.

37. "Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos1; ao contrário, servimos de modelo a alguns2 ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. Conduzimo-nos liberalmente em nossa vida pública, e não observamos com uma curiosidade suspicaz a vida privada de nossos concidadãos, pois não nos ressentimos com nosso vizinho se ele age como lhe apraz, nem o olhamos com ares de reprovação que, embora inócuos, lhe causariam desgosto. Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.

38. "Instituímos muitos entretenimentos para o alívio da mente fatigada; temos concursos, temos festas religiosas regulares ao longo de todo o ano, e nossas casas são arranjadas com bom gosto e elegância, e o deleite que isto nos traz todos os dias afasta de nós a tristeza. Nossa cidade é tão importante que os produtos de todas as terras fluem para nós, e ainda temos a sorte de colher os bons frutos de nossa própria terra com certeza de prazer não menor que o sentido em relação aos produtos de outras.

39. "Somos também superiores aos nossos adversários em nosso sistema de preparação para a guerra nos seguintes aspectos: em primeiro lugar, mantemos nossa cidade aberta a todo o mundo e nunca, por atos discriminatórios, impedimos alguém de conhecer e ver qualquer coisa que, não estando oculta, possa ser vista por um inimigo e ser-lhe útil. Nossa confiança se baseia menos em preparativos e estratagemas que em nossa bravura no momento de agir. Na educação, ao contrário de outros que impõem desde a adolescência exercícios penosos para estimular a coragem, nós, com nossa maneira liberal de viver, enfrentamos pelo menos tão bem quanto eles perigos comparáveis. Eis a prova disto: os lacedemônios não vêm sós quando invadem nosso território, mas trazem com eles todos os seus aliados, enquanto nós, quando atacamos o território de nossos vizinhos, não temos maiores dificuldades, embora combatendo em terra estrangeira, em levar freqüentemente a melhor. Jamais nossas forças se engajaram todas juntas contra um inimigo, pois aos cuidados com a frota se soma em terra o envio de contingentes nossos contra numerosos objetivos; se os lacedemônios por acaso travam combate com uma parte de nossas tropas e derrotam uns poucos soldados nossos, vangloriam-se de haver repelido todas as nossas forças; se, todavia, a vitória é nossa, queixam-se de ter sido vencidos por todos nós. Se, portanto, levando nossa vida amena ao invés de recorrer a exercícios extenuantes, e confiantes em uma coragem que resulta mais de nossa maneira de viver que da compulsão das leis, estamos sempre dispostos a enfrentar perigos, a vantagem é toda nossa, porque não nos perturbamos antecipando desgraças ainda não existentes e, chegado o momento da provação, demonstramos tanta bravura quanto aqueles que estão sempre sofrendo; nossa cidade, portanto, é digna de admiração sob esses aspectos e muitos outros.

40. "Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da filosofia sem indolência. Usamos a riqueza mais como uma oportunidade para agir que como um motivo de vanglória; entre nós não há vergonha na pobreza, mas a maior vergonha é não fazer o possível para evitá-la. Ver-se-á em uma mesma pessoa ao mesmo tempo o interesse em atividades privadas e públicas, e em outros entre nós que dão atenção principalmente aos negócios não se verá falta de discernimento em assuntos políticos, pois olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. Consideramo-nos ainda superiores aos outros homens em outro ponto: somos ousados para agir, mas ao mesmo tempo gostamos de refletir sobre os riscos que pretendemos correr, para outros homens, ao contrário, ousadia significa ignorância e reflexão traz a hesitação. Deveriam ser justamente considerados mais corajosos aqueles que, percebendo claramente tanto os sofrimentos quanto as satisfações inerentes a uma ação, nem por isso recuam diante do perigo. Mais ainda: em nobreza de espírito contrastamos com a maioria, pois não é por receber favores, mas por fazê-los, que adquirimos amigos. De fato, aquele que faz o favor é um amigo mais seguro, por estar disposto, através de constante benevolência para com o beneficiado, a manter vivo nele o sentimento de gratidão. Em contraste, aquele que deve é mais negligente em sua amizade, sabendo que a sua generosidade, em vez de lhe trazer reconhecimento, apenas quitará uma dívida. Enfim, somente nós ajudamos os outros sem temer as conseqüências, não por mero cálculo de vantagens que obteríamos, mas pela confiança inerente à liberdade.

41. "Em suma, digo que nossa cidade, em seu conjunto, é a escola de toda a Hélade e que, segundo me parece, cada homem entre nós poderia, por sua personalidade própria, mostrar-se auto-suficiente nas mais variadas formas de atividade, com a maior elegância e naturalidade. E isto não é mero ufanismo inspirado pela ocasião, mas a verdade real, atestada pela força mesma de nossa cidade, adquirida em conseqüência dessas qualidades. Com efeito, só Atenas entre as cidades contemporâneas se mostra superior à sua reputação quando posta à prova, e só ela jamais suscitou irritação nos inimigos que a atacaram, ao verem o autor de sua desgraça, ou o protesto de seus súditos porque um chefe indigno os comanda. Já demos muitas provas de nosso poder, e certamente não faltam testemunhos disto; seremos portanto admirados não somente pelos homens de hoje mas também do futuro. Não necessitamos de um Homero para cantar nossas glórias, nem de qualquer outro poeta cujos versos poderão talvez deleitar no momento, mais que verão a sua versão dos fatos desacreditada pela realidade. Compelimos todo o mar e toda a terra a dar passagem à nossa audácia, e em toda parte plantamos monumentos imorredouros dos males e dos bens que fizemos3. Esta, então, é a cidade pela qual estes homens lutaram e morreram nobremente, considerando seu dever não permitir que ela lhes fosse tomada; é natural que todos os sobreviventes, portanto, aceitem de bom grado sofrer por ela.

42. "Falei detidamente sobre a cidade para mostrar-vos que estamos lutando por um prêmio maior que o daqueles cujo gozo de tais privilégios não é comparável ao nosso, e ao mesmo tempo para provar cabalmente que os homens em cuja honra estou falando agora merecem os nossos elogios. Quanto a eles, muita coisa já foi dita, pois quando louvei a cidade estava de fato elogiando os feitos heróicos com que estes homens e outros iguais a eles a glorificaram; e não há muitos helenos cuja fama esteja como a deles tão exatamente adequada a seus feitos. Parece-me ainda que uma morte como a destes homens é prova total de máscula coragem, seja como seu primeiro indício, seja como sua confirmação final. Mesmo para alguns menos louváveis por outros motivos, a bravura comprovada na luta por sua pátria deve com justiça sobrepor-se ao resto; eles compensaram o mal com o bem e saldaram as falhas na vida privada com a dedicação ao bem comum. Ainda a propósito deles, os ricos não deixaram que o desejo de continuar a gozar da riqueza os acovardasse, e os pobres não permitiram que a esperança de mais tarde se tornarem ricos os levasse a fugir ao dia fatal; punir o adversário foi aos seus olhos mais desejável que essas coisas, e ao mesmo tempo o perigo a correr lhes pareceu mais belo que tudo; enfrentando-o, quiseram infligir esse castigo e atingir esse ideal, deixando por conta da esperança as possibilidades ainda obscuras de sucesso, mas na ação, diante do que estava em jogo à sua frente, confiaram altivamente em si mesmos. Quando chegou a hora do combate, achando melhor defender-se e morrer que ceder e salvar-se, fugiram da desonra, jogaram na ação as suas vidas e, no brevíssimo instante marcado pelo destino, morreram num momento de glória e não de medo.

43. "Assim estes homens se comportaram de maneira condizente com nossa cidade; quanto aos sobreviventes, embora desejando melhor sorte deverão decidir-se a enfrentar o inimigo com bravura não menor. Cumpre-nos apreciar a vantagem de tal estado de espírito não apenas com palavras, pois a fala poderia alongar-se demais para dizer-vos que há razões para enfrentar o inimigo; em vez disso, contemplai diariamente a grandeza de Atenas, apaixonai-vos por ela e, quando a sua glória vos houver inspirado, refleti em que tudo isto foi conquistado por homens de coragem cônscios de seu dever, impelidos na hora do combate por um forte sentimento de honra; tais homens, mesmo se alguma vez falharam em seus cometimentos, decidiram que pelo menos à pátria não faltaria o seu valor, e que lhe fariam livremente a mais nobre contribuição possível4. De fato, deram-lhe suas vidas para o bem comum e, assim fazendo, ganharam o louvor imperecível e o túmulo mais insigne, não aquele em que estão sepultados, mas aquele no qual a sua glória sobrevive relembrada para sempre, celebrada em toda ocasião propícia à manifestação das palavras e dos atos5. Com efeito, a terra inteira é o túmulo dos homens valorosos, e não é somente o epitáfio nos mausoléus erigidos em suas cidades que lhes presta homenagem, mas há igualmente em terras além das suas, em cada pessoa, uma reminiscência não escrita, gravada no pensamento e não em coisas materiais. Fazei agora destes homens, portanto, o vosso exemplo, e tendo em vista que a felicidade é liberdade e a liberdade é coragem, não vos preocupeis exageradamente com os perigos da guerra. Não são aqueles que estão em situação difícil que têm o melhor pretexto para descuidar-se da preservação da vida, pois eles não têm esperança de melhores dias, mas sim os que correm o risco, se continuarem a viver, de uma reviravolta da fortuna para pior, e aqueles para os quais faz mais diferença a ocorrência de uma desgraça; para o espírito dos homens, com efeito, a humilhação associada à covardia é mais amarga do que a morte quando chega despercebida em acirrada luta pelas esperanças de todos.

44. "Eis porque não lastimo os pais destes homens, muitos aqui presentes, mas prefiro confortá-los. Eles sabem que suas vidas transcorreram em meio a constantes vicissitudes, e que a boa sorte consiste em obter o que é mais nobre, seja quanto à morte - como estes homens - seja quanto à amargura - como vós, e em ter tido uma existência em que se foi feliz quando chegou o fim. Sei que é difícil convencer-vos desta verdade, quando lembrais a cada instante a vossa perda ao ver os outros gozando a ventura em que também já vos deleitastes; sei, também, que se sente tristeza não pela falta de coisas boas que nunca se teve, mas pelo que se perde depois de ter tido. Aqueles entre vós ainda em idade de procriar devem suavizar a tristeza com a esperança de ter outros filhos; assim, não somente para muitos de vós individualmente os filhos que nascerem serão um motivo de esquecimento dos que se foram, mas a cidade também colherá uma dupla vantagem: não ficará menos populosa e continuará segura; não é possível, com efeito, participar das deliberações na assembléia em pé de igualdade e ponderadamente quando não se arriscam filhos nas decisões a tomar. Quanto a vós, que já estais muito idosos para isso, contai como um ganho a maior porção de vossa vida durante a qual fostes felizes, lembrai-vos de que o porvir será curto, e sobretudo consolai-vos com a glória destes vossos filhos. Só o amor da glória não envelhece, e na idade avançada o principal não é o ganho, como alguns dizem, mas ser honrado.

45. "Para vós aqui presentes que sois filhos e irmãos destes homens, antevejo a amplitude de vosso conflito íntimo; quem já não existe recebe elogios de todos; quanto a vós, seria muito bom se um mérito excepcional fizesse com que fosseis julgados não iguais a eles, mas pouco inferiores. De fato, há inveja entre os vivos por causa da rivalidade; os que já não estão em nosso caminho, todavia, recebem homenagens unânimes.

"Se tenho de falar também das virtudes femininas, dirigindo-me às mulheres agora viúvas, resumirei tudo num breve conselho: será grande a vossa glória se vos mantiverdes fiéis à vossa própria natureza, e grande também será a glória daquelas de quem menos se falar, seja pelas virtudes, seja pelos defeitos.

46. "Aqui termino o meu discurso, no qual, de acordo com o costume, falei o que me pareceu adequado; quanto aos fatos, os homens que viemos sepultar já receberam as nossas homenagens e seus filhos serão, de agora em diante, educados a expensas da cidade até a adolescência; assim ofereceremos aos mortos e a seus descendentes uma valiosa coroa como prêmio por seus feitos, pois onde as recompensas pela virtude são maiores, ali se encontram melhores cidadãos. Agora, depois de cada um haver chorado devidamente os seus mortos, ide embora." (Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, tradução de Mário da Gama Kury, UnB, Brasília: 182, p. 97/102.).

 

Além disso Atenas continuou a cobrar tributos das outras cidades sobre o pretexto de manter sua armada e, assim, dar proteção a quem para isso contribuísse. Os recalcitrantes eram “convencidos” pela força daquilo que se tornou o Império Ateniense. Essa política agressiva, logo depois, irá levar à famosa Guerra do Peloponeso, que colocou frente a frente Atenas e as cidades que comandava e Esparta e suas cidades aliadas. A guerra durou de 431 a 404, e, depois de vinte e sete anos de conflito, Esparta sagrava-se vencedora na derrota fraticida dos gregos!

Ao gastar os recursos comuns, Atenas tornou-se uma cidade rica, luxuosa, culturalmente desenvolvida e cheia de oportunidades. Essas oportunidades atraíram gregos e mesmo estrangeiros das mais distantes localidades, que para lá acorreram para vender seus produtos e talentos.

O chamado Século de Péricles, o Século V a.e.a., será o século de ouro da Grécia, onde a beleza proporcionada por seus artistas resplandecerá e lançará luz até os dias de hoje. Construção civil, teatro, poesia, sofística, filosofia encontrarão aí solo propício ao seu desabrochar.

É também o século de consolidação da democracia direta grega.

A implantação da democracia irá abalar a estrutura de poder até então imperante na cidade. A aristocracia, que sempre a comandou, começa a se sentir incomodada com a possibilidade de alguém que não a integra poder ascender ao poder pela vontade da maioria do povo que venha a elegê-lo. O poder sanguíneo-hereditário estava sendo posto tem perigo pela ameaça de quem soubesse se fazer ouvir e convencesse os votantes a elegê-lo ou às suas propostas.

Dar-se também a abolição da vingança privada, tendo o a cidade/estado chamado para si a administração da justiça em seus tribunais.

Assembleia e tribunais passaram a atuar quotidianamente.

Para alguém fazer aprovar uma proposta na assembleia teria que saber falar para bem defender seus propósitos.

Para defender-se ou acusar no tribunal também era necessário o domínio apropriado da palavra.

O discurso, a palavra (logos), passa a ser fundamental na vida da cidade e daqueles que nela buscam o poder, ou influenciá-lo.

Os Sofistas, como tantos outros, foram também para Atenas em busca da riqueza lá concentrada, oferecendo para consegui-la os seus talentos de Sofistas/Sábios, capazes de ensinar as pessoas que os pagassem a discursarem convicentemente nas assembleias e nos tribunais, defendendo qualquer ponto de vista que lhes interessasse, pois sabiam que “para tudo existem dois discursos”, um a favor e outro que lhe contrapõe.

Na cidade iniciava-se a formar a classe que hoje pode-se chamar de burguesia, pequenos artesãos e comerciantes, com dinheiro suficiente para pagar aos Sofistas e vontade maior ainda de controlarem o poder político, concentrador e administrador das riquezas do tesouro.

 

Ensina Gilbert Romeyer-Dherbey:

 

Antes dos Sofistas, os educadores da Grécia eram os poetas [Osório diz: os educadores da Grécia]. Só no momento em que a recitação de Homero já não constitui o único alimento cultural dos Gregos é que a sofística poderá nascer; este momento coincidirá, como demonstrou Untersteiner, com a crise da civilização aristocrática2. Mas são as instituições democráticas que permitirão o progresso da sofística, tornando-a de alguma maneira indispensável: a conquista do poder exige, de agora em diante, o perfeito domínio da linguagem e da argumentação: não se trata apenas de ordenar, há também que persuadir e explicar. É por isso que os Sofistas, como nota Jaeger, que “saíam todos da classe média”, foram, de uma maneira geral, mais favoráveis, parece, ao regime democrático. É claro que os seus alunos mais brilhantes foram aristocratas, mas foi porque a democracia escolheu, frequentemente, os seus chefes entre os aristocratas, e os jovens nobres que frequentavam os Sofistas eram os que aceitaram submeter-se às regras das instituições democráticas; os outros desinteressavam-se da vida política. [Osório diz: os sofistas e a crise aristocrática! Mesmo que fosse aristocratas, aprendiam uma nova visão, portanto, revolucionária / O que permitiu o nascimento da sofística]. (Fonte: Os sofistas, Gilbert Romeyer-Dherbey, tradução João Amado, Edições 70, Lisboa, 1999, p. ).

 

Kerferd ensina:

 

Os sofistas vieram de toda parte do mundo grego e muitos, embora nem todos, continuaram a viajar por toda parte em função de sua atividade profissional. Entretanto, todos vieram a Atenas, e é claro que Atenas, por uns sessenta anos, na segunda metade do século V a.C., era o verdadeiro centro do movimento sofista. De fato, tanto isso é verdade que, sem Atenas, é provável que o movimento dificilmente teria vindo a existir. O que havia, então, em Atenas nesse período que foi responsável por esse acontecimento?

A resposta deveria ser dada, provavelmente, sob dois tópicos11. Primeiro, as condições sociais e políticas que cria- [31] ram a necessidade dos sofistas [Osório diz: fundamentalmente a democracia, com suas necessidades básicas: falar/discursar e igualdade]; e, segundo, a influência direta de um único indivíduo, a saber, Péricles [Osório: Péricles que é elogiado por todos!]. A Grécia, como um todo, no século V a.C., parece ter ultrapassado todos os períodos antecedentes na produção da agricultura, da indústria e do comércio. Mas a transformação, em Atenas, importou em uma revolução econômica que tem sido descrita como uma passagem da economia de uma cidade-estado para a economia de um império. O grande e extenso programa de construção de prédios públicos que restaurou, numa escala jamais igualada antes, os templos destruídos pelos persas equiparava-se, segundo Tucídides (II, 38), à elegância, ao conforto e ao consumo luxuoso na vida privada. Conquanto seja totalmente errado tentar inferir dessa última afirmação que a pobreza tinha sido eliminada, é muito provável que a afirmação reflita uma crença geral de que a afluência privada era muito maior do que nas gerações anteriores em Atenas ou, mesmo, em outras cidades gregas. [Osório diz: Péricles usou, para isso o dinheiro da Confederação / Foi essa riqueza que permitiu aos sofistas poderem cobrar por seus ensinamentos].

Em certo sentido, o desenvolvimento de instituições democráticas em Atenas tinha sido gradual desde o tempo de Sólon. Mas também seria correto dizer que até o início da Guerra do Peloponeso foram, de modo geral, a mesma classe dominante e as mesmas famílias influentes que governaram o Estado em processo de democratização [Osório diz: Eis o que afetará a visão de Platão sobre os Sofistas, pois eles contribuiram para essa mudança]. Mas houve mudanças. As reformas constitucionais que começaram em Atenas em 462/461 a.C. deram nascimento ao que alguns consideraram uma democracia plena ou pura (p. ex. Plutarco, Cim. [32] 15.2). De fato, a afirmação de Tucídides (II, 37.1), cuidadosamente formulada, deixa claro que a democracia pericleana repousava em dois princípios fundamentais: chamada uma democracia porque a conduta dos negócios é confiada não a uns poucos, mas a muitos [Osório diz: Platão vai achar que isso é para poucos]; mas, conquanto haja igualdade para todos nos negócios civis estabelecidos por lei, permitimos plena liberdade de ação ao valor individual nos negócios públicos".

[Osório diz: São essas mudanças que Platão não suporta!]

Esses dois princípios são (1) que o poder deveria estar com o povo como um todo e não com uma pequena parte do conjunto dos cidadãos [Osório diz: com os aristocratas, como defende Platão e sua família], e (2) que os cargos com direito de aconselhar e agir em nome do povo deveriam ser confiados aos mais competentes e mais capazes de desempenhar essas funções [Osório diz: E quem atestava isso ou seria melhor para atestar? O próprio povo, embora isso não fosse visto com bons olhos por quem perdia poder, em especial o grupo ao qual pertencia Platão]. Em termos práticos, o primeiro princípio era expresso no poder da assembleia e dos conselhos de massa e a extensão gradual do sistema de seleção por sorteio para a maioria das magistraturas municipais. A introdução de pagamento tornou possível que cidadãos mais pobres se apresentassem para possível seleção, e sua importância é atestada pela fúria que provocou na oposição conservadora [Osório diz: leia-se Platão, em especial, embora posterior! Pagamento, justo, pela prestação de serviço público para o público].

Por outro lado, não houve nenhuma tentativa de estender o princípio de seleção por sorteio aos comandantes militares. De um ponto de vista militar isso era, sem dúvida, questão de bom senso [Osório diz: Platão não faz essa importantíssima ressalva!]. O autor do tratado pseudo-xenofontino Sobre a Constituição de Atenas (I, 2-3) contrasta os cargos para os quais todo o mundo pode ser admitido com [33] aquelas magistraturas que, quando bem conduzidas, trazem segurança para todo o povo, mas mal conduzidas trazem perigo; nessas magistraturas o povo não pede para tomar parte — eles não acham que devam tomar parte no generalato mediante sorteio, nem no cargo de comandante de cavalaria. Porque o povo está consciente de que lhe é mais vantajoso não ocupar esses cargos, e deixá-los para os homens mais capazes.[Osório diz: trecho fundamental para destruir o argumento platônico/socrático].

A importância deste segundo princípio não confinava-se a assuntos militares, visto que foi como strategos ou general que Péricles assegurou a si mesmo um poder virtualmente ininterrupto, tanto que Tucídides podia dizer que, sob Péricles, o que tinha o nome de democracia estava, de fato, em processo de se tornar o governo de um só homem.

Estes dois aspectos da democracia pericleana foram, sem dúvida, importantes no desenvolvimento de uma demanda pelos serviços dos sofistas. Mas estaremos provavelmente certos se pusermos maior ênfase no segundo. O que "os sofistas estavam aptos a oferecer não era, de forma alguma, uma contribuição para a educação das massas. Eles ofereciam um produto caro, valiosíssimo para os que estavam buscando fazer carreira na política e na vida pública em geral, isto é, uma espécie de educação secundária seletiva, em continuação à da instrução básica recebida na escola, em linguagem e literatura (Grammatikê e Mausikê), aritmética (Logistikê) e atletismo (Gymnastik)ver, por exemplo, Platão, Prot. 318el; Xenofonte, Constituição dos espartanos, II, 1. Como a educação da escola elementar se completava normalmente no ponto em que o menino deixava de ser crian- [34] ça (Pais) para tornar-se um adolescente ou um jovem (Meirakion) (ver Platão, Laques 179a5-7; Xenofonte, Const. dos espartanos III, I), e visto que se tornar um Meirakion era equacionado com a idade da puberdade, tradicionalmente fixada aos 14 anos (Aristóteles, HA VII. 581al2ss.), podemos dizer, em termos modernos, se quisermos, que os sofistas ministravam uma educação seletiva para a idade de 14 anos em diante.

Essa educação, embora variasse quanto ao conteúdo, parece ter sido sempre, em boa parte, orientada para a carreira. Por volta do início da Guerra do Peloponeso, se é que podemos acreditar em Platão no diálogo Protágoros, estava já suficientemente estabelecida uma outra função — a de treinar mais professores que deveriam, por sua vez, tornar-se sofistas profissionais (Prot. 312a-b). Mas, como a finalidade principal continuava sendo a de preparar homens para uma carreira na política, não é de surpreender que uma parte essencial da educação oferecida fosse treinar na arte do discurso persuasivo. Sobre isso, observou muito bem J. B. Bury:

As instituições de uma cidade democrática grega pressupunham, no cidadão comum, a faculdade de falar em público, o que era indispensável para quem quer que ambicionasse uma carreira política. Um homem que fosse arrastado ao tribunal por seus inimigos e não soubesse como falar era como um civil desarmado atacado por soldados. O poder de expressar ideias claramente e de maneira a persuadir seus ouvintes era uma arte a ser aprendida e ensinada. Mas não bastava adquirir domínio do vocabulário; era necessário aprender como argu- [35] mentar, e exercitar-se na discussão de questões políticas e éticas. Havia uma procura de educação superior. [Osório diz: por que os sofistas eram necessários às circunstâncias e necessidades da Atenas do século V].

Os sofistas, então, supriam uma necessidade social e política. Mas além disso eles deviam muito ao patronato individual e, acima de tudo, ao patronato de um homem, Péricles. Isso é algo que talvez não tenha sido sempre reconhecido, tanto quanto deveria, nos relatos sobre o movimento sofista [Osório diz: eu, particularmente, sempre o reconheci!]. A falta de dados torna difícil para nós formar qualquer juízo claro e confiável sobre a personalidade de Péricles. Mas seu intelectualismo não se discute. Seus associados mais próximos e, ao que parece, seus únicos amigos pessoais eram artistas, intelectuais e filósofos. Um dos sofistas, o ateniense Damon, amigo de Sócrates e fiel companheiro de Pródicos, foi mencionado como seu "instrutor e mestre em política", e Isócrates disse de Damon que ele era considerado o homem mais sábio de seu tempo. Subsequentemente ele ganhou suficiente importância política para ser expulso de Atenas, por dez anos, pelo processo do ostracismo [Osório diz: a entourage de Péricles].

De importância ainda maior foi Anaxágoras. Segundo Plutarco, esse era o homem que Péricles admirava até ao exagero. Adquiriu com ele a sua gravidade de pensamento e de aparência e, mais ainda, seu racionalismo científico e a rejeição da superstição. Isso era ilustrado pela história segundo a qual Péricles fora capaz de explicar o eclipse do sol, em 431 a.C., e acalmar os que estavam assustados, explicando os movimentos do sol e da lua e ilustrando o que dizia com a sua [36] capa, levantando-a, aparentemente para esconder seu próprio rosto. Mais importante, contudo, do que essa história é o testemunho de que tentava basear todas as suas ações em decisão racional e cálculo judicioso (Gnomé) de preferência a emoções (Orgé), esperança ou acaso. [Osório diz: Péricles e Anaxágoras].

Além de Anaxágoras, havia outros intelectuais intimamente associados a Péricles (cf. [Platão] Alcib. I 118c). Protágoras era certamente um deles. Ele elogiava Péricles por sua atitude filosófica depois da morte de seus dois filhos ilegítimos na praga de 429 a.C. (DK 80B9). Muito antes, ele tinha sido claramente escolhido, por Péricles, para escrever as leis para a nova cidade de Turói, uma importante fundação na Itália meridional, no ano 444/443 a.C. O traçado das suas ruas fora encomendado a Hipódamo de Mileto, teórico político e planejador urbanista que foi também responsável pela configuração das ruas do porto de Atenas, em Pireus. É-nos dito, ainda, que Protágoras passou, certa vez, um dia inteiro conversando com Péricles sobre a questão de quem ou o que deveria ser corretamente acusado por uma morte acidental ocorrida durante a celebração de um festival atlético — a arma (um dardo), o homem que o lançou ou os organizadores dos jogos. [Osório diz: Péricles e Protágoras].

Uma outra tradição preservada por Plutarco (Per. 4,3), mas provavelmente conhecida também por Platão (DK 29A4), conta que Péricles ouvia as conferências de Zenão, o Eleáti- [37] co. Outros do seu círculo eram Heródoto, o historiador, Fídias, o escultor, e Sófocles, o tragediógrafo. [Osório diz: a entourage de Péricles].

A provável influência do pensamento sofista em Péricles não passou, de fato, despercebida. Mas a importância dele na promoção do movimento sofista não era, claramente, menos importante. Não foi por acaso que sofistas de todo canto do mundo grego vieram para Atenas. Isso foi devido, em parte, à própria Atenas. Primeiro, porque a cidade oferecia excelentes oportunidades para um sofista ganhar muito dinheiro e, segundo, em nível mais elevado, porque, sob muitos aspectos, ela estava em processo de se tornar um verdadeiro centro intelectual e artístico para toda a Grécia. Mas o patronato individual era também importante. Protágoras, o diálogo de Platão, abre com um brilhante cenário na casa de Cálias, em Atenas. A cena dramática é colocada exatamente antes do começo da Guerra do Peloponeso. Hospedados na casa de Cálias estão Hípias e Pródicos, aos quais se reunira, recentemente, Protágoras, que chegara do exterior dois dias antes. Estão presentes, também, muitos dos seus seguidores e discípulos reunidos para ouvir seus discursos. Esse Cálias pertencia a uma das famílias mais ricas de Atenas e, segundo Platão, na Apologia (20a4-5), gastou mais dinheiro com os sofistas do que foi gasto por todos os outros juntos. Não pode ser insignificante o fato de sua mãe ter sido a primeira mulher de Péricles, antes de se casar com o pai de Cálias, Hípônico. Além disso, Cálias não era o único patrono particular dos sofistas — ficamos sabendo, por Platão, que Górgias es- [38] tava hospedado e preparado para fazer uma palestra na casa de Cálicles (Górgias, 447b7-8), e especulações posteriores sugeriram que Protágoras fez a leitura de sua obra Sobre os deuses ou na casa de Eurípides ou na casa de um certo Megaclides (Diógenes Laércio IX, 54). [Osório diz: quem foi Cálias / Protágoras leu sua obra – escrita].

Embora fosse esse, claramente, um importante patronato particular, dificilmente teria a mesma importância que o de Péricles. Não sabemos se ele teve, alguma vez, sofistas hospedados em sua casa, mas há menção de conversas com sofistas em sua casa, aparentemente em inúmeras ocasiões (Plut. Per. 36.2). Mas já vimos o seu grande interesse pessoal por eles. Considerando-se a sua posição, é razoável supor que a importância desse interesse tenha sido considerável.A profissão de sofista, em Atenas, não era isenta de perigo. O ponto de partida, aqui, são as palavras que Platão põe na boca de Protágoras:

Quando um homem, que é um estrangeiro, vai para grandes cidades e lá persuade os melhores jovens a abandonar suas associações com outros, sejam parentes ou estranhos, mais velhos ou mais jovens do que eles, para se associarem consigo, movidos pela ideia de que se tornarão melhores mediante a sua associação com ele, um homem que assim procede precisa estar vigilante. Pois grandes são os ciúmes que surgem junto com outros ressentimentos e ataques contra ele [Osório diz: isso parece até uma confissão, no contexto!]. Ora, eu declaro que a arte sofista é muito antiga, mas os que a praticavam nos tempos antigos [Osório diz: já!? A antiguidade da Sofística! É que ela nasceu com o homem: falar é sofismar!], receando o ódio que despertava, construíam um escudo e máscara para si mesmos; alguns deles poesia, como no caso de Homero, Hesíodo e Simônides; al- [39] guns, ritos religiosos e profecias, como fizeram Orfeu, Museus e seus seguidores, alguns, tenho observado, também o atletismo, como aconteceu com Icos de Tarento e um outro ainda vivo, Heródico de Selimbria, originalmente de Mégara, tão sofista como qualquer outro; e música foi disfarce adotado por vosso próprio Agátocles, um grande sofista, e Pitocleides de Ceos e muitos outros. Todos esses, como digo, receando a má vontade contra eles, usaram essas artes como anteparos (Prot. 316c5-e5). [Osório diz: rol interessante de sofistas anteriores ao século V! Muito estranha essa não condenação, o que leva a crer até em uma possível distorção dos escritos platônicos].

Protágoras prossegue dizendo que ele mesmo não tomou esse caminho [Osório diz: o do disfarce?]. Admite que é sofista e que educa homens. Considera isso melhor precaução do que total negação. Mas ele inventou "outras precauções também" (317b6-7) cuja natureza não é especificada, de modo que, por isso, não sofre dano em consequência de sua admissão de que é sofista.

A certa altura, Platão até põe na boca de Sócrates a afirmação de que Atenas permite maior liberdade de palavra do que qualquer outro lugar na Grécia (Górgias, 461e2), e isso se conservou, até o século IV, como uma das características das quais os atenienses se orgulhavam (cf. Demóstenes IX, 3). A "Nota de Liberdade" tem sido regularmente declarada uma das glórias do gênio grego, manifesta em Atenas mais do que em qualquer outro lugar no século V a.C. Entretanto, como escreveu E. R. Dodds,

os indícios que temos são mais do que suficientes para provar que a Grande Era do Iluminismo grego era também, como no nosso próprio tempo, uma Era de Perseguição — banimento de intelectuais, antolhos para o pensamento e até (a crer na tradição sobre Protágoras) [40] queima de livros. Isso afligiu e confundiu os professores do século XIX, que não tinham a nossa vantagem da familiaridade com esse tipo de comportamento. Isso os confundia ainda mais porque acontecia em Atenas, a "escola da Hélade", a matriz da filosofia e, até onde vai nossa informação, em nenhum outro lugar. Daí a tendência para duvidar dos dados, sempre que possível; e quando possível explicar que o motivo real por trás das denúncias era político.

Sem dúvida, os que atacavam os filósofos, em Atenas, estavam atacando Péricles. Isso é simplesmente prova do íntimo envolvimento e da patronagem de Péricles em relação ao movimento sofista. Mas os indícios são realmente fortes de que houve toda uma série de processos contra filósofos e outros em Atenas, na segunda metade do século V a.C., geralmente sob a acusação de Asebeia ou impiedade. Isto é preservado não por uma fonte, mas por várias. Entre as vítimas se incluía a maioria dos líderes do pensamento progressista em Atenas: Anaxágoras, Diágoras, Sócrates, Aspásia, Protágoras e Eurípides, embora no seu caso pareça que a denúncia não foi bem-sucedida. De Protágoras se disse que foi exilado de Atenas e seus livros foram queimados (DK 80Ale3); [41] parece não haver dúvida de que Anaxágoras foi exilado, embora a data seja incerta. Fídias, depois de condenado por apropriação indébita, ou morreu na prisão ou foi exilado. Damon, como vimos, sofreu o ostracismo. É difícil acreditar que tudo isso foi simplesmente inventado, a despeito da incerteza sobre alguns detalhes. [Osório diz: perseguição aos intelectuais em Atenas. Mais uma vez Sócrates não difere dos demais sofistas! Sócrates, no entanto, parece que não é do agrado de Péricles! Se o fosse, talvez Platão tivesse dito ou o destacou dos demais, justamente para fazer o contraponto, tentando dizer que ele era o melhor, daí não ter recebido atenção].

Plutarco (Per. 31-32) reúne um certo número dessas acusações e as situa por volta do início da Guerra do Peloponeso, associando-as a um decreto de Diopeites prescrevendo a instauração de processo público (pelo processo de eisangelia) contra os que não acreditavam em coisas divinas ou que davam lições de astronomia [Osório diz: talvez esse seja o real motivo para Sócrates negar a astronomia! Medo!]. As tentativas de datar o decreto depois do início da guerra, claramente motivadas por um desejo de associá-lo com a histeria da guerra e mesmo com emoções evocadas pela praga, deveriam ser descartadas. É até possível que alguns dos processos reais fossem anteriores a 432 a.C. Finalmente, tem de ser feita referência a uma intrigante afirmação na Retórica 1397b24, de Aristóteles, segundo a qual a rejeição de uma afirmação provável é aceita como um bom argumento para a rejeição de outra afirmação menos provável. Portanto, se não se deve menosprezar outros especialistas, os filósofos também não deveriam ser menosprezados. Se os generais não devem ser menosprezados porque estão frequentemente sujeitos à morte, tampouco devem ser menosprezados os sofistas. Aqui a interpretação do texto thanatountai é segura e não deveria ser alterada. Mas não significa realmente condenados à morte, mas apenas sujeitos à ameaça de [42] morte. O que Aristóteles está dizendo é que a profissão de sofista era perigosa, embora menos do que a de general. [Osório diz: a profissão de sofista era perigosa por que eles mexiam com interesses profundos da sociedade: dinheiro e poder ou poder e dinheiro. Alternância de poder e divisão de riqueza gera conflitos, e dos maiores].

Em vista dos testemunhos acima não é de se duvidar da autenticidade da tradição segundo a qual alguns sentiam que seria prudente que o sofista ocultasse o fato de ser sofista. Encontramos isso não só na passagem do Protágoras de Platão citada anteriormente, mas também aplicado a Damon, na Vida de Péricles, de Plutarco; tratado como pilhéria por Sócrates, no seu próprio caso, em Teeteto 149a7 [Osório diz: nisso é pilhéria? No dos outros não?]; como um argumento sério na Apologia 33c4-34b5, e aplicado a outros, além de Protágoras, em Mênon 91e3-92a6. Se os sofistas poderiam ocasionalmente sentir-se inseguros em Atenas, certamente haveriam de ter recorrido ao apoio de Péricles. Consta que Péricles interveio diretamente para socorrer Anaxágoras e Aspásia. Não há por que duvidar de que sua influência estava disponível para socorrer outros também, e é provável que o apoio de Péricles fosse a secreta fonte de segurança em que se fiava Protágoras (Prot. 317B6-7).

Em vista de tudo o que foi dito, podemos agora concluir que não somente a situação geral em Atenas, mas também o franco encorajamento de Péricles é que trouxeram tantos sofistas a Atenas. A sua vinda não foi provocada simplesmente por algo de fora mas, antes, por um desenvolvimento interno à história de Atenas. Eles faziam parte do movimento que estava produzindo a Nova Atenas de Péricles, e era como tal que foram, ao mesmo tempo, bem-vindos e atacados. Eles atraíam o entusiasmo e o ódio que regularmente advêm àqueles que [43] estão profundamente envolvidos num processo de fundamental mudança social. A mudança que estava se realizando era, ao mesmo tempo, social e política, de um lado, e intelectual, de outro. Mas esses dois aspectos não eram separados; ambos faziam parte de um único processo complexo de mudança [Osório diz: qual autor não diz! Mas podemos dizer: poder político e divisão de riqueza].

Este capítulo intentou compreender o movimento sofista como um movimento social dentro do contexto da sociedade ateniense do século V. Acredito que não há necessidade de me justificar pela ênfase dada aos aspectos especiais existentes em Atenas e, em particular, pela importância atribuída à influência pessoal de Péricles, embora reconheça que em ambos os pontos talvez esteja indo um pouco mais longe do que foram outros especialistas. Seria um engano dar a impressão de que o movimento sofista era alguma coisa confinada em Atenas. Os sofistas vieram de muitas partes do mundo grego, viajaram longas distâncias, visitando cidades por toda parte (Platão, Ap. 19e5), ou pelo menos as cidades maiores (Platão, Prot. 316c6), das quais, ao que parece, estavam sujeitos a ser expulsos, exatamente como acontecia em Atenas (Platão, Mênon 92b3). Alguns sofistas, contudo, não eram estrangeiros, mas cidadãos das cidades nas quais ensinavam (Platão, Mênon 91c2, 92b3, Sof. 223d5). Quando um sofista viajava, ia provavelmente acompanhado de alunos que, como ele, chegavam como estrangeiros nas cidades que estavam visitando (Platão, Prot. 315a7). Górgias teve alunos em Argos, onde atraiu muita hostilidade da população local (ver DK Vol. II, 425.26), e em outro período de sua vida parece que se fixou em Tessália (DK 82A19). Hípias viajou muito, especialmente no mundo dório e, portanto, até Esparta e Sicília; e Protágoras também viveu por algum tempo na Sicília. [44] [Osório diz: Os sofistas como professores itinerantes. Embora Atenas, por sua riqueza e poder tenha sido o palco principal deles]. (Fonte: O movimento sofista, G. B. Kerferd, tradução de Margarida Oliva, Loyola, São Paulo, 2003, p. ____)

 

Foi, assim, que os Sofistas chegaram na cidade, ensinaram, ficaram ricos e deixaram suas marcas para sempre na cultura grega e Ocidental, desde então.

Os Sofistas, portanto, nada mais fizeram que simplesmente atender a uma demanda ateniense pelo saber, pelo conhecimento que eles detinham.

E, ao ensinarem, os Sofistas abriram um fosso que jamais veio a ser fechado, pois, com conhecimento, demonstrarem que o conhecimento é precário e limitado, sendo, por isso, odiados pelos donos da verdade, especialmente professores e religiosos ou os dois juntos e misturados.

Dizer a verdade, para os Sofistas, passou a ser o seu crime, numa completa inversão do que se diz, embora, intimamente, não se acredite nisso!

Que professor chega em sala de aula e diz, logo de início, que não tem conhecimento do que se propõe a ensinar?

 

11 No texto a seguir só posso proceder por generalizações que, inevitavelmente, estarão sujeitas a qualificação. Para maior discussão da controvertida questão do desenvolvimento económico da Grécia antiga, ver M. M. AUSTIN e P. VIDAL-NAQUET, Economic and Social History of Ancient Greece, Londres, 1977, e C. G. STARR, The Economia and Social Growth ofEarly Greece, Nova Iorque, 1977.

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